Acordo de estalo às 3:15, molhado.
E ele, ao pé da cama, plantado:
O Capitão Desejo está aqui,
Vestindo a camisa listrada com que saiu por aí.
É o velho lobo-do-mar
Que vira-e-mexe vem me atormentar
(Como ficar pensando no vira-e-mexe dela ...)
A night of desire!
De me arrastar daqui até ao Zaire.
Uma viagem pirada pelos mares da volúpia
Num veleiro estropiado, meio sem leme,
Do tipo que ao menor sopro treme-treme.
Ao louro no ombro do velho pergunto:
“Posso ir-me?”
A resposta metálica: “Claro, vai firme!”
“Posso ir... mesmo? Possuir?
Voar, gozar, simplesmente fluir?
Tirar devagarinho o jeans dela,
Descobrir segredos escondidos,
Reservados, proibidos?
Posso ir, seduzir
Minha inescrutável deusa etérea
Lá no fim do mundo?”
E o papagaio: “Claro, vai fundo!”
Então a pomba branca entra e pousa:
“Ei, cara, como ousa?
Que estória é essa, caia na real,
Pense no espírito, no amor puro,
Platônico, angelical...
Não aos instintos bestiais. Seja duro,
Flagele-se à antiga, na chibata, no cilício.;
Eis aí o verdadeiro sacrifício
De quem realmente ama:
Tome uma ducha fria, volte pra cama,
Lavado, limpo, curado,
Perfeitamente sublimado!”
E reage o Desejo.
Volta com suas manhas e truques.
Bate firme, me sacode:
Um tranco no estômago explode...
E de novo quero partir alucinado,
Argonauta desvairado,
Através das ondas singrar,
O coração apaixonado a sangrar,
Voar baixo, bêbado dos coquetéis do mar,
Estraçalhar as carnes e a roupa.
Voar louco (no tesão que não poupa)
Pelo Atlântico, Pacífico, arrancar o Índigo blue.
E de novo a pombinha,
Solene, branquinha:
“Pare com isso, meu amigo!
Nada há lá, por Alá eu te digo...
É só imaginação, tremenda quimera.;
Praia árida, sem areia,
Muita tormenta, nenhuma sereia.
Apague essa ilusão, essa luz e durma!
Tome um Valium, sossegue,
Ligue o Canal 23 e reze...
Acenda uma vela pro santo
E fique quieto no teu canto!”
Meu interior se arrebata
Pelo magnetismo puxa-puxa
Daquelas artimanhas de bruxa.
Então decolo em busca de colo.
Sigo o conselho, durmo, sonho.
E o incrível acontece:
O sonho repete a realidade.
Volta a mesma ansiedade.
Zunindo por línguas de terra, o litoral,
Adentro ao mar. Ah, já vejo a ilha!
Sonho que vôo até soçobrar minha frágil vela.
Quero mesmo é só sobrar na praia dela...
Fico lá naufragado, arfando qual lebre,
Ardendo de febre.
40 de puro delírio,
40 latitude Sul: cheguei lá
No meu Shangri-lá,
Meio vivo, meio morto,
A meu único e verdadeiro porto.
E, então, o grande momento.
Agradeço aos deuses pelo fim do tormento:
Em súbito decúbito,
Louco completo,
Me locupleto.
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