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Poesias-->Alguns degraus -- 19/03/2007 - 15:48 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prólogo



Não são degraus para o sucesso, mas sim, conquistas. O poeta norte-riograndense João Felinto Neto é desconhecido, quase anônimo, portanto fala de cada degrau como sendo cada livro escrito e publicado. Dessa forma, os leitores são as pedras que alicerçam esses degraus.

Alguns degraus é mais um passo em direção ao reconhecimento, pelo leitor, do profundo empenho do autor para congraçar o prazer da leitura. São poemas dispersos que falam de diversos assuntos, sobre vários aspectos.

Tal qual um velho pedreiro, cuidadosamente, o poeta constrói seus degraus.; que para nosso prazer e deleite podemos acompanhá-lo através da leitura desses versos nessa escalada, ou ficarmos cá embaixo extasiados diante da declamação de seus poemas. Porém, de ambas as formas, faz-se necessário lê-se Alguns degraus.



Anita Hélida







































Alguns Degraus



Na escalada em busca de um sonho, eu galguei alguns degraus. Degraus que enfim eu componho com poemas. E a cada dia eu monto pequenas peças, detalhes em forma de versos, que se concretizam em suportes que sustentam o peso de minha ansiedade.

A escadaria é longa e de difícil acesso, poderá desmoronar-se sob os meus pés, ou apenas acabar-se à minha frente no abismo da realidade. Por ser um sonho, pode ser só ilusão. Por isso, a cada degrau alcançado, eu retorno ao primeiro, e em seguida ponho os pés no chão.

Alguns degraus é bem mais que um simples título, é o reconhecimento de um caminho percorrido por alguém que olha para trás.



O autor



























O além



O corredor é imenso,

minha figura caminha sob o teto

empoeirado e coberto

por teias de aranha.



A solidão acompanha

os meus passos, com pesar.



Talvez eu possa encontrar

uma cópia de mim mesmo

para desvendar os segredos

que eu tento em mim, decifrar.



Eu sinto as paredes frias.

Mas, o silêncio me acalma.

Mesmo vazio de alma,

eu continuo a seguir.



Não sei se devo dormir

para voltar a sonhar,

ou simplesmente acordar

para voltar a sorrir.













Abandonados



Eu me sinto abandonado,

não por aqueles que me amam e me cercam,

mas, pelos que de mim precisam

e não me pedem.;

os que pedem mais do que eu posso dar.;

os que não querem o que ofereço.;

os que pedem mais do que necessitam.;

os que são miseráveis, mas não sabem.;

os que sabem que são e não aceitam.;

os que deitam à noite, mas não dormem.;

os que dormem sem ter onde deitar.;

os que choram de dor para enganar.;

os que sentem dor e que não choram.

Apiedados os tolos entre os maliciosos,

essas feras que por prazer devoram.





















Eu ou você



O amor

em suas mãos,

arma fatal

que causa dor

como um mal

que não tem cura.

Aprisionado a um quarto em solidão,

subjugado em uma cama sob tortura,

o amor não é desculpa

para sofrer.

Mas sem querer,

é culpado por uma vítima que tem culpa.

Talvez seja motivo para escolher,

eu ou você,

a razão crê

que é loucura.



















Infinitivo



Rejuntar a argila.

Refazer sua crença.

Aceitar a mentira.

Rejeitar o que pensa.



Recobrir a vergonha.

Esconder a verdade.

Descobrir que não sonha.

Voltar a realidade.



Recobrar a memória.

Enfrentar os seus medos.

Recontar a história.

Revelar seus segredos.



Reescrever os seus versos.

Declamar sua poesia.

Desvendar seus mistérios.

Acordar para a vida.













Pequeno desbravador



Apenas uma volta em meu pequeno mundo,

em círculo,

pensava haver-me perdido,

no entanto chegava em casa.

Já me considerando um desbravador,

um conquistador de terras estranhas.



Atravessei o rio que me cobria as pernas,

a um destino incerto.

A cada desafio, as horas eram eternas.

Eu não sabia ao certo se não voltaria atrás.



Fascinado com minha jornada,

o que eu mais desejava

era ver mais,

muito mais do que via.

Minha voz me alertava,

Mas, ao mesmo tempo dizia

que eu devia prosseguir.



Numa expedição rara,

onde havia um só

que também era guia,

que nem mesmo sabia

onde estava.



















Viajante virtual



O barulho da água

que modela, de um riacho, as margens.;

o ruído do vento a acariciar o pêlo dos sagüis.;

o canto doce dos bicos das aves,

compõem um mural de sons e imagens,

pintado sob a copa das árvores, a me iludir.



Chego a escutar os meus passos

no intenso desejo de estar ali.

Sou capaz de pegar, estendendo o meu braço,

uma folha que no chão acaba de cair.



Na virtual imagem me distraio,

no mais puro ambiente que eu pude criar,

no arrastar do mouse eu me traio,

à frieza da razão tenho que voltar.



Entre quatro paredes estou sufocado

frente a um monitor vazio e estático.

Uma falsa beleza de um mundo inventado

que me dá a certeza de estar condenado

a viver caminhando em um jardim

com flores de plástico.

















Desabafo de um herói



Entre marcos, fui herói.

Onde há heróis também há vítimas.

E quando vencedor,

perdi a ilusão de achar que vencia.

Desconhece essa dor

quem não sabe o valor

que tem a conquista.

Ser herói de verdade é uma grande mentira.

Não sei qual o pior,

se a fé ou a glória.

Sei que é muito melhor

só sonhar com a vitória.



























Poema sem fim e sem começo



...Enquanto o poeta que esquecera da vida,

via a criança entretida nos braços da mãe

e esta embevecida ao sorrir para a filha

que talvez algum dia também seja mãe,

e tenha em seus braços uma filha entretida,

embebida em abraços

e para a filha sorria,

enquanto o poeta que esquecera da vida,

a tudo assista.

Uma filha querida

que também poderia um dia ser mãe

e ter a criança entretida em seus braços,

em meio a afagos,

enquanto o poeta que esquecera da vida,

vê a tudo calado.

Uma doce menina

que um dia quem sabe também poderia...

















Atuar



Abre os braços em um movimento crescente.

A luz focaliza uma sombra,

forma de pássaro que voa num corpo de gente,

entra em cena um louco que à platéia assombra.



Segue-se o silêncio como num templo.

Transborda a idolatria a uma divindade que atua,

o seu altar é o palco,

há uma força que não é sua.



