Usina de Letras
Usina de Letras
115 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62239 )

Cartas ( 21334)

Contos (13264)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10368)

Erótico (13570)

Frases (50636)

Humor (20031)

Infantil (5436)

Infanto Juvenil (4769)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140810)

Redação (3307)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6194)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Poesias-->Letras, representações estilísticas de idéias toscas ... -- 19/03/2007 - 16:27 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



Exagero. Foi a primeira coisa que eu disse a respeito desse título. Mas pensando melhor, o autor pôs o máximo de letras distribuídas pelo mesmo.

O poeta tenta suplantar seu raciocínio, ampliando em quantidade a miniaturização dos poemas, ou seja, reduz a letras que formarão palavras reunidas em versos que darão os poemas.

Eu me sinto lisonjeada ao ser convidada para prefaciar mais uma obra desse norte-riograndense que escreve pelos cotovelos.

João Felinto Neto se esmigalha em letras e se recompõe em poemas que abstrai nossa imaginação, carregando o leitor por um número infinito de caminhos a cada letra reorganizada e encarregada de dar sentido ao todo.; que em sua solidão seria apenas pseudo idéia de si mesma.

Imagine letras dispersas como folhas pelo chão. A essa visão atribua linhas como galhos que seriam versos e um enorme caule como um poema. Que belíssima árvore esse livro. Sinto–me aprisionada por enormes cipós a essa árvore.

A poesia de João Felinto Neto nos solta.; em liberdade nos agracia com a expressividade do poeta quando ressalta o ritmo de cada letra no conjunto de versos e alude a si como a um maestro.

A fidelidade ao seu modo de manipular as letras e dizer as mesmas coisas poeticamente diferente ou, ao inverso, da mesma maneira de assuntos dispares, faz desse poeta norte-riograndense um ícone em solidão que atravessa páginas barulhentas, em silêncio, e grita de repente, em algum verso de um poema perdido, que quer ser encontrado.

Sinto-me gratificada por interpretar versos tão densos e céticos de um poeta que usa a emoção de forma tão racional que parece frio e seco, porém há um desespero oculto para ser compreendido.



Anita Hélida









Letras, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano



Cada uma em si,

talvez não diga nada.

Ao poeta, cada,

representa uma idéia tosca,

e mesmo estando elas debandadas,

traduzem a fala

de uma poesia louca.

Letras

são representações estilísticas

de minhas idéias,

como folhas secas nas aléias

espalhadas em seu cotidiano.

São versos de um poeta mundano

que de frente ao mundo,

cala.

Letras

são para mim,

a fala,

o canto,

a casa,

a ave,

a asa,

o tudo,

o nada,

deformações de imagens retratadas,

uma musa que usa e abusa

de palavras,

um meio,

um terço,

um fim.

Letras,

talvez seja engano,

são para mim,

enfim,

representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano.



























Prosaica vida



Chovia.

Minha mãe condenava Deus

(Que o diabo o conserve em casa).

Calça as sandálias,

o relâmpago é uma brasa

e o trovão é um adeus.

“Tem piedade de minha alma”,

estava escrito na capa

de um velho livro meu.

Crescia.

A tristeza me abraçava

como a morte se agarra

com alguém que já morreu.

O filho é ou não é meu?

Minha mãe, se escutava,

nunca o respondeu.

O meu pai bebia as mágoas

pela dor que lhe nasceu.

Como seu filho, eu também.

Nosso consolo era a bebida.

E todo o cotidiano

de minha prosaica vida

era um amém.























Atos mágicos



Que magia

assemelha-se ao amor?

A de um guerreiro

que no campo de batalha

entrega as armas,

mesmo sendo vencedor.

A de uma flor

que o seu olor exala,

mesmo arrancada

pela mão do coletor.

A de um vaqueiro

que em nome da boiada,

deixa a rês desgarrada

à mercê do predador.

A de um ator

que em meio às falsas lágrimas,

de verdade derramadas

por fingir que é sua,

a dor.











O enterro de João



A minha mãe

pôs um buquê de rosas.

O meu irmão,

o seu lindo boné.

Veio o meu pai

e pôs um par de botas.

A minha irmã

orou com toda sua fé.

E todos juntos

soterraram com areia.

Depois fincaram

uma cruz feita em madeira,

simbolizando a minha condição.

Naquela noite,

para estar a família inteira,

só faltava o João.

















Luz e sombra



A sombra de meus dedos

sobre a folha de papel,

semelhante a pincel,

gera formas que conheço.

