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Poesias-->A caveria e a rosa -- 19/03/2007 - 15:52 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



A literatura poética enfatiza emotivamente uma história, põe estrelas e soluços de maneira peculiar a ela, tornando o céu, à noite, mais bonito e as lágrimas mais comoventes.

Dessa forma, eu trato minha narrativa, e procuro desmistificar a morte usando seu próprio símbolo, a caveira e traduzo a vicissitude da vida, no amor, através de uma rosa.

Não importam o bem e o mal.; as emoções sejam quais forem, devem ser vividas.

Devido à incógnita do pós-morte não nos dá certezas, é que devemos viver a dúvida.

Não sejamos hipócritas para alcançarmos o céu, sejamos verdadeiros para vivermos na terra.

Eis a proposta de A caveira e a rosa.



O autor











A um guia religioso,

Inquire um bom homem:

- Por que justo

Os bons e amados,

A morte consome?

Eis que o guia,

Ocultando os chavelhos e o rabo, Assim responde:

- Para as coisas de Deus,

Não existe explicação.;

Também não,

Para as coisas do Diabo.









I



Num império de luxo e riqueza,

Escondia-se pobreza

E perversão.

Eis que um nobre ladrão

Tornou-se presa

De sua própria ambição.



A rainha,

Sua grande paixão.

Sua filha seria então

Princesa

Na inocência de um Rei

Que era vilão.



No império,

Era farta a devoção.

A igreja,

Ou seja,

O vil clero,

Não tão sério,

Enganava com o credo

Em sua religião.





Todavia,

O povo não conseguia

Reverter esta triste condição.

Aceitava de bom grado,

Ser escravo

Da mais triste escravidão.



A coroa deixava seu recado.

Acatado

Pelo bispo que ria

Do seu padre ali ajoelhado

Que ainda pedia:

- Deixe o dízimo de lado.

Era um gesto engraçado,

O que o bispo fazia.



Não havia justiça.;

Nem de Deus, nem do Diabo.

Pois o povo, coitado,

Com o rei não podia.



A igreja sabia.

Porém, era bem paga.

E por cada desgraça

Que a nobreza causava,

Era dada

Anistia.







II



Como as faces de uma moeda,

Havia também alegria.

O lugar irradiava harmonia.

Doce terra,

Nascia no campo a erva

Onde o gado comia.



As casinhas eram coloridas,

Ao redor do castelo

(O poder do império).

Todavia,

O que dava vida

Era a simplicidade.

A vila em si, comprimia

Sempre a sujeição.



A colina,

De onde se vinha

Do antigo cemitério,

Não havia mistério.

A vila, vizinha,

Era sossego e tédio.





A estrada

Por onde passavam

Os poucos visitantes,

Ia dar para o mar,

O mais belo horizonte

Ao se olhar.



A igreja,

Uma enorme projeção de fé.

Construída

Ao longo da vida

De um povo que quer

Uma saída,

Uma salvação.



A visão

De alguém que voasse

Por sobre o lugar,

Era o mais belo lar

Pra se viver.



Contudo,

Na vida, tudo

Pode acontecer.







III



Um senhor

Dedicou sua vida ao rei,

Que honrava uma única lei,

A de reconhecer um valor.

Ao filho daquele, tornou

Cavaleiro.

O senhor satisfeito

Se ajoelhou.



A princesa se apaixonou

Pelo belo rapaz,

Que amava demais

Uma outra donzela,

Filha do jardineiro.

Ele foi o primeiro,

Ela foi a centésima.



Um filho de um nobre covarde,

Por sua parte,

Ama a jovem princesa,

Que foi sua primeira,

Ele, apenas descarte.





A contenda ali principia.

Um,

A princesa queria.

O outro, se ardia

Em sua paixão.

Desde então,

Razão versus coração,

Nenhum ponto se ligava.



A jovem que amava o jardim,

Sabia qual era o fim

De seu pretendente.

A princesa,

A esposa demente.

Sendo ela,

A amante ardente.



Já tentara fazê-lo desistir.

Todavia,

Ele a persuadia

Em consentir.



A princesa de nada sabia.

Seu amado

Era apaixonado

Por alguém que lhe correspondia.



Os dois cavaleiros

Cortejavam a princesa.

Seu olhar ladeado de tristeza.;

Só a um

Pertencia o coração,

O que apenas queria o império,

Pois amava a dama

Sem quinhão.



Eis que a dama em questão,

Era donzela.

