Prefácio
Alongar-me-ia na amplidão de termos para elogiar o trabalho do estranho poeta João Felinto Neto, porém, pela nossa amizade, sou suspeito.
A estranheza está em versos que insinuam situações abrangentes, raramente pensadas e traduzidas à poesia.
De versos, diversos versos é um título expressivo que quantifica a obra em retalhos de poemas.
A poesia engrandece com versos arraigados em estruturas filosóficas, impelidos ao esdrúxulo cotidiano num arrebatamento temático.
O sentido prático e real se desabrocha em uma flor com pétalas de versos coerentes com a situação crítica e imaginativa. Mais que uma flor, esses diversos versos são folhas que se desprendem de uma árvore em um clima outonal.
Eu vejo o poeta traduzir verdades através dos seus diversos versos, consolidando razão em poemas que expõem sentimentos múltiplos e de aspectos tão diversos quanto os mesmos.
Não é possível deixar de perceber nuances de influências diversas no âmbito de leituras poéticas, sem haver necessidade de citá-las.
André Tales
De versos Diversos versos
Um montão de versos soltos,
Quantas letras pra colher
Num trabalho que aos poucos
Diversos poemas vou ter.
De versos, são feitos os meus sonhos,
São diversos, sem limites.
Abro os meus olhos tristonhos
Entre versos infelizes.
Juntei minhas dores, meus risos.
Dispersos ficaram os amores.
Dentre os versos mais felizes,
Abrem-se cores em matizes
Como num jardim, as flores.
CARRO-DE-MÃO
Eu nasci só.
Não tão só.;
Pai, mãe, irmãos.
Minhas mãos
Pedem ajuda
Em duas luvas
Sem dedos.
Sem medo,
Chamo-me João.
Eu posso ser você
Ou não,
Empunhando um carro-de-mão
Numa velha construção
Vazia.
NÓS DOIS
Solidão à tarde,
O sol se foi.
Você também. Quem sabe
Nós dois
Numa lembrança de ontem?
Que ano é hoje?
Hoje é o primeiro de todos.
Todos serão amanhã
Em lembranças de ontem,
De nós dois.
NEÓFITO
Seria a primeira vez
Que meu olhar se fecharia.
Na boca,
Um beijo francês
Que em outra
Não conseguiria.
Por meu remorso,
Talvez,
Repensei no que faria.
Amar a outra não posso.
Continuaria neófito
Pelo que não conhecia.
A NOIVA
Ouço à minha porta,
Um bater de palmas.
Em poucas passadas,
Alcanço as rótulas.
São apenas asas
De uma ave branca
Tal qual uma dama
Em passos de valsa.
Abro a porta a tempo,
O vento aproveita,
Tiro da sarjeta
Aquela que amo.
Eis que seu véu branco,
A pouco enganara.
O vento em pranto,
À porta, escancara.
É a chuva que adentra
Enquanto ela lembra
A quem ama tanto.
E no meu espanto,
Sua voz me acerta
Com a palavra certa.
Espinho no peito.
O buquê desfeito,
Flores perdem pétalas.
Cabelos sem jeito,
Quase que a perco.
Um jantar a velas.;
As chamas e o vinho
Acendem o ninho
De um casal que voa.
Roupas ficam à toa.
Não sou eu, o noivo.
Mas, é minha, a noiva.
OPERAÇÕES
Ainda procuro
Migalhas de pão no caminho.
Não volto sozinho,
Há sempre alguém no escuro.
Na soma de tudo,
Sou múltiplo.
Que subtraído
É resto.
Que se dividido,
Se perde na multidão.
Apertos de mãos,
Estranhos que são vizinhos.
Que andam sozinhos
Seguindo a mesma direção.
Migalhas de pão,
Não há mais no caminho.
Em goles de vinho,
Entre flores e espinhos,
Espeto o meu coração.
A espera de carona
Estavam lá,
Cada um com um filho nos braços,
À espera de um carro
Que os levassem a algum lugar.
Aonde iriam parar
Pelas mãos do acaso?
Nessa hora eu passo
E começo a pensar.
Poderia chorar.
Mas, o mundo é amargo.
Para mim, mais um trago,
Eu consigo aceitar.
Essa é a dor em meu peito,
Concordar: - Não tem jeito.
E simplesmente passar,
Pelo retrovisor olhar
E tentar esquecer.
O que o mundo vai ser,
Se fingirmos não ver
E simplesmente passarmos?
Religião, filosofia e/ou ciência
Teorizo sobre minha existência,
Por não ser plena
Nossa forma de pensar.
Religião, filosofia e/ou ciência,
Razão, demência,
Moral, decência,
Crença e pecar.
Não encontro uma razão
Para ser louco.
Quantificar nossos valores
Sempre é pouco.
Engrenagens e motores,
Eis nossa locomoção.
O que sou além de matéria ambulante,
Um animal em si, pensante,
Dominante
Em um reino de ilusão?
Nosso céu não é eterno.
Nosso inferno
É precisão.
Não importa se meu berço
Foi o barro.
Se eu sou escarro
De um macaco
Ou de Adão.
Em um museu
Sou pré-história.
Não há memória
De que eu
Seja João.
Apedrejamento
Ouvi um padre
Jogar pedras na ciência.
Quanta inocência
Ou distúrbio de um fraco.
O seu pecado
Não passa de sua crença.
Viraram demência,
Deus e o Diabo.
Sua oração é apenas subserviência
À simples crença
De um fanático.
Correr em círculo
À procura do início
Do que nunca foi criado.
Sua batina
Cobre mais que sua vergonha,
Cobre o instinto mais carnal.;
Não cobre o mal
Que na carne o acompanha,
Cobre apenas o sinal
Da cruz que ama,
Cobre a razão que o faz normal.
Nos braços da ilusão
De que me adianta o céu,
Se eu não posso sentir o vento,
Nem a água me tocar.
Se minhas asas de anjo
Não sentem o vôo.
Não quero esse merecimento,
Quero mais tempo
Aqui.
