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Contos-->Conforme a música -- 27/01/2006 - 23:18 (Bruno D Angelo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Vamos direto ao assunto: Ela me deu um abraço forte, um beijo no rosto e disse como quem diz qualquer coisa que sai da boca facilmente, assim sem mais nem menos. “Bu, que saudades de você”. Não sei se ela sentiu realmente saudades. Provavelmente não. Provavelmente ela não tinha o que falar, idiota, ou ela é daquelas pessoas que acham que exteriorizar sentimentos é sair por aí falando babaquices melosas sem sentido no momento e que irritam os ouvidos das pessoas ao redor. Pelo menos aquelas que estão prestando atenção. Bem, apesar de me sentir indignado no momento, se ela sentiu saudades de mim ou não, isso pouco importa, aliás não importa nem um pouco, estava cagando e andando pra ela, aliás poucas vezes desde que terminei a faculdade me lembrei dela. O que interessa aqui é que eu, eu não senti nem um pouco de saudades. Nem dela, nem das coleguinhas idiotas que a acompanhavam.
Não, não vamos direto ao assunto. Antes um preâmbulo. Antes um porquê. Por que estávamos ali. Onde estávamos. Por que diabos acabei encontrando aquela garota e suas amiguinhas metidinhas. Por que diabos estou falando dela agora.
O objetivo era sair para dançar. Idéia infeliz que tive em um dia de inconseqüente loucura, embriagado por uma felicidade instantânea, que definitivamente não me acompanhou nos dias que se seguiram, no dias que minha vida seguiu. Sim, o objetivo era sair para dançar. Sim, fui eu quem dei a idéia. Sim, quando eu falei que queria sair para dançar, eu realmente queria sair para dançar. Mas por que, eu digo por que, as pessoas tendem a levar tudo tão ao pé da letra? O fato é que eu me encontrava em uma rotina estranha. Começara a trabalhar há pouco e o meu desejo colossal de balançar o esqueleto ao som de uma música qualquer se arrefeceu. Sim, esfriou! E a minha idéia de balada dançante se resumia, agora, a eu dançando embaixo do chuveiro no ritmo das músicas gravadas pela minha namorada, em um CD comprado no Promocenter.
Tentei adiar o máximo possível o dia em que teria de me defrontar com a inexorável realidade, cruel, viva, vívida, chamando-me para bailar. Todos devemos bailar um dia, eu sei disso. Todos devemos aprender a bailar um dia. Devemos aprender a jogar um dia. Mas sempre pensei que isso fosse acontecer comigo de uma forma figurada. Nunca imaginei que um dia teria que colocar meus passos dançantes em prática. Não que nunca tivesse feito isso. Não que eu me sentisse um boi indo ao abate. Não, eu só não queria ir. Quer dizer, queria. Queria, não queria, tanto faz. Da maneira que coloco as coisas parece que aquele dia foi o mais importante da minha vida, o ponto crucial de minha existência, em que me deparei com a verdade, verdadeira. Ponto de mutação; linha divisória, traçada pela minha mente, separando um velho eu, de um novo eu. Papos furados a parte e largando os exageros, aquele dia foi só mais um dia, mas hoje, olhando ponderadamente, posso dizer que algumas mudanças ocorreram.
Voltando ao ponto. Estávamos eu, minha namorada e nossa amiga no volante, indo em direção a fatídica balada. Baladaça eu pensei. Que diabos estou fazendo aqui? Eu queria era dormir! Provavelmente minha namorada pensava “Nossa como ele está chato!”. E Provavelmente minha amiga não pensava em mim, nem em minha namorada. Provavelmente nela mesma. Note-se que todos nós só pensamos em nós mesmos e não conseguimos nos largar por um só minuto. Note-se que até minha namorada que pensava em mim, pensava na realidade é nela mesmo. Porque se eu estava chato, era chato em relação a ela. Ela sentia que eu estava chato. Eu estava a chateando. Ela estava chateada. Logo, ela pensava também nela mesma. Nos perdemos. Rua escura, vazia. Prédios velhos, tijolos aparentes. Perto do centro velho da cidade de São Paulo. Chegamos, graças a ajuda de transeuntes. Chegamos. Meu ânimo já estava um pouco melhor, já não queria matar ninguém. Aos poucos voltei ao meu estado normal de torpor. Entramos. Entrei. Minha amiga. Minha namorada, por último eu. Poderia descrever o ambiente aqui. Vá lá, era escuro, havia um balcão no qual as bebidas eram servidas como em qualquer bar, um palco ao fundo, que parecia ser usado para alguma peça de teatro já que estava coberto por cortinas, havia uma pista, aliás só havia pista. Mas não posso ir além disso, sou péssimo em descrições. Sou péssimo e morro de preguiça. Esqueço. Havia a parte de cima; um mezanino, para o qual seguimos logo que adentramos ao local. Subimos para procurar o namoradinho da nossa amiga. Namoradinho? Acho que não. Sei lá. Isso não importa agora. O que importa é que foi de lá, do alto do mezanino, que avistei a garota (e suas amigas) que me fez começar esta história. Me surpreendi, para o bem e para o mal. Fiquei contente. Acho que fiquei contente. Apesar de não serem nem de longe minhas amigas, fizeram parte de um passado que no momento não sabia se queria esquecer. Não não foi por isso que fiquei contente. Diabos! Não sei por que fiquei contente. Mas logo passou. Depois pensei, que saco, que chatice, não quero ver ninguém, provavelmente, talvez consiga ficar aqui, imperceptível, afinal o lugar não é tão grande, aliás é bem pequeno, mas está abalroado. Não, não conseguimos achar ninguém naquele emaranhado de gente. Ninguém, quer dizer, só quem eu não queria achar. Descemos. Alguns instantes. Minutos. Talvez um quarto de hora. Encontramos quem queríamos. Quer dizer, minha amiga encontrou. Mas ela não importa agora. Sim, minha namorada estava ao meu lado, mas ela também não importa agora. Quem importa sou eu. Eu, este ser ignóbio, ridículo, patético. Eu, que tentava me esconder, sem sucesso me esconder. Eu, o homem que provavelmente nunca vai crescer, fui pinçado, escolhido, selecionado entre as muitas cabeças loiras, castanhas, pretas, carecas, cabeludas que haviam passeando por ali, paradas por ali. Fui reconhecido e levado a cumprimentar uma por uma as garotas super pouco poderosas. Foi neste momento que recebi o abraço forte, o beijo no rosto e todaaquelababoseiraimensaqueveioaseguir.