Moça bela

E do mais fino recato.

Pelo apaixonado,

Tinha forte paixão.



Também fora educada

Dentro da religião.

Todavia, o que mais prezava

Era o belo jardim

E a rosa mais cara,

De um vermelho carmim.



Sendo assim,

Eis que um dia acontece.

A questão, enfim, merece

Uma resolução acertada.









IV



Ambos tornam-se amigos.

Mas no amor é proibido

Dividir.

Eis o caso ali,

Em um mundo isolado,

Dois varões, um legado,

Ambos querem para si.



Vivem a discutir

Por uma fútil razão.

A verdadeira questão,

A princesa e o reinado.

Para um,

O amor.

Para o outro,

O valor do espólio herdado.



Já dois homens formados.

Um

De queixo raspado.

O outro,

Barba e bigode,

O mais nobre,

Tinha o sangue fidalgo.

Com uma cabeleira enorme,

O mais forte,

Que tinha a cara lisa

Quanto o bolso

(Eis o maior desgosto

Em sua vida),



Era um conquistador

De mulheres e fronteiras.

E de boas maneiras,

Não deixava transpor

Sua origem.



Sua abissal coragem,

O levava a paragem

Que quisesse ir.

Todavia,

Gostava dali.

E seria ali seu reinado.



O de barba e bigode

Que era o nobre,

Mais franzino

E mais fino,

Na conquista era pobre.





O amor

Assolou o seu peito,

E sem jeito,

Todo se entregou,

Desde o primeiro encontro.



A princesa, no entanto,

O esnobou,

Repensou, ponderou,

Finalmente, o usou

Por prazer

E também provocou,

O que havia de ser,

O seu par.



Contudo, amar

Não depende de escolha,

É à toa,

Como um barco no mar,

À deriva,

Segue sem rumo a proa,

Onde somos a popa,

Não se pode evitar.

Eis que pode afundar

Ou navegar para sempre.





A princesa sabia

Que o nobre a queria.

Todavia, com o outro,

O amor era forte

Como nenhum lorde

Sabia fazer.

Parecia morrer,

Quando enfim, ele subia

Para lhe dar prazer.



Ela sempre esperou pelo dia.

Quem seria

O noivo escolhido?

Um eterno amante

Ou um nobre marido?



Nenhum deles,

Dela abdicaria.

Uma luta seria,

O desfecho do caso.

No entanto,

Era um simples cenário.

Que vencesse o melhor.



Nunca houvera morte.

Não por sorte,

Era apenas um jogo de pontos.

V



Nesse típico reinado,

Seleção era aceita.

Na disputa do amor,

Uma luta era eleita.

Eis que foi a espada,

Arma selecionada.

Que o melhor saia vencedor.



O dia foi escolhido,

A hora foi marcada.

Antes do acontecido,

Houve uma jornada.;

Onde plebeus e nobres

Lutariam no norte

Em defesa da pátria.



Entre flechas e o fio da cimitarra,

Muito sangue jorrara

No chão.

Não havia razão.

Cada boca clamava:

- Sem perdão!





Entre mortos e feridos,

Vencedores e vencidos,

Comemoram a vitória.

Para glória

De um rei não merecido.



Eis que os dois,

Cada vez ficaram mais amigos

E ficaram comovidos

Com tamanha recepção.

No palácio, foi a comemoração.

A princesa,

Entre os dois admirados,

Iluminava o cenário

Com sua exultação.



- Anunciarei amanhã a minha escolha.

Dessa forma seria à toa

A disputa, o resultado.

Pois seria anunciado

Em segredo, ao eleito.

E este lutaria já sabido

Quem seria o aclamado.

Nessa noite,

Ambos embriagados,

O nobre se sente abatido.









VI



A princesa é desperta

Por uma breve conversa

Do seu preferido.;

Na qual diz ter nascido

Para outra donzela.



Assim, ela

Volta e chora baixinho.

Seu coração sozinho.

Recomeça a pensar.

Não sabia que era tão perversa.

Porém, começa

A se reavaliar.



Quando tarde da noite,

Sai em busca do quarto

Do nobre embriagado,

Ela já está certa.

A princesa então, séria,

Fala ao nobre, calado,

E diz a sua escolha:

- Mate o adversário

E terás o reinado

E a mim, como esposa.

Contaremos à dama

Que o plebeu ama,

Que ele será assassinado,

No dia marcado.

Ela irá chamar sua atenção.