Eu pinto letra a letra

com o bico da caneta.

Às vezes, eu esqueço

que faço um poema.

Imagino uma cena

pintada em um espelho.

Letras, dedos e plurais

num singular quero mais.

Entre vogais, um segredo.

Encontros dissonantes

em meio a consoantes

e verbos casuais.

Em minha solidão,

em meio a escuridão

a sombra se desfaz.











Pingos de letras



Chuva de letras

sobre o barro branco,

papel é barranco

e as gotas, estrelas.

Um poema surge

na tinta escorrida,

letras espremidas

com as pontas dos dedos.

Escorre em palavras,

versos de enxurrada

que bóiam mágoas,

lágrimas e desejos.

Uma ou outra letra

perde-se nas nuvens,

transborda em açudes

de eterna tristeza.

















Pedestal de barro



Revogo silêncio

ante palavra e voz.

Reato os nós

que me prendem ao medo.

Reavivo memórias

em busca de segredos

que já não interessam mais.

Reclamo por paz

em meio a intensa guerra.

Replanto a erva

que não nasce mais.

Relato as dores

de males e fome.

Repito o meu nome,

antes de dormir.

Reato os laços

que me prendem aqui,

ao pedestal de barro.













Um mero leitor



Para não ver a sua imagem

em um espelho quebrado

e em papéis amassados,

tornei-me um mero leitor

de cartas vazias

e escrevo tristes poesias

que falam de amor.

Retiro uma flor no jardim,

que para mim

não tem mais nenhum valor.

Porém, o intenso perfume

acende um lume,

e eu caminho na escuridão

de olhos abertos.;

você tão perto

que o meu desejo é tocá-la.

Com o esforço da mão,

tudo é em vão.

Eu volto a ser um mero leitor

de cartas vazias

e escrever tristes poesias

que falam de amor.





















Talvez amar não seja o bastante



Amor,

semente que o vento carrega,

cai sobre a terra

e não consegue germinar.

Talvez amar não seja o bastante.

Onde o solo é verdejante,

a amizade é o fruto que dá.

Perene e cristalina,

a verdade flui na colina

e amadurece o pomar.

Um pássaro a voar

é a liberdade.

Saudade é um vôo rasante

que consegue segurar

a semente estéril na terra.

Agora um bico a leva

a um distante lugar.

Talvez amar

não seja o bastante,

e o amor tão distante,

já não consegue voltar.













Poema propaganda



Compre um livro!

Não é oito,

nem oitenta.

O poeta

é uma peça

que sempre se movimenta.

Rabisca um monte de versos

num universo de poemas.

O livro enfim publicado,

leva o poeta, coitado,

à venda.

Compre um livro!

Não é oito,

nem oitenta.





















Também sou



O louco

é apenas mal ouvido.

Seu riso,

tenebrosa gargalhada.

Sua fé,

um constante, eu duvido.

Sua mente,

uma porta escancarada.

Seu pedido de ajuda

é um grito.

Seu gemido incontido,

uma dor.

Seu amor,

um abraço emotivo.

Sem motivo,

eis que louco

também sou.















Amor e flor



Por sobre a amurada,

a flor

fazia-se perceber,

enquanto discutíamos no portão.

Eu estendi a mão

e antes mesmo de dizer,

falou meu coração,

que o amor

não passa de uma flor

despetalada.





























Nos versos de um soneto



Quantos poemas falam de amor?

Talvez amor não seja tema,

seja o bico de minha pena

que toca o papel sem pudor.



Talvez seja fruto, ainda flor,

se abrindo ao sol que esquenta,

ou aquela tarde friorenta

que ao mesmo sol, vê se pôr.



Quem sabe um pranto de dor

nos versos deste soneto,

defina o que é o amor?



Ou talvez não tenha jeito

de resumir o amor

nos versos de um soneto.















O último dia



A solidão

é apenas uma parte.

O intenso frio não arde

em minha pele.

O silêncio impele

minha alma

a olhar a praça

pela janela.

Minha sombra,

minha única companhia.

Escuto a enorme euforia

e vejo a lua bela,

e o clarão que alumia

a minha janela.

Com uma chuva de pirotecnia,

termina o último dia.

















Lágrimas e silêncio



Vi lágrimas em um rosto.

Lágrimas e silêncio

são sinal de grande pesar.

Uma alma presa a um corpo

que não podia andar.

Talvez, cansou de orar

pedindo sua liberdade.

