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Contos-->A VITRINE -- 02/12/2005 - 16:36 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A VITRINE


Fernando Zocca


Gari K. Aspa White, alisou os cabelos brancos e pensando no presente que compraria à sua namorada eterna, entrou no Logus vetusto; acomodou sua magreza extrema no assento roto e, ao dar a partida, notou que algumas empregadas ociosas do comércio mortiço, de Tupinambica das Linhas, praticavam a fala automática. Era uma espécie de jogo, executado por maníacas que se viam enliçadas nos emaranhados duma logorréia incrível.
Elas usavam, na verbigeração, séries de palavras sem nexo, geralmente as mesmas, com o fim de aliviar a tensão psicológica produzida no ambiente falto de trabalho. A verbomania tinha incentivo nas doutrinas da seita maligna do pavão-louco. Esta, por sua vez era respaldada pelo poder político de Tupinambica das Linhas, a cidade que concentrava a maior quantidade de histéricas e maníacas, jamais vista em toda a história da humanidade.
"Pobres moças", pensou Gari K. Aspa White, "Terão um futuro nebuloso cercado por crendices, supertições e afecções mentais." Ele observou também que havia um fundo reivindicativo naquelas palavras.
K. Aspa White manobrou o calhambeque, e ao entrar no fluxo fraco da rua, lembrou-se da professora, sua vizinha que, para passar nos exames finais do curso de pedagogia, organizava sanfonas - tiras estreitas de papel - onde escrevia colas. White rememorou o vexame que a moça viveu quando, diante de todos os demais colegas do curso, foi flagrada colando. A infeliz traumatizou-se de tal forma que não podia nem sequer ouvir a menção do nome do Hermeto Paschoal.
Essa professorinha foi terrível na adolescência. White lembrou-se do que ela lhe contara há algum tempo, quando vinham caminhando, depois de comprarem pão e leite na padaria do bairro. Ela dizia: "Sabe seu White, meu tio, irmão da minha mãe, ocupou uma casa que pertencia ao espólio da família. Todos os cinco irmãos tinham direito à propriedade, em decorrência do falecimento do meu avô. Mas esse meu tio, chorando as pitangas, convenceu a nossa nona a deixa-lo morar, de graça, na propriedade que deveria ser vendida. Ninguém mais conseguia tirá-lo de lá. Aí, seu White, eu fiquei com tanta raiva que no dia em que completei 15 anos, convidei minha tia, e seu filho para a festa de aniversário. A sem teto disse que não poderia ir, mas que mandaria seu filho, meu primo, com oito anos. Quando o menino chegou, estavam na sala, ouvindo Celi Campello, um outro rapaz e eu. Meu primo nem colocou os pés na porta da sala e eu já gritei para minha mãe que não queria que o menino entrasse. Vi que o garoto ruborizou-se. Ele estava constrangido e confuso: sua mãe, a meu pedido, o mandara para a festa, depois de lhe dar um bom banho e vesti-lo com roupas novas. Quando ele chegou foi recebido daquele jeito. Eu não fiquei com dó. Ele passou vexame diante de todos os que estavam chegando. Foi bem feito. Era uma lição para o pai dele que deveria sair do imóvel."
Oscar Alho, caçava moscas na sua loja, quando viu o Logus velho aproximar-se. Alho pensou: "Pra quem já anda desativado, a expectativa dum negocio desse, que se aproxima, à essa hora, nessa altura do campeonato, vai revigorar o setor." No rádio o locutor falava, com entusiasmo, sobre os projetos do Sr. Pitirim Zorror, que construiria um sobrado supimpa na cidade, coisa jamais vista em todo interior do estado de S. Tupinambos. Seria um marco de prestígio e exibição de poder. Depois dos comerciais, anunciaram a entrevista com o conceituado doutor Plasmam, homem de negócios e empreendimentos, que revitalizaria a praça central da cidade. Ele colocaria 29 câmeras no largo.
O comerciante Oscar Alho, acostumado ao bucolismo daquele trecho do universo, achou que o movimento, no seu estabelecimento, estava já desgastante: acabava de entrar o famoso senhor professor doutor, emérito criador do primeiro museu de H2O do mundo. Na verdade o eminente mestre planejara erigir uma homenagem sólida para a água do rio Tupinambicas das Linhas. E foi isso mesmo que o preclaro deputado doutor Tendes Trame fizera. Diziam que esse catedrático criara a fórmula da água em pó. Tudo estava em seus planos para o futuro. Mas os resultados só seriam divulgados depois da reeleição, é claro.
Tendes Trame perguntou se Oscar Alho tinha um rádio a pilhas. Quando o comerciante abriu a vitrine para tirar de lá o modelo novo, recém-chegado, o doutor começou a falar: "Sabe, eu tenho um parente que é dado ao uso excessivo do álcool. Ontem à noite ele chegou ao quarto e depois de sentar-se à cama, acendeu um cigarro. Ele preocupou-se então, com aquele pirilampo esquisito que voejava diante do espelho da penteadeira. Era um inseto vermelho, que subia e descia diante dos olhos dele. Você sabe, essa gente que bebe tem cada uma! Ele logo imaginou que fosse algum trabalho feito, macumba da brava e por isso, tentando afastar aquela coisa que lhe dava medo, atirou o rádio no bicho. No dia seguinte o infeliz pode notar que havia quebrado o aparelho e o espelho do móvel. Mas não é mesmo um caso pra psicoterapia?"