Entre aplausos deslizam seus passos.

O olhar contempla o tempo que resta.

Lembra a estréia e também os ensaios

antes de cada peça.



Um deus que se curva ante os fiéis

ou mesmo um Rei diante dos súditos,

agradecido por tê-los aos pés,

envaidecido com o seu público.



Fecham-se as cortinas.

O teatro fica vazio.

Cada apresentação um desafio,

cada desafio é superado

e para sempre gravado em suas retinas.























Êxtase



No sopé da montanha estou ajoelhado.

O suor que nos banha

transforma-se em riacho

que transborda em águas

que são um misto de sorrisos e lágrimas.

Ao meu grito

a resposta é um eco afinado.

A montanha é tê-la de costas

e de quatro.

Um silêncio que voa em liberdade,

carrega nossas almas.

Nós somos o milagre.

Um instante que dura tão pouco,

vira eternidade.























Humanar



Um humano que sabe escutar,

acredita e não perde a calma.

Suas palavras são ditas com alma,

nos seus olhos um doce olhar.



Este humano pratica o que fala,

não há ódio em seu coração,

sua essência, um vazio, uma falta,

ele é símbolo de humanização.



Um humano que é triste e ardiloso,

arrogante em seu pedestal,

envaidece-se e é orgulhoso,

converte-se numa catedral.



Este humano é preciso humanar,

dar-lhe a luz de uma mente sadia,

ensiná-lo a saber tolerar,

dar-lhe a mão e tornar-se seu guia.



O que sai de uma boca maldosa

se oculta no próprio falar.

Um humano que vive em revolta

não consegue a sua casa voltar.



A este humano é preciso humanar

e mostrar-lhe o caminho de volta.

Liberdade é a chave da porta,

humildade é sabê-la encontrar.













































Episódio



O barulho do tombo de uma escada

sucedido à porta escancarada em supetão.

A visão

de uma casa mal caiada.

Sua parede a pouco rebocada,

olha o branco que escorre pelo chão.

Um pincel a procura de uma mão.

O pintor se levanta aturdido.

Tudo isso

num complexo sistema indefinido

é resultado de um velho conhecido,

o acaso.



























Eco da consciência



Corro de casa

para poder fugir.

Corro para poder fugir.

Vôo sem asas

sabendo que vou cair.

Vôo sabendo que vou cair.



Não me apoquento,

sou lento como um zumbi.

Não me apoquento, sou lento.

Não agüento

passar mais um dia aqui.



Eu quero ir

sem saber aonde vou.

Eu vivo aqui

desconhecendo quem eu sou.

Eu sem saber vivo aqui.

Não mais importa

se um dia eu vou voltar.



Não mais importa

se da minha porta

eu vejo o mundo girar.

Da minha porta eu vejo o mundo girar.

Manguezal



Um braço perdido na profunda lama.

Sua mão engana,

sendo a própria isca.

Busca sua presa sem saber aonde.

Na lama se esconde

a sua comida.

Neste mundo insólito,

de aparência estranha,

a alma acompanha,

como a um ritual,

no olhar que se encanta.

Mundo manguezal.



























Apelo à miséria



Quem me dera, miséria,

eu fosse parte

de um baluarte de sonho e de quimera.

Pela boca mantem-se assim o povo,

a lavagem é a comida que a si, dera.

Na vergonha de reconhecer-se porco,

ter o rosto metido na sujeira,

enlameado atrás de uma porteira

seu anseio é mantido na espera.



Quem me dera, miséria,

eu me calasse

e ocultasse o meu rosto na janela.

Meus princípios mantem-me assim exposto.

Sou mau gosto travado na goela.

Quem engole as palavras que eu digo

traz de volta a vontade de lutar,

elas tocam a ferida no umbigo

que o conformismo já ia cicatrizar.



Quem me dera, miséria,

quem me dera,

que de ti eu pudesse me livrar.

















Premonição



Vem agora na lembrança.

Eu acordei cedo,

disse à minha mãe: - alguém me visita em segredo.

Eu era apenas uma criança.

A minha mãe deu um conselho:

- pergunte quem é,

depois da resposta

ela vai embora.



Assim chegou, à meia noite,

e novamente aconteceu.

Ouvi o som de um açoite,

mas nada a mim apareceu.

Eu já sem fala, quase mudo:

-Mas quem és tu, que não te vejo?

A alma então se projeta no escuro

e diz seu nome em segredo.



Eu me acordei ainda mais cedo,

não conseguia mais dormir.

Para mim ela ainda estava ali,

revia seus olhos em meu medo.

Mas, de uma coisa tinha certeza,

mesmo sem me dizer mais nada,

um dia ela foi uma princesa

ou uma sereia encantada.

Interessante é que de dia

enquanto eu me divertia no terreiro,

nada de estranho acontecia.

Ficava lá o dia inteiro.

Mas já à noite, quando acendia o candeeiro,

tudo que é coisa aparecia.

Até minha sombra dava medo,

sob o lençol eu me tremia.



Fazia frio, meu quarto agora era uma praia.

Eu via um triste pescador

numa embarcação furada.

-O que procuras meu senhor?

-Uma sereia encantada.

A minha rede balançava

e de repente ela parou,

o quarto ao normal voltara.



O sol mais uma vez nascia.

Eu resolvi ficar calado.

Achei que eu mesmo merecia

ficar com meu mundo encantado.

Juntava as peças e nada descobria.

Talvez faltasse algum pedaço.

E nunca mais eu sonharia.

Fiquei sem saber o resultado.



Hoje, tenho mais de trinta anos.

Gosto de pescar sozinho.

Enquanto pesco, faço planos.

Cuido do barco com carinho.

Saio em direção ao mar.

Nem imagino o que me espera.

Jamais pensei em não voltar.

Sempre voltei na hora certa.



Estou no barco a pescar,

o barco bate, noto uma rachadura,

começo a me desesperar.

Vejo no mar a minha ajuda,

uma princesa, uma sereia.

Eu nado em sua direção.

Essa foi minha salvação.

Eu piso firme na areia.



Vem agora na lembrança,

eu era apenas uma criança.

Eu sou aquele pescador

e a sereia que me salvou,

foi esse o nome, Esperança,

naquela noite, e o barulho do açoite,

escuto agora, são as ondas.

A espera



Um ônibus passa ao largo,

um outro pára,

um passageiro desce,

um outro sobe,

e eu à espera.



Cada um viaja espremido

no assento do descaso.