Já tinha certa idade

e continuava a doer.

Perguntava por que

não tinha ninguém ao seu lado.

Num leito hospitalar,

seu corpo abandonado.

Em que acreditar,

diante de tanta tristeza?

Só tinha uma única certeza,

que jamais fora feliz.















O pediatra



Eu vejo crianças

pelos corredores.

Ouço os rumores

e suas risadas.

Esboço um sorriso

e subo as escadas.

Continuo apressado.

Meu nome explode

num eco tão alto,

que me incomoda.

Só mais uma porta.;

meu paciente se encontra enfartado.

























Face oculta



O espelho não diz nada,

mas escuta.

Minha imagem, ali, calada,

numa postura

imitativa.

Meu olhar,

a mim,

me fita.

Que maldita,

essa estranha face oculta.

Noto que ela me insulta

com soberba e ironia.

Fecho os olhos.

Dessa forma eu não via

a fria face da loucura.



















O único que sorria



O que faço,

se entre Deus e o diabo

eu não sou promessa?

Nem é essa,

minha alegoria.

Sou apenas um poeta

que no fim do ato,

era o único que sorria.

































O poeta não vive



O poeta não sofre,

não junta no cofre,

suas economias.

O poeta não come,

não dorme,

não sente agonia.

O poeta não teme a morte,

não sofre um corte,

não ri de alegria.

O poeta não tem sorte,

não joga, não corre,

não tem companhia.

O poeta na rua, não cospe.;

em casa, é hospede

sem teogonia.

O poeta

é sua poesia.;

não é coisa alguma,

não vive,

delira.









Tsunami



O noticiário me espanta.

Num instante aponta uma criança:

- Mãe! Olhe a onda.

Uma tradução quase espontânea.

Qual lugar?

Sri Lanka.

Milhares de corpos na lama.

Uma catastrófica desgraça

que atingi a Ásia e a África.

A água do mar arrasa tudo.

Boquiaberto e mudo,

a imagem é minha certeza.

É o ano de 2004.

Vejo a tragédia em um quadro

pintado pela mão da natureza.



















Quem é você ?



Como posso falar

com você que lê essa poesia?

Através da harmonia

com que posso escrever.

Se é manhã,

um bom-dia.

Se é tarde,

Boa-tarde, eu diria.

Se é noite,

boa noite seria.

O que posso dizer?

Meu querido leitor

ou leitora querida.

Você é filho, é pai ou avô?

É avó, mãe ou filha?

Não me diga.

Através da poesia,

eu posso lhe ver.

Você é uma pessoa que crê

que na vida,

a maior alegria

é ler.















Viagem no tempo



Sonho que alguém lê este poema

a mil anos à frente.

3004, mais precisamente.

Espero que esse alguém entenda

que em meus versos eu viajo.

Não o poeta,

pois não há espaço

na incrível nave que é o pensamento.

Vôo através do tempo,

por páginas impressas

e também virtuais.

Despercebidas a quem não interessa,

e acolhidas pelos demais.

Minhas idéias estarão presentes

num mundo que agora desconheço.

A imortalidade é o que escrevo,

embora esteja entre os ausentes.

Não importa quem eu seja,

minha face, minha igreja,

meu tormento e minha alegria.

O que importa no momento,

é meu louco pensamento

traduzido em poesia.













Escotilha



Submerso em devaneios

num mundo de fantasia,

eu mantenho a escotilha

fechada para a realidade.

Onde nadam meus anseios

nesse mar de ilusão?

No profundo coração

e na saudade.

































Cinema



A arte ensina

para que a vida aprenda.

Está em cena,

o valor moral.

O bem e o mal

diante de uma tela

que em si revela,

a vida real.

A vida é bela

não me fez chorar.

Mas me fez notar,

o quanto a vida é bela.

























A seu tempo



Levei muito tempo

para descobrir tão pouco,

que o amor é outro,

um estranho em si mesmo.

Numa fração de segundos,

cronometrei esse tempo

em que o amor é resumo

do que jamais saberemos.

Agora me encontro atraído,

percebo que o amor

não é tempo perdido.

























Contenda



Fui eu que a fiz triste.

As lágrimas em seu rosto

queimam minha alma

pelas tolices que me disse

ao perder a calma.

Juntar pedaços

não resolve a situação.

O que faço agora?

Pois na verdade,

não sou eu que chora,

Mas é minha,

a dor no coração.

























