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Poesias-->Cálice -- 19/03/2007 - 15:50 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



Não conheço o poeta pessoalmente. Recebi o original desse livro através de um amigo em comum, com o pedido para que eu fizesse o prefácio. Sendo assim, eu legitimei o Cálice que transborda em poemas. Como um bom conhecedor de vinhos e também de letras, decidi fazê-lo.

Cálice é mais que a tentadora devoção para degustar um bom vinho, é a representação simbólica da religiosidade do ocidente. Dessa forma, o autor transgride a fé humana pelo prazer da mesma.

Os versos podem ser um conforto para a alma ou um tormento ao corpo quando a carne se trai pelo desejo.

Cálice retém a atenção em versos que desdenham da atitude humana ante a embriaguez da fé, conflitando-a com seu imenso desejo de libertar-se.

Os versos como sangue do poeta, vão enchendo o Cálice com poemas perturbadores e aliciadores de almas ingênuas, arrastando-as ao inferno da razão.

Com seu Cálice na mão, o poeta brinda com cada leitor e transporta-o pela leitura, a um grande salão onde os poemas são declamados à luz de velas.

Assim como os bons vinhos, o poeta tende a envelhecer e tornar-se cada vez melhor.

Saúdo a todos que lerem Cálice.

Tim-Tim!



Carlos Agamenon





























Cálice



Soberbo gole,

neste cálice de poemas.

Derrama versos

sobre temas

tão diversos

quanto os olhos que degustam

essas páginas.



Salpicam gotas

na leitura que embriaga.

Em preto-e-branco

se derrama entre capas

poesias declamadas

em silêncio.



Um gral de letras

consagrado pelo tempo.

Um sentimento

que sobeja de minh’alma.

Eis o meu cálice,

transborda em versos

que carregam o meu sangue.

















Relatos



Eu abriria meus olhos

e escreveria relatos de alguém que vive

na incongruência dos próprios pesadelos.

Contaria segredos

de pessoas que lutaram indignadas,

por ser uma delas.

Não há estilo em minhas linhas tracejadas

na loucura.;

uma figura assombrada com o sorriso falso de quem chora e ri.

Não há motivo para dormir na rua

e muito menos para acordar aqui.



Desvencilhei-me de caprichos tolos.

Um bezerro de ouro,

ídolo de uma fé pagã.

Acorrentaram os meus tornozelos

junto ao muro das lamentações.

Belos pés cristãos pisaram o meu corpo.;

eu não estava morto a essa altura.

Em volta de minha cintura

puseram o cinturão da castidade.

A minha mocidade tornou-se uma iniqüidade.

A minha real vontade,

uma escanifrada anciã.



Os deuses se jogaram lá do céu.

Diziam os velhinhos encantados.

Abriu-se uma fenda neste charco

aonde uma caricatura indecente

que parece está contente, chora.

Quem amaldiçoou a minha hora,

corria em um camelo no deserto.

Plantou-se a céu aberto um mar de rosas.

Já não chovia ao findar a tarde,

no distante brejo.

Mandei um beijo para minha eterna diva

e nunca mais chorei de tédio.



Não coroei senhores de gravata.

Nem dediquei meus livros a insípidos glutões.

Talvez o português me traduzisse.

Em minha esquisitice,

rechaçaram meus sermões.

A luta em meu campo, foi marcada com a cal.

Puseram sal na sola dos meus pés.

Qual rei tu és?

O rei do carnaval.

Indignado chutei o futebol

e na rede adversária fiz mil gols.

As ruas se enchiam de silêncio noite adentro.

Pela janela se escuta o meu sono.

A mãe que acompanha sua filha ao cinema.;

o bêbado que olha pro telhado.;

o reprimido que se encontra encarcerado

em seu poço de problemas.

A sua solidão na cena é retratada

na peça ainda limpa do lençol.

Ele ou ela, põe os olhos na janela

para ver se alguém subia a escada.



O que seria do aroma, longe dela.

Ela, flor que abre bela no espaçoso jardim.

Ela é tudo para mim:

o resultado da soma entre cobertor e cama.;

o frio que acompanha uma noite de inverno.;

o amor que é eterno

no coração de quem ama.

Ela é circunspecção sem agonia.;

uma boca que declama

a mais admirável poesia.;

a perfeita companhia de uma luva, uma mão.

Ela é toda uma estrada além da curva.



A vontade é que me cura.

Não há sombra em meio à rua,

quando a lua se oculta na intensa escuridão.

Ao dedilhar um velho refrão,

recobrei minha voz

e a vontade de nunca calar.

Falo até demais, com as mãos no ar,

a gesticular além...

Numa poltrona de trem,

acredito que posso sonhar com nós.

Quem sois vós?

Ninguém.



Não foi minha, essa resposta.

Mesmo estando eu de costas, sei quem és.

És a dona dos pincéis

que pintaram minha cor,

uma única que sou.

Eu fecharia meus olhos

e apagaria relatos de alguém que morre.

Não contaria segredos,

por não ter o direito de vilipendiar sua

campa.

Eu vou dormir em sua cama

para acordar bem mais cedo.



















Um pensador na guerra



- Não o mate.

- Por que?

Ele veio para matar.;

por que deixá-lo viver?

- Não viemos para matar.

Viemos para vencer.



- Pensei que fosse uma guerra.

- Guerra,

não é mais que o domínio.

Sei que há vidas no caminho,

malsinados inimigos,

como nós.



- Como seremos heróis,

sem cadáveres pelo chão?

- Os verdadeiros heróis

estão cobertos por lençóis

atrás do muro da prisão.



- E as ordens do quartel?

- Ordem é resolução.

Se está em nossas mãos,

cabe a nós, esse papel.

- Ora, não me aborreça.

Você até parece Deus.

- Deus é apenas, não esqueça,

um movimento de adeus.



- Pelas mortes que causei,

a quem vou pedir perdão?

- Ao seu frio coração,

pela ilusão da lei.



- Tudo bem, não o matarei.

Mas, se um deles me ferir,

como devo então agir?

- Haja pelo coração,

apesar da reação interferir.



- Se seu golpe for fatal,

obviamente irei morrer.

- Não faz mal.

Se acaso não o conter,

mais do que um grande herói,

serás um mártir.





















Simulacro



Feições guardadas pelo tempo,

olha através da tempestiva areia.

Areia solta, jogada pelo vento.

Sangue que jorra da estranha veia

e estagna num movimento lento.



Há uma cáfila ao entardecer.

Parece estar numa moldura, estática.

O simulacro, o que quer dizer?

Uma incógnita da matemática

que erigida quer permanecer.



Os hieróglifos marcaram sua base.;

uma mensagem através dos séculos.

E até hoje, pouco ainda, se sabe.

Sua presença é cheia de mistérios.