Mesmo em seu próprio carro

é estreito o espaço

por onde ele trafega.

Um pára e troca o pneu.

Um outro mais veloz desapareceu.

E eu

continuo à espera.



Alguém de bicicleta

cai sozinho.

Por pouco

um outro em uma moto

não o atropela.

Os transeuntes param no caminho

para comentarem a queda.

E eu em meu cantinho,

ainda à espera.

Um caminhão se desgoverna

em busca da calçada.

Um corre-corre louco.

Uma pasta ensangüentada.

Uma mulher em pranto.

Um homem ainda moço,

esse já era.

Enfim, eu me levanto,

acabou a minha espera.





































Que falem



O que se diz de mim,

quando às minhas costas,

sei que não me importa

se é bom ou se é ruim.



Talvez me achem tolo.

Uma flor entre abelhas

ou uma fera solta,

um lobo entre ovelhas.

Um pobre homem louco

que acha que um dia,

a porta da utopia,

o mundo vai abrir.



Não sei se vou sorrir por minha vida toda.

Mas, como qualquer boca,

a minha vai calar.



Enquanto eu empunhar

o peso da caneta,

que o mundo não esqueça

e que fale de mim,

mesmo às minhas costas,

há mim pouco importa

ser bom ou ser ruim.

















Torturas



Uma seringa de ódio

injetada em sua veia.

A dor alheia

não o incomoda.

Uma torneira que pinga a noite inteira

sobre a cabeça

de quem chora.

A intolerância

explode com furor

na mão que leva o fio até tocar a língua.

Um ferro em brasa que fere a retina

tornado opaca a visão do opressor.

Um braço extenso

que engana e que destrói.

Em um porão o pavor de um herói

que morre em silêncio.



















Insensíveis



Eu corro e não te abraço

por que de ti despeço-me

antes mesmo de partires.

O teu olhar se entristece

e mesmo assim a vejo sorrir.

E todo o querer caiu por terra.

E toda a dor te fez chorar.

A tua pressa foi o teu erro.

A minha calma o meu castigo.

De braços abertos morre comigo.

De olhos fechados tenta me encontrar.

Duas pessoas que se adoram,

que se odeiam

e que choram

por não conseguir amar.





















Platônico



O que faço por mim

se nada sabes,

se de teu mundo

nem ao menos faço parte.



O que faço por ti?

Bem que eu poderia jugar-te.

Mas, é mais fácil te amar

que te condenar.



O que seria depois,

se enfim soubesses?

Meu coração, quem sabe, talvez

amasse por nós dois.























Por trás da árvore



Algumas coisas não mudam nessa vida.

Sempre há uma referência na lembrança.

Aquela árvore sempre esteve lá,

desde que eu era uma criança.



Não é difícil querer ocultar

toda uma vida por trás dessa árvore.

Seus grossos galhos já foram uma tarde,

sustentação para o meu balançar.



A vi plantar, uma mão na areia.

Valeu a pena ter ficado à espera.

A noite chega, a lua é cheia,

cheia de vida como essa terra.



Um belo dia subi até o galho mais alto,

pus um alçapão com uma gaiola

para pegar passarinho verde,

verde como as folhas.



Também cai.

Quebrei o braço enquanto brincava.

Já não sabia quanto tempo a esperava,

ela não veio, doce namorada.



A árvore continuou lá

até o último dos meus dias.

Por trás da árvore meu corpo jazia,

eu a nutria,

sou fruto que ela dá.





























Mutismo



A poética leveza dos sinais

no gestual de minhas mãos

é reforçada com emoção

em minhas expressões faciais.

E o meu profundo silêncio

inspirou-me

a uma belíssima forma de comunicação.

Uma música audível ao coração

num movimento melodioso

e numa tocante letra de expressão.

Um gesto pode dizer mais do que uma palavra,

e uma palavra em gesto

pode dizer mais ainda.

Retornei ao tempo em que não havia fala

e que os olhos eram a língua.

Num mundo de fingimento,

a beleza da linguagem de sinais

exprime minhas idéias e meus sentimentos.

O que deixamos para trás,

eclodiu na necessidade que tenho de dizer:

- Estou vivo.















Loucura



Eu acaricio a minha face

enquanto ela tenta me morder.

Tão triste bem querer,

porque não vejo que em mim, a loucura nasce.



Dentro de cada um

é tão comum se esconder em alguma parte.

Parti de mim,

talvez para ocultar você.



Meus olhos, o que vê?

Já não se sabe.

Reconheço-me

na imagem embaçada pelas lágrimas.



Um desesperado para viver,

que não consegue mais voltar para casa.

Um estranho tranqüiliza a minha dor,

por não saber

que na verdade,

sou você.

















Guinada



O poema encara o próprio poeta,

é atrevido,

faz o que quer comigo

e eu não sei me defender.

O poeta sem querer

fala de coisas passadas,

desabafa.

O poema se exalta,

não me deixando escrever.

O poema joga duro,

meu pensamento afugenta.

O poeta então se apega a versos que depois, lamenta

tê-los um dia escrito.

O poeta é mais que isso.

O poema acha pouco.

De repente, uma idéia,

dessa vez vou dar o troco,

pensa consigo o poeta.

E nos passos da caneta

toma a frente do poema.

O poeta faz careta

arremedando o poema

que agora é invertido.



O poeta encara o próprio poema,

é atrevido.

Faço o que quero contigo

e você não pode se defender.

O poema sem querer

fala de coisas passadas,

desabafa.

O poeta se exalta,

não deixa o poema ser.

O poeta joga duro.

O poema se afugenta.

Então o poeta se apega

a versos que nunca lamenta

por tê-los feito um dia.

O poeta acha pouco

e escreve como um louco

o inverso do poema.





















Absorto



Não há mais tempo,

o relógio quebrou,

agora simplesmente não haverá atraso.

Continuarei aqui,

sentado,

achando que o mundo

parou.

Com o relógio quebrado

não haverá mais recado.

Ao meu lado,

o movimento cessou.

Não haveria mais dor,

porque o mundo parou.

Não haveria trabalho,

o mundo havia parado.

Eu ficaria eternamente aqui

debaixo dessa barraca,

com uma bebida gelada,

olhando um barco partir

tal qual numa tela pintado,

não se movia dali.

Agora escuto as batidas do meu coração,

e apenas o tique-taque do relógio.

O mundo parou ou não?

O mundo não pararia, é lógico.

O que houve afinal?