Não sou psicopata, mas consigo dissimular com perfeição. Sorriso no rosto, repentinamente. Animais dotados de perspicácia como eu – e como vocês – sabem mentir muito bem. Foi o que fiz. Menti. Como sempre minto, aliás, quando estou perto dessas meninas. Como aprendi a mentir para poder suportar. Acho que tanta mentira me fez bem, me tornou uma pessoa mais amigável, maleável, palatável. Essas mentiras, eu diria melhor, essas omissões aderiram a minha a pele, de uma forma que se não digo a verdade é porque ela não me interessa. Não que não consiga dizer o que acho que seja a verdade. Não que não consiga ser franco. Mas é que acho, na maioria das vezes, a verdade desnecessária. E não façam cara de chocados, pois isso não se passa de uma forma consciente, razoável. Grande parte desses meus gestos, desse meu ar simpático, polido, amigável, acontece automaticamente, como se fizesse parte de mim. Mas se não é de minha natureza mentir, porque minto com tanta perfeição? Porque você é um sociopata diriam. Não. Porque sou social. Naturalmente social. Com exceção das vezes que mando todos esses vermes rastejantes, voadores, trepadeiros, seja qual for a maneira como se locomovem, que ofendem minha alma, para o quinto dos infernos – e são poucas as vezes– eu sou o que sempre sou, calmo, pacífico, linear, previsível. Desse jeito me comportei daquela vez. Beijei uma a uma, aquelas meninas insuportáveis, com uma amabilidade que derreteria o coração da megera mais frígida de toda a horda das megeras mais frígidas existentes em todos os continentes existentes e não existentes desse e de outros mundos. No entanto e eu digo no entanto, porque o que vem a seguir contradiz tudo o que falei antes. Parei. Gelei. E isso sempre me acontece. Não consegui dar vazão a minha falsidade verdadeira. Fiquei ali com cara de pasmo. Fiquei ali sem ter o que falar e nada mais se falou. Aquele “Bu!”ainda arranhava meus ouvidos, quando arranjei uma desculpa e saí de fininho; fui falar com minha namorada, nossa amiga e os amigos dela. A reflexão sobre esta noite veio posteriormente na paz do meu lar. Na ocasião em que encontrei as meninas super pouco poderosas, os pensamentos passaram pela minha cabeça com uma velocidade em que foi impossível contê-los e identificá-los. No entanto, hoje despejo tudo, digitando estas palavras na tela do computador. Hoje sei mais ou menos o que senti, ou o que pelo menos sinto, ou o que pelo menos senti na hora que comecei a escrever. Aquela idiota, e é assim que a chamo. Não porque tenha me ofendido de alguma maneira, mas sim porque eu tenha me sentido ofendido por ela de inúmeras maneiras. Sua complacência, sua simpatia calculada, seus carinhos de mãe postiça irritante, despertaram em mim um ser humano melhor, com vontade de matar, com vontade de enganar, com vontade de dominar. Eu quero arrancar a mão daquele que me alimenta. Eu quero apunhalar pelas costas aquele que sorri para mim. Eu quero o reverso; quero o inverso; quero o avesso. Mas talvez isso. Provavelmente isso. Não passe de conjecturas catárticas para que eu possa aguentar mais um dia, sem matar ninguém.
Definitivamente, quando encontrar aquelas garotas super pouco poderosas mais uma vez, vou cumprimenta-las com educação, porque sou um bom moço. Levarei um abraço forte, um beijo no rosto, e serei obrigado a ouvir, novamente, com um sorriso estampado na face, a fatídica frase: “Bu, que saudades de você!”.

Por Bruno D Angelo
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