A solução ainda é um quase.



Sob as areias do deserto quente,

seu corpo parece está enterrado.

Vai levantar-se! É o que a gente sente.

Porém, é apenas um pensar errado.

Um ser pagão que age diferente.



Sopra o hálito da noite tão fria,

e a sombra erguida, permanece lá.

Um beduíno não se assustaria,

pois suas preces são para Alá

que pela efígie o vigiaria.



O simulacro é uma visão insueta

que me deixou pasmo ante a fotografia.

O transmutei com o bico da caneta,

passando o que vi, para a poesia.

Retratei a sua essência em letra.

























Ingratidão



A noite

era extremamente fria.

Eu já sentia

uma imensa solidão.

Sozinho,

era certo, dormiria.

E ao deitar,

quem sabe, ouviria

o bater de uma mão.

No leve toque,

indagaria:

Quem bateria

na porta

do meu rude coração?

Seria a mais doce

companhia

ou seria,

talvez,

a ingratidão?











O matuto



O matuto está triste,

cabisbaixo e pensativo.

Não encontra um só motivo

para saber se existe.

Tal canário sem alpiste,

preso a uma velha gaiola,

vendo longe a aurora,

sem ter ânimo pra cantar.

Com vontade de voar

para longe, ao horizonte.;

a saudade o consome

antes mesmo de partir.

O matuto fica ali,

a pensar no que seria

sem a única companhia,

a choupana em que vive.

Tal amor só visto em versos,

o matuto é regresso

de um lugar que não existe.











Olhos verdes



Nunca esqueço

do par de olhos

que através do espelho

parecia eterno.

Da mesma cor e brilho

da palha da espiga do milho

quando amanhece,

após uma noite de inverno.



Nunca esqueço

dos lábios tocados em segredo.

Quiçá, pela cor dos olhos,

sinto o gosto de menta

que à boca adormece.

Aí a saudade aumenta

e o amor cresce.



Nunca esqueço

e até me aborreço

no sinal que me diz siga,

pois lembrando de seus olhos,

paro no meio da pista.



Nunca esqueço.

Acho até que enlouqueço,

quando na bandeira hasteada,

vejo os olhos na altura

do retângulo que tremula.



Nunca esqueço

que no matagal espesso,

eu me perco,

confundindo cada folha

com seus olhos verdes.



Nunca esqueço,

pela aléia, o passeio.

Ver na fonte,

o espelho que reflete o jardim.

Olhos verdes

que olhavam para mim.



















Sem condição



Seus ombros à amostra,

me deixam insinuado.

Seu corpo ainda agora,

me deixa provocado.

Seus seios contornados

pela blusa,

me fazem sinal da curva

do seu corpo ondulado.

Seu jeito comportado

não me mantém à distância.

Na sua tolerância,

encontro o meu pecado.

Seus olhos não perturbam minha paz,

além do mais,

recebem meu recado.

Seu pare, deixa disso, mais cuidado,

só fazem aumentar o meu querer.

A dúvida faz crescer

minha ilusão,

que eu terei nas mãos

a chance de fazê-la entender.

Amar é mais que ter.

É aceitar querer

sem condição.



















Desapontamento



À espera, no portão,

eu permaneço na calçada,

com um aperto no coração

e a porta escancarada.

De minha mão,

despenca a rosa despetalada,

pela ilusão

de rever a minha amada.

A espera é em vão.

A noite é fria e devassada

pela enorme escuridão.

A chuva é anunciada

com o ressoar de um trovão.

Tal qual devoto em oração

aos pés de uma enorme estátua,

eu permaneço na intenção

de espera-la.

E mesmo fora de estação,

demora, encharca e enfim, passa.

Uma sombra risca o chão,

a lua surge envergonhada.

O sol ensaia uma versão

anunciando a madrugada.

Distante, escuto uma canção,

a que marcou a nossa data.

Por não conter a emoção,

perco-me em lágrimas.

No bolso ponho minha mão,

retiro a carta.

Na certa a resposta é não,

adentro em casa.

Despenco em cima do colchão

no qual a amava.

Fora a maior decepção

da qual lembrava.

Um carro chama a atenção,

buzina e pára.

Como se fosse uma aparição,

ela entra e fala.

Dá-me a notícia, a voz chocada.

A dama que está em questão,

teria sido atropelada.



















Digam ao mundo



Comunicar aos pósteros

e entre eles, eu.

Modular a mensagem

evocada no silêncio dos que não lamentam.

Será um futuro catastrófico

que nos espera

ou a redenção da terra

diante dos homens.

Nunca flagraremos nossas mães

renegando nossa carne.

Agora eu peço apenas que não dêem adeus.

Digam ao mundo:

- Estou à vossa procura.

Quantas delas morrem na áfrica.

Quantos olhos sem lágrimas

assistem seu agonizar.

Não falo de personagens em contos.

Falo de crianças,

entre elas, eu.

A quem devemos evocar perdão

ante a tenebrosa atitude de omitir-se?

Agora eu peço apenas que não dêem adeus.

Digam ao mundo:

-Estou à vossa procura.























Interesses



Longe dos meus parentes,

revi o campo em que pisava.;

minas espalhadas sob os pés

da ganância exacerbada.

Quem tu és?

Por cada beijo na face,

uma lágrima derramada.

Em cada um, disfarce.

Dura vida.

Durei muito.

Idade e experiência em conjunto,

deram-me a prova

de que a ingratidão existe.

E sob a cova,

ainda amaldiçoaria minha estirpe.



















Migração



É madrugada.

Voa no céu, em grupos separados,

algumas aves do verão passado.

Voltei há poucos dias para casa.

É apenas um regresso temporário.

As folhas espalhadas, do novo calendário,

são como plumas ao vento.

Tal como as aves eu sigo a estação

em um constante movimento.

Vou e volto

num empenho cronológico,

numa eterna migração.



























Transtorno



Dentro de mim,

transtorno,

um déficit enorme

de atenção.

Eu ando na contra-mão

de um mundo torto.

Um caçador sem rosto.

Um rosto sem decisão.

Chamam-me de louco,

de homem-ilusão.

A minha auto-estima

é vão

que passa na porta aberta.

Percebo na certa,

detalhes ao meu redor.

Todavia, não sei de cor,

a minha lição.

Meus lábios dizem sim.

Meu cérebro,

não.



















Último poema



Desde origem,

eu rabisco versos toscos.

Arabescos que me envolvem dia-a-dia.

São regados de tristeza e alegria

num canteiro

tão repleto de poesia

que fascina o coração.

Entre as rugas de meu rosto

e os vincos de minha mão,

se esconde minha idade.

Com a farpa da saudade

no meu peito,

vou perdendo o meu jeito

de viver.