A emoção ao sorrir
E as lágrimas da comoção.
O que eu posso sentir
Com minha mulher,
Nenhuma fé
Pode entender.
Não quero ter
Uma salvação.
Quero morrer
Nos braços dessa ilusão
Que é viver.
Não creio no amor
O amor talvez não seja
Sincero e verdadeiro.
Talvez não seja ela
Ou eu seja o primeiro.
Acostumados a ver
Com o mesmo olhar,
A vida conjugal,
Assim o amor parece
Ser eterno pro casal.
O amor amadurece
E a paixão esfria
Ou já não é o mesmo
Que sentimos um dia.
Será que a paixão tem fazes como a lua?
Ela é nova e crescente,
Minguante e finalmente,
Cheia como a rua.
O amor não continua,
Não dura para sempre.
Quando o amor acusa,
O beijo fica ausente.
Do amor, é que é a culpa
De estarmos diferentes.
As discussões freqüentes,
Acusações sem fim.
Quem sabe sendo assim,
O amor é uma quimera,
O amor que tenho em mim,
O amor que sente ela?
Eu creio no amor
O amor é a certeza
Que se quer.;
O abraço comovido.;
As lembranças.;
Eterno quanto às esperanças
De ser eterno.
O amor é certo
Quando ambos estão errados.;
É lado a lado
Numa busca incessante.;
É todo instante
De um casal enamorado.
O amor é palco
De comédia,
De tragédia,
De espanto.
O amor é tanto
Que transborda em amizade.;
É a saudade
Que nos faz saber que enfim,
O amor não é quimera,
O amor que sente ela,
O amor que tenho em mim.
Quem sou eu?
Sou um jovem ateu
Que entra na igreja
Para tomar cerveja
E beber café.
Desconheço a fé,
Mesmo na ressaca.
Rio quando a graça
É de um milagre
De ser eu um padre
Que toma conhaque
Num cálice de vinho
E vive sozinho
Pensando que sonha
Em ser um demônio
Que se sente Deus,
Ser o próprio Deus
Se sentindo humano,
Ser um santo insano
A brincar de ateu.
O pedido II
Se você não percebeu
Quanto a quero para mim,
Imagine ser a lua
Que ilumina meu jardim.
Não suporto sua ausência,
Um minuto mais sequer.
Não me deixe triste assim,
Seja então minha mulher.
Se você disser que sim,
Nós seremos sol e mar,
Onda e areia a se encontrar
Nesse vai-e-vem sem fim.
Elas
Estava eu com minha neta,
A passear.
Numa calçada feita em pedra,
Uma jovem nos apressa
A andar,
E quase que nos atropela.
Tiro a criança do lugar
Em que se encontra,
Ponho em meus braços.
Palavra, sem ter embaraço,
Eu falo para ser ouvida:
- Você tem muito tempo pela frente,
Minha querida
E eu já vivi tempo demais.
Deixemos esta jovem na esperança
De que nunca teve infância
Nem envelhecerá jamais.
A jovem olha descontente
E entre dentes recrimina.
Depois sorri para a menina
E tenta então se desculpar.
Assim, eu vejo em seu olhar,
Alguém que da praia saiu
Em busca de um lugar vazio,
Uma ilha em pleno alto-mar.
Que de onde agora ela está,
À praia já não mais avista.
Até aonde alcança a vista,
Só vê a imensidão do mar.
A sua pressa não é para encontrar a ilha,
É o medo de ser iludida
E ali mesmo afundar.
Como resposta, digo: -Vá.
Mantenha a calma, não há pressa.
Na vida, o que interessa
É simplesmente navegar.
Na certa, não fui entendida.
Porém, ela segue mais passiva.
Talvez esteja arrependida
E agora ande devagar.
Diante do espelho
Através de meus olhos no espelho,
Dentro de mim, eu vejo
Um jovem enfurecido.
Porém, adormecido
No velho que se espelha
Com sua cara feia,
Com o seu peso a mais
E ainda assim em paz
Consigo mesmo.
Guardo em mim, segredos,
Saudade e nostalgia
De um jovem que um dia,
Viu em seus olhos, medo,
Por descobrir-se preso,
Enquanto envelhecia.
Em sua agonia,
Pediu a mim conselhos.
Eu sou seu desespero.
Ele é minha alegria.
O batizado
Que enorme ventania
No dia do batizado.
Alguém havia lembrado,
O que o moleque seria.
Sou poeta hoje em dia.
Sou um louco desvairado.
O mesmo vento apressado,
Agora, traz poesia.
O que ele, então, queria
No dia do batizado?
Somente Deus e o Diabo,
Conhecê-lo poderia.
O que o padre não sabia
É que Deus naquele dia
Fizera as pazes com o Diabo.
Porém, o meu batizado
Fizera-os voltar à briga.
Ato inesperado
O pára-brisa trincado,
Um beija-flor se aproxima
E deixa o local molhado
No toque da sua língua.
A fome focalizou
A forma que a vida ensina.
O que pensou ser uma flor
Era apenas uma trinca.
Eu, sentado no volante,
Pude ver sua vontade.
Mas, durou apenas um instante,
A nossa ansiedade.
O beija-flor bate asas
E voa sem direção.
Eu me despeço de casa
Com pesar no coração.
O que temos em semelhança,
Um objetivo na vida.
Ambos em busca de esperança.
Eu, o amor, ele, a comida.
Lunático
A maior das mentiras,
A que mata
O amor inocente.
A pior das doenças,
A que abala
E nos torna dementes.
Sou inverso
Por ser o contrário.
Eu seria retalho de mim,
Fosse assim,
Em todo, um fanático.
Talvez seja melhor ser lunático,
Jamais crer que no fim
Eu serei condenado
Por um deus venerado
Por mim.
Internacionais
Seriam elas belas
De olhos puxados.
Olhos azuis e pele branca.
Cabelos ondulados.
Negras sensuais
De lábios carnudos.
Seriam elas, frutos
Tropicais.