Parei no espaço e no tempo,

no mundo dos pensamentos,

parei o mundo real.















































Diante



Diante de mim,

ninguém.

Diante do mal,

o bem,

bem diante de nós.

Enquanto eu falar

com vós,

não vão me faltar

lençóis

para me cobrir.

Despeço-me do mundo

aqui,

com um aceno

para alguém

bem diante de mim,

ninguém.



















Em movimento



Mundo que gira sob os meus pés

deixando-me em diversas e cruéis

situações.

Tão imperceptível movimento,

faz com que eu lhe obedeça

e que permaneça na mesma posição.

A sua rotação está em minha cabeça

e não deixa que eu perceba

que é pura ilusão.



Mundo cão,

gira em torno de si, rotação.

Ao redor do sol, translação.

Até que eu desapareça.



Mundo injusto,

que assim seja,

eu não quero virar busto,

peço que de mim se esqueça.



Mundo sujo,

espero que ainda veja

a sua própria podridão.

Mesmo que eu já esteja

incorporado ao seu chão.

Mundo imenso.

Dentro do solo ou nas alturas,

a mão do homem é o veneno

que está comprometendo

suas complexas estruturas.



Mundo vazio de vida.

Mundos, enfim é plural.

No universo, uma ilha

fragmentada no caos.



































O pescador e a sereia



Passou a vida navegando

para o outro lado.

Estava sempre de costas.



Mesmo acordado,

estava sempre sonhando

com o seu barco afundado

em um mar de rosas.



Sobreviveu aos espinhos

e à beleza também.

Mas, naufragou no caminho

pelo perfume que tem.



Um cheiro doce

que a maré trouxe

do seu amor que não vem.



E foi pego de surpresa

pela mão da natureza,

que de vermelho manchou

o mar que sempre sonhou.



A cor não era das pétalas,

era do sangue nas velas

que como chamas, o queimou.

Na sua face esculpida em bronze

com o sol, espelhava o nome

d aquela que sempre amou.



A vida, assim, separou

com uma enorme desfeita.

Seu amor era uma sereia

que ele mesmo pescou.





































Eles sabem o que fazem



Nos gritos arrastados pelo vento,

escuto,

é o fim dos tempos,

da boca de um ancião.

O apocalipse é uma anunciação

que um dia enfim, o levaria,

e tudo continuaria

como sempre foi.



Por trás das portas

das Sinagogas e das Mesquitas,

o ódio vence o amor,

e lá fora

a guerra eclode.



Como uma bomba,

um dia explode

em seus próprios pés,

a intensa disputa por fiéis,

entre a Igreja e o templo.



Prega-se o amor.

Pratica-se o ódio.

Pede-se perdão.

Pune-se com a morte.

Fala de humildade,

enquanto crê por ambição.



Lavo minhas mãos.

Talvez seu próprio criador tenha feito isso,

é a única explicação

para ser tão omisso.









































Quem era



Imaginou que era tarde,

tarde não era.

Mas, era tarde demais para voltar a quem era.

Será que ela iria à montanha

ou a montanha viria até ela.

Quem dera

que o seu nome, tão forte, ecoasse

como resposta que vem da montanha

a uma dúvida que era tamanha,

como uma chama que queima e arde.

Já que a si mesma,

amaldiçoara,

a sua voz para sempre calara

ante ao eco de sua pergunta.

Sua garganta,

uma fenda profunda.

Seu coração,

uma ferida à parte.

Talvez, não seja tão tarde

para voltar a ser ela.















Só meu



Um lugar que é meu.

Meu não possessivo,

meu sentimental.

Um lugar cativo.

Um sonho ideal,

só meu.

Só meu,

um sonho ideal,

um lugar cativo.

Meu sentimental,

meu não possessivo.

Um lugar que é meu.



























Filho e pai



Corro para um solitário adeus,

um beijo.

De todos, o mais infeliz desfecho,

a despedida.

Enquanto na distância

parte a minha vida,

parte dela para o esquecimento,

resta-me lembrar

numa viagem pelo tempo

de tudo que me restaria

na memória, do que fui outrora.

E o que seria agora,

se eu soubesse nunca partiria.



Procura se encontrar,

como procurei um dia.

Como não pude notar

a dor que meu pai sentia?

Tantos anos se passaram,

a mesma cena aconteceu.

Desta vez, foi o meu filho

que minha dor não percebeu.

Somos bem mais,

quando somos filho e pai.





















Dia-a-dia



Tu és para mim

uma flor retirada de uma tela viva.

Aquela flor que há

no vaso da vida,

um vaso revestido de amor e tédio.



Não sei se és a minha cura.

Mas, és o único remédio.



Estou na velha cadeira,

a engolir poeira e a fazer planos,

pensando na mesma e rotineira

tarefa do cotidiano.



Você já não agüenta mais,

disfarça e faz de conta

que não faz conta de mais nada,

que a liberdade é uma estrada

e que no fim da caminhada

o seu destino a espera.



E agora somos meramente,

dois patéticos sorridentes

que acreditam ser felizes.

















A tempo e a hora



Tenho pressa,

o tempo urge,

nos ponteiros vejo a hora que o relógio anuncia,

vai-se o dia

a noite surge.



Olho o dia da semana

e a data no calendário,

se a idade não me engana,

hoje é meu centenário.



Minha mão nunca desiste,

mas escrevo com demora.

O tempo já não existe,

meu relógio jogo fora.

Esqueço que há noite e dia.

Arranco os marcos da história

para poder terminar

esta singualar

poesia,

a tempo e a hora.



















Idéia fixa



Ao olhar a imensidão, de cima da serra,

escancaro minha boca em forma de caverna.

Faço de conta que não é comigo

a volta de um eco de meu próprio grito.

Abro os braços para um vôo,

enfim reflito,

penso até em arriscar,

mas sei que não conseguiria.

Sei a força que me prende a terra.

Sei que a morte

espreita-me na janela.

A vida sem voar não faz sentido.

Tenho uma idéia,

volto ao abrigo.

Depois de muito tempo o céu ainda me espera.

Usando um novo invento vôo pelos ares,

sentindo em mim

a liberdade.















Pretensão



Jamais saberei quem tu és,

lendo a palma da tua mão

ou as marcas dos teus pés.

Nos teus olhos, a tristeza diz não.

Na tua boca há um sim de alegria.

Nem traje e nem companhia

revelarão quem tu és.

Conheço o teu jeito de andar,

os gestos na hora de falar,

teus gostos para se vestir,

a maneira de dormir,

quase tudo em ti, eu já sei.