Foram anos de peleja

que enrijeceram meus nervos

e nas dobras, os meus dedos

não sustentam a caneta.

Porém, eu sei que é a cabeça,

o verdadeiro problema.

E quem sabe, esse seja

o meu último poema

ou apenas,

mais um deles.











O pirata



Velho abutre que come

minha carniça, sem asco,

que não importa meu nome

e nem na vida, o que faço.



O velho abutre tem fome

e dilacera minha pele.

Temendo que outro tome,

com uma bicada ele fere.



Colado ao chão, vulto em larva.

Dissolvo-me na areia,

a qual o mar vem e lava.



Minha ossada se arrasta,

procura o que a vida inteira,

transformara em desgraça.















Saturação



Quem deveria escrever

as primeiras palavras,

eu ou você?

Qual de nós dois,

seria mais fiel

aos nossos atos?

Quantos retratos

resumidos numa única decisão.

Olhos velados

sob o toque da emoção.

Escuto sua voz dizer:

-Não dá mais.

E de repente, há uma paz

que eu não consigo entender.

O amor já não mexia

com o meu ser.

A vida é um ato conjugal,

enquanto um fato sepulcral

não vier surpreender.











Astronauta



Sou aquele astronauta

que procura companhia

nessa lua que me guia

na intensa noite fria,

na mais rude solidão.



Um poeta sem razão,

com sua fé abalada,

sua alma desgarrada

que caminha na estrada

à procura de harmonia.



Ledo engano, eu seria,

entre passos pela lua.;

atravessando a rua

na qual minha pele nua

desejava se aquecer.



Um astronauta que vê

a eterna poesia.;

não nos versos que eu fazia,

mas na incrível harmonia

que acabo de encontrar.



Volto à terra, pisar,

sem esquecer que existi

num mundo que nunca vi,

sobre o qual eu escrevi

em algum outro lugar.





































Insulto



Escrevo à noite toda,

a observar a escada

que me levou, infinitas horas,

àquele quarto.

Todas as cartas foram amassadas

e depois queimadas

na lareira ardente.

Minha alma quente

se esfria

ao raiar do dia,

ainda chorava.

A tua culpa,

foram minhas lágrimas derramadas

após clamar por teu nome,

diversas vezes.

Como um retrato na parede

que observa os que passam

sem fazer conta de sua existência,

você me silencia,

depois de fitar-me.

E na escuridão,

teu rosto se desvaira

e tão amargamente

me insulta.

















Um pescador



Saí bem cedinho para pescar.

Peguei o meu barco na beira do mar.

Escuto alguém, distante, gritar:

- Meu velho, não vá

- Meu velho, não vá.



Eu olho para casa.;

não há ninguém lá.

Pensei ser as ondas do mar

querendo avisar:

- Meu velho, não vá

- Meu velho, não vá.



Eu iço a vela,

distante da praia.

Avisto uma arraia

que parece voar.

Em seu movimento me diz:

- Meu velho, não vá.

- Meu velho, não vá.



Pensei novamente,

foram as ondas do mar.

O barco balança

para lá e para cá.

O sol já começa a esquentar.

Avisto no céu

uma nuvem a passar.

Num estrondo escuto:

- Meu velho, não vá.

- Meu velho, não vá.



A chuva que cai

escurece o mar.

Diviso um corpo a boiar.

No meu desespero,

começo a gritar:

- Há um homem no mar!

- Há um homem no mar!



A onda o traz

em um arrastão.

Com o meu arpão,

consigo puxar.

Então reconheço

que o morto sou eu.

O eu afogado,

de olhos grelados,

me diz preocupado:

- Tentei lhe avisar.

- Tentei lhe avisar.

Custei a aceitar

que há muito perdera,

a vida no mar.

Um dia, em sonho,

expus a um poeta,

alguém que na certa,

a minha história

podia contar.























Soneto do amor às escondidas



Eu tenho um pouco de pressa

para encontrar uma rua.

Na rua, uma casa aberta.

Na casa, uma dama nua.



O tempo talvez, não meça

o grau de minha vontade.

Espero que nada impeça,

desejo de minha idade.



A taramela mantinha

a porta ainda fechada.

Jogo uma pedra da rua.



Sorte que ninguém vinha.

Um rosto vem à sacada.

Mais belo que a própria lua.















Velas



Eu acho

que a tal felicidade

é uma vela

que se acaba dia-a-dia,

assim como a vida.

E o toco que nos resta,

a idade sopra

com sua boca venenosa,

o hálito da morte

que nos apaga a chama.

Há velas

que já nascem apagadas.

Outras,

se derretem ao longo da vida

e parecem queimar para sempre.















A lenda de Jeshua



Eu caminhei entre pirâmides,

desafiei faraós

e sob meus lençóis,

dormiram anjos.



Eu derrotei gladiadores

em pleno Coliseu.;

ajoelhei imperadores

aos pés de um só Deus.



Eu traspassei as muralhas da China.

Atravessei o canal da Mancha.

Manchei o santo sudário

com o meu sangue.

Meu nome

é esperança.



Eu conquistei castelos medievais.

Seus ancestrais,

em mim, resumo.

Eu sou o eixo central

que movimenta esse mundo.













Sob efeito



Acalentar-se ao sol

sob o efeito da cerveja.

Um copo sobre a mesa,

com espuma, feito o mar.

Na onda que me dá

essa loura servida,

um êxtase, uma alegria,

uma vontade de cantar.



O paladar me faz criar poesia.

Degusto a fria macia

que foi lúpulo a esperar

pela fermentação que já fazia

o álcool que iria embriagar.



Com uma caneta

e um guardanapo de papel,

faço o maior escarcéu,

à vista desse céu

juntar-se ao mar.

Não canso de esperar

pela noite fria.;

pois sob a lua, declamo poesia

até que o sol possa voltar.

















Convés



Foste meu caminho sem regresso

em um verso.

Minha poesia mais bonita.

Entre as estrelas,

rabisquei um só desenho,

o seu rosto,

como eu bem queria.



Foste a derradeira flor

perdida no deserto.

Em meu universo,

um farol de guia.

Arrancaste o aviso que dizia:

“Uma saudade”.

O vazio da idade,

preenchias.



Foste o colorido

de uma tela que eu pintava.

A mão que segurava o meu filho.

O espírito de um cético

que chorava.

A paz esperada

por um homem aturdido.

Foste o barco rijo

que sustenta a onda em fúria.

O pescador que nada

à procura de si mesmo.

Para mim,

a mais incrível criatura.

A doce loucura

do desejo.



Foste na verdade,

o meu mundo.

Hoje, na saudade,

apenas és

um velho convés

com o qual afundo.























À margem



Rostos que titubeiam

entre becos escuros,

enquanto a luz vermelha gira

sobre o automóvel.

Uma sirene esperada.