Seriam elas, damas
Trabalhadoras braçais.
Seriam brasileiras e internacionais.
Seriam elas tudo:
Mãe, mulher e filha.
O eixo central
Que sustenta a família.
Elas têm muito mais
Que um só dia,
Pois são eternizadas
Como Maria.
Enfrentam a discórdia,
A discriminação.
São elas as mais fortes
Em qualquer nação.
Do pólo sul ao norte,
Elas enfrentam a sorte.
Por decisão e garra,
Sem elas, com certeza,
O nosso mundo acaba.
A mulher
Fora arrastada na pré-história
Pelo primata que a desejava.
Eis que agora, ela faz história
E pelo homem é cortejada.
Do fogo ardente de um fogão
À superação de tantas marcas,
Ela é símbolo de emoção,
De dedicação e de muita garra.
É genial em qualquer profissão
E está sempre com a razão,
Quando em conselho nos fala.
Ela é soberba quando em ação.
É do poeta, a inspiração.
É do leitor, a eterna amada.
Desesperança
Quem é essa
Que me tira o sono,
Que arrebata o dono
De uma humilde casa?
Quem é essa
Louca, desvairada,
Que ao seio me prende
Sem saber se sente
A dor que a outro causa?
Lábios que procuram vida
Carne apodrecida
No envelhecimento.
Quem é essa
Que corrói por dentro
Como um veneno
Sem nenhum antídoto?
Eu sou outro,
Sou um homem dito,
Dito morto
Pela agonia.
Quem é essa
Musa e tirania,
Mistura que havia
Desde minha infância?
Quem é essa
Triste companhia?
Talvez seja a morte,
A desesperança.
Cicatrizes
Feri meus lábios
Por morder palavras.
Feri a palma de minha mão
Por aplaudir a violação
De tuas cartas.
Feri com lágrimas
Teus olhos castanhos.
Tornei-me estranho
À comiseração.
Feri teu colo
Ao negar meu filho.
Feri teu riso
Ao não pedir perdão.
Choraste em vão
Ante as cicatrizes.
Fomos infelizes
Em nossa paixão.
Eunuco
Eu nasci
Para ser promíscuo,
Pra viver de risco
E doenças raras.
Eu nasci
Para ser de todas
E de mais ninguém.
Eu nasci
Para muitas bocas,
Para a sua, também.
Eu nasci
Para morrer de dor.
Se sentiam amor,
Eu só desejava.
Eu nasci
Para ser de tudo,
Até mesmo eunuco
Dentro desta casa.
Caravões
Mesmo que os caravões
Extirpem os meus olhos
Tal qual os personagens de Garcia,
Eu poderei não ver a luz do dia,
Mas jamais deixarei de ver tua silhueta
Como a mais bela estatueta grega
Lapidada à mão pelo escultor
Que fica inebriado pela cor
De tua pele completamente negra.
Mesmo que me arranquem a cabeça,
Eu continuarei sentindo o mesmo amor.
Mesmo depois que a razão se for,
Insistirá meu coração, tenho certeza.
E quando enfim, despedaçado,
Em cada parte minha será lembrado
Esse amor que será preservado
Em cada caravão que me estripou.
E quando cada um, dali, se for,
Ainda restará um velho cabisbaixo
Que acabara de pintar um triste quadro
De um homem condenado
Por amor.
Sem pretensões, nem risos
Eu caminhei
Sem pretensões, nem risos,
Sem motivo, sem palavras.
E ainda pouco, caminhava
Sem dar ouvidos
A quem me falava.
Eu continuei,
E fui surpreendido
Ao dar sentido
A essa caminhada.
Eu descobri
Que havia motivo,
Pretensões e risos,
E também palavras.
Eis que agora,
Eu sofro comigo,
Sem pretensões, nem risos
E sem palavras.
Paradeiro II
Entre os ditames
De uma vida ausente,
O paradeiro
De quem se procura.
Eis a loucura
De um paciente
Que não é inteiro.
Seu arcabouço é de um guerreiro,
Seu coração é feito armadura.
A sua mente
É fina e transparente
Ante a espessa lente de sua loucura.
Não há ternura,
Coração valente.
Não há vivente
Que traga brandura
A essa alma dura,
Inconseqüente,
De um ser diferente
Que não tem mais cura.
Ridículo
Eu sei que estou ficando velho,
Um velho esdrúxulo
Por me achar ainda enxuto
E cortejar à jovens belas
Que procuro conquistar
Em tentativas sem sucesso.
Não despertei, que um regresso
Nunca haverá.
Tento encontrar
O coração de um homem sério
Que escolheu o par eterno
Para amar.
Porém, me perco
Entre atrativos que são belos.
O eu promíscuo
Vence o sério.
O que na vida ainda espero?
Senão, a morte me levar.
À juventude, eu respiro.
Velho ridículo,
Tenta a si mesmo,
Enganar.
Poeira
Talvez assim,
A solidão me queira.
De outra maneira,
Não estaria só.
Apenas pó
Na imensidão, poeira.
A vida inteira,
Sendo laço e nó.
A solidão vem até mim, rasteira.
Nesse deserto,
Só poeira em pó.
Eu ando só
Em dunas de areia.
De companheira,
Eu tenho a pior.
A ventania
Forte e ligeira,
Que é passageira
E me causa dó.
Outra vez só,
Deixado na poeira.
Triste maneira
De voltar ao pó.
Cena real
Derramando lágrimas
Ante a cena,
Ninguém percebe seu choro.
Cadeiras enfileiradas.
O beijo na tela
Comoveu a ela
E também um outro.
As luzes são acesas
E o cinema fica vazio.
Suas almas presas
Por um único fio,
O amor.
Ao fitarem-se,
Percebem o horror
Que haviam cometido.
Um coração partido
Que não perdoou.
Um outro, arrependido
Por haver traído
O seu único amor.
O batizado II
Eis que no meu batizado,
Um vento forte soprava,
No açude ele formava
Pequenas ondas alheias
Ao nome então citado.