Com um lenço na mão,

Eu darei o aceno.

Ninguém ficará sabendo

Que foi uma armação.



Uma astuta raposa,

Com tudo armado.

E no dia azado,

O jogo começa.



Era um dia de festa.

Tudo era festejado,

A vitória,

O noivado,

A serena conversa.



O sol brilha

De maneira irreal.

O mais belo sol matinal

Que alguém vira.

Vê-se o verde das árvores

Como nunca na vida.

Sente-se o vento soprar

Em harmonia

Com a brisa

Que vem lá do mar.



Quem diria,

Que por trás das cortinas,

Uma trama havia?

O mais sórdido pacto,

Um funesto recado

Que a morte trazia.



Todos foram chamados.

Eis que o jogo se inicia.

O combate é montado.

Em sua montaria,

O plebeu é louvado

E o nobre aplaudido.

A princesa lhe lança um sorriso,

Para o outro,

Um olhar de sarcasmo.



Este desconfiado,

Não consegue entender

O que acontecia.

A princesa

Sempre lhe parecia

Querer.

Quem iria entender

As mulheres?



Os combatentes se cumprimentam.

As trombetas dão início ao combate.

De ambas as partes,

São os golpes.

Não há fraco nem forte.

Ambos se experimentam.



Eram homens treinados,

Sempre do mesmo lado

Combateram.

Eles sempre ganharam

E jamais ao contrário,

Perderam.



Eis que o nobre

Mantém-se calado,

Não parece zangado,

Pois tem uma missão.

O plebeu

Gosta de uma conversa.

Com o jogo,

Pulsa seu coração.









VII



A destreza e a pressa,

O mantém ocupado.

Todavia, um chamado

Tira sua atenção,

A dama com a rosa na mão.



Não escuta nenhuma palavra,

Mas lê em seus lábios,

Toda aquela aflição.



Com o gládio na mão,

É então trespassado.

Olha o sangue jorrado,

Um aceno,

Um lenço,

Vê qual era a razão.

Fora então combinado,

Era tarde o recado,

Tomba,

Não vai ao chão.



Tenta em vão,

Suster-se no cavalo.

O animal ensinado,

Tenta ainda especar

O seu dono abatido

Que num triste gemido,

Tenta um nome gritar.



Correm para ajudar,

Ante o pasmo amigo

Que sem ser percebido,

Fez tudo aparentar

Um acidente ao acaso.

Apenas um fato trágico,

Sem ninguém para culpar.



Nada mais poderia ser feito.

A espada

Atravessara seu peito

Onde o sangue jorrava,

Tal um leito

De um rio em cascata.



Como a vida parecia ingrata.

Uma tragédia

Em tão triste ato.

Onde o acaso seria o culpado.

Eis o fim

Da grandiosa festa.



Eis que a tarde

Termina sem pressa,

E à noite,

As tochas se ardem.

O açoite

Do vento, então, bate

Nos que sobem a colina.



Atravessam a estranha neblina

Onde os portões se abrem.

Uma cova é marcada com tinta.

Orações numa língua extinta,

Feita pelo velho padre.



Todos voltam para as suas casas.

Uma noite iluminada por brasas

Em diversas fogueiras.

Como é bela, a vila acesa,

Apesar da tristeza

Que arde.



O costume é que o dia seguinte

Era o apropriado.

Pois daria a Deus e ao Diabo,

Tempo para apropriação

Do corpo ali enterrado

Dentro de um seguro caixão.









VIII



Tranqüila madrugada,

Abalada pelo grito de uma deusa,

Uma dama abandonada

Pela morte do amado

Que lhe deixa.

Entre tantas,

Uma queixa:

A de não ter lhe escutado.

A ambição por um reinado

Impôs-lhe esta desfeita.



Ela aceita,

Nada pode ser mudado,

Certa do assassinato,

Da justiça jamais feita.



Era a eleita

De um amor tão venerado.

Mas, o peso do pecado

Nos sujeita.

Foi assim com seu amado,

Disso, já tinha certeza.





Seria santificado

Pela igreja,

Por seu fim ter sido trágico.



Surgem os primeiros raios

Na manhã que inicia.

Segue o som que agora ouvia,

O que vem do Campanário.



Ao adentrar a igreja,

Olha o corpo do amado.

Segue pro confessionário.

Revela ao cura,

Que então jura:

-Ele será consolado

Nas alturas.



Segue novamente, a turba.

Desta vez, com o caixão.