Uma vontade desesperada

de correr.

O mundo evita me ver.

Seria ver sua cara.

Sua própria cara no espelho da dor.

Fumaça, angústia e silêncio.

Tripé de minha verdade.

Na face,

bem mais idade.

No peito,

uma chaga,

o rancor.















O homem com a arma



O homem com a arma

não parece sadio.

Muitas vezes,

ele veio à calçada,

num eterno desafio.

Ele a conserva na mão

à espera de alguém.

Não parece estar bem.

Muito menos ter razão.



O homem com a arma

usa botas de cor preta.

Ele mexe com os olhos

numa espécie de careta.

Ele pensa que é um herói,

uma espécie de cowboy,

onde o bem vence o mal.



O homem com a arma

não é normal.

É um homem atormentado.

O estereótipo do soldado

que mata sem ver a quem.





















Oração



Estou à espera

de um louco que fala.;

de um outro que cala,

eu estou à espera.



Estou à espera

de algum outro que diga.;

de algum morto que viva,

eu estou à espera.



À espera da terra

que me foi prometida.

À espera da antiga

razão de viver.

À espera da noite

que parece tão fria.

À espera do dia

para me aquecer.



Eu estou à espera

de uma nave do espaço.;

de um homem de aço,

eu estou à espera.



À espera de olhos

que não vejam o que faço.

Trabalhar sem cansaço,

eu estou à espera.



À espera dos tempos

do juízo final.

À espera que o mal

se sujeite ao bem.

À espera também,

que não exista pecado

e que Deus e o diabo

não existam. Amém.





























Sem resposta



Em que mundo vivo?

Perguntei mil vezes,

sem obter resposta.

Ninguém o sabe.

Desconhecemos as árvores,

as aves e ainda mais,

desconhecemos à nós mesmos.

Perguntaria aos nobres medievais.

Perguntaria aos eleitos.

Perguntaria aos decrépitos ancestrais.

Aos letrados em direito.

Perguntaria aos mendigos

e aos bastardos.

Aos que se encontram perdidos

e aos que se acham encontrados.

Perguntaria aos padres e aos ateus.

Teria inversa resposta

da razão e de Deus.

Perguntaria aos detentos e culpados.

Aos inocentes que são escravizados.

Perguntaria, enfim, à humanidade:

Em que mundo vivemos,

de verdade?



















Moderninha



Não escuta as minhas queixas,

nem se deixa

enganar.

Onde anda,

antiga dona?

Eu preciso lhe encontrar.

Toma a frente,

quer pagar.

Sob a roupa transparente

quer ensinar a amar.

É só fico,

até mais,

depois de amanhã lhe encontro.

Passe sábado,

eu me apronto

e te levo pra jantar.

Onde anda,

antiga dona?

Eu preciso lhe encontrar.

Eu não posso na segunda,

é preciso trabalhar,

diz com naturalidade.

Ai! Que enorme saudade

do antigo e doce lar.





















A tosse



Escrevo o que penso,

em silêncio.

Penso que os versos são meus.

Não há dono.

Não há posse.

Apenas o poeta tosse

os versos que não são seus.



































UTI



Alcova branca.

Retalho de vida.

Mangueiras que suspiram meus gemidos.

Silêncio interrompido pelas máquinas.

Algumas vozes.

Alguns cochichos.

O arrastar de pés de pano e sandálias.

Sorrisos inibidos pela ética.

Moral estética

de um profissional cansado.

Picadas e zumbido de abelhas.

Casa sem telhas.

Uma escada sem sobrado.

Corpo despido, mal coberto

por ter feito um movimento involuntário.

Uma mão humana

de alguém que banha

e me livra de dejetos execrados.

Dom ou frieza.

Dor e tristeza.

O que faço eu aqui,

onde há lágrimas derramadas

entre os leitos.

UTI.

Eu



Eu sou um outro

entre os que me acham,

que esse eu

sou eu,

que sou eu mesmo

entre os que desejam,

que eu seja

outro

que não seja eu.































Afazeres



São tantos afazeres

e não há nem um prazer.

São tantos afazeres nessa casa

que eu esqueço de viver.



Meu filho me responde.

Meu marido não faz por onde

entender.

São tantos afazeres nessa casa

que eu esqueço de viver.



Vassoura, rodo e pano.

Fogão, pia e muito o quê fazer.

A vida onde está?

Só vejo desengano.

São tantos afazeres nessa casa

que eu esqueço de viver.



A filha, ainda pequena,

me tira a paciência.

De tudo, eu tenho que saber.

Onde está o caderno?

Um labutar eterno.

São tantos afazeres nessa casa

que eu esqueço de viver.



Acordo.

Já começa a rotina

que dura até o dia anoitecer.

Uma atividade que jamais termina.

Uma injusta sina

que me faz enlouquecer.

São tantos afazeres nessa casa

que eu esqueço de viver.



































Soneto do ermitão



Procuro desfrutar essa vida,

vivendo escondido no anonimato,

no mais verde e denso mato,

como um santo numa ermida.



No nascer de cada dia,

vejo a luz no imenso lago.

Sem palavras eu me calo

quando o sol nele irradia.



Quando é noite enegrecida,

a lua nova é percebida

na água calma e iluminada.



A cabana que me abriga,

torna branda minha fadiga,

com sua porta escancarada.















O milésimo poema



Não é nenhum show,

nem estréia no cinema.



Não é nenhum gol,

nem prêmio da mega-sena.



Não é corpo infectado

que ficou de quarentena.



Não é nenhum cálculo

para solução de um problema.



Não é nenhum sermão,

nem celebrada novena.



Não é nenhum furacão,

nem a tarde mais amena.



Não é o dramaturgo,

nem mesmo o ator em cena.



Não é o frio noturno,

nem a tarde calorenta.



Não é tua solidão,

nem a mão que ainda acena.



É apenas o brotar de um grão,

meu milésimo poema.

































A ilha inacessível



Por que a mãe ainda fala

com a filha,

se em sua ilha,

ela vira o rosto

e cala?



Somente à custa de esforço

e de palavras,

se atravessa esse fosso

de tempestuosas águas.



A juventude,

essa ilha inacessível,

com seu mar de inquietude,

torna quase impossível

conquistá-la.

















Evolução



Sombras em cavernas,

mortas sobre lanças,

tornaram-se eternas

por meio de danças.



Conquistaram novas terras

através de matanças.

Desbravaram suas serras

por meio de andanças.



Criaturas modernas

de obesas panças,

de ações tão lerdas

e atitudes mansas.





















Exílio



Vejo no rosto de quem chora,

a dor e o clamor de quem partiu.

Partiu para sempre,

foi embora.

Quem chora agora,

já sorriu.

Quem não lhe viu,

só tarda a hora.

No espelho, chora quem partiu.