Quem tu és, eu jamais saberei.



O teu ser é oculto à distância.

Em tua voz posso ouvi-lo falar.

Somos feito da mesma substância.

Mas, jamais vamos nos encontrar.



Como posso querer desvendar

um enigma que também é meu?

Pretensão é saber quem tu és,

se nem mesmo sei quem sou eu.

Para sempre seremos a sombra

de um ser que não sabe quem é.

























Moléstia



O arcabouço

de meu corpo macilento

no esforço para respirar,

faz um triste movimento.

Há um pulmão asmático

no intento.

Um rosto apático,

transfigurado pelo tempo,

não me deixa sorrir.

Aonde ir,

se já não posso caminhar?

Um grande fardo

para um homem suportar.

Um alvoroço,

logo depois um corpo estático,

um lençol de enorme peso,

uma febre sem desejo,

um olhar desfigurado.















Guri



Esta é tua essência,

que em criança

corre livre com os passos da inocência.



É maleável a realidade na infância.;

quando a tua mão

dá forma a uma outra forma

e molda com a imaginação.



Nada mais importa

em teu mundo de fantasia,

não há razão,

não há ciência,

tudo é pura poesia.























Bodas



União duradoura

numa balança de ouro,

um e outro,

dois pesos numa só medida.



Cinqüenta anos de vida

dentro da mesma aliança.;

a palavra preferida,

esperança.



Um exemplo a cada filho,

para sempre na memória.

Seguindo no mesmo trilho,

nunca houve um descarrilo

nas páginas de sua história.



Em um mundo tão descrente,

um casal admirável.

Sustentaram o que é decente

com uma fé inabalável.



Diferença há em suas opiniões.

Mas isso não é tudo.

Dentro de seus corações,

o querer é mútuo.

Por trás da colina



Um amor que não tem poesia

já nasceu condenado a morrer.

Não seria possível ir muito longe,

muito longe não iria.

Não veria seus olhos, quando se esconde

nas janelas do bonde.

Perderia o bonde,

o bonde apressado.

Parou onde?

Aonde ele foi?

Não seria muito,

nem pedir demais,

quero saber do bonde,

quero vê-lo aonde vai.

Lá atrás da colina

não há linha de trem,

não há virgem, menina,

não há doce, também.

Ao abrir a cortina

vejo luz, é meu bem.

A poesia termina

e o namoro também.





















O amor



Eis o que é o amor:

uma vontade inata.

E o próprio amor

de amor nos mata.

E nos machuca uma dor

que se faz necessária.

Desnecessária dor,

dor que nunca passa.

Na ferida do amor

nasce uma flor rara.

Tão rara e fina flor,

que o amor não sara.



























Herança de guerra



Amaldiçoei meu planeta.

Já não posso mais fitar meu rosto

em uma poça d água,

por não haver mais poça d água,

não por desgosto.



Enquanto cai uma fina chuva ácida,

sinto queimar a pele cancerígena

do meu corpo.

Ninguém virá ao meu socorro.

Esse é um planeta alienígena.



O tempo todo estou de máscara.

O ar é tóxico.

O amor é livre, mas ninguém encara

a estranha cara

do seu próximo.



Morrer de tédio ou de ócio.

Antiga terra,

não há amor,

não há remorso,

és a herança da guerra.

























Caminhoneiro



Ao cofiar a barba,

recorda que a carga

em seu coração

foi sempre bem maior

que a que ele levava

em seu caminhão.

A lona cobria,

o quanto podia,

as suas paixões.

As cordas prendiam

e assim não partiam

suas ilusões.

A vista cansada

de ver só estradas vazias.

A volta para casa

é o fim da jornada

e a razão da partida.

















O mar da vida



Em cada boca

um sorriso,

em cada dor

um gemido,

cada cabeça

uma forma de pensar,

e cada qual

com seus medos,

guardando em si

seus segredos

que podem

a sua alma desvendar.



Feliz de quem pode olhar

a imensidão do seu nada

na longa e triste jornada

com seu lento navegar,

e refletir um pouquinho

enquanto se está sozinho

sem porto para aportar,

que a vida

é cada momento,

cada momento,

um tempo,

em cada tempo há um vento

para a vida direcionar,

e que se pode naufragar

se não for firme no leme.

No mar da vida o que se teme

é ter que à terra

voltar.

























Escravizados



Não há prisão que segure

a força da liberdade.

Um dom que a humanidade

quer que perdure.



Não há razão para escravizar a coragem,

enquanto a covardia é a única atitude.



Assim foi no passado,

é no presente e será no futuro.

Das mãos afrouxa-se o laço,

dos olhos a venda que nos mantém no escuro.



Quem são os nossos vassalos,

se somos nós os nossos senhores?

Quem são os nossos escravos,

humanos sem raças e sem cores?



Somos um berço de vida

que lida,

que não sabe ler.

Falta-nos sempre comida.

Que vida devemos ter?





Escravizados ainda,

não sabemos o que fazer.

Reaja que tudo finda,

é só questão de querer.



Como posso ser senhor,

se a minha maior dor

é ser escravo do poder?































Confissão de Eva



Não vivo à sombra de Deus.

Não sou sobra de Adão.

A sobra de minha maçã,

não foi satã quem comeu.



Eu vim ao mundo assim.

Não há pecado, nem culpa.

Foi uma bela desculpa

para livrar-se de mim.



Além do vasto jardim,

não havia mais ninguém.

E de onde é que vem,

a esposa de Caim?



A estória é tão ruim,

que devia contar outra.

Livre arbítrio é só de boca.

Você tem que dizer sim.



Uma coisa, eu lhe peço:

Não se esconda, tente ver-se.

Precisando, eu confesso.

Mas, confessar não é arrepender-se.























Paradeiro



Ha! Se o mar

fosse mais perto.

Todo dia eu sairia para pescar.

Não seria a minha vida, esse deserto.

Um deserto, que ao contrário,

virou mar.

Eu vejo o velho Antônio,

meu conselheiro,

sem conselhos,

com a barba a cofiar.

Desconhece o seu próprio paradeiro.

O meu,

quem sabe,

ele possa desvendar.























Reversível



Estou errado, quando certo.

Tenho a certeza ao errar.

Sou infinito entre os homens,

para entre os deuses me acabar.

Sou preto e branco entre cores,

tão colorido no incolor.

Um perdedor dos ganhadores.