Não teria sentido



Amor,

seu silêncio é um grito abafado.;

um pedido negado.;

uma dor.;

um querer violado.;

um jazigo enfeitado

com flor.

Uma virgem indecente.;

uma reza descrente,

se for,

à distância da fé.

Como posso manter-me de pé?

Se ficar acordado

é sofrer por amor

e sentir-se perdido

sem o brilho na face,

sem cor.

Nunca, arrependido.

Não teria sentido,

não morrer por amor.

















Cheiro de flor



O tanto que te amo

é pouco.

O amor é louco,

não quer saber de mim.

Não respeita meu sono,

pois te vejo, nos sonhos,

no mais belo jardim.

Não me deixa comer,

sem te ver

do outro lado da mesa.

Meu amor, com certeza,

nada sabes de mim.

Quando vejo, enfim,

a mulher de verdade,

uma enorme vontade

toma conta de mim.

De tomar-te em meus braços

e beijar os teus lábios

enquanto dizes sim.

Mas, a realidade

e a triste saudade

são resumo no fim.

Pois não tive coragem

de falar-te de mim,

desse tão grande amor,

e te vejo à distância,

só restando a lembrança

e teu cheiro de flor.















































A dançarina



Ela desliza no salão

qual leve pluma

soprada ao vento

da palma de uma mão.

O seu decote,

como quem foge

na bruma,

causa anseio

ao mais frio coração.

Nos finos lábios,

o vermelho de uma túnica

que um militar

perdeu na última invasão.

Esfrego os olhos

antes que eu mesmo confunda,

se ainda é sonho

ou sua realização.















Gosto do absinto



O que eu sinto,

que me mete tanto medo,

na boca, amarga

qual gosto do absinto.

Amo,

não minto.

E com tamanho desvelo,

guardo em segredo

o nome que me é distinto.

































A gaiola



Há um canário

que canta lá fora.

Ainda agora,

estava aprisionado.

Menino chora,

olhando o estrago.

Cortou o talo

pra fazer gaiola.

Subiu no galho,

quando foi a hora.

Cantou vitória,

alçapão fechado.

























Vergel



Entre flores,

ensaia-se o namoro.

Pouco a pouco,

alianças de noivado.

Uma lua de mel

num céu dourado.

O que é de um,

acaba sendo d’outro.

Muitos frutos

e um trabalho louco.

Uma rotina

de um e d’outro lado.

O pomar,

agora descuidado,

vai morrendo aos poucos.



















Todo amor



Todo amor é uma história

mal contada ou vivida.;

é a mais pura verdade

ou uma grande mentira.;

é um conto de fadas,

uma história engraçada

ou sofrida.;

é partida esperada,

um punhado de nada

e muita lida.;

é a mais doce calma

ou a mais bruta briga.;

é o silêncio noturno,

caminhar no escuro.;

é sorriso, é lágrima.;

é andar pela estrada

sem saber da chegada.;

é a procura incessante.;

é viver cada instante.;

é esperar pela noite,

é temer pelo dia.;

é correr abraçado.;

é olhar para o lado

e ver sua companhia.;

questionar o seu hoje

e lembrar do seu ontem,

fazer planos futuros.;

é andar sobre o muro

arriscando ser vítima.;

é uma roupa estendida,

uma outra passada.;

é comida queimada.;

é a fé recolhida.;

é sinônimo de um

vezes o outro.;

é também desconforto.;

é uma dor esquecida.;

é lembrança de casa,

é tarde demorada.;

é saudade que habita.;

é olhar sobre os ombros,

o abraço mais longo.;

é querer redobrado.;

é menino levado,

um ou outro que grita.;

é a calma de antes.;

é o livro na estante.;

é poltrona na sala

e TV colorida.;

é barriga pra fora.;

é correr contra a hora,

esquecer o bom-dia.;

é um dia, quem sabe.;

é talvez seja tarde.;

é uma bela amizade

ou uma eterna intriga.

Todo amor é, enfim,

uma enorme vontade.;

é começo, é fim,

é uma realidade.





































A graça



Deus me deu o fardo

para eu achar pesado

o termo ser livre.



Deus me deu o espelho

para ver se aceito

esse meu rosto triste.



Deus me deu o segredo

para pensar, eu mesmo,

o que é ser tolice.



Deus me deu a culpa

para eu pedir desculpa

por qualquer deslize.



Deus me deu a dor

para eu sentir pavor

do seu dedo em riste.



Deus não me deu nada,

eu que faço a graça

crendo que ele existe.