Ainda espero sua volta.

Quem sabe mora

no Brasil.

























Autoria



Eu estaria um dia,

em paz.;

se meu eterno amor

sobrevivesse à mim.

Só assim,

nenhuma forma mais.

E nesse dia, enfim,

eu deixaria sinais

da enorme alegria,

em versos que jamais

seriam atribuídos

à minha autoria.

























O anjo rebelde



Descer do céu não foi proeza,

forma dantesca

de alma cruel.

Aproveitou minha fraqueza,

ingênua presa.

Hoje, sou réu.



Rejeita os dogmas da igreja,

a mesma

que o libertou.

Enquanto minha face beija,

revela a página

que me enganou.



Eis o que o anjo ainda guarda.;

meu satânico querer.

O meu desejo é sua arma,

é o seu poder.

O motivo que me cala,

não é o anjo,

é você.

























Árvore desfolhada



Tal qual os galhos de uma árvore,

eu envergo-me

com o peso do silêncio e do fracasso.

Ainda resisto ao tempo,

tocando no solo talado,

onde não há frutos,

somente folhas secas

e vermes que se alimentam do passado.



Minha noite é sombria e demorada.

Minhas costas, às vezes, sedem

como a árvore tombada.

E tentando reerguer-me do chão que finco,

com afinco, o meu ser,

eu tento esconder as minhas mágoas.



No enxerto do querer, em ramo desfolhado,

sai um broto em solidão.

Minhas atitudes

como folhas de um galho emancipado,

mudam suas cores

na razão

e morrem na infinita incongruência

entre liberdade e insurreição.

Tato



Você não me enxerga

e também não me escuta.

No entanto, toca a minha face

e sente em três diferentes partes

o que falo.

Você anda descalço

e sabe como é o mar,

através da areia.

Esta é sua única maneira

de sentir.

Você é um ser profundo,

uma pessoa muito especial

que viaja de uma forma racional

perfurando o silêncio e a escuridão

do mundo.

E nessa imensidão,

está sempre só.

Todavia, através do tato

desata o nó

e se liberta

para a terra

dos sentidos.







































Passatempo



Meu passatempo é literário.

Minha arte,

poesia.

Sou em parte

libertário,

como também

elegia.

Passo o dia

em meu quarto,

uma imensa cela vazia.

Entre dominós jogados,

sou a pedra duplo nada

que no momento oportuno,

toma conta da jogada.

Numa taça celebrada,

sou o líquido que derrama.

Sob o peso de minha campa,

eu sou luto

e mais nada.



















Imorredouro



Ainda posso escrever,

mesmo que amputem minha mão.

Com os olhos,

pelo que vejo.

Pelo que sinto,

com o coração.

Não peço por piedade.

Nem imploro por perdão.

Não que seja vaidade,

é apenas decisão.

Mesmo que cortem minha língua,

meus versos não calarão.

E outras bocas, ainda,

na certa, declamá-los-ão.





















Ferimentos



Ouço os gritos

de um povo que não chora.

Comovida,

vejo a tépida senhora.

Uma hora

atrás,

sua casta é dissolvida.

Uma questão resolvida,

nada mais.

As caveiras

não são marcas nas bandeiras,

são abantesmas

do novo amanhecer.

Nunca foram os piratas.;

apenas ferimentos da espada

de quem usurpa o poder.

















Só você



A quem devo olhar?

Em quem, posso me ver?

Não quero me espelhar

para deixar de ser.



Pra você ter que ganhar,

eu teria que perder.

Eu luto pra lhe encontrar.

Você para me vencer.



A quem devo perguntar?

Não queria me esquecer.

Mas esquecer é tentar,

tentar é sobreviver.



Pra você me enfrentar

é necessário viver,

viver muito além de mim.

Além de mim, só você.

















Em plena luz do dia



Mesmo que eu pudesse desfazer as minhas [malas,

não poderia mais ficar.

Desfez-se o lar

na decisão daquela hora.

Não havia candura,

nem razão à altura

de nós dois

na durabilidade do agora,

na volatilidade do depois.

Havia tão somente,

dois caminhos diferentes

a seguir,

em nada convergentes.

E mesmo que um de nós

voltasse um passo atrás,

não poderia mais

o descobrir.

O amor perdeu-se ali,

em plena luz do dia,

com ele, a alegria

do sorrir.

















Últimas lembranças



Na resistência infinita do mourão,

vejo as mãos

que um dia, o sepultaram.

O arame,

tantas vezes já trocado,

mantém-se frouxamente distendido.

A mesma voz ainda alcança o meu ouvido,

força voltar-me à procura do passado.

Vejo ao longe, o mais antigo telhado.

Continuo a descida,

sem compreender os meus passos.

É lá em cima

que estão suspensas

minhas últimas lembranças.





















Triste milagre



Amar você

é tudo que importa.

É só abrir a porta

para me ver ajoelhado.

Não rezo

por estar o meu pecado

acima do meu erro,

além de minha alma.

Aquele que me acalma

é o mesmo que enlouquece.

De fato,

o amor ninguém merece.

É a mais alegre prece

e o mais triste milagre.

Talvez o mundo acabe

enquanto nos amamos.

Na esfera dos enganos,

você é a minha parte.

















Raro entardecer



Não quis pensar,

apenas resolvi

que ia andar

por onde sempre a vi.

Em outro olhar,

eu vi o teu, sorri.

Sem entender,

a outra me acenou.

Palavra tola, amor,

para quem amava.

Eu caminho taciturno

como o raro entardecer

do dia em que a encontrara.

E mesmo deslocada pelo tempo,

ainda existe em mim,

a hora exata

de nosso alinhamento,

num eterno eclipse

lunar.



















Disparates



Numa aldeia de doentes e loucos,

havia uma verdadeira lenda.

Um anônimo e estranho poeta,

conhecido por seus versos toscos.



Acreditava estudioso

de uma espécie diferente.

Viajava o mundo todo,

a procura do ser “gente”.



Seus diversos personagens,

entre eles um modesto,

autor de um só projeto

daquelas rudes paragens.



O surgimento da aldeia,

dizia um grande adulador,

foi há novecentos anos.

Há noventa, por favor.



Havia uma fazendeira,

que achava divertido

abrir e fechar porteira

para passar o marido.

Havia uma jovem calada.

Sua língua, quem comeu?

Já que ela não nos fala,

falamos você e eu.



Um pequeno coletor,

varria todo o jardim.

Gritava um beija-flor:

-Deixe um pouco para mim.



Não se sabia a verdade,

se ela já nascera um dia.

Havia a jovem inata.

Sua idade, qual seria?



A menina distraída,

de tudo já esquecera.;

até mesmo que um dia

pediu pra viver, e morrera.



A bela virgem bióloga,

de todo bicho entendia.