Em cada mão uma vela,

Em cada boca uma reza,

Uma oração.



Adentra o cemitério.

O povo sério,

Teme qual é o mistério

Do pós-morte.

Qual a sorte

Que a vítima teria?

Qual caminho

Seguiria, esse forte?



O coveiro,

Que usava um ponteiro,

Pegou a cova marcada

De madrugada

E a cavou.



Seus pés inchados

E as unhas mal aparadas,

Davam-lhe a aparência

De um triste lenhador.



O sol faz sombra,

Pelas cruzes dispersadas.

Abandonada,

Alheia a sua descrença,

A dama olha,

Ainda em lágrimas,

A rosa que na mão

Sustenta.







A terra em pás,

Arremessada.

A cova amarga

Quase se fecha.

Beijos e lágrimas derramadas.

A rosa vermelha,

Arremessa.



A cova que enfim se fecha,

Tem uma lápide erigida.

É simplesmente uma pedra.

Porém, polida.



A bela dama, todo dia,

Visitava o jazigo.

Como era doloroso o seu castigo

Por ter sido ele a vítima.



A princesa

Tem seu ódio afinado

Pela ternura e o cuidado

Com que a cova era mantida.



Uma saída

Era afastar do amado,

A bela dama,

Que insistia.

Eis que assim foi proibida

A visita ao cemitério.

Um despautério,

Mas a norma foi cumprida.



O verão se inicia,

As covas são mal cuidadas,

O coveiro não podia,

Seu tempo não permitia

Aguá-las.



Nenhuma rosa nascia.

O chão seco se rachava.

Numa vala,

Um cadáver apodrecia.



Porém, uma chuva inesperada,

Dura mais de sete dias.

E na manhã que se inicia,

A notícia é espalhada.

Uma rosa, enfim, brotara.

Mas, nada mais havia.

Mesmo com a terra ainda molhada,

Nenhum ramo se encontrava,

Nada mais ali se via.







IX



A rosa brota

Numa noite orvalhada.

Em si formada

Como fora enterrada

Com aquele que partia.

Para tristeza

Daquela que lhe odiava.

Para alegria

Daquela que lhe sorria.



O seu vermelho,

Um vermelho carmesim

Tal qual um lábio

Retocado ao espelho,

Num tom espesso.

A rainha de um jardim.



As suas pétalas

Pareciam mãos sobrepostas

Escondendo algum segredo.

Se essas mãos tivessem dedos,

Como vértebras expostas,

Dariam medo.



Eis o susto do coveiro

Ao ver a rosa

Da filha do jardineiro.

A mesma que ele cobrira

Com pás de barro vermelho,

Posto o chão do cemitério,

Ser de argila.



A rosa é vista

Como símbolo de um milagre.

Eis que o padre

Diz que a vítima

É um santo.

A rosa é mais do que encanto,

Pura magia.



E por causa da rosa,

A cova se torna

Um lugar de peregrinação.

O culpado que toca a rosa,

Sente o alívio do perdão.



Ao cego,

Restitui a visão.

O tartamudo

Sai fazendo sermão.

O aleijado,

Anda rindo, encantado

Com tamanha emoção.



Entretanto,

Um sinal parecia,

Para aquela que havia

Caído em pranto.

O espanto,

É que a rosa escolhida

Estava cheia de vida

E de encanto.



A princesa odiava

Por ter sido obrigada

A liberar o cemitério.

- Que vão para o inferno,

Repetia zangada.

Porém, não aceitava.

E decerto,

Novamente tramava

Algo maléfico.



O nobre,

Príncipe por direito,

Continuava sujeito

À sua eterna princesa,

Sempre a mesma,

O mantinha envolvido

Com a sua esperteza.



Quando noite,

A rosa brilha no escuro.

Por trás do muro,

Os fiéis cantam louvores

Ao rei, às flores,

Ao escuro.



Toda noite,

O portão era fechado.

Os fiéis ficavam

Do outro lado,

Esperando amanhecer.



Chove até o sol nascer.

O povo assustado,

Não sabia o que fazer.

A rosa havia sumido.

Mesmo estando o povo unido,

Nada podia fazer.



-É ver pra crer,

Dizia um dos curados.

-Estamos amaldiçoados

Posto isso acontecer.







X



Aliás, à noite,

A rosa fora arrancada

Por uma cimitarra,

A mesma que antes

O ferira.

Noite sombria,

O inimigo sussurrava.

