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Cronicas-->Ler ou não ler, eis a questão -- 09/04/2004 - 11:30 (Patrícia Köhler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu preciso desopilar isso. Gostaria de digerir isso sozinha e apenas internamente, mas não, não dará. Preciso dividir com amigos e mais poucos leitores estes pensamentos que me assaltaram há poucas horas, até para pedir um consolo ou encontrar identificação com outros seres.
O que acontece é o seguinte: sou viciada em leitura. Muito. A ponto de NUNCA, nem um dia sequer, sair sem um livro na bolsa.
Eu sei, podem caçoar ou me achar louca. Podem até mesmo achar que sou uma culturete "fake" com óculos de aro preto e agasalho Adidas que não sai dos Espaços Unibanco ou Cine Sescs da vida e cujas companhias contumazes são pessoas que passam madrugadas inteiras apenas discutindo A Escola de Frankfurt ou filmes do Kiarostami.
Mas não sou assim. Nem pertenço a tal time. Ainda. Pode ser que um dia perca muito do meu humor e fique assim, hermética. Mas mesmo que isso ocorra, será num futuro tão remoto como inimaginável por ora.
Quem me conhece sabe o quanto eu aprecio pessoas e conversas ecléticas. Isso se aplica à minha vida social em geral, que tem como ideal de "noitada" um chope com amigos regado a música ou conversas animadas, andar de carro meio sem destino, apenas para cantar Beatles ou Adoniran tamborilando os dedos no volante e vendo as luzes da Paulista cintilantes sobre os capós dos carros e, eventualmente, dependendo da di$posição, uma ida a alguma boa casa para dançar rock e anos 80 em geral. E, o melhor de tudo, sair de tudo isso e ir com meus amigos tomar um café e comentar o que estamos lendo, o que vimos de interessante na semana, trocar fluidos intelectuais sem nada de achismos. Apenas pela necessidade da troca de informação.
E, claro, todas estas situações devem ser permeadas por boas conversas e, mais que isso, muito bom humor e ironia da boa.
Sou meio pàndega (isso me rende muitas gafes, mas deixemos isso pra lá), mesmo sendo portadora de uma timidez bem canhestra. Gosto de rir, sempre gostei. Tenho muita facilidade para fazer rir, isso eu venho constatando há um tempo, também.
Bem, todo este preàmbulo para manifestar uma bronca que tenho em relação a algumas pessoas que associam a leitura de um livro a pessoas chatas e talvez monótonas. Deparei com um ser assim hoje pela segunda ou terceira vez na vida, o que me aborrece e entristece.
Estava tomando meu cappuccino, na volta pra casa - após ótima noite de música e dança -, sozinha, lendo meu livro. Relendo, na verdade.
Ainda se fosse Os irmãos Karamazov ou o Cható, vá lá, ser alvo de comentários mais jocosos. (Digo isso apenas pelo tamanho destes calhamaços, o que não é algo prático de se enfiar em qualquer bolsa). Mas não. Relia - e ria muito de novo também, como se lesse algo inédito - as viagens "maionésicas" do António Prata (filho do Mário) em seu hilariante "As pernas da Tia Corália". Seus relatos são de fazer rir até a Guarda Real britànica, ao menos se houver uma tradução fiel.
Estes momentos para mim são mágicos. Eu fico tão absorta quando lendo algo que realmente mexe e revolve pensamentos e emoções, que não me preocupo - mesmo - se estou em meu quarto rodeada apenas pelos meus gatos ou numa cafeteria 24h com várias pessoas circulando.
Gostaria que a humanidade pensasse assim também, mas isso contradiria as sábias e irrefutáveis palavras do Nélson Rodrigues.
Há algum problema em alguém ter uma boa leitura como companhia? Isso confere a pessoa alguma anormalidade ou sintoma de chatice?
O sujeito se aproxima, pergunta o que estou lendo e, não contente, o porquê de estar lendo sozinha e não conversando com outras pessoas.
Finjo que não entendo o comentário e isso piora a situação. O moço comenta com o amigo ao lado: "ih, tá vendo, mais uma pra completar o time das neuróticas que estão sempre sozinhas e reclamando da falta de homem...". E, para piorar, prossegue nos comentários infelizes: "estas minas tão sempre assim, lendo e sozinhas. Querendo fazer pose de intelectual". O amigo ri e assente com a cabeça.
Impossível não fazer esta observação: os dois "meninos", na faixa dos 25 anos, estão tão sozinhos quanto eu, com a única diferença de estarem sozinhos em dupla. Mas eternamente sós, como afinal é a existência de qualquer ser humano boa parte do tempo.
Meu humor, tão bem embalado pelas palavras do Prata Filho, dá lugar a um mal-estar e um sentimento de vergonha. Por eles, claro.
Vergonha de saber que existem pessoas assim, obtusas e cheias de regras pré-estabelecidas. Tédio. É isso o que estas mentes me passam. E dó.
Queria ter acesso à cartilha que eles devem seguir religiosamente, só para poder rir disso. Este compêndio que deve conter todas as regras de comportamento humano e cuja leitura deve ser feita sempre antes de sair de casa. Um behaviorismo tão néscio que certamente me arrancaria mais risadas do que as Cronicas que tentava, em vão, voltar a ler.
Fecho o livro, me dirijo ao caixa, pago e saio. Circunstàncias outras, faria tudo isso em outra ordem, pois gostaria de ter podido continuar minha leitura e risadas ali, em pé na fila durante os longos quase dez minutos.
Graças aos deuses é uma exceção e tanto isso acontecer. Levando-se em conta que quase sempre entro em cafés e similares com uma leitura em mãos (isso quando sozinha ou acompanhada de poucos amigos que partilham deste gosto e estejam tão absortos quanto eu em alguma outra leitura, estas coisas inerentes às boas e cúmplices amizades, que se bastam e não enfraquecem por estes momentos de "silêncio" compartilhado), é realmente uma vitória que isto tenha me acontecido apenas duas vezes.
Felicidade mesmo, eu teria se isso nunca mais na vida me acontecesse, mas acho que não será nesta encarnação que saberei o que é passar uma existência inteira incólume a tais comentários. Nossas manias e idiossincrasias deveriam ser muito mais respeitadas.
Eu leio sim, talvez acima da média geral, mas nem por isso deixo de ter minha vida social, minhas parcas mas ótimas baladas, minhas idas ao cinema e passeios de bike.
A diferença entre mim e estes meninos é que eu, além de fazer tudo isso, tenho um chip que graças a Deus comporta muitas outras informações que sei que me são vitais.
Ainda assim, estou mandando "good vibrations" para estes moços, na esperança de que se toquem e corram logo atrás de suas felicidades, de preferência escoradas em boas doses de leitura. Garanto que terminariam suas noites melhor acompanhados.
Afinal, como já disse o Millór: "Rapaz, estuda depressa, pois burro aos 30 é burro à beça".

Patrícia Köhler, abril de 2004
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