Até que uma simples minhoca

deu-lhe uma rasteira um dia.



Sentia pena de tudo,

passava o dia animado,

acreditava que absurdo

era alguém ser maltratado.



Moça velha na janela,

não parava de fofocar.

Se acaso um dia ela pára,

vai danar-se a namorar.



Comia tudo, o glutão,

sai de baixo por favor!

Quando ele estava com fome,

era um terrível mau humor.



Papagaio friorento

passava o dia a reclamar,

quando o pingüim calorento

botava o circo pra gelar.



Queira o leitor desculpar

essa minha brincadeira.

Eu apenas quis mostrar

que também escrevo asneira.

















Silente poente



Um dilema

que não tem mais jeito.

Uma bomba que explode no peito.

Um coração que arde.

Uma luva

em que a mão não cabe.

O mais silente poente.

Uma carta que não tem resposta.

A proposta

mais vil e indecente.

Um eterno demente,

isolado.

Mais volátil

que o éter derramado.

É assim a minha forma de amar.

Um passado que teima em voltar

ao presente.















Uma criança



Todos os meus dias

são enfado.

Além do meu escárnio,

o não sorrir.

Toda esperança no porvir.

Em uma fenda cai,

além do meu cansaço,

o meu fim.

Uma criança

toca em meu braço

e diz: - Vai.

Essa criança

me despiu de mim

e eu caminhei em paz.





















Ainda mereço ser feliz



Vejo pequeninos

despojados

sob lâmpadas apagadas,

e mesmo assim,

ainda mereço ser feliz.



Vejo a raiz

de uma árvore desfolhada,

entre lâminas afiadas,

virar móvel que alguém quis,

e mesmo assim,

ainda mereço ser feliz.



Vejo a cicatriz

de uma face torturada

e reconheço seu algoz.;

calo minha voz

por ver a sua mão armada,

e lá no topo da escada,

vejo o fim do meu país.

E mesmo assim,

ainda mereço ser feliz.



Vejo meus enganos

no espelho dos seus erros.

Passam-se os anos,

e o que vejo?

Que mesmo assim,

ainda mereço ser feliz.











































O poema que eu quero



Quero um poema

que não fale de saudade,

onde a dor e a crueldade

não sejam fatos reais.

Que entre as páginas dos jornais,

seja relido.;

não por tê-lo comovido,

mas por não sabê-lo mais.

Nesse poema,

que o amor não seja tema

para uma grande atriz,

e que a paz

não seja apenas um desejo.

Que o covarde perca o medo

de um dia ser feliz.

Que a verdade não escolha minha boca,

que escute uma outra

que ainda saiba o que diz.













Meu querido sertanejo



Nas palmas de tuas mãos,

tua história eu releio.

No rogar de uma oração,

meu querido sertanejo.

Na lembrança de um sertão.

Na sombra de um juazeiro.

No clarão do lampião.

No curral e no vaqueiro.

No inverno ou no verão.

No caminho do formigueiro.

Na colheita do feijão.

Na flor do algodoeiro.

Na enorme gratidão

de ter sido companheiro.

Nos teus filhos, na versão,

dos teus netos no terreiro.

Nas noites de solidão.

Nos dias que metem medo.

Na saudade de uma mão,

na pitada do tempero.

No canto do azulão.

Nas verdades, nos segredos.

No esturricar do chão.

No último e no primeiro.

Oito décadas de emoção,

foste em parte e não inteiro,

em pedaços de ilusão

como todo brasileiro.





























Ilhado II



Não seria o amor

tão venerado,

seria vago,

sem ter uma companhia.

Se não houvesse

o ser lembrado,

amor negado,

em suas lágrimas,

ao seu lado,

afundaria.

Sob as águas

de um mundo afogado,

em meio ao lago,

uma ilha surgiria.

Assim, veria

a si mesmo,

amor ilhado,

como escravo

de sua própria companhia.











Gatilho



Era mesmo preciso

arrastar o meu corpo

entre valas de esgoto.

Na favela eu nasci.

Um pequeno indeciso,

com uma enorme ferida

que deixou cicatriz.

No meu mundo, eu via

quanto medo fazia

não poder ser feliz.

Nunca soube escrever.

O meu dedo era o giz

que marcava com um X,

quem devia morrer.

Era mesmo preciso

esconder o meu rosto

e o profundo desgosto

de um homem sem brilho.

Num império ilegal,

minha força era o mal.

Minha fé, o gatilho.















Goles



Minha senilidade de alcoólico

causa o sofrimento alheio.

Num choro incontido e derradeiro,

vê o meu último gole.

Vejo a superação de uma doença

e o prazer em subserviência

a um lugar eternamente melancólico.

Minha sensação

é que o tempo

passa e arrasta meu futuro.

Quando o vejo num profundo escuro,

peço perdão

por todos os meus goles.

Assim, como as ruínas

pela areia espalhada com o vento,

ocultam-se as marcas de meus porres

e volto a devastar a minha alma

sob escombros de uma triste vida,

mergulhado no líquido que embriaga

na entrada de uma porta sem saída.

















Rude



O que um homem faria

sem seus modos rudes,

sem suas calças compridas.;

entre palavreados,

sem verbos errados,

sem as mãos erguidas.;

sem o desapego às suas amantes,

sem os erros constantes,

farras e bebidas.;

sem as flores pisadas

por suas botas de couro.;

sem as extravagantes risadas,

sem o dente de ouro.;

sem o desprazer pela vida?

O que um homem faria

sem seu preconceito,

sem a dureza no peito,

sem sua grosseria.;

sem seus atos inconseqüentes.;

sem suas músicas indecentes.;

sem a velocidade

que o aleijaria.;

sem menosprezar o prato em que come

e sem dar seu nome

ao seu filho bastardo?

O que seria de um homem

sem sua tola frieza,

sem sua falta de gentileza,

sem seu mundo amargo?































Sobrevivente



Levo minha dor

por entre campos de concentração

e lágrimas no coração

por ter perdido a cor.

Campos sem flor.

Corpos que brotam do chão

rachado de rancor.



Não há abrigo que possa ocultar

o que passou.

Peço por favor,

que tentem escutar

uma triste e dolorosa canção

que fala de amor,

que fala de perdão,

que não fala de mim,

que sou apenas um fim

de antemão.



















Churrasco



Goteja, a gordura

de um animal sangrado.

O fogo atiçado

na brandura

de meus nervos.

O sangue, a pouco lavado,

toma outro aspecto,

e eu por perto

salivando desejo.

E entre goles,

a conversa em tom alto,

a discreta fumaça,

o cheiro da cachaça,

os amigos ao lado

e o prazer de revê-los.



















Alpendre



Sob a telha mal botada,

uma brecha

que ao sol não pôde deter.