Eis que no meu batizado,
O vento então serpenteia
Movimentando a areia,
Quase arranca a igreja
Do cenário.
Por acaso,
Não seria o destino
Cometendo o desatino
De prevê que o menino
Não seguiria a fé
Ou quem sabe
Que um dia, poeta,
Não saberia, na certa,
Nem mesmo
Quem ele é?
Acéfalo
Procuro minha cabeça,
Não a encontro.
Onde estão
Meus olhos em pranto?
Minha boca
Em um sorriso?
Onde andam meus ouvidos?
Já não os escuto.
Meus cabelos,
Passo os dedos,
Não os sinto.
Os meus brincos,
Onde estão presos?
Sinto o peito ofegar,
Mas não posso respirar,
Pois não tenho mais nariz.
Como posso ser feliz
Sem o meu cérebro?
Como poderei pensar?
Entre tantos, um acéfalo.
Como alguém pode amar,
Discernir o que é certo,
Se perdeu sua cabeça
Por deixa-la de usar?
Amor de minha vida
Amor de minha vida!
Talvez eu seja um triste cavaleiro
Que trava uma briga
Consigo mesmo
Num duelo de vida ou morte.
Amor de minha vida!
Se eu fosse o mais forte,
E nesse trágico pesadelo
Encontrasse uma saída,
Eu venceria o meu medo
E mudaria minha sorte.
Amor de minha vida!
Se eu transforma-se o pesadelo,
Não perderia o sonho
E nem a chance de vivê-lo.
Na realidade, eu me disporia
Aos momentos de alegria
Nos braços que me dão guarida.
Amor de minha vida!
Em cartas que jamais foram escritas,
Eu poria flores.
Sobre a cama fria,
Eu a veria
Em um dos travesseiros.
Amor de minha vida!
Fui o primeiro
Numa competição que nunca venceria.
Estou em solidão,
Ainda que em sua companhia.
Amor de minha vida!
Procuro achar-me sob seus lençóis,
Aonde apenas um de nós
Conserva a dor da ida.
Meus beijos
Não a deixam arrependida.
Meus erros
Não sufocam sua voz.
Amor de minha vida!
Eu beijo outras bocas que desejo.
Eu fujo do meu próprio erro.
Eu choro
Por vê-la então traída.
Amor de minha vida!
Eu sofro no meu âmago,
Os horrores
De uma essência aflita.
E em meus temores,
Eu peço que haja um anjo ou demônio
Que cuide do amor de minha vida.
Amor de minha vida!
Talvez, eu seja uma boca que grita
Seu nome, apenas numa sílaba
Que antes de pronunciada,
Some.
Pequeno mundo
Eu quero convalescer em dor,
Sentindo você, amor,
Ofegante, nos meus braços.
Tento,
Apesar de meu cansaço,
Repetir os mesmos passos
Demarcados nos lençóis.
Sinto entre nós,
Comprimir-se em silêncio,
Nosso peso.
E entre meus dedos,
Seus cabelos no escuro.
E num sussurro,
Sua voz.
Estamos sós,
Dentro de um pequeno mundo.
Soma e resumo,
Vitima e algoz.
Sou porta-voz
Do momento que vivemos.
Mal percebemos
A neblina e os faróis
Pela janela,
Tal a chama de uma vela,
Apagar-se
Sobre nós.
Alianças
Talvez as mãos,
Através de suas linhas,
Levem às finas
Emoções do coração.
As alianças
Que os prendem pelos dedos,
Pedem respeito.
Que seja mútuo como o amor
Em cada peito.
Único jeito
De eternizar a paixão.
Desabrochada
Entre mãos que são tocadas
Com carinho e com pudor.
Para manter-se o calor,
A chama acesa,
Exige-se uma proeza,
O imprescindível diálogo.
A conversa
É o impulso, a correnteza
Que mantém as mãos coesas
Na impetuosa cachoeira
E no ameno riacho.
Para jamais sucumbir ao fracasso,
O casal guie seus passos
Pela mãe sabedoria.
Única guia
Que supera os percalços
Dessa imprevisível vida.
Anéis dourados
Nosso amor foi retratado
Pelos dois anéis dourados
Flagrados em nossas mãos.
Eu pus no teu, o noivado.
Você, no meu, a paixão.
Nosso amor foi reforçado
Quando os dois anéis dourados
Foram trocados de mão.
Somos agora, casados.
E os dois anéis dourados
Simbolizam a união.
Alianças II
Está em nossas mãos,
Eternizado,
O nosso amor selado
Em alianças.
Serão nossas lembranças
Do passado.
Serão nosso legado
Às crianças.
Noivado
O amor segue seu rumo
E nos torna namorados.
Enquanto gira, o mundo,
Ele nos leva ao noivado.
Agora, requer cuidado,
Pode ser uma paixão.
Porém, pra ser censurado,
É preciso ter provado
Da mais dúbia emoção.
Ao redor do dedo
O amor desperta
No cheiro, no beijo,
E mantém aceso
Cada coração.
Posto em duas mãos
Ao redor do dedo,
Eterno desejo
De uma união.
Pra não ser em vão,
Ame do seu jeito.;
Reacenda o peito
Com toda a paixão.
Em nome do coração
O amor talvez precipite
A decisão da razão.
Mas é o amor quem decide
Em nome do coração.
Há entre o sim e o não,
A indecisão do talvez.
E está em suas mãos,
Esse amor que a vida fez.
Quinta geração
Quem é o pai de João Vítor?
O pai de João Vítor é João.
O pai de João é Francisco.
O de Francisco é João.
O de João é Francisco.
O de Francisco quem é?
Talvez, seja também João
Ou seja talvez, José.
É melhor parar com isso,
Já é a quinta geração.
Onde acaba a maldição
De um tetravô de João Vítor.
O manto
Tenho minha visão
Repleta de enganos.
Os meus desenganos
São apenas aleivosia.
Em minha agonia,
Vem o pranto.