E a chuva apagava

As pegadas que fazia.



Sai a galope

Em direção ao castelo.

Um amarelo,

Brilha na escuridão.

Vaso dourado,

Apinhado

Até a borda,

Pela luz que vem da rosa,

Iluminando o escuro chão.



Eis o clarão

Insistente mais que a lua,

Que pela rua,

Entre raio e trovão,

Encanta àquela

Que passeia seminua,

À espera, no portão.



Em sua mão,

O anel de uma rainha.

Sede canina

Ao salivar sua presa.

Eis a princesa,

Uma perversa doninha,

Um noturno furão.



Recebe o vaso

E o guarda no quarto ao lado.

Então se entrega

Com toda devassidão

Ao seu marido pelego

Que enfrentou o próprio medo

Em nome dessa paixão.



Na manhã em que se segue,

O povo chora a rosa.

Quem seria tão ruim?

Nenhum jardim,

A manteria tão viçosa.









XI



Um jazigo violado,

Uma lápide no chão,

Uma aflição

Aos olhos de quem ama.

Quem deflora uma cova santa,

Não merece ter perdão.



A dama chora,

Pensa ter sido um ladrão.

Ladrão de rosa,

A rosa do coração.



Para o povo,

Um santo foi maculado.

Tão vil pecado,

É certa a condenação.

Maldita mão,

Daquele que foi culpado.

Tão vil pecado,

Não merece redenção.



Eis que o povo revoltado,

Cospe o chão santificado

Pela igreja.

Amaldiçoa o culpado,

Pede ao santo roubado,

Que vingança seja feita.



No entanto, a tarde chega

Como coiote apressado.

O povo triste e cansado,

Vai à igreja.

Cemitério abandonado,

Resta a deusa,

Dona da rosa vermelha

E do coração finado.



Ela enaltece seu amado

Pela glória do perdão.

Por engano, foi ele santificado.

Seja o povo perdoado

Por tamanha confusão.



A rosa vermelha

Foi uma chama acesa

Na escuridão,

Dando clareza,

Ante a sua tristeza,

Que ainda havia paixão.







XII



Escurece,

A dama segue para casa.

Numa prece,

Pede a Deus compaixão.

Nas profundezas do chão,

Uma alma cava

Com desespero, com raiva,

Sem compaixão.



A rosa exala

O perfume de sua Diva.

Rosa cativa,

Um presente de suas mãos.

Sua devoção,

O manteve enclausurado

Entre ossos calcinados

E carne em putrefação.



A rosa então,

Tornou-se um elo permanente

Que ainda o prende

Nas grades dessa prisão.

Seu coração

Por ódio petrificado.

O seu legado,

Fúria e condenação.



Eis a razão

Que procura sair da terra.

Arranca erva,

Despedaça o caixão.

Entre vermes, come areia.

O barulho se assemelha

A uma aranha que caminha pelo chão.



Nesse momento,

O coveiro ao longe fala.

Aproxima-se da campa encantada.

Então, se cala

Ante aquela visão.



Uma mão ressurge no sepulcro

E no chão fazendo sulco,

A uma ossada, arrasta.

Eis que a outra traz uma durindana.

Da cintura para baixo, aterrada,

A caveira finca a espada

E com as duas mãos

Imprime sua força.

Tal vulcão que jorra larva,

A caveira está solta.









XIII



Surge a caveira,

Dentre a terra escavada.

Uma espada,

Ostenta sua mão direita.

Face desfeita,

Pelos ossos que lhe falta.

O vento abraça

Sua pele de areia.



Estagnado, de olhos arregalados,

O coveiro treme as pernas.

Vítima certa

De um golpe desferido.

O chanfalho num zunido,

O acerta,

Este é decapitado.



O seu manto é rasgado.

Branco,

De sangue é manchado.

Com tarja negra, era usado

Por respeito aos finados.





Uma bandeira,

No cemitério é hasteada.

De cor vermelha,

Pelo sangue derramado.

Com tarja negra,

Pelo luto aos finados.

Tremula ao vento.



A caveira então monta

Uma besta escaveirada.

Em disparada,

Lança o chanfalho no portão.

O cemitério como boca escancarada

Que pede um pouco de pão.



Na escuridão,

A nevoa oculta sua imagem.

Uma miragem, aquela triste visão.

A lua esconde-se nas nuvens,

Apavorada,

Sua luz

É oculta por tamanha maldição.