Oscar Alho retrucou com uma passagem semelhante: "Meu irmão bebum vivia conversando com a samambaia que nasceu na fresta do muro. Eu fiquei muito preocupado e comuniquei o fato pra mamãe; afirmei que deveríamos levar o Júnior ao médico; encaminha-lo para uma avaliação. A velhota então explicou que falar com planta não significava nada. Segundo ela, as coisas estariam complicadas se o vegetal respondesse."
Oscar embrulhava o objeto, quando surgiu Gari K. Aspa White. Tendes Trame olhou-o de baixo a cima. O professor emérito lembrou-se de que aquele sujeito não era nenhuma cascavel, mas que também não gostava de fogo nos canaviais. Isso, aquelas posturas e idéias todas, eram nocivas para os produtores de pinga da região. Do alto da sua empáfia Tendes Trame disse para Oscar, referindo-se ao Gari: "Essa região está cheia de laranjas malucas. Não posso imaginar a quem interessaria certas posturas contrariantes."
Alho percebeu que haveria confusão. Os ânimos na cidade estavam exaltados. A pendenga entre incendiar canaviais ou não mobilizava os interessados. Gari sentiu a espetada do deputado e limpando então o gogó passou a responder. Ele disse: "Tudo que vem de usineiro faz mal pro povo brasileiro! Veja bem: a pinga pode te levar à loucura, conforme se vê nos hospitais psiquiátricos de todo o estado. O açúcar causa diabetes, a obesidade, problemas circulatórios e dependência das drogas usadas no combate a essas doenças. O fogo usado para a queima da palha da cana produz fumaça que danifica os pulmões dos idosos e crianças. E por fim, o latifúndio utilizado por esses grupos econômicos, se fosse distribuído como loteamento, para as pessoas residentes nas favelas da cidade, minimizaria em muito, a miséria dessa Tupinambica das Linhas, meu amor."
Gari logo se lembrou que aquela gente era possuidora de dinheiro e propriedades, mas além disso tudo, para se auto-aprovarem, desmereciam os demais. Eram pessoas que confundiam ex-craque com escroque. O clima esquentou dentro da loja.
Tendes Trame pagou o preço da sua compra e saiu apressado, pisando firme.
Gari, sem fazer qualquer comentário sobre o almofadinha opressor disse, ainda com a voz embargada, que desejava presentear sua namorada com algo que ela ainda não tivesse. Gari perguntou: "Piteira! O senhor tem piteira? Mas tem que ser de ouro!" Pode parecer mentira, mas o Oscar tinha a boquilha que Gari desejava. E pasme o nobre leitor: era de ouro puro!"
K. Aspa White pagou a compra com cheque; agradeceu e, ainda nervoso, saiu daquele ambiente. Entrando no carro avelhado deu a partida e tomou o rumo da sua casa.
No caminho, respirou fundo. As idéias voltavam com os movimentos lentos do veículo. K. Aspa novamente lembrou-se da professora: ela contara que além de submeter aquele seu primo a humilhação pública, soubera que um vizinho levou-o à uma rinha de briga de galos. Ela disse que deixaram o moleque sozinho defronte o rinhadeiro. Ele via os galos que brigariam; estavam em gaiolas. Os homens bebendo e fumando conversavam numa sala contígua; causavam um burburinho tenebroso no ambiente todo. Os homens apostavam. Diziam coisas que faziam o menino pensar que falavam dele. Eles expressavam idéias ambíguas, adjetivos com significados duplos, tanto serviam para os animais como para o garotinho.
Um dos homens, que usava bigodes brancos, se aproximou e, pensando que não era visto, pegou o galo pequeno de pescoço pelado (aquela parte da anatomia do bicho evocava um falo enorme); deu então a ele uma solução que o estonteou. As demais pessoas se achegaram e apostando, olhavam para o menino e o galo tonto. Dois homens tiraram os protetores dos esporões e lançaram os animais na rinha começando a luta. O galinho de pescoço liso, não se agüentava em pé. Apanhou tanto que suspenderam o combate antes que ele morresse. Os que apostaram no galo miúdo esbravejavam insultando a sorte. O menino sentia tudo como se fosse ele quem tivesse perdido aquela luta.
Gari K. Aspa White lamentou que a maldade humana pudesse chegar a esse ponto. Era muita covardia descontar nas crianças tímidas e indefesas, o ódio e os ressentimentos de quem não conseguia resolver suas frustrações de forma adulta e racional.
Ligando o rádio do carro velho, Gari pode ouvir a canção que o levou de volta aos tempos em que era ainda adolescente. Dorival Caimi cantava: "Eu vou pra maracangalha, eu vou/ eu vou de chapéu de palha, eu vou..."
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