Sobre meus ombros,
O manto
Que a tempos me cobria.
Na frieza sombria,
Mantém-me o manto.
Nas dobras, meus tecidos
A si, cerzia.
Minha visão se abria
Em espanto.
Ao me despir do manto,
Descubro que existia.
A resposta
Caminhei em desalinho
Com minha roupa engomada.
Se caminhava sozinho,
Mais gente me acompanhava.
Fiquei à margem da estrada
Numa espera sem fim,
Enquanto alguém vem a mim
Com uma postura educada.
- Moço, por que a parada?
A resposta que eu dei
Foi um tanto enigmática:
- Paro para ver o que andei.;
Não pelo tanto que falta.
Constrangimento
O meu descontentamento,
Apesar da posição
Que ocupo no momento,
O topo da evolução,
É com esse fingimento
De não ver com a razão.
Acreditar no pretenso
Mito de uma criação
Que põe um mundo imenso
Na palma de uma mão.
E o meu constrangimento,
Justo pela posição
Que ocupo no momento,
O topo da evolução,
É por tamanha invenção,
Aquilo que mais lamento,
Usar a imaginação
Para ocultar julgamento
Em cima dessa versão
Que abusa do bom senso.
Uma salvação como prêmio.
Por castigo, expiação.
Pergunta indevida
No meu intento
De descobrir-me quem sou,
Eu quis supor
Que era quem conhecia.
Triste euforia,
Que lamentável clamor.
Não sou quem sou,
Sou uma pergunta indevida.
Sei que sou vida,
Por respirar, ter calor.
Mas quem eu sou?
Não há resposta precisa.
A tarde fala
A tarde versa
Sobre o sol fugidio.
Meu desafio
É tentar escuta-la.
A tarde fala,
Eu observo em silêncio.
Ela diz: - Tempo,
Levaste o sol, estrela cara.
O vento quente me deixa.
O vento frio me apaga.
Diante de minha queixa,
A noite ingrata me cala.
Lógica II
Seria impossível, sem a lógica,
A cética proposta
Da razão.
Seria impossível ao coração
Seguir a lógica.
Contudo, o sentimento nos sufoca,
Enquanto a lógica
Nos liberta da prisão.
Seria em vão,
Buscarmos prova
Pra essa forma estóica
De visão.
Teologia
No catre,
Com o livro escancarado,
Examino o meu pecado
Sob a ótica do céu.
Qual meu papel
No destino reservado,
Um silêncio recatado,
Um agitado escarcéu?
Na sela fria,
Em minha ortodoxia,
Não encontro compaixão.
Falta razão
Nesse livro que me guia.
A teologia
Só me leva à depressão.
Entre Deus e o Diabo,
Eu me sinto oprimido.
E sobre o livro sagrado,
O meu corpo é encontrado,
Estendido.
Palavra de honra
Perdeu-se como peça do passado.
Não há homem honrado
Sem palavra.
Agora é registrada e carimbada,
Pela lei é tarifada,
Pois tem preço no mercado.
É aceita num recibo assinado,
Quase sempre violado,
Embargada.
A essa caminhada,
O jovem acompanha,
Sem entender
O que é palavra de honra.
Carta de alforria
Ser livre
Não é libertar-se, escrava,
É abolir a escravidão.
A sua carta de alforria
É a consciência que lhe guia,
Que a leva, à melhor direção.
Ser livre
Não é um passe de mágica,
É uma luta desarmada
Contra a própria condição.;
A de ser uma escrava
De uma crença,
De uma farda
Ou de uma opinião.
Ser livre
É ver com a luz da razão,
Que na verdade,
Ser escrava,
Não passa de ilusão.
A lenda
O nascimento, numa noite de estrelas.
Uma centelha
Que da fogueira se esgueira
Em direção ao céu.
Um carrossel no infinito.
Dois lindos lírios,
Favos de mel.
Éramos meninos.
Gêmeos univitelinos.
E brincamos, muitas vezes, na areia.
Onde eu era o escravo soterrado
E o meu irmão o carrasco
Que soprava a tempestade em lua cheia.
Nossos pais eram membros de uma seita
E doavam a colheita
À adorada divindade.
Todavia, um dia,
Foram vítimas da idade
E partiram para outra feita.
Eis que éramos dois jovens destemidos
E seguíamos a mesma divindade.
Ao pecado nós temíamos
Mais que a morte.
Porém, chega nossa sorte.
Sopra um vento frio e forte
Que nos mantêm separados.
E cada um de nós
Atravessou a senda
Em corcovas de camelos
Esgotados.;
Por esse imenso deserto
Que sustenta
Dois beduínos
Que um dia terão venda
Nas areias que falaram, no passado.
Eis que então fui comprado
Por um velho haríolo do deserto.
Meu irmão, para longe foi levado
Por um homem muito perverso.
Deixei-me, assim, guiar pelo cajado.
Enquanto o profeta me previa
De uma tempestade de areia
Que viria
E me traria o irmão que foi levado.
Onde estão sepultados nossos pais,
Algumas noites atrás,
Armei minha tenda.
Que o profeta não se ofenda,
Já não espero mais,
Essa tempestade é lenda.
Eu não acreditei no velho fraco.
No entanto, um dia uma caravana corta
O deserto desolado
Na região montanhosa.
Uma tempestade tenebrosa
Assola homens e cavalos.
Vem em minha direção
Como em passos demarcados,
Um sobrevivente são,
Apenas muito cansado.
Eis minha cópia, meu irmão.
Num abraço nosso vínculo foi selado.
O profeta, num sorriso desbotado,
Iludia-se com a sua tola fé.
O lugar, um oásis avistado.
Meu irmão fora avisado
Pelo velho de cajado
Que estava ali de pé.
Felizes para sempre
Não se zangue, cavalheiro.
Se queria ser o primeiro
A chegar em minha vida,
Tivesse pedido guarida
Há alguns anos atrás.
Não acha que é demais
Guardar-me por tantos anos.