A caveira procura

Pela rosa arrancada

Pela mais terrível espada,

A cimitarra da traição.

Mas, todo aquele

Que ao seu mal se assemelha,

Não lhe é presa.

Pois serve ao ódio, à dor,

À vingança e ao horror.



O que a tornou

Um ser maldito

Foi não temer o castigo

E pedir ao proscrito

Pra ser vingado.



O mal por ele invocado,

Foi surpreendido

Pelo perdão comovido

De uma deusa.

Sua alma, assim, foi presa

Na caveira,

Pelo amor posto na rosa.



Entre Deus e o Diabo

Teve o ódio enaltecido.

O seu amor foi vencido

E sua liberdade, aceita.



Sua prisão fora desfeita,

Quando arrancaram a rosa.

Contudo, a exigência feita,

Era trazê-la de volta

Com almas por Deus eleitas.



Volta a lua a iluminar

O caminho da caveira.

Sua alma queima em brasa.

Procura o mar.

Sente o verme a escavar

Na pouca areia

Que o vento quis deixar.



Vêem-se as luzes da vila

À distância.

Para aqueles que são bons,

A esperança

Tende a acabar.



O mau cheiro cobre o ar

Tal qual carniça.

Como velhas dobradiças

É o barulho da besta a cavalgar.



Na calma desse lugar,

Ninguém esperaria

Que uma caveira viria, almas pescar.









XIV



Vê-se o espectro cadavérico

Iluminado pela lua,

Cavalgando pela rua

Em sua besta.

Tal qual tochas acesas,

São seus olhos.

Vêem-se vermes em seus ossos.

A mais horrenda caveira.



Pela cavidade óssea

Do que fora um focinho,

Vê-se o hálito da besta

Que ofega

Tal qual um redemoinho

Que ao telhado carrega.

Uma fera

Desprovida de carinho.



Apeia-se a caveira

E caminha

Onde se escuta a turba lamentar

Pelo santo ofendido.

A caveira num estampido,

Faz o chanfalho rasgar.

Na igreja,

O seu nome é exaltado.

A caveira

Destrói o relicário.

Um fanático,

Então, lhe apedreja.

Num instante,

O mesmo é decepado.

Cai no altar, sua cabeça.



A caveira

Segue pro confessionário

Onde o padre amedrontado

Se esconde.

Num só golpe,

Ante um olhar de surpresa,

Os seus ossos

São banhados de sangue.



Entre outras cabeças,

Monta a besta.

Vez por outra desvia o caminho.

Segue desde o cemitério

Em direção ao castelo.

Como um cão que algo fareja,

Um devorador de presa,

Sem matilha e sozinho.

Desvia novamente seu caminho,

Segue em direção ao mar.

Como alguém a lhe chamar,

Escuta as ondas.

Todavia, às suas costas,

Sente a rosa

Se aconchegar.



Continua a caminhar

Pela areia.

A caveira, no entanto, é percebida

Por um bêbado

Que já esqueceu da vida.

Entretanto, jamais de uma bebida

Rejeitar.



Põe-se à garrafa tragar

E a fitar o espectro magro.

Em seus olhos ressacados,

Tenta enfim, deslumbrar,

Uma figura com vida.

Pois devido à bebida,

Poderia se enganar.







XV



A caveira caminha pela praia,

Desvairada,

Em si retrata

A tristeza e a solidão.

Enquanto o bêbado

Desgasta-se em sua garrafa

E chama a sua atenção:



- Diga irmão,

Sua face está magra.

Está na cara,

O motivo é o coração.

Tome um trago.

Pois a vida é mais amarga

Que qualquer desilusão.



Eis que a bebida

Molha os ossos calcinados.

Alucinado,

O bêbado perde a direção.

Na mão da caveira

O copo é despedaçado

Tal inseto que é pisado

Em uma desatenção.

Volta à vila,

À rua em que vivia,

À mesma praça em que sorria,

Quando criança.

Não era sua lembrança,

Mas a de um casal que ali havia.



Em meio à praça,

A caveira

À besta pára.

Dela se apeia.

Sua pele de areia,

O vento lava.



Em um banco, apavorado,

Um casal idoso chora.

A caveira

Foi então o filho amado

De outrora.



Eis que a praça

É de pedra rejuntada

Com argamassa

E polida com carvão.

Os ossos no atrito das passadas,

Dão a impressão errada

Do barulho do trovão.

Ante o casal,

A espada é levantada.