Um derrotado vencedor.

Sou sempre inverso

ou não sou.































Dissimulada



Não me pergunte o que pretendo.

Entendo

se o torno infeliz.

Não vale a pena ouvir

o que minha boca diz,

o melhor é seguir

o que diz meu olhar.

Não basta me entregar

pra lhe fazer feliz,

nem lhe odiar

por me aprisionar.

Mas se não há lugar

para nós dois,

não desejo partir,

vou esperar aqui.

Não me importa, pois haverá depois.

Preciso como sempre

me enganar

e nessa hora acreditar

que vou lhe esquecer,

e mesmo sem querer

eu volto a aceitar,

estendo a mão pra receber,

enquanto o coração

tenta dizer te amo.





















Os fantasmas



Tenho medo da solidão.

Ouço vozes e falo sozinho.

Vejo olhos

que brilham na escuridão.

Ando de mansinho.

Sinto um calafrio,

um desafio

para minhas pernas.

Ventania que abre a janela,

me enregela a alma.

Ponho a minha mão

no vão

da porta entreaberta,

passo através dela,

mantenho a calma.

Que decepção

ao ver a sala,

todos vivendo a ilusão

de que sou um fantasma.













Vejo a vida



Abro a rede

e mergulho no mar de notícias.

Vejo a fome e a sede,

violência e carícias.

Vejo a vida.



Vejo alguém que anuncia

com a boca jocosa.

Não há graça nenhuma,

propaganda enganosa.

Vejo a vida.



Vejo uma cobra macia

que desliza na areia.

Vejo um teto cair

sobre algumas cabeças.

Vejo a vida.



Vejo a flor que encanta

com a sua beleza.

Vejo a pedra que agride

com a sua dureza.

Vejo a vida.





Vejo a virgem que espanta

com a sua pureza.

Vejo a dama da noite

com a sua frieza.

Vejo a vida.



Vejo uma mão estendida,

um perdão ser negado.

Vejo uma árvore caída

e na mão um machado.

Vejo a vida.



Com os olhos fechados

vejo o céu e o inferno.

Entre o breve e o eterno,

vejo a vida.























Personagens infantis



Será que o lobo é tão mal.

O lobo ama também.

Ele protege os filhotes que tem.

Caçar, para ele é natural.



A chapeuzinho, talvez,

quando crescer seja outra.

Se torne uma megera

que não gosta de criança

e perca toda a esperança

de voltar ao que era.



O caçador, o herói tão valente

que salvou a vovozinha,

costuma matar friamente a fêmea,

deixando a cria sozinha.

Ele acabou sendo preso

por caçar ilegalmente.



A vovozinha morreu.

Pois, a idade a levou.

Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente.

Isso prova que a bondade e a maldade,

na verdade, são apenas uma história diferente.























No isolamento



- Pare de falar.

- Eu já parei faz tempo.

- Então por que escuto a sua voz?

- Não é a minha voz, é o seu pensamento.

- Dessa forma somos nós um só?

- No mesmo espaço e ao mesmo tempo.

- Eu não acredito nisso,

deve ser sabedoria.

- Sou apenas uma vaga idéia

do que você mesmo seria.

- Sendo assim,

não há um você nem um eu.

Somos nós em mim.

- Ainda não entendeu.

Não existe nós,

sou apenas eu.



















Na lapela



Não seria o lugar da rosa,

o peito,

ou o jeito

é deixá-la no jardim.

Na lapela do meu lado direito

ou seria do esquerdo,

enfim.

Não há cravo nem rosa.

Não há verso nem prosa.

Não há terno para mim.































Fidelidade



Não me deito em outros leitos,

não me queixo.

Vida louca,

quantos beijos

eu dei em outras bocas.

Nos meus sonhos,

talvez eu tire a roupa.

Mas na vida,

apenas te desejo.

Minhas lágrimas não são pelo que vejo.

Mas, por medo

de não tê-la à vida toda.



























O todo



Não me pareces uma flor.

Todavia, uma seiva permanente

que mantém o jardim vivo.



És o meu riso

e a minha dor.

És meu eterno compromisso.



Sou por inteiro

no que sou.

Metade do que em ti,

seria.



Somos o todo no amor,

que em cada um

não caberia.



















Sombra



Não há detalhe

em minha sombra na parede.

A luz não pode

atravessar-me.

O meu receio

é que a imagem

que está presa no espelho,

venha para a minha sombra,

assombrar-me.



O meu descanso

é uma simples ilusão.

Eis que sou sombra

dissipada na escuridão

do quarto.



Uma sombra que vaga

pela vida

à procura da própria

identidade.

Por ser sombra,

de forma indefinida

na minha realidade.





Pintura



És na noite,

um quarto sem pudor.

Na tela,

uma pintura apaixonada.

Entre as cores,

uma figura desbotada.

Entre as flores,

abaixo da janela,

és aquela,

a de cheiro adocicado.

Entre todas,

é a dama à espera

do autor do belo quadro.

























Fobia



O tíbio som de minha voz

cessou de vez.

Eu jamais poderei

alçar vôo.

Cordas vocais de timidez

mantém-me ao chão,

em silêncio,

só.



O que farei por nós,

enquanto sou assim?

Apenas um esforço

em vão.

Um sangue quente entra e sai do coração,

tingindo minha face de pavor.

Sou eu em meio à multidão,

um rosto, sem querer,

sem vontade de ser

quem sou.



Cada rosto me agride

com violência existencial.

Cada aperto de mão,

um revide à minha invasão

ao mundo real.





















Cibernéticos



Corremos entre verbos e quimeras,

em uma vida estóica e sem sentido.

Já fomos aos pólos da esfera.

Descemos ao mais profundo abismo.

Subimos às elevações da terra.

Conquistamos o altar.

Evoluímos.



E agora o que fazemos?

Só caímos.

Caímos em desgraça,

em desuso.

Não somos mais humanos.

Somos máquinas.

Os nossos periféricos,

que absurdo,

são extensões

de nossa própria alma.















Futuro



Eu sairia para a calçada

em meio a chuva.

Tuas passadas pela rua, eu seguiria.;

sem perceber

que a sua existência

era apenas fantasia.



Eu correria louco,

pela rua.

E sob os pingos,

abriria os meus braços.

Imaginando o teu abraço,

abraçaria a própria chuva.



Superaria a minha timidez,

e como um eco eu repetiria:

- Te amo, e jamais suportaria

perder-te outra vez.



