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Cartas-->DEPOIMENTO: O AMOR SEM DIREITO AO EGOÍSMO-1 -- 24/07/2003 - 03:55 (ROSAPIA (veja página 2)) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DEPOIMENTO: O AMOR SEM DIREITO AO EGOÍSMO-1

Ela chegou com um ano de idade. Diretamente dos braços da miséria e da tortura da fome para meus braços com sede de envolvê-la. Anêmica em grau perigoso. Mas viveria - meu amor dizia e entrou em ação. Em pouco tempo ficou fisicamente curada. Um ano mais tarde a terrível descoberta: a desnutrição vinha de longe na sua família de origem, seu cérebro estava comprometido. Correria: psicólogos, neurologistas, tratamentos, remédios, exercícios... Muito pouco progresso. No plano biológico meu amor conseguira. No plano mental foi bem maior o preço, prejuízo incalculável, tornando o futuro imprevisível. O mal foi rotulado de “deficiência leve”. Sob o rótulo, a vida pesada. Desde pequenina, manifestações diversas que pareciam obsessões. Com o crescimento, as insuficiências se delineando nas áreas do intelecto e da concentração. As obsessões que apenas pareciam se tornando certezas. Uma delas: a atração pela rua, pelo vasto mundo, pelo ilimitado, pela liberdade que não conhece fronteiras. Bem cedo ganhou o espaço desejado, atirou-se ao mundo e se tornou andarilha. Saía e voltava quando queria. Aprendi a respeitar seu direito ao vôo. Mas sofria, sofria, sofria...

Falo de minha filha, depositária única de meu maior amor.

Chegou em casa um dia, sentia saudade. Sempre sentia. Quando voltava, passava por médicos, checando a saúde. Tudo sempre certo, saúde perfeita. Mas daquela vez havia algo novo: uma gravidez. Entrei em desespero. Uma vida ali, diante de minha impotência. Chorar foi bom e abusei do chorar... Pensar era preciso, mas muito difícil. Ela não tinha responsabilidade para criar uma criança: como criar uma criança na rua? Eu não podendo assumir: nem mesmo trocar uma fralda eu podia, impedida por uma pólio agravada com a idade. Pensar foi preciso... e pensei na dolorosa solução: entregar a criança para adoção. Tremi ao pensar: eu adotara uma criança na ânsia de amá-la, agora uma criança nascia em minha casa e eu não podia tê-la comigo. E já a amava. Mas não havia o que discutir. Propus, temerosa, a solução e minha filha aceitou. Tentamos tocar a vida normalmente e parti para a procura dos meios que levariam à adoção. A TV me informou, casualmente, de um trabalho que existe numa das capitais brasileiras, fundado e coordenado por um Juiz de Menores: Projeto Pais de Plantão. Falei diretamente com o Juiz e soube que se tratava de casais interessados que ficavam numa “fila” esperando a criança que lhes seria entregue. Os casais eram selecionados e orientados por profissionais competentes. Estava resolvido: a nossa criança passaria diretamente para os braços amorosos de pais que a esperavam, jamais ficaria num berço frio de qualquer instituição, à espera de alguém que a quisesse. O Projeto Pais de Plantão seguia a ordem natural: pais esperando pelos filhos!

Isso resolvido, minha dor prosseguia. Eu imaginando o futuro de minha filha. Na rua, sem conseguir raciocinar ou aprender, certamente engravidaria outras vezes. Não sou eterna... posso não estar aqui para prestar-lhe o socorro necessário. E foi tomando corpo em mim a idéia de uma laqueadura. Minha consciência estremecia ante a idéia. Que direito tinha eu de resolver os destinos de seres que nem tinham sido gerados? Mas a cena de minha filha nas ruas do mundo, com um punhado de crianças sujas, com fome e frio, me atormentava. Expliquei a ela, nos mínimos detalhes, o que era a laqueadura... e fiz a proposta. No caso dela era terrível, pois eu detesto fazer cabeças de outrem, como detesto quando tentam fazer a minha. E não havia alternativa em se tratando da cabeça dela. Mas optei por me vencer e assim proceder. Ela vacilou de início, conversamos bastante, acabou por entender e aceitar. E isso foi feito, quando do parto.

Nasceu minha neta! Uma linda menina! Forte e saudável. Muito difícil descrever a emoção do momento em que a vi pela primeira vez. Encostei-me ao vidro do berçário e chorei copiosamente enquanto falava com ela em voz alta e entrecortada por soluços incontroláveis. Ela me encarava séria, olhinhos bem abertos como a adivinhar a causa de minha angústia, como a querer captar cada palavra minha, parecendo saber que aquele momento era a única chance de nós duas.

Três dias depois, a saída do Hospital. Um casal de amigos, Nicanor e Claíbes, tinham ido para o parto. Eles a levariam ao destino final, uma das capitais deste imenso Brasil. Cuidaram dela durante cinco dias, enquanto esperavam passar um feriado prolongado, para que não se corresse nenhum risco na viagem. E tomaram a estrada rumo ao fim desse doloroso caminho. Entragaram-na diretamente aos pais, cujo nome nunca foi revelado. E a entrega foi uma emoção vivida e sorvida por meus amigos. Os novos pais, que a esperavam, se abraçaram a eles chorando comovidos, agradecidos pelo tesouro que recebiam. O meu tesouro entregue para sempre. Para sempre em mim a dor do nunca mais!

A chance de ser feliz foi meu único presente à minha neta querida. E o mais grato e maior do que ficou, hoje minha glória, foi a chance de ter vivido, pela primeira vez e, acredito, a última, o amor sem a menor dose de egoísmo. Se eu acolhesse a tentação do mínimo egoísmo, não daria a ela a chance de ser feliz.

Este o depoimento que quero deixar para todos que me quiserem ler, concordem ou não com meu gesto. E convido você, meu leitor, a ler o poema que publico em página à parte: “PARA ZELINDA LINDA!”. Foi feito entre lágrimas para minha neta no dia em que ela partiu para seu destino, traçado por mim a contragosto mas revestido do amor mais bonito que me foi dado viver. Em pouca coisa eu creio, mas acredito com todas as forças que meu enorme sofrimento reverterá em alegria e garra para minha neta. Essa criança mudou minha vida e em mim, definitivamente, consolidou o Amor!

LEIA O POEMA:
DEPOIMENTO: O AMOR SEM DIREITO AO EGOÍSMO-2

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