Sob a casa assombrada,

uma sombra,

que não se assombra

quem a vê.

Entre armadores de pau

e pilares de argamassa,

olho o vento que espalha

a areia no quintal.

Vejo a vaca no curral.

Da coivara, a fumaça.

Minha avó achando graça

de algo que ela não entende.

É assim que a vida passa

bem debaixo do alpendre.



















Vínculo



A comida que esfria

no fogão apagado

e a espera infinita

pelo seu doce amado,

desarmaram

o amor que sentia.

Mais um dia,

entre tantos,

roubado.

Onde estaria ele àquela hora?

Encharcado de bebida

como outrora.

Um sorriso enganado

de uma velha senhora.

Que vazio,

não ter passado.

Páginas em branco,

sua triste história.

Suas lágrimas não disfarçam suas mágoas.

Suas mãos fechadas

desobedecem sua vontade.

Ainda seria possível nessa idade,

recuperar o tempo perdido?

Um desespero escondido

dentro de casa.

Um ser anônimo.

Desse vínculo crônico,

tornou-se escrava.



























Eu quero



Eu quero acordar bem cedo,

passar as mãos em teu rosto

e também em teus cabelos.;

sentir o gosto de sal e sol em teu corpo.

Eu quero ver refletir como um espelho

sob o céu azul,

a água que escorre em teu corpo nu,

e esquecer meus pesadelos.

Eu quero mergulhar em teu pranto

para dizer que te amo tanto

que não posso mais viver.

Eu quero enfim, morrer

e em minha lápide escrever

o mais triste verso,

aquele que não fala de regresso,

apenas diz para esquecer.

Eu quero renascer um dia,

para reencontrar na alegria,

a minha humilde atitude

de ajoelhar-me aos teus pés.

Quero adorar quem tu és,

não pelo teu sorrir,

mas pela minha quietude

em te ver partir.

O impostor



Um valente sedutor,

conquistador exigente.

Comentava toda a gente:

- É um homem vigoroso.



O poeta cauteloso,

observa indiferente.

Isso não é condizente

com seu trejeito jocoso.



É um grande traidor.;

sempre uma mulher diferente.

Não dá a elas valor.;

ao amor é indiferente.



O poeta percebia

com os seus olhos sagazes,

e para si repetia:

- Ele gosta é de rapazes.





















Chamas e solidão



Eu estava tão sozinho,

um passarinho sem ninho

que não podia voar.

Tendo eu criado asas

desde o primeiro piar,

via o meu jardim virar

uma torre de fumaça.

A fonte em que eu bebia

tornou-se lama escorrida.

Vi meu ninho se queimar.

Entre chamas e solidão,

na palma de uma mão,

fui tirado do lugar.

Num jardim ensolarado,

lembro do ninho queimado

e da mão a me salvar.

















A morta II



Era outono,

o vento soprava seu frescor.

A sua mini-saia encardida,

deixava à mostra

suas pernas tortas

como as árvores desfolhadas

do matagal onde fora assassinada.

Havia sangue impregnado em suas roupas

e nas folhas secas

onde seus cabelos desgrenhados

acomodavam o seu crânio exposto,

enquanto a docilidade de seu rosto

parecia,

com seus olhos arregalados,

pedir inutilmente:

-Deus, não me deixa morrer.

















Afazeres II



Já lavaste o rosto,

menina?

O sol já vai raiar.



Bota a água no fogo,

Menina,

pro café eu tomar.



Já botaste o alpiste,

menina,

para o teu sabiá?



Vá aguar o terreiro,

menina,

pra poeira baixar.



Onde está meu chinelo,

menina?

Quero me levantar.



Põe mais lenha no fogo,

menina,

pro feijão cozinhar.



Vai lavar as panelas,

menina,

pra fazer o jantar.



Apaga o candeeiro,

menina,

que eu já vou me deitar.



Peço a tua bênção,

mamãe.

Vou também me deitar.



Que Deus te dê destreza,

menina,

pra amanhã trabalhar.



Com as duas dormindo,

leitor,

posso a história acabar.

















Bem-te-vi



Não percebeu?

O bem-te-vi estava morto.

Seu canto ouço,

longe, quando havia vida.

Faltou comida.

Virou comida.

Viu, as formigas sob as penas?

Teve pena,

ou apenas deu às costas por não ver uma saída?

Estranho silêncio

faz seu bico na areia.

Na velha teia,

a aranha se balança.;

em sua dança,

faltou o canto de alegria.

Quase um bom-dia,

um desejo de esperança.











O revoltado



Revoltado com tudo,

com todos, consigo mesmo.;

com tudo que ainda impõe medo.;

com tudo que lhe faça mal.;

com aqueles que dizem amém.;

com os que não crêem também.;

com aquele que se vê, é louco.;

com aquele que se diz normal.



Revoltado com a própria revolta,

com o mundo que gira à sua volta.;

com tudo que é dito importante.;

com tudo que é tornado banal.;

por não ter se revoltado antes

da sua revolta final.

















Reavivadas



Não faça de seus passos

uma simples caminhada.

Sinta o vento

na antiga estrada,

o que dizem as aves,

as árvores e o caminho.

E mesmo estando sozinho,

não esqueça de sorrir.

Todas as pegadas

reavivadas,

devem ir

a uma pequena ilha

que se encontra situada

no oceano do existir.























O interruptor da sala



Reservo-me

a compor pedaços de letras

que falam de amor.

Um dote perdido,

um beijo esquecido,

uma abelha sem flor.



Escorre o mel

do favo apertado na mão.

Em pingos,

do céu

cai a água que enche

o rio de qualquer mês.



Nomes fictícios.

Acreditamos em santos,

que são vocês.

Entre artifícios,

fogos,

artífices que se encontram em prantos.



Rebelados,

revelados em um negativo,

e na tomada fecho o circuito

com meu dedo positivo

e ilumino a sala,

enquanto a vala do esgoto

está a céu aberto,

seu corpo descoberto

e pútrido.





































Quem será o primeiro?



Todo dia

é a mesma fumaça

que se dispersa

no café que esfria

na caneca.



O jornal

não me dá alegria.

Mas, a crônica lida

faz-me achar graça.;

a autora foi muito esperta

numa crítica que disfarça.



Ao dobrar e guardar o jornal,

sinto o peso da vida real

entre os meus dedos.



Quanto à vida, tornou-se banal.

Tanto medo

desse mundo que espera, lá fora,

pela hora

de quem for primeiro.

















Busto



O meu rosto cinzelado

no estuque de madeira

é a mais triste maneira

de me ver.

Não importa

de que forma fui moldado.

Nem importa

de que forma vim morrer.;

se entre credos e marias,

dentre iníquas poesias

ou no talhe do querer.

Sem meus braços,

meu abraço vou perder.

