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Contos-->Rosa dos Ventos -- 17/12/2005 - 10:01 (Alexandre Modos Neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Rosa dos Ventos



Gosto das reminiscências, sempre foram minhas contemplações preferidas. São o Norte em minha vida, e nelas o futuro se funde, numa trama verossímil, formando em presente-passado, o tempo real. Penso que não será difícil para alguém que vive oculto sob suas próprias águas, entender o que digo e também não quero ocupar-me deste particular, porque a vida sob a ótica simplista é como os fios de uma fazenda, que formam um todo de um tecido ordinário, de espécie interessante apenas a quem lhe deseja em um momento qualquer, e, neste ponto, é que escapa aos demais o frescor de uma sensação renovada, à medida que a consciência de ter e ser se instala em si.
Ester parou a meio passo com as mãos sobre os quadris com uma expressão sarcástica, irônica e sensual, disse-me: vi você ontem à noite rondando o sul da cidade. Não havia nada fora do comum nestas palavras ¾ apenas fiz a gentileza de deixar um colega no colégio para lecionar ¾, se não houvesse em cada atuação de Ester, um clichê, algo muito íntimo como os fios de uma fazenda. Foi como se uma redoma, suficiente para nos envolver, fechasse ao mundo olhos e boca, deixando-nos presos num orbe meu, sem outras possibilidades e livres de juízos ou legislação que não fosse minha.
E quando Morfeu desmontou seu cavalo alado e a mim fez render, em plena consciência, parece absurdo, eu sei disso, mas é assim que se vê a trama dos fios na construção do pseudo-destino, trazendo-me um reino de possibilidades, fazendo-me coroar nele, senti que havia alguma coisa especial nas palavras de Ester, seduzindo-me com um poder irresistível, como se ela fosse minha misericórdia, a remissão dos meus desejos secretos. E por gratidão ou libido, aceitei o reino de Morfeu.
Já disse que me interessa a formação do tempo, naquele momento em que o nevoeiro do pré-destino já começa a se dissipar, por isso não me estranho quando falo de mim. Os loucos são lúcidos por reconhecerem um mundo diáfano e, por isso, são loucos. Assim como eles, também vejo o mundo em dimensões psicológicas, mas reais enquanto acredito, e Ester me pareceu encantada com minha maneira filosófica de viver. Talvez ela tivesse necessidade de me dizer isto, e ainda não havia feito por pudor e honra, mas eu, sem sacrifício à consciência, far-lhe-ia ver que o amor causou manchas, que nem os sóis mais reluzentes de cada século que passou, foram capazes de alvejá-las, e toda desonra foi saudada pelo tempo, e o que ficou, foram apenas sol e amor.
Pensei não sentindo o tempo passar e levei a lembrança delicada de uma mulher viva e imperiosa para a sala de aula. Afirmei, aos alunos, sem displicência nenhuma, que Julio César, apesar de ter sido um grande general, tinha amor para todos os gostos e que Carlota Joaquina amava até seu cãozinho de estimação. Porque eu havia mesmo levado a sério as sugestões que velavam minha imaginação. Poderia até me desprender de mim e, na epifania que me transmutava, era capaz de me mostrar, exibir meu mundo aos olhos e corações cegos às mesquinharias dos modelos de comportamento, aqueles mais frívolos e levianos, desprovidos de requinte e sensibilidade. Seria capaz de fazer isso naquele momento. E só naquele momento, porque Ester me fez sentir a mim mesmo e pude olhar-me através dos fios que me teciam, e por alguns instantes senti ser como os demais viventes, as limitações não eram apenas minha, e o pudor que Ester pudesse estar sentindo em relação a nós e a seu marido, era tão sem propósitos quanto os meus próprios pudores. Então percebi em mim um grande vazio e, na imensidão habitada por conceitos de boa pratica moral, vi-me jazer à sombra de todos estes rótulos, e tudo me parecia um grande bloco de medo.
Restava apenas um quarto das duas aulas daquela noite. Recolhi meus sentidos para receber o presente do futuro. A sala de aula estava uma algazarra, porque eu mesmo, pouco estive presente. As reminiscências sucediam minutos após outro, pois a imagem de Ester se associava às minhas ilusões. Não sei porque me rendi a elas com tanta intensidade. Sempre admirei à distância, minha colega de trabalho, mas jamais a havia desejado. Então, ocupei-me do quarto restante nesta análise, enquanto a turma se despedia com alvoroço. Quase na minha saída, veio-me um pensamento amadurecido e mais estranho do que tudo quanto já havia brotado em mim, quando senti um frêmito de emoção, que dividia minha carne do espírito, e o pensamento confuso não se decidiu entre a gratidão por ter sido agraciado pela maravilhosa Ester, ou por estar eu, naquele momento, sofrendo de uma dor nova: o amor.
Todos os verões e as luzes venéreas tão ingênuas e muito intensas que alegraram a minha vida, pareciam estar sob a custódia de Caronte, e o meu precioso naco de amor condenado por conceitos abstratos de renúncia e fé. Não sou ateu nem anarquista, sou homem e, como poucos que têm coragem, reconheço que diante do desejo de amar, não dei a menor importância àquelas convenções. Morfeu havia se apoderado de minha consciência, e as reminiscências de que venho estranhamente falando não afloravam. Apenas são recordações porque nos devaneios as cenas de amor não se perdiam, porque minhas fantasias foram montadas sobre momentos reais. Momentos de trivialidades entre amigos, tão banais, que ao atingirem o reino da inconsciência afrodisíaca, fazem-me parecer tolo, no entanto alguém que conheça os tecidos do Ser, pode reconhecer em mim o Dom Quixote.
Isto é apenas um paralelo, pois não é a isto que se propõem estas palavras confessadas. Não pretendo defender a quebra de conceito algum. Então para afastar de mim um caráter sedicioso, caio aqui na redundante expressão que o amor e o sonho são universais e de direito do ser humano. E ainda que apenas pré-verbal, senti-me à vontade para exercê-lo, mesmo contra as regras sociais. E agora posso dizer convicto que já não sou mais quem fui, experimentei a doçura sensual de uma paixão repentina. Vivi um sonho que poderia empoeirar-se no tempo ou apenas postular-me que o ser humano é vil e maléfico, quando não se respeita.
Às vezes sinto-me virtuoso em pensar platonicamente, quando o cômodo seria gozar o impulso, aliás, vivo preso em meus pensamentos, em minhas recordações, tenho a mania de recorrer à análise estereotipada das ações humanas. Por isso estou sempre um segundo atrás do mundo. Posso ter perdido, em outra época, a Ester e outras Esters por conta desse manifesto humano, mas guardo a sensação de ter sido amado por ela, ainda que seja um amor guardado só em mim. Tive essa sensação ao vê-la passar naturalmente pela porta entre aberta, no corredor, como se aquele mundo apenas existisse em minha mente, dirigindo-se Helenicamente para o marido que a aguardava no estacionamento. Então, sorri para mim e me disse: amanhã haverá aula. Novamente...
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