Com a força impregnada,

Duas cabeças

São roladas

Sem nenhuma compaixão.



Uma mão

Ainda toca sua ossada.

Porém, tem a pele queimada

Tal se queima em lampião.



A caveira,

Sem nenhuma emoção,

Monta a besta escaveirada

E procura a estrada

Na discreta escuridão.



Em uma mão,

Mantém sempre sua espada.

A outra atraca

O pescoço do animal,

Na escuridão.







XVI



Pedregulhos e poeira na estrada,

Uma ossada perambula noite inteira.

Sai o sol, quando desce a ladeira

De acesso ao palácio.

Vê-se ao longe,

Ainda na besta montado,

O espectro da caveira.



Subitamente, as portas das casas

São fechadas.

Toda a gente, amedrontada,

Esconde a cara.

O mau cheiro

Espalha-se como o medo.



Eis que um mensageiro

Segue em disparada.

Todavia, tem a cabeça arrancada

Pelo chanfalho da caveira.



Na distância,

A poeira é percebida.

Uma sentinela avisa

Que um cavaleiro se aproxima.

Bem que a prática nos ensina,

E da muralha,

Apesar da densa poeira:

- Aproxima-se do castelo,

Um espectro.

E parece uma caveira!

Enfim, a sentinela fala.



A atalaia, no entanto,

É precavida.

Com sua trombeta, avisa

Uma legião formada.



O exército se organiza,

A cavalo e com espada

Sai em uma cavalgada

Para por em risco a vida.



A legião desconhecia

O que iria enfrentar.

Porém, ao se aproximar,

Não queria acreditar,

O que cada olho via.



A caveira sobre a besta,

No movimento rangia.

Sua espada parecia

Uma vespa,

Quando o ar golpeava.



Dá-se o encontro premeditado.

Homens e cavalos assustados

Enfrentam a caveira.

E em meio à poeira

São ceifados

Como milho na colheita.



Talvez, tenha sido asneira.

A caveira

Não podia ser tocada.

A espada na areia

Se enterrava.

Quando um osso ela atingia,

Se quebrava.



Tantos homens acéfalos,

Entre cabeças amputadas.

Quantos séculos

A carnificina seria lembrada.



Poças de sangue

No solo se formavam,

Onde as patas dos cavalos

Se banhavam.

A caveira,

Entre os poucos sobrevivos,

Em seus golpes era certeira.

Então numa só carreira,

A legião foge assombrada.



Na descida da falda,

A caveira sente o perfume exalado.

Na janela do palácio,

À luz avista.

É um brilho

Que a ela hipnotiza,

Tal a mariposa viva

Que à luz se embriaga.



E no fio da espada,

A caveira passa a mão.

Um ranger de doer o coração

Quando o osso toca

O gume que escapa.



A corrente

Que ao enorme portão atraca,

É cortada

Pela espada incandescente.





Nessa hora,

Mesmo o súdito mais descrente,

Ajoelha-se e pede graça.



Quando se apeia

Da besta,

O movimento é macabro.

Seu chanfalho, tal machado,

Corta o portão de madeira.



A caveira

Quando adentra o pátio,

Olha pro alto

E caminha sem barreira.



Que figura triste e feia,

Deixa qualquer um

Assombrado.

A mais hedionda caveira

Sobe para o telhado.



O rei

Com a facção que o rodeia,

Foge para um reservado.

Entre nobres aduladores,

Estremece de terrores

Ante o pavor da caveira.







XVII



Eis que a rosa

Brilha no quarto ao lado,

Onde um vaso dourado

A sustenta.



A princesa nota a incandescência.

Porém, sua consciência

Não tem peso

Nem pecado.



Firme como um golpe de machado

Quando a árvore decepa,

É a decisão daquela

Que mantém aprisionado

O coração da caveira

Em um vaso sobre a mesa

Na rosa simbolizado.



Vê-se agora o espectro iluminado.

Com o espírito envenenado

Tal o ferrão de uma vespa.

- Queira Deus meu ódio cresça.

Diz a perversa princesa

Ao espelho então fitado.

Quebra, a caveira, o telhado.

E adentra o palácio.

Nos corredores,

Anda tal num labirinto

De horrores,

Andaria um menino.



Com seu chanfalho

Devassa os aposentos.

Em pouco tempo,

Encontra os olhos da princesa.

Não vê tristeza,

Só vê ódio e tormento.



A princesa joga o lenço

Do aceno

Que lhe vitimara.

