Quem passava pela entrada da cidade achava estranho aquele guarda, sentado em sua cabine calmamente. Um cego, de chapéu e bengala, olhando para a estrada, como se ele pudesse enxergá-la. Quando ouvia passar quem quer que fosse, ou pedestre, ou veículo, ou montado sobre animais, o guarda delicadamente sorria, voltava-se na direção do som e acenava com o braço. Nunca sabia ao certo se seu aceno tinha sido visto, se visto, aceito, e se aceito, retribuído. Gostava de imaginar que todos também acenavam para ele em resposta, e então isso não o intimidava...
Mas esse inesperado vigia também tinha uma função, digamos assim, mais prática. Sempre que o viajante interessava-se em entrar nesta cidade, por turismo, por visitas, ou para estabelecer-se nela, descansava de sua marcha, descia de seu veículo, desmontava de seu animal, e ia ter com ele para obter a permissão de sua entrada.
Dentro da cabine havia uma pequena mesa, algumas cadeiras e sempre um café renovado. O visitante estrangeiro sentava-se nela, contava a que vinha. O guarda dizia sobre a cidade e tocava o rosto para identificar o visitante. Depois do café, ele poderia passar.
No entanto, nem todos respeitavam essa norma tão gentil. Alguns tinham muita pressa e queriam passar à força. Outros eram muito desconfiados, e então voltavam-se e iam embora. E outros muitos pensavam que era absurdo que um guarda, um vigia, fosse cego, e praguejavam. Não se submetiam ao exame, ao café, ou maldiziam a cidade de onde vinham e àquela a que estavam chegando, antes mesmo de entrar. À esses, o guarda não permitia a passagem.
Um dia houve um homem burocrático, vestido de terno e gravata, que ao encontrar-se com o guarda, ao ver que ele não o via, achou aquilo um ultraje. Forçou a entrada, sacou uma arma, queixou-se ao prefeito. Como este homem, este cego, pode guardar a cidade? Não vê os meus documentos, nem minhas roupas, o meu rosto, minhas medalhas? Como verá que eu, um homem de bem, devo ser logo e bem recebido?
O prefeito achou graça, pensou argumentos, mas nada respondeu. A decisão do guarda é sagrada. E o homem foi embora.
Quando saiu, o guarda cego sentado em sua cabine, acenava sorrindo, desejando melhor sorte na próxima cidade um pouco além.
rp.out.2005 |