Chorei rios de desenganos,
Quase que não tive paz.
Um dia, veio um rapaz
De muito longe daqui
E com ele fui dormir,
Acreditando, talvez,
Que a frase: Era uma vez,
Fora escrita para mim.
A história chega ao fim,
E o felizes para sempre
Se desfez.
Entre poeta e leitor
Eu não estou lhe vendo.;
Tentar seria em vão.
Assim, vou escrevendo,
Pensando em sua ação.
Não sei sua emoção
E não o compreendo.
Os meus versos vão sendo
A nossa ligação.
Quando eu me perguntar,
Responda a você.
Ninguém vai escutar
E nem jamais saber.
Quem sou de fato eu
Além de um nome definido?
Qual será o motivo
Que me leva a pensar?
Será que há lugar
Em que exista morto-vivo?
Por que tenho que ter
Consciência de que existo?
Alguém pode escolher
Para eu mesmo ter nascido?
Por que nasci marcado pra morrer?
Por que tenho que ver
Meu corpo envelhecido?
Se não tenho respostas
Para tanto indagar,
Por que tenho o poder de questionar?
O enterro
Um dia, eu acordei
Em uma casa estranha,
Na qual era visita e anfitrião.
Queimava tênue chama
Na mão, em uma vela.
Em tinta amarela,
Lia-se o nome João.
Alguém fechou a porta
Que era uma tampa aberta.
Senti-me um prisioneiro
Dentro de uma cela,
Em eterna solidão.
Percebo o movimento
Qual uma caravela.
Depois de algum tempo
É posta, enfim, no chão.
Uma descida estreita,
Enorme escuridão.
Alguém jogava areia
Na telha de madeira.
No absoluto silêncio,
À luz da razão,
Minha alma, enfim, clareia.
A casa estranha e estreita,
Não passava de um caixão.
Mão e caneta
São os meus versos,
Toscos, reprimidos.
Versos não lidos,
Sem compreensão.
Em minha mão,
Pulsam os versos tidos
Como descritos
Por um homem são.
Assim, desliza uma caneta
Em tinta acesa,
Na escuridão.
Pintam meus versos
Em tinta preta,
Mão e caneta,
Que à luz acesa,
Desenham em sombra,
Minha razão.
Caricatura
Talvez, eu seja
Esse desenho mal traçado,
Esse rosto contornado,
Esse esboço de figura.
Caricatura
Que acentua meus defeitos,
Que não mostra o meu peito
Sobre a linha da cintura.;
Só o meu rosto
Em contorno de grafite,
Onde o cômico decide
Revelar o meu caráter.
Caricatura
Que me deixa ver em parte.
De um ângulo, um detalhe,
Minha feiúra.
Agouro
Selem meus excessos
Dentre bocas virtuosas.;
Ouçam meus apelos
Entre lápides e covas.;
Enquanto os meus versos
Declamados pelo agouro
De um louco,
Se desdobram
No soluço dos que choram
Em silêncio.
Sintam o vento
Que à árvore desfolha,
Cobrindo a cova
Onde jaz o pensamento,
Com flores mortas.
Uma mente torta
Que outrora,
Entre paz e fingimento,
Tornou-se estóica.
Maria Rosa
Ela é fútil e inútil.
Só fala em gritos.
Alheia aos filhos.
É indecente em sua risada.
Com seus vestidos
É escandalosa,
É depravada.
Gosta de prosa,
De ser cantada.
Adora uma boca embriagada,
Gritar: - Gostosa!
Seu nome é Rosa,
Maria Rosa,
Sempre ao dispor.
É invejosa.
Odeia flor.
Negra de ancas largas,
É detestada pela família.
Gosta mesmo, de uma cachaça
E uma boa briga.
Seu cabelo é grosso,
E despenteada
Não fica aflita.
É insensível à dor alheia.
Tira a noite inteira
Num sono passivo.
Põe o seu branquelo
Para fora de casa,
Quando este está de folga.
O que a incomoda
É a sua cara
De bunda, amarelo.
Já provou os lábios de sua vizinha
Que estava sozinha,
Trocaram carícias.
E nessas delícias,
Consumiram droga.
É a Maria Rosa,
Ridícula e rancorosa.
Carrega a sua cruz
Que não é milagrosa,
O bêbado Jesus,
O negro que ela gosta.
Silêncio e morte
O meu choro abafado no silêncio,
Um sofrimento
Qual o mais profundo corte.
Talvez, a morte
Não resuma nosso tempo.
Assim, lamento
Em silêncio,
Sua morte.
Não sou tão forte,
Minha dor grita por dentro.
Seria apenas fingimento,
Expor meu corte.
Tento fugir, todo momento.
Não sei o tanto que agüento.;
Nem se a mim, darão suporte,
Esse dueto que ostento,
Silêncio e morte.
Conselho II
Olhe à sua volta,
O que você vê?
Lacuna exposta?
Tente preencher.
Navalha ou corda
Não é solução
E nem overdose
De medicação.
Não importa, agora,
Qual o seu problema.
Amanhã, o agora,
Valerá a pena.
Entre Deus e o Diabo,
Não tente escolher.
Viva a sua vida,
Procure prazer
Na brisa, à tardinha.;
No amanhecer.;
Na lua, sozinha,
Ao escurecer.;
No verde das plantas
E em outras tantas
Maneiras de ver
Esse nosso mundo,
Mágico e profundo,
Que precisa muito
Que exista você.
Dentre as páginas de um livro
Na verdade,
Eu sou a única bandeira
Que provém de um lugar desconhecido.
Sou o exército
Que jamais foi envolvido
Numa guerra.
Sou a terra
Na qual fora erigido,
Um castelo de madeira.
A princesa
Que era escrava de um mendigo.
Sou o mito
De uma assombrosa fera
Que espanta com seu grito.
Dentre as páginas amarelas de um livro
Que eu li na primavera,
Estou perdido.
Meu erro
Quero fugir de meu erro,
Que ironia,
Quero fugir de mim mesmo
Enquanto é dia.
