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Contos-->"Benedito, tradutor de letras" -- 27/01/2006 - 19:37 (Hull de la Fuente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Benedito, tradutor de letras.


Ele era o ajudante da padaria do meu tio Francisco. Ouvidos aguçados. Aprendia tudo a sua maneira. Ele e meu tio Francisco combinavam muito bem. Meu tio, homem simples, não completou nem o primário, o que não impediu que tivesse sucesso na profissão. Ficou rico fazendo pão.

Mas a personagem desta história é Benedito, o guri simples que veio da Bahia trazido por seu tio, para terras goianas. Pra falar a verdade, aquele Goiás ali é mais Mato Grosso do que território goiano. Em Goiás Benedito foi entregue à guarda de um outro tio que o maltratava muito. Assim foi que ele um dia achou-se nos fundos da padaria do tio Francisco. Devia beirar os doze anos de idade, parecia um índio, mas era baiano. Tem gente que diz que na Bahia já teve índios, mas eu nunca vi índios por lá, só na história do Brasil. Mas voltando ao Benedito, ele pouco freqüentou o grupo escolar. Seu tempo era gasto com os amigos Curicaca, Três Orelhas, Vesgo, Bosta Seca e Divino, o mais pervertido de todos. Benedito, no pouco tempo que conviveu com o tio baiano, aprendeu um pouco de música e as poucas letras que conhecia do grupo escolar. Possuía uma linda caligrafia, era um pecado que não tivesse estudado. Por causa da caligrafia Francisco confiava a ele o atendimento no balcão da padaria. E era ali que ele ouvia as canções no velho e grande rádio de pilhas. Ele era afinado e tinha bom ouvido, é claro, pra ser afinado é necessário ter bons ouvidos. Benedito cantava as canções que ouvia em qualquer idioma. Era inexplicável o fenômeno. Como podia cantar em alemão, inglês, espanhol, francês, italiano se não sabia nenhum daqueles idiomas? Mas seus dois fiéis amigos e escudeiros, Bosta Seca e Divino tinham uma explicação pra o fenômeno: segundo eles, Benedito era “a arma reincarnada dum trovador pai-d’egua que alegrava os cabaré das puta”. Com tamanha herança genética Benedito cantava e depois traduzia as canções segundo seu entendimento. Assim foi que um dia a mulher do Dr. Boris, o médico russo, entrou na padaria para fazer compras e encontrou Benedito que cantava uma canção italiana. Surpresa com a segurança com que ele pronunciava as palavras, ela ficou ouvindo e só lhe falou quando ele se deu conta de que era observado. Ana entregou-lhe a lista das compras e perguntou:

_Quem ensinou você a falar italiano?

_”O quê? Eu to só cantando uma cantiga das estranjas,,, num tem nada de falar isso aí que a sinhora disse não.”

_Mas como? Você estava cantando “Come prima”...

_”Sim! Era essa cantiga aí que eu tava cantando. A cantiga do canibal que comeu a prima dele. O disinfiliz começou pela mão e depois foi comendo o resto, tudim, tudim e ainda fala tudo errado, diz que vai dar a vida pra ela. È uma cantiga triste, dona! “

_quem lhe falou que a história é assim?

_”A sinhora num escutou no rádio? È disso que a cantiga tá falando. Eu sei tudim que qui esses gringo fala... Eles são tudo ruim da cabeça purcauso das guerra que eles faiz.”

Ana ficou ouvindo pasma, a explicação do moleque. Será que realmente ele não sabia o que estava cantando? Mas a pronúncia era como a de Modugno, perfeita. O moleque só podia estar brincando, mas enfim, os moleques de Aragarças eram todos iguais. Não tinham noção de limite, diziam o que lhes vinha à cabeça.

Benedito separava rápido, os artigos da lista. Ana continuou observando os movimentos dele. Naquele momento uma trovoada forte seguida de raios cortando o céu, se fez ouvir. A tarde quente seria aliviada se a chuva caísse. Ana olhou pra fora e disse quase num sussurro:

_Será que vai chover mesmo?

Benedito que amarrava a boca do saco de farinha voltou-se pra ela e respondeu:

_”Ó dona! Aqui eu faço de um tudo, mais adivinhar se vai chover eu num posso, eu não sou veterinário...”

_Desculpe! Eu não falei com você. Eu só pensei alto.

_”Desculpe a sinhora, então. As compras ficaram pesadas, vou chamar o Bosta Seca pra levar as caixas pra sinhora, pode ficar tranqüila que ele é de confiança...”

_Por que você chama o seu amigo dessa forma – quis saber a mulher – ele não tem um nome?

_”Nome até que ele tem, mais é que nóis chama ele assim purcauso de que ele tem os dentes podres...”

_Já entendi. Não precisa dizer mais nada. Você colocou o fermento fleischman no saco?

Benedito ficou sem entender o que podia ser aquilo que a mulher tinha pedido e se saiu assim:

_” Isso aí eu num sei. Isso aí deve de ser só com o seu Francisco que é o dono da padaria e é amigo do prefeito. Tem coisa que eu posso saber e vender. Outras coisas, só ele que é o dono é que pode pra não dar prejuízo...”

Em seguida gritou a todo pulmão para o interior da padaria:

_Seu Franciscooooooooo! A mulher do doutor que anda pelado mostrando o pinto na rua, ta querendo negociar com sinhoooor!!!!!!!

Com o rosto coberto de rubor, Ana saiu às pressas da padaria e nem olhou para trás.

Benedito não deu importância e recomeçou a cantar:

_”Come prima, più di prima t’amerò... Le tue mani nelle mie,,,lá, lá, lá...”




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