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Contos-->RAIMUNDO FIM-DO-MUNDO -- 20/10/2005 - 15:57 (FLAVIO DIAS SEMIM) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Raimundo Nonato nascido lá no norte do Brasil, sempre foi um rapaz educado em bons colégios, tendo por isso uma cultura sólida. De família razoavelmente endinheirada e extremamente religiosa, foi para São Paulo cursar Direito, em uma das mais famosas faculdades da Capital, sem ter, na realidade, muita vocação para o ramo das Leis, mas que fazia apenas para atender o desejo de seu pai. Sua vocação era, sem qualquer sombra de dúvida, a religião e tinha a Bíblia sempre em sua companhia, junto aos livros escolares.
Ainda na infância, preparando-se para a sua primeira comunhão, o trecho bíblico que ensina o reinado de Cristo com Seus santos por mil anos, após o que a Terra estará completamente desolada, sem habitantes humanos, ( Apoc. 20:1-10) impressionou-o profundamente e da qual jamais conseguiu se afastar:
Na mocidade, ouvindo de um membro de uma seita religiosa a frase “Do mil passarás, ao dois mil não chegarás”, abandonou a faculdade e passou a seguir os ensinamentos daquela teoria, resultando dai durante a vida toda tornar-se seu defensor e na sua obsessão pregar a todos tal doutrina, sempre e em qualquer lugar que estivesse, transformando-se em um verdadeiro profeta do apocalipse.
Muitos amigos já o evitavam e diziam quando ele se aproximava: “Lá vem o Raimundo Fim-Do-Mundo! “
A cada ano ele acreditava cada vez mais que a passagem de 1999 para o ano 2.000 seria o momento fatal, o fim dos tempos, o fim do mundo, e para isso se preparava psicológica e espiritualmente.
Com o correr dos tempos e com a aproximação da data fatal, passou a pregar nas praças, nas ruas, nos ônibus, no campo e na cidade, travando uma luta desesperada contra as horas e os dias, ao tentar convencer as pessoas à procurarem rapidamente a salvação, pois a data fatídica estava prestes a acontecer.
Sua saúde se debilitava, sua fraqueza física a cada dia mais se mostrava, seus ossos afloravam o corpo todo, marcados sob sua pele, apenas a voz se mantinha forte para ser ouvida pelas repetitivas palavras: “ao dois mil não chegarás”. Sua aparência demonstrava sinais de loucura e moleques maldosos seguiam-no pelas ruas, cantando num ritmo debochado, zombeteiro: Raimuuundo Fim-Do-Muuundo, Raimuuundo Fim-Do-Muuundo!.
Dezembro de 1999 estava por terminar e o Raimundo Fim-Do-Mundo agora ostentava sinais de fragilidade mental, levado pelo fanatismo desenfreado de sua crença. A cada um de quem conseguia um pouco de atenção apregoava sua idéia fixa, repetindo após breve oração: “Busca a salvação pois ao dois mil não chegarás”, podendo o interlocutor ouvir a distância o bater cada vez mais forte de seu coração.
Dias 29, 30 e finalmente dia 31 de dezembro de 1999, véspera do dia fatal, Raimundo Fim-Do-Mundo andava pelas ruas do bairro onde morava e gritava a todos, sem que ninguém mais lhe desse atenção: “salvem-se todos pois ao dois mil não chegarão” e chorava. A noite se aproximava e o povo já se preparava para receber o novo milênio, apenas Raimundo procurava se esconder, em qualquer canto, sem encontrar um canto seguro. Família não tinha naquela cidade e portanto não tinha um peito carinhoso para lhe aconchegar. Seus olhos, esbugalhados, fixavam o grande relógio da praça e sua pulsação disparava, na medida em que os ponteiros avançavam. Não demonstrava a serenidade que tanto apregoava.
Cinco, quatro, três, dois, apenas um minuto para a meia noite, para a zero hora do ano novo e o povo já delirava de alegria, quando um potente rojão foi disparado por algum afoito feliz. O Fogo riscou o céu, subiu rápido deixando fagulhas no seu rastro e explodiu num estrondo ensurdecedor. O barulho como de um trovão fez Raimundo tremer quando estava fitando o céu e os fogos disparados a seguir já não mais foram ouvidos por ele, pois junto com o violento estampido e a explosão de fagulhas seu coração também explodiu, num colapso fulminante.
Tombou para a frente, ajoelhado, com as mãos tapando seu olhos arregalados, sem um gemido, sem uma lamentação, sem um Adeus, engasgado pelo pavor. O homem que o tomou nos braços, velho conhecido do Raimundo Fim-Do-Mundo, percebendo que o fim havia chegado para aquele ser, murmurou enquanto com o polegar direito fechava os olhos do falecido:
- Ao dois mil não chegastes, Raimundo, ... por um minuto apenas.

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