A ROTINA DE LAURA
O patrão é pastor de uma igreja evangélica.O irmão estudou direito, formou-se advogado.Agora estuda para juiz.Ela trabalha para os dois, como empregada doméstica.Ganha cento e cinqüenta reais por mês.Seu nome, Laura.
Trabalha de segunda a sábado.Faz todo o serviço caseiro.Está desesperada, pois divide a metade do salário com a cunhada, com quem mora. Sobram setenta e cinco reais para viver o mês inteiro.Tem uma filha.
A cunhada tem cinco filhos, o marido desempregado.
Ela quer mudar de vida, estudar, completar a oitava série.A escola municipal pediu o histórico escolar e deu dois dias de prazo.Impossível, pois teria que ir até Santos, onde estudou, e para isso precisaria de trinta reais.
Entrou na igreja do patrão.Lá encontra conforto espiritual.Aceita a sua condição de explorada com calma e resignação , mas também encontra forças para lutar, principalmente através da oração e dos sermões que ouve, nos quais toma conhecimento da convivência da crueldade com a benevolência.
O fato de ser negra torna tudo mais difícil.Outra dificuldade é que não lê.Quando chega no serviço a primeira coisa que faz é pegar o jornal do patrão.Coloca sobre o sofá da sala e vai para a cozinha preparar o café.Mas não se atreve a ler o jornal, primeiro porque não adquiriu o hábito, segundo porque ouve falar que os jornais só divulgam violência, crimes e mortes, terceiro, porque o patrão não gosta que ela perca tempo.Afinal não é paga para ler.
Pesquisa inédita no judiciário revelou recentemente o perfil do ladrão em São Paulo.A maioria dos crimes é praticada por brancos e paulistas.Bem abaixo dos paulistas estão os baianos e depois os pernambucanos. E os negros, bem abaixo dos brancos.Preconceitos arraigados na sociedade terão de ser removidos.Preconceitos contra negros e nordestinos.
“A pesquisa tira do corpo do negro o peso histórico de ser identificado como marginal. Mas, é preciso aprofundar outras questões ou conjugar essa pesquisa com outras”.Diz Lauro Cornélio, do movimento de luta contra a discriminação racial.
As pesquisas as quais ele se refere são as seguintes: a maioria dos mortos pela polícia (67,9%- dados da corregedoria) sem passagem por crimes, são negros. Apenas 35,2% são brancos.Ou seja, é preciso mudar a mentalidade histórica de policiais e civis que ainda identificam os negros como marginais.
Mas a pesquisa que revela o perfil do ladrão em são Paulo é importante demais para ser menosprezada.Uma possível conseqüência dela é o fato de que o Estado começa a pensar em penas alternativas.
O Brasil é um país racista, ao seu modo.É, também, um país preconceituoso.Não significa que todos os brasileiros sejam racistas.Ao contrário, muitos, brancos e negros, lutam pela reforma da mentalidade do cidadão. Não suportam e denunciam qualquer gesto racista e preconceituoso, contra nordestinos e negros.Contribuem para a grande nação que nascerá.
Enquanto isso a rotina segue na casa dos patrões de Laura. Um prepara a sua pregação para o culto da noite, outro se afunda em livros jurídicos, e ela, solitária, passa roupa, limpa a casa, lava, cozinha...
Marciano Vasques
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