De olhos fechados, a veria sorrir,

longe no tempo,

sob uma chuva fina.

Abriria meus olhos,

ainda estarias ali,

apenas como parte de minhas retinas.

Insônia



Cores.

Um crepúsculo a chorar.

Um silêncio acabrunhado.

Um olhar de peixe morto.



Dores

espalhadas pelo corpo.

Um motivo para estar

acordado.

Não se despiu dos sonhos,

ainda pensava dormir,

apesar do dia estar ali,

recém chegado.



Flores.

Um cheiro de jardim regado.

Chuva no telhado.

Afinal,

um bom motivo para sorrir.













Resignação



Ali estava,

em mais um dia de lida,

mais um pouco que colhia

da terra que tanto amava,

sob o sol que a rachava.

E no cabo da enxada

conhecia

esse chão que não chovia.

Com seu suor, o molhava.

Não era noite,

pois, ainda o sol se via.

Quando chegava em casa,

já o céu escurecia.

Em seu quintal,

um lampião era o guia

com a sua luz acesa.

Vai ao curral

pela beirada da cerca

para ver a sua vaca

(Ele não compreendia,

com tão pouco que comia,

noite e dia

mastigava).

Voltando às costas,

vai em direção da casa.

Em pé na porta,

observa a família,

todos em volta da mesa

esperado o que trazia.

Uma coisa era certeza,

a oração de todo dia

era sempre ter na mesa

uma porção de comida.







































Vintém



Não tomou de ninguém.

O seu dinheiro é vintém.

Aperta a mão de um e outro.

O seu aperto é no bolso.

O seu dinheiro

é o troco

de um louco

que era alguém

que achava ser natural

não ver ninguém.

Afundou-se num poço

dentro de seu paço.

Era moço,

um osso duro de roer.

E foi além

de seu harém

de belas idéias.

Findou-se sem elas

e sem ninguém.













Ira



As palavras remoídas

em silêncio,

esmigalhar-se-ão em um minuto.

Não serão as escolhidas.

No momento,

terão forma de insulto.

Pois a ira,

atravessar-lhe-á o pensamento

Como flecha disparada do escuro

que deixará um vazio sem dimensão,

que partir-lhe-á a alma ao meio,

quando atingir o seu triste coração,

em cheio.

























Intrusos



Os intrusos não são os outros.

Entre nós,

nada mais me surpreende.

Sabemos de cor

que não há razão para sermos

um só,

e não seremos.

Ou você me compreende

ou simplesmente

não aceita a inevitável separação.

Não está em minhas mãos

nem nas suas.

O que motivou a nossa união,

leva-me de volta

às ruas.





















Fração



Infinidade de mentiras.

Duas palavras.

Uma infelicidade.

Meia verdade.

Como igualdade:

nada.







































O aniversário



- Hoje é meu aniversário.

- Ha!

Parabéns por esse dia.

Desculpe eu não ter lembrado.

É que não me importam os dias.

Eu não olho calendário.

Espero

que por toda a minha vida

esteja sempre ao meu lado

para eu lhe dar parabéns,

mesmo que seja atrasado.

Parabéns

pelo seu aniversário.

Desculpe-me

não tê-lo lembrado.





















Trincheira



Na imensidão da terra,

sei que ainda há guerra.

E agora

eu vejo uma trincheira.

E mais atrás

uma tenda com feridos.

Tapo os ouvidos,

a dor deles me incomoda.

Além do mais,

a dor é traiçoeira.

Não é preciso prego nem cruz,

escuridão ou luz,

é suficiente retina.

O que é pior,

a dor não lhes ensina

a tornarem-se humanos.



















Ciclismo



Talvez sejas uma miragem

de minha própria visão,

que me ensinaste a andar

na mesma direção.

E sobre o mesmo pedal

trocamos nossos pés.

Afinal,

tu és quem eu sou,

eu sou quem tu és.

Viajamos assim,

no mesmo celim.

Eu por ti,

tu por mim.

Numa corrente em movimento,

somos elos fundidos

numa mesma junção.

No final,

somos um casal

em competição.













Flor carnívora



Dê-me a flor,

amiga,

flor inimiga

que me faz sofrer.

A flor vermelha,

a flor carnívora

que quer me comer.



Sou um inseto,

livro-me da víbora

e dos espinhos que circundam a flor.

Porém, entre as pétalas

da flor carnívora,

sou diluído

em seu líquido

Incolor.



















Imorais



Beijar tua testa,

pelo mal que tenha feito.

Perder o medo

de trair minha moral.

Dizer te amo

com o embargo de um gozo.

Depois, composto,

da própria descompostura

de um matrimônio

totalmente anormal.

Entre sólidas paredes,

nossa virtude

é um vício social.

Tão imorais

ante a púdica maneira,

a vida inteira

somos simples animais.

















Pedaços



Os remendos na retina

me fazem ver

em pedaços.

Pedaços de ti, menina,

que me deixaste

em pedaços.

Um pedaço que te ensina.

Outro que nunca encontraste.

Talvez, por ser pequenina

a razão que o procuraste.

Pedaço de mau caminho.

Carinho

despedaçado.

Meu olhar em pedacinho,

enxerga a imensa saudade.

Vai montando peça a peça,

esse teu quebra-cabeça.

Quebra, não deixa que eu esqueça

que ainda estou em pedaços.













Maioridade



Eu dividi meu rosto

em disfarce

e mal olhado.

Eu divisei olhares

de bons olhos,

de olhos maus.

Eu odiei a ordem.

Eu abracei o caos.

Fui ao limite da maioridade

para poder sentir

saudades

de quando ainda era

jovem.

























Mariposa



A escuridão

é minha imensa tela.

Fascinação

é essa luz tão bela.;

contudo, me leva

à triste extinção.

Entro em transe

tal qual vocês

diante

de suas cruzes.

Sou alvo fácil

para meus predadores.

Caros senhores,

apaguem suas luzes.























O cão



O seu calor transpira em sua língua.

A cauda longa em pêndulo, balança.

Espera o dono que não chegou ainda.

Todavia, seu instinto mandou-o ir para a porta.

A ele importa o mínimo carinho.

Para um estranho, uma arma perigosa.

Breves latidos por deixá-lo tão sozinho.

É fiel e forte.

Grandes distâncias ele percorre,

como se houvesse um mapa em sua mente.

Dorme bastante se o dia está quente.

É paciente a espera da comida.

Dá impressão que ele olha para a vida

como a gente costuma olhar para a morte.