Entre tantos que conheço,
Quem eu seria?
Seria o que não tem zelo
Com aquilo que queria
Ou o que tem tanto apreço
Que nem mesmo percebia
Que cometia um erro,
O mesmo que eu cometia?
Chega enfim, a noite fria.
Então, vem o meu desejo
De repetir o meu erro,
O erro do qual fugia.
Transmutação
Eu gostaria de ser você,
Mulher.;
Enquanto você seria o meu homem.
Carregaria para sempre o sobrenome
Daquele que pouco dar
E muito quer.
Assim, teria sua força de vontade,
Sua coragem
E também sua ilusão
De acreditar num tolo e fraco
Que já não sabe de que lado
Fica o seu próprio coração.
Eu sentiria no meu rosto,
A emoção de quem se cala.;
Enquanto escorre uma lágrima
Em busca de seu coração,
Por entregar-se corpo e alma
A esse louco que lhe fala,
Pedindo calma
E perdão.
Filosofia poética
Entre hábitos,
A vida nos carrega.
Na estética,
As formas ideais.
Os normais,
Entre a moral e a ética.
E dentre essa página aberta,
Filosofia poética
Que nos transcende ao real.;
Uma lâmina fatal
Que perfura nosso cérebro
Através de toscos versos,
Que devassa o universo
A procura de um sinal
Da verdade absoluta,
Uma incógnita que reluta
A uma explicação cabal.
Postal
O que é real
Perante os olhos intuídos.;
A flor, o riso,
Uma forma casual?
Sou imortal
Perante os olhos redimidos,
Ou sou motivo
De um fenômeno temporal?
A pedra, o sal
Seriam sólidos diluídos?
Os meus sentidos,
Divisão de bem e mal?
Talvez, normal
Seja estereótipo fictício.
Feio e bonito,
Os dois lados de um postal.
Um singular presente
As formas
São definições do que se vê.
O que se vê
Não é essência do que existe.
Quem sabe,
Não esteja em seu poder,
Reconhecer
A realidade que persiste?
As horas
São reprises permanentes.
Enquanto o sempre
É o espaço sem o tempo.
Assim, seria o nosso pensamento
Um singular presente.
Sombra perfilada
Existo
Pela extensão de uma idéia.
Numa caverna,
Sou a sombra perfilada.
Minha mente,
Uma chama que se apaga.
No silêncio,
Em meu pensamento
Crio o mundo à minha volta.
Minha história,
Um engano da ciência.
Minha crença,
Uma ilusão de ótica.
Mundo imaginado
Sou condenado
Por viver na inocência.
Peço clemência
A um deus fantasiado.
O meu pecado,
O peso da consciência.
Minha inocência,
A de um mundo imaginado.
Percepção II
Percebo a vida
Através de meus sentidos
E acredito
Na realidade percebida.
Então, imagino
Que é real o meu caminho
E sigo uma idéia
Que me guia.
O pensamento
Que é reflexão no tempo,
É minha única companhia.
Realidade oculta
Sou eu, enfim,
Uma matéria resoluta
Que vive em luta
Com a essência que há em mim.
Talvez, no fim,
Seja realidade oculta,
Sendo matéria que se ajusta
Para esse fim.
Uma idéia solta
Eu era um homem
Que me achava certo.
Com um livro aberto
Falava do fim,
Onde o mundo
Se acabaria.
Porém, não sabia
Que o mundo que havia
Já chegara ao fim.
O mundo era uma idéia solta
De uma mente louca
Que havia em mim.
Pela segunda vez
O meu espírito
É volátil como a vida.
Meu corpo físico
É matéria expressiva,
Decomposta pela terra.;
Sendo eterna
Em constante transformação.
Minha emoção,
Meu confuso pensamento
Esvaindo-se no tempo
Qual minha imaginação.
Os meus sentidos,
De minha boca,
Dos ouvidos,
Dos meus olhos redimidos,
Pelo cheiro,
Pelas mãos,
São passageiros
Como serão os meus versos
Quando houver no universo
Uma nova explosão.
Outrora
Pela janela,
O céu azul em nuvens brancas.
Em minha rede,
Balanço as lembranças
Do passado.
Entre as paredes do meu quarto,
Assim, descanso.
Entre cochilos
Não percebo o avanço
Da escuridão lá fora.
Da mesma forma,
Não percebi a magia
Quando a noite virou dia
E eu me tornei outrora.
Socorro!
Não peço nada mais
Que ajuda
Ante os momentos
Que a fraqueza me condena.
Diante do problema,
De mim, cuide.
Essa atitude
Alivia minha doença.
Não peço que me cure,
Não está em suas mãos.
Só peço que me ajude
Enfrentar um mal que fere o coração.
Comungar
Degusto teu corpo
Em minha boca.
Teu sangue,
Num cálice, eu bebo
E lentamente, tu desces
Às minhas entranhas.
São coisas estranhas,
Que tuas preces
Só me fortalecem.
Sou eu, quem te engana.
Fingimento
Não sou subterfúgio,
Nem glória.;
Minha história
Permanece em silêncio.
Venda que sufoca
Meus olhos
Que ainda choram
Sob o peso de um lenço.
Enquanto penso,
Um sorriso esboço.
Faço o que posso
Pra não ser fingimento.
Somos diversos
Somos esdrúxulos,
Velhos banguelas
Que esqueléticos
Sopramos fétidos
Hálitos de ervas.
Somos favelas,
Bolsões de lixo.
Somos prolixos
De roupas velhas.
Somos bacanas,
Jovens sacanas,
Somos patéticos.
Somos diversos,
Membros carnais.
Jamais eternos,
Somos mortais.
Apenas um sonho
Todas as vezes que sonhamos,
Contornamos a realidade.;
Tornando verdade,
Aquilo que acreditamos.
Somos humanos
Cheios de fatuidade.
Já é um sonho,
Sermos realidade.
Todas as fatalidades,
Como nossos desenganos,
São pesadelos que encontramos
Na realidade
Que talvez seja, apenas um sonho.
