Florbela Espanca disse no texto Sonhos que o ideal é "Ter um sonho, um sonho lindo...que se sonhasse a sorrir...que se sonhasse a chorar...ter um sonho, que nos fosse a vida, a luz, o alento,que a sonhar beijasse doce a nossa boca... "
Ora, uma mulher tão meiga e sonhadora não deveria ter o nome de Espanca, mas outro qualquer que traduzisse o espírito idílico, um tanto reprimido sem ter ainda conhecido os filósofos tristes como Schopenhauer e o pensador Walter Benjamin.
Quem seria Florbela? Triste, só, mal compreendida? Teria uma paixão secreta por um dos seus pares não correspondida? Teria vontade de beijar e não era clara o suficiente para conquistar um beijo?
Seria uma predecessora das operárias que viraram símbolo da luta contra o abuso do poder no início da revolução industrial?
A sonhadora que pedia beijos talvez tivesse lábios que fizessem com que os homens ficassem confusos. Florbela ainda que não queria romper laços, laços, laços.
Florbela faz lembrar a jovem que cultivava uma rosa solitária no interior daquele país, esperando a chegada da nau cabralina onde suas esperanças alimentavam amores, dias quentes de romance.
A jovem Luzia com certeza, iluminada ante um simples cumprimento, um gesto de boa vontade. Coisa de quem ama sem ser amada, mas mantém a esperança.
Sem dúvida Florbela não tinha aquele perfil ideológico da revolucionária que segurava o cravo vermelho em alusão ao sangue derramado pela busca da mudança.
Vi Florbela na mão de uma estudante. Não espancava, apenas chamava, tentando mostrar que seu espírito inquieto ainda não tinha sido percebido, pedindo uma nova chance, um momento.
Florbela não tinha muito a ver com o oito de março comercial. Queria uma flor, apenas. Um beijo quem sabe. Um romance fulgural que valesse a troca de olhares trocados rapidamente num sinaleiro conturbado, que se sonhasse a sorrir...que se sonhasse a chorar...que a sonhar beijasse doce a nossa boca... um alento... o norte,
na vida o único trilho...
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