POR QUE VOTO LULA
Frei Betto
Meu voto é Lula. Embora seja cristão e acredite em milagre, não creio que
Deus fará pelo Brasil o que os brasileiros se recusam a fazer. Portanto, não
fará o maná cair do céu para matar a fome de 53 milhões de pessoas; não
enviará um raio para erradicar a dívida e(x)terna; não transformará o Banco
Central numa cornucópia para saciar de fortuna os projetos sociais. Por
isso, não voto em Garotinho.
Como estou decepcionado com os oito anos de governo FHC, nos quais o Brasil
menos cresceu em toda a história da República, e agora se afunda numa dívida
pública em torno de R$ 750 bilhões, também não quero ver pela frente as
mesmas caras: o Malan monitorando a economia em nome do FMI; o Pedro Parente
fazendo de conta que entende de energia elétrica; o ministério da Justiça
cruzando os braços frente ao crime organizado em terra capixaba. Por isso
não voto em Serra.
E como não tenho memória curta e guardo a amarga lembrança do breve período
Collor, minha insanidade não é suficiente para que eu cometa a loucura de
votar em Ciro Gomes. Deixo a ele os votos de Collor e de ACM. Não o meu,
que muito prezo. Jamais confiei em salvadores da pátria que, como Jânio
Quadros, mais confundem que aclaram, mudando de opinião segundo a
conveniência política do momento.
Nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco, após a desastrada entrevista
do ministro Ricúpero, Ciro Gomes ficou quatro meses no governo FHC e criou
problemas suficientes para não ser chamado de volta
ao cargo no segundo mandato do presidente. Seu desequilíbrio emocional
frente às perguntas dos jornalistas não me permite supor que, uma vez
eleito, ficará curado do destempero e da agressividade. E estou cansado de
ver o PFL usufruir do poder sem deixar cair do banquete dos abastados ao
menos uma migalha para os pobres. E o PFL está com Ciro.
Voto Lula porque ele tem lastro político, um partido consistente, um
programa viável, uma equipe invejável. Prefiro estar ao lado de Maria
Victória Benevides, Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato, Marilena Chauí,
Luiz Pinguelli Rosa, Emir Sader, Paulo Nogueira Batista Júnior, Marina da
Silva, Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque, Antonio Candido etc. etc., e
também da CUT, da CMP e do MST, que estão com Lula, do que ficar mal
acompanhado.
Lula não será a salvação da pátria, mas tem todas as condições para arrancar
o Brasil da condição de Belíndia (este misto de Bélgica com Índia) ou de
Colombina (a violência da Colômbia com a quebradeira da Argentina). Enfim,
reduzir consideravelmente a desigualdade social. Segundo o Banco Mundial,
insuspeito, 20% dos brasileiros mais ricos embolsam 64,1% da renda nacional,
enquanto a parcela 20% mais pobre fica com a migalha de 2,2%.
Entre 60 países do mundo, o Brasil é o terceiro em assassinatos, atrás da
Colômbia e de Porto Rico. Em 2000, morreram assassinados 45.919 brasileiros.
Entre os jovens de 15 a 24 anos, o índice cresceu 48% na última década.
Dos 76,1 milhões de trabalhadores, 64 milhões têm ocupação e os demais estão
desempregados. Dos que trabalham, 24,4%ganham no máximo 1 salário mínimo por
mês; 27,5%, até 2 salários mínimos; 13,6%, até 3; 14,2%, até 5; 12,5%, até
10; 5,1%, até 20; e apenas 2,6% ganham acima de 20 salários mínimos (ou mais
de R$ 4 mil) por mês.
Ou seja, 51,9% dos trabalhadores ganham no máximo R$ 400 por mês. E há
1.049.939 crianças de 10 a 14 anos no mercado de trabalho, das quais 39%
trabalham entre 15 e 19 horas semanais, sendo que 9% cumprem jornada semanal
de 49 horas ou mais. Os dados não são da CUT nem do MST.
São oficiais, do IBGE.
Como trabalhador metalúrgico e sindicalista, Lula priorizará os
investimentos produtivos, combaterá a especulação financeira, promoverá a
reforma tributária e, com ela, os mecanismos de distribuição de renda.
Se ele não assegurar a cada brasileiro ao menos 1 prato de comida por dia,
ficará desmoralizado. É impensável um governo Lula sem reforma agrária,
tributação do capital especulativo e uma política eficaz de combate à fome.
Lula vai inverter a pirâmide da educação que, no Brasil, anda de cabeça pra
baixo. Basta dizer que 1/3 da população com mais de 10 anos de idade é
analfabeta funcional, pois não completou quatro anos de estudos. Dos
recursos do MEC destinados ao ensino médio, só 8% vão para alunos oriundos
da esfera dos 20% mais pobres da população. E dos recursos que chegam às
universidades públicas quase a metade é gasta com alunos que pertencem à
casta dos 20% mais ricos da população. O governo Lula vai injetar mais
recursos na educação, estratégia prioritária para arrancar o Brasil do
atraso.
Lula vai? Vai o quê? Sozinho ele não vai nada. A menos que elejamos, com
ele, um Congresso Nacional progressista. Ainda assim, isso não será o
suficiente. Se eleito, Lula só terá condições de governabilidade se houver
mobilização permanente da sociedade civil. Será o primeiro a governar,não
contra o povo, nem para o povo, mas com o povo, transformando em real a
nossa democracia formal. É esta a aliança que tornará viável o governo
Lula: com o povo brasileiro. Fora disso, nem ele nem o PT tem salvação.
Mas para que o sonho se torne realidade é preciso, agora, todo empenho na
eleição de Lula e de governadores, senadores, deputados federais e
estaduais, que haverão de garantir condições para o Brasil mudar. Para
melhor.
Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto Autobiografia Escolar" (Ática),
entre outros livros.
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