É extensão da mão que o domina.

Triste sina ser por ela sacrificado,

sendo vítima e não culpado.

Sem razão, quando olha para cima

é simplesmente para ver quem lhe ensina.

Quando filhote é querido pelo filho.

Depois crescido, é vendido pelos pais.

Fica a lembrança num retrato colorido,

de um tempo tão bonito

que não volta nunca mais.





Afasto, muitas vezes,

aquele que me cerca.

Má sorte,

o caso é irreversível.

Com a mão aberta,

cumprimento o amigo invisível

que me abraça.

Com a razão incerta,

tento entender o que se passa.

Abro os olhos e vejo

a necessidade de se ter um amigo.

Converso sozinho

por não haver ninguém comigo.

A pesada mão da solidão

dá-me os pêsames

por minha vida

sem sentido.

















Inibição



Leitura feita pela própria alma,

em silêncio,

marca a entoação da fala,

e no decurso da declamação

que só eu escuto,

do ditado inconsciente de palavras.

Leitura de mim.

Pobre de mim por me perder na fala.

A minha voz

que entre vós se cala,

se perpetua em meus pensamentos.

E vez em quando,

foge no seu tempo,

enquanto tento

que não se distraia.

A minha mão que movimenta a folha,

tão sem escolha,

a uma nova página.

Pois, não sou eu que escondo a voz,

é minha voz

que entre vós se cala.

















Leito



De pé ante o leito

sobre o qual eu adormeço,

enfim, eu me despeço.

Então, a mim confesso:

tal castigo não mereço.



Preso ao leito

pelo mal que me acama.

Alguém me chama,

Mas, a tempo estou desperto.

É minha voz decerto,

a reconheço.



A existência dupla

me faz voltar atrás.

E não me tira a culpa,

rever o meu pai

na pequena estatura

que agora me observa

de olhos tímidos, em reserva,

sou filho e pai.









Matinal



É uma tortura

molhar cedo o rosto,

depois de dias sem sair à rua.

O mesmo cômodo

por vezes visitado,

é tão incômodo

quanto meu reflexo barbado,

no espelho.

Quanto mau gosto

por não lavar a boca.

Vida louca

e sem resultado.

Mesmo sem graça,

não contenho o riso

ao ver em minha cara

a falta de siso,

de sono constante,

de sonho distante,

de uma noite rara,

de dormir

e simplesmente descansar

a vida.

















Dádivas



Não ver as dádivas da juventude,

é uma atitude

própria da idade.

O gigantesco totem da liberdade,

erigido com devoção,

desconhece a fúria

da vasão de vitalidade.

Na miopia, ante a nítida imagem

de um ser efêmero,

desnutre-se aos poucos.

Sem noção,

desconhece

a saudade que virá

na dor de ouvir a rouquidão

da voz que tenta chamar

a sua própria atenção.

Mas não há como voltar,

não há,

não há como avisar a si.

A noite vai clareando.

O dia, enfim, escurece.

Passo a passo,

a gente esquece

o que devia fazer,

até um dia acordar-se

assustado,

olhando o imenso espaço

deixado

às suas costas,

e sem respostas,

no madurar da idade,

pra não morrer de saudade

é necessário

lembrar-se.





































Avô II



Chegava em casa,

recontava os seus passos,

e falava tão baixo

que não mais era ouvido.

Quando dizia a verdade,

sua mão se abria em rosa.

Em verso e prosa,

recontava suas mentiras.

Talvez, o culpado

fosse o excesso de tempo.

Mal enxergava,

porém, ouvia muito bem.

Feliz quem tem

um avô despreocupado.

Viveu por dentro

do que a gente deixa de lado.

Velho ilhado

por vivência e sentimento.















Obra-prima



Horas imersas em um lodaçal de espera.

Forma dispersa.

Ela nada de chegar.

Em seu lugar

se encontra uma pedra

vinda da terra.

Escultura a se formar.



Talhe perfeito.

Uma madona expressiva.

Levaram-me dias,

para vê-la terminar.

Uma obra-prima,

que entre lágrimas, ainda,

a pedia pra falar.



Como entregar

encomenda tão amada,

se vosso par

poderá desconfiar.

Fi-la perfeita,

não pelo modelo exposto,

mas, pelo toque no rosto

que eu pude enfim amar.



Devo acordá-la

ou mantê-la em seu sono.

Não sou seu dono,

porém, não a quero deixar.

Posso calar

para sempre minha boca.

Uma da outra,

eu não posso separar.



Triste partida,

só restou-me minha obra.

Quem sabe um dia,

possa vê-la respirar.

De volta à vida,

eu terei minha senhora.

Só que agora,

eu é que serei seu par.





















Sobre nós



Em besouro,

transforma o semelhante,

arrancando-lhe as asas

para não mais voar em sonhos.



Enquanto pisa na lua,

esquece a rua

em que pisou.

Busca vidas distantes

enquanto destrói

a que o rodeia.

Forja sua própria cadeia,

e a todo instante

observa-se,

achando-se um herói.



Tem comida na mesa

e mata suas crianças de fome.

À procura de esperança,

vasculha sua casa.

A sua cara

parece paternal.



Sinto-me mal.

Sinto-me humano.

Amantes sobrenaturais



Dois desconhecidos

sempre sós,

todas as manhãs

vamos nós,

ao mesmo jardim,

e nunca nos encontramos.

Ao entardecer,

eu e você

sentimos o cheiro da flor

que aprendemos a chamar de esperança.

Todas as noites,

nossas almas se encontram

para falar de amor.

Ao amanhecer,

não há lembranças

de que fomos amantes

não carnais.

Para sempre próximos e distantes,

somos nós,

sobrenaturais.



















Passos no salão



Sinto

que meus passos

são um só movimento

no tempo,

um momento

infinitamente belo.

E a música

que escuto

é como um manto

sobre os sentidos,

vibrando em meus ouvidos.

Um toque na alma,

que é possível ver

mantendo os olhos fechados.

Música e passos,

passos e música,

completam-se em mim.

















Tuberculose



E vem a tosse compulsivamente.

Mente para a gente

ao aliviar.

A morte em sangue,

volta bruscamente,

como avisando:

Só para lembrar.

Altos e baixos,

relevo indistinto.

No mar da vida,

chego a afundar.

Retorno à margem,

não encontro a cura.

Genialidade ou loucura,

o que pensar?

Neste século

que apaga suas luzes,

há tantas cruzes

para se pregar.













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