Pouco mais que a cabeça,

que o mundo não me esqueça

sem me ver.

Eis um tronco de pau oco

sobre a viga,

como um totem adorado,

erigido pelo fado,

renegado por você.



















A luz que vem do quadro



Na escuridão,

vive quem não pode ver.

Não poder ver

é não poder enxergar.

Para enxergar

é preciso saber ler.

Para saber ler

é necessário aprender.

Para aprender,

basta alguém para ensinar.



Seja na infância,

como adulto ou idoso.;

a educação

é o mais nobre legado.

O tempo todo,

há alguém do nosso lado,

o professor,

uma luz que vem do quadro.



Na paciência,

com extremoso cuidado,

imprime à voz,

sua ofuscante doutrina.

Benevolente

nesse duro aprendizado.

Caminho andado

sobre passos, que ensina.



Luz que ilumina

o caminho aos letrados.

Que recrimina

sempre com nova lição.

E compreende

que o verdadeiro sábio,

num eterno aprendizado,

vive em comunicação.





























A colméia



Numa grande extensão de terra,

há uma enorme colméia

dividida em duas classes:

operária e zangão.



O zangão é o enjoado,

com seu quepe na testa quebrado

se diz o dono da lei,

com empáfia e pose de rei.



Engraçado é ver um zangão

dizendo: - Sou autoridade.

Não sabe ele na verdade,

que não passa de um bestalhão.



No enxame de zangão,

destaca-se o preconceito.

Para eles não tem jeito,

é uma regra sem exceção.



Toda operária tem direito,

que é sempre violado.

O zangão fica irado

e não tem nenhum respeito.

Há operárias marginais

que deveriam ser presas

e aguardar condenação.

Porém, seria pedir demais,



pois o pulha do zangão

exagera nos maus tratos.

Para ele é condenado,

mesmo que tenha razão.



Gosta de meter a mão

ou chutar com suas botas.

O zangão é um idiota

travestido de machão.



As abelhas operárias,

pela violência e o medo,

vêem cenas arbitrárias

e as guardam em segredo.



Operárias traficantes

têm o trato diferente.

Os zangões ficam gentis,

com a cara sorridente.







Quando uma operária voa,

detonada no asfalto,

zangão que cuida de tráfego,

uma multa não perdoa,



para ele é coisa pouca.

Humilha e dá um castigo,

quando não um estampido,

morre uma operária à toa.



Os zangões são perigosos

com suas mentes perturbadas.

Corruptos e maliciosos

mantêm as operárias assustadas.



Zangão é despreparado

para tão grande missão.;

manter a ordem e a lei

e ainda ser respeitado.



Um zangão condecorado

por bravura e heroísmo.;

uma operária torturada

entre gritos e gemidos.



Há uma distância enorme

entre operária e zangão.;

enquanto um tem o porte

a outra nada na mão.



Se uma operária denunciar

como agem os safados,

vai na certa encontrar

resistência e maus tratos.



A colméia tem problemas

de violência e de droga,

mas se não existisse zangão,

seria outra, a história.



E as operárias marginais?

Perguntam seus defensores.

Leiam as páginas dos jornais.;

eles próprios são os autores.



Como ficam as marginais

sem controle e sem lições?

Se contarmos, dá bem mais,

com a existência dos zangões.



O sistema esta falido

pelo abuso do poder.

O zangão está armado.

Operárias a sofrer.



Agride o inocente.;

o culpado sempre apanha.

Entretanto, a lei é diferente

e o zangão não a acompanha.



Invade o casulo alheio

sem ordem de sua rainha.

Se a operária reclamar

é levada na horinha.



Ele se acha diferente

e também superior.

Onde o zangão arranjou

essa indiscreta patente.



O zangão tem urticária,

diarréia e dor de dente.

O que o torna diferente

é sua mente perturbada.



Tenho pena da operária

e do filhote, coitado.

Pois, o zangão tem prazer

em mantê-los humilhados.



Quando usa o seu ferrão,

uma operária é atingida.

Por sua corporação, o zangão

é uma abelha protegida.



Acha que é merecido

e deve ser respeitado.

Todavia, não respeita a operária

que está do outro lado.



Quando a operária é filhote,

admira o zangão,

acredita que ele é forte,

mas é apenas ilusão.



A fraqueza é o que faz

um zangão ser violento.

Ele não deseja paz,

pois na paz, não tem talento.



Seu talento é a fúria,

a revolta, o preconceito,

a estupidez, astúcia

e a falta de respeito,



a violência e o sarcasmo,

a soberba e a maldade,

o abuso de poder

por sua incapacidade,



autoritarismo e fuga

do que na verdade é,

uma abelha revoltada

que não aceita quem é,



um inútil desprovido

de amor próprio e consciência

que em troca de humildade,

oferece violência.



A colméia então seria

um paraíso de glória

se não houvesse zangões

nos anais de sua história.

















Obstinados



Sob o tempo,

os que se falam e beijam,

os que se queixam,

os que não querem rir.

Depois de algumas horas,

o silêncio torna-se

aterrador.



A flor

brota entre espinhos.

Na sua testa,

ainda escorre o vinho

de um ato de fé.



No campo,

o joio mata o trigo.;

um inimigo

em superação.

Enquanto em vão,

à ampulheta viram,

perdem os amigos

e morrem em solidão.















Cordel



Eu registro no papel

o mais singelo poema,

a poesia de cordel,

onde o mote vira tema.

Cordelista é bacharel

que rima sem ter problema.



Tal qual beata em novena,

fica o povo a escutar

dois cantadores em cena,

cada um em seu lugar,

tornando assim uma lenda,

a poesia popular.



Faz o país se encantar,

a poesia do matuto.

Com seu rude linguajar

ainda é o mais astuto.

A rapidez em pensar

torna-lhe um homem culto.



Para quem pode estudar

não leve como um insulto.

Para um sabiá cantar

não precisa de estudo.;

já nasceu com o bê-á-bá,

o sabiá e o matuto.



Do interior do nordeste

para o resto do país,

coisa de cabra da peste

que mantém sua raiz,

o cordel ainda se veste

com o talhe da matriz.



Às coisas de sua terra,

não cansa de elogiar,

os rios, os vales e as serras,

a mata seca e o mar.

História de como era

o sertão, põe-se a contar.



Eu só tenho a aprender

com tanta sabedoria

de um povo pobre, a sofrer,

que não tem melancolia,

que leva o tempo a escrever

a mais humilde poesia.

O cordel é uma lição

ao mais ilustre poeta.

A fonte de criação

que no cordelista desperta

é a essência do sertão,

o cheiro de sua terra.



Posso agora descansar

sem peso na consciência.

Tive a honra de versar

sobre essa nobre ciência,

a poesia popular.;

cantador me dê licença.































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