Candelabro
Hei de acreditar que não sou louco
Na sobriedade de meus atos.
Porém, sou outro
Na intimidade do que faço.
Hei de superar o meu desgosto
Na felicidade de meus dias.
Serei um outro,
Livre de tristeza e agonia.
Hei de vencer um dia,
Na superação de um insensato.
Serei tão claro
Quanto à luz do candelabro
Que me alumia.
Feição expressiva
Quero notar uma feição expressiva
No teu olha,r
No dia em que te encontrar,
Quando assim, eu gritar
Te amo, te amo, te amo.
Quero te ver adormecer
Com a cabeça em meu ombro,
Enquanto eu for falando
Te amo, te amo, te amo.
Quero entender
Por que jamais consegui te esquecer
E andei ti procurando,
E repeti a mim mesmo, em segredo,
Te amo, te amo, te amo.
Não me importa
Em que lugar eu me encontro,
Infinitas vezes, vou falar:
Te amo, te amo, te amo
Quero te ver acordar,
No teu ouvido irei sussurrar
O quanto ainda te amo.
O outro
Tenho medo de encontrar o outro eu
Que se esconde
Nesse cérebro que é meu.
Sei que ele virá à tona
Ante a fome, ante a sede e a desonra.
Por minha sobrevivência,
O eu de fúria
Desconhece a inocência,
Sua frieza, sua loucura
E sua própria natureza.
Uma besta
Que não espera
Para matar.
Uma fera
Que não sabe
Esperar.
Quem é? Será?
Quem é essa santa
Que como tantas
Não me agüenta
A falta de crença?
Será essa outra
Que nunca consegue
Levar-me à novena?
Quem é essa louca
Que na sua reza
Sempre me condena?
Será uma madrasta,
Um anjo de saia
Com voz feminina?
Talvez, minha sina
Seja o inferno,
Por ódio eterno
Da luz que ilumina.
A sombra II
Sombra que corre
Alarmada,
Sob a casa
Que assombra,
Enquanto a luz a mantinha.
Sombra apagada
E sozinha,
Dentre a escuridão
Se acaba,
Sombra minha.
O relógio à corda
- Que horas?
Eu pergunto com muita insistência.
- Agora,
Minha hora não importa,
Pois já não faz diferença.
O relógio me responde com ofensa.
- Eu prometo dar-lhe corda.
- Passa das três e quarenta.
O relógio não se agüenta
E diz a hora.
Castos
Pela janela um vulto
Demarcado pela lua.;
Em um leito impoluto
Sua forma se insinua.
Ele viera da rua,
Se achegara sorrateiro,
Enfrentara a noite crua
Pelo seu amor primeiro.
Dama casta
Que se ardia em desejo.;
Nua,
Sentia na pele sua,
Um frio que metia medo.
Translato
Quem me dera
Eu pudesse iluminar
Seu caminho para o mar,
Tal qual a lua.
Vê-la nua,
A banhar-se devagar,
Me faria desejar
A pele sua.
Eu seria esse vento
Que tua pele, acaricia.
Mesmo num breve momento,
Lentamente, eu morreria.
Se eu pudesse renascer,
Eu voltaria.
Qual o sol no dia-a-dia,
A cada amanhecer.
Quando viesse anoitecer,
Novamente eu vê-la-ia.
Desta vez, eu choraria
Numa chuva fria
Que caía em você.
Pêndulo
Meu rosto pálido,
Mergulhado em pensamentos,
Enquanto o pêndulo
No silêncio, oscilava.
Seu próprio peso
Demarcava o movimento.;
Assim, lamento,
O meu peso me parava.
Em meio à sala,
Olho em direção ao pêndulo.
Na mão, ostento,
A caneta que grafava.
Meu pensamento,
Tal qual o pêndulo,
Balançava.
Ativismo
Talvez, em tempo ainda hábil,
Eu possa modelar o mundo.
Sei que no fundo,
Todo ativista é volátil.
Talvez, o meu perfil,
Seja aceitável.
Mesmo sendo indomável,
Meu caráter.
Talvez, a minha mão
Entre em ação
E à razão,
Não seja tarde.
Talvez, oposição seja ilusão,
E ilusão seja coragem.
Quem sabe?
Narrador demente
Nos delírios
De um narrador demente
Que ainda sente
O calor de sua história,
Eu repito que sou sobrevivente
De um trágico acidente
Que à minh’alma devora.
Entre cordas
E um esforço permanente.
De um navio
Que afundara sem ter glória.
Dos destroços,
Um barril desponta à frente.
Sua carga,
Um menino que ainda chora.
Foram dias e noites,
Mar afora.
Uma ilha desponta, de repente.
O resgate de um sobrevivente
Que um dia recorda,
Que não passa de um narrador demente
Que imagina da história,
Ser o personagem outrora,
Existente.
Que mundo é esse?
Que mundo é esse
Que se espalha
Entre becos sem saída,
Entre ruas vazias,
Umas vezes, em tumulto,
Outras, em silêncio?
Que mundo é esse
Que tremula em bandeirolas
Esquecidas desde o último
Movimento,
Que pediam mais empenho
Da nação?
Que mundo é esse
Onde as dores são em vão
E o sofrimento
É esquecido pelo tempo,
Como também, a lição?
Que mundo é esse
Onde a fome anda ao redor da abundância
E a esperança
Já não passa de um sorriso
De seu filho,
Uma inocente criança
Que olha ao redor, indeciso,
Sem saber
Que mundo é esse?
Cerco
Se o cerco está fechado,
Busque uma saída
E não me diga
Que tem medo de errar.
Errar é apenas tentativa
De acertar.
A ocasião só está perdida
Se não tentar.
E mesmo se errar,
Tente em seguida.
Sendo pra salvar a vida,
Dê quantas investidas
Precisar.
Morrer tentando escapar,
Não é suicida,
É gritar para si mesmo:
- Nunca desista!
E lutar.
|