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Artigos-->DA ATENAS BRASILEIRA -- 29/09/2002 - 12:16 (marcos fábio belo matos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Marcos Fábio Belo Matos*

O caderno Alternativo do Domingo passado (15.07) trouxe uma grata surpresa: uma matéria especial, assinada pelo jornalista Antônio Carlos Lima, sobre o período ateniense da nossa cidade. A felicidade do texto reside na sua providência – no momento em que São Luís está consolidando o seu título de Patrimônio Cultural da Humanidade, é bastante oportuno lembrar seu passado, que é, em última análise, a matéria fundante da elevação ao título recebido. Além do que, às portas do seu quarto centenário, todas as digressões são úteis para nos fazer (re)conhecer e reverenciar esta velha dona franco-lusitana.

De fato, São Luís viveu o seu período áureo até pouco mais da metade do século XIX, momento em que se fez reconhecer como Atenas Brasileira. Na pequena cidade insular do norte do Brasil imperial, pouca coisa lembrava a tropicalidade nacional. Dizia-se até que ela vivia de costas para a corte – leia-se Rio de Janeiro – e de frente para a Europa, com a qual mantinha laços comerciais, culturais, afetivos e, sobretudo, sangüíneos, tal a quantidade de portugueses, franceses e ingleses aqui residentes.

No calor da província, as sinhazinhas ostentavam trajes ingleses; recendiam a essências francesas; na mesa dos comerciantes, burocratas e clérigos saboreavam-se as iguarias de além-mar; as notícias que mais interessavam, além das comezinhas, desembarcavam dos navios no Cais da Sagração; os jornais locais traziam, de quando em vez, textos em francês.

O luxo e abastança espalhavam-se por (quase) todos os cantos da pequena ilha. Casarões imponentes, de fachada de azulejaria portuguesa, enormes, ricamente decorados iam-se erigindo nas ruas estreitas. As exportações do algodão e alguns outros produtos não deixavam parar o pequeno cais do porto. A elegância e o fino trato eram espartanamente ensinados e exigidos das damas e rapazes, sobretudo nas ocasiões sociais – idas ao teatro União, que depois se tornou São Luiz e hoje é Arthur Azevedo, celebrações religiosas, festas de largo, o carnaval, alguns passeios, reuniões políticas e/ou sociais em casa de amigos e correligionários, conferências literárias. Como exemplo, tomemos um trecho do jornalista João Lisboa, escrito em 1856 em que, na pele do misantropo Tímon, relata os preparativos para a Festa de N.S. dos remédios: “Já um mês ou mais antes do dia da milagrosa Senhora, começa a azáfama da sua festa: as belas e as elegantes perdem o sono, imaginando nos meios de melhor ataviar-se. Que receios, sobressaltos e angústias nesta amável classe de consumidores, pela só demora de alguns dias na chegada dos navios que trazem no seu bojo os chapéus, as luvas, os vestidos, as quinzenas, os lassos, as sedas, as plumas, as sendas, as fitas, as flores, as pomadas, os cheiros, e todos os mais gêneros enfim que dão vida e saúde às lojas e entisicam as algibeiras dos fregueses! Como discorrem em todos os sentidos pelas ruas e travessas, como invadem todas as lojas, as pretas, as cafusas, as mulatas, sobraçando peças de fazendas, livros de amostras, e caixas e mais caixas de dourado papelão, com que vão incessantes de um lado para outro, sem conseguirem satisfazer o gosto esquisito e requintado das caprichosas senhoritas, a quem a emulação e a competência tornam mais difíceis e impertinentes! Os sapateiros, alfaiates, costureiras e modistas não têm mãos a medir; e a urgente e pesada tarefa abrange ordinariamente todo o curso das novenas, e só expira com o último dia da festa.”

Os filhos dessa aristocracia local iam estudar na Europa, notadamente em Portugal (Coimbra), Paris e Londres e, voltando para aqui ou se instalando no Rio de Janeiro, destacavam-se nas ciências, na política, no direito, no jornalismo e na literatura, fazendo com que o produto coletivo das suas elevações culturais, das suas ilustrações fosse o reconhecimento da cidade que lhes serviu de berço. A esses se juntavam aqueles que, não podendo sair, alimentavam-se também dessa cultura coimbrã, impregnada nas escolas, nas igrejas, nas casas políticas, no tato familiar e social – na casa e na rua, lembrando Roberto Damatta.

O ethos da São Luís nonacentista era, verdadeiramente, europeizado, erudito, clássico, ateniense, a cidade fazendo questão de afastar-se do sertanismo, da pequenez interiorana que caricaturava tantas outras localidades de pouco mais de trinta mil almas, como ela. Situação que vai perdurar até o começo da segunda metade do século XIX, quando ela então inicia sua trajetória até o caos – que chegou na pele da abolição da escravatura, quando a lavoura e as exportações sofreram seu golpe de misericórdia.

A cidade do final do século XIX já não é a mesma do período em que Spix e Martius, naturalistas que viajavam o Brasil desvendando seus recantos, consideraram-na a quarta melhor cidade do Império. As glórias de antanho ficaram na lembrança daqueles que não puderam, fugindo da crise, rumar para a corte ou para o Norte atrás do novo ouro branco (a borracha), ou imortalizadas nas fotografias tiradas pelos viajantes e agora enfurnadas nas cômodas de madeira de lei.

O epíteto de Atenas Brasileira persiste, ainda, na trajetória intelectual de uma nova geração de maranhenses que vai fazer a vida e conseguir, também, o seu espaço na política, nas artes, no jornalismo do final do Império e início da República, na Capital Federal. Nomes como Artur e Aluísio Azevedo, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, Graça Aranha e outros não deixam o país esquecer-se das glórias que a terra natal já ostentou com seus primeiros filhos ilustres – Gonçalves Dias, João Lisboa, Henriques Leal, Sotero dos Reis etc. Localmente, alguns jovens igualmente se empenham para reavivar o fogo-fátuo do período gonçalvino. Reunidos em alguns grêmios literários, dos quais sobressai-se Os Novos Atenienses capitaneados por Antônio Lobo, eles cultuam seus antepassados, escrevem, declamam, fundam jornais e revistas, publicam livros.

Claro que, sobretudo pela derrocada econômica, que afundou a cidade numa crise definitiva pós-abolição, não resolvida com a industrialização a partir de 1890 nem com a fase do babaçu, a força da Atenas jamais retornou. Sem um novo apogeu, a Atenas transformou-se numa mera imagem cristalizada, difundida anos afora e impregnada no nosso inconsciente coletivo. Imagem que, entretanto, vale sempre a pena rever, não como uma fotografia de lápide, mas como um exemplo a ser perseguido sempre. A São Luís Atenas possuía uma alteridade que é importante tentar (re)buscar.



Jornalista/ Mestre em Comunicação e Cultura

marcosfmatos@yahoo.com.br













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