A caveira esboça apenas um sorriso.

Dá as costas

E adentra o outro aposento

Onde está a rosa.



A princesa, feito louca,

Chama aquele que a serve fielmente.

O nobre,

Dono do golpe

Que o ferira mortalmente.

A caveira

Olha a rosa longamente.

Nessa hora,

Até parece a si voltar.

Os seus olhos se apagam tristemente.

Mas, a chama de sempre

Teima em voltar.



Nesse momento,

Pega a rosa e põe na boca.

Nesse tempo,

Alguém intervém na porta.

Com a rosa presa à boca,

Segue em frente,

Não se importa.



Eis então,

Que o valente

Se acovarda.

A caveira,

Pega o mesmo corredor.

Como se sentisse dor,

Ela então, pára.

Dá uma última olhada

No que restou.

Duas almas condenadas

Por rancor.









XVIII



Em passos lerdos,

A caveira segue em frente.

O som de correntes,

Chama sua atenção.

Levanta a mão

Num golpe, ao chanfalho solta.

Derruba a porta

Que dá para a prisão.



O calabouço

Tem um odor impregnado.

Desce a caveira,

Cada degrau encharcado

Pela perene infiltração.

Chega ao salão

Onde estão todas as celas.

Os prisioneiros

Temem aquela visão.



Com o chanfalho

Rompe as grades

Pela ferrugem, retorcidas.

Onde o piso

De madeira enegrecida,

Recebe os passos

Macabros.



Ante os culpados,

Dá as costas,

Segue em frente.



Os inocentes

Que estavam aprisionados,

Tem os regaços cortados

Como numa guilhotina.



A caveira

Se dirige para cima,

Onde nenhuma esgrima

Tem coragem de enfrentá-la.



Uma figura macabra

Que caminha

Em corredores vazios.

Homens bravios

Tornam-se damas finas.



Tristes retinas,

Pela caveira, fitadas.

Foram queimadas,

Galhos secos na caatinga.









XIX



Mente assassina

Que ainda observava.

A princesa revoltada,

Olha a caveira, de cima.



A caveira

Toca o chão ensangüentado.

Não isolado

Pelos corpos espalhados

Tal as pedras num lajedo.

Só morte e medo,

Trouxe o gume do chanfalho.



Com a rosa presa à boca,

Monta a besta escaveirada.

Segue louca,

Em disparada,

Pega a estrada novamente.



Vento brando

Quando pela vila passa

Rumo ao campo-santo.

Sua ossada

Parece lavada em pranto.

Toda a gente

Fica boba e calada.

A caveira, no entanto,

Nas proximidades, marcha.



Quando um cheiro de jasmim

Invade o campo,

Está contígua ao jardim.

Vê a dama, um encanto.

Finalmente, o sofrimento

Tende chegar ao fim.



A figura

Não parece mais tão lôbrega.

A besta meio trôpega,

Continua.



Ante uma desventura,

Então, se exalta.

Porém, mantém a calma,

Assim atua.



Tal uma cobra se insinua

Ante a presa,

Se comporta a caveira,

Ao ver a sua.







XX



Pára,

Olha a dama friamente,

Passeando em seu jardim.

O amor de antigamente

Tem seu fim.



Eis que a dama

Sente o coração em brasa.

Vê enfim,

Perto de casa,

A caveira com a rosa presa à boca.

Como louca,

Corre para abraçá-la.



Em sua mente,

Era o amor que enfim, voltava.

Como se tivesse asas,

Sobrevoava o jardim.

Os seus pés o chão tocava.

Um sorriso se formava,

Os dentes cor de marfim.



Todavia,

O que jamais ela esperava,

Um chanfalho é levantado

E num golpe abalizado,

Sua cabeça é decepada,

Morre assim.



A caveira,

Que mantém na boca, a rosa,

Corre alucinada

Em busca de sua cova.

A necrópole escancarada,

A tem de volta,

Em sua besta escaveirada.



Por encanto,

Sua besta é desmembrada.

Antes, salta

Pro solo do campo-santo.



Tira a rosa

De sua boca deformada,

Põe na cova

Maculada

E caminha para a lápide mexida.



Ergue a pedra polida

E põe de volta.

Enterra-se com o chanfalho

Em seu mundo solitário.

Brilha a rosa,

Enquanto os ossos na cova

Desmembram-se enfim.



Não sabemos se eterno.

Nas profundas do inferno,

A caveira tem seu fim.







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