Votos



Pode chamar de silêncio,

pelo dia não lembrado.

Porém, verás em mim,

bem dentro,

um parabéns atrasado.

Do eterno namorado,

um feliz aniversário.



























A última carta



Não escrevi coisas amargas

nas minhas cartas.

Nunca pedi o teu regresso.

Pois sempre em minha solidão,

estavas perto,

em letras quase apagadas.

A esperança é um te espero,

em noites que não durmo nada.

Tenho a certeza que te quero,

em mais uma carta rasgada.

Em todas as minhas palavras,

está cravado o meu dilema.

Espero que não te ofenda,

minha escrita embaralhada.

Não haverá mais contumácia.;

descanso agora minha pena.

Por esta ser,

a minha última carta.













Sem diferenças



Imagino a vida

sem risos e lágrimas.

Uma face amarga

de alma vazia.

Eu,

você seria.

Cópias xerocadas.

Ao bem,

não amava.

O mal não havia.

Tristeza e alegria,

só conto-de-fada.

Eu,

você chamava.

Você respondia.



















Artesã



Admiro

a dureza do papel molhado,

reciclado em mobília.

Velhas páginas de jornais rasgados

que ontem mesmo,

eu lia.

Retorcida notícia

que talvez distorcida

nunca foi questionada.

Falam pouco da vida.

De nós dois,

quase nada.

























Tragédia social



Posso habitar a minha casa,

alheia.

Na minha rede feia

de punhos amarrados,

posso acordar calado

como alguém que deita

com chuva no telhado.

Posso não ter lembrado

de servir a ceia.

Enquanto minha avó vagueia,

eu continuo aqui,

deitado.

Molambo e trapo colorido,

as sobras dessa gente alheia

ao que há comigo.

Eu sei que sou herói vencido.

Pois sobrevivo

fora da cadeia.

A fome é dama traiçoeira.

Sinto-me perdido,

um anjo que vive no inferno.

A morte

é um homem de terno

olhando para o próprio umbigo.

Em ambos os lados



As seis da manhã

no mercado,

depois do café

vem a lida.



À noite,

apesar da fadiga,

o amor encrespado.



Não sei se existir

é um fato,

diante da vida.



Um baque diário,

uma porta

em que em ambos os lados,

não vejo saída.















Batina



O seu amor por Deus

me faz dizer adeus

ao amor carnal.

Por que não posso ter

e nem tocar você

sob à luz do castiçal?

Além do bem e o mal,

há um talvez.

Se Deus assim nos fez,

pode nos castigar?

Eu sei o que é amar.

É minha triste sina.

Diante do altar,

tenho que ajoelhar

e só assim tocar

sua batina.

















Versão refratada



Quantas vezes eu tive

que mergulhar no sorriso

para fugir do abismo

que é o existencialismo

de mim mesmo.

Quantos pueris desejos

entre prosaicas conversas.

Quando nada interessa,

meu mundo me dá medo.

Eu sou apenas ensejo

que o acaso consagra.

Uma versão refratada

na ilusão do que vejo.

Quando não me percebo,

é sinal de que eu mesmo

sou a soma do nada.

















Enxaqueca



O que há de errado

com a minha cabeça.

Enxaqueca,

um perfume enjoado.

Pensamento areado,

não me deixa

compreender meu estado.

Uma dor imprecisa.

Compressão persistente.

Uma mistura de morte e de vida,

de fantasma e de gente.

É um vôo rasante

na loucura.;

a enorme espessura

da emoção

traspassada pela fria tortura

da mais bucólica ilusão

que daqui mais um pouco,

vou deixar de ser louco

e voltar à razão.















Suspense e malabarismo



Meus pensamentos, rabisco

em estranhos versos toscos.

Nesse emaranhado todo,

há lampejos de equilíbrio.

Vendo a amplidão do circo,

sou palhaço,

sou o outro.

Numa corda bamba,

o risco.

Eu risco

esses versos como um louco.

No silêncio após o riso,

suspense e malabarismo

de um poeta que enfrenta

uma fera enjaulada.

A veemência das palmas

que estouram os ouvidos,

silencia.

Suspense e malabarismo.

















Maltrapilho



Há de ser somente para mim,

o segredo dessa mãe que chora,

desde outrora,

num pranto sem fim.

Noite sem fim,

até a hora da aurora.

Hei de ser, quem sabe,

maltrapilho

que se deita sob a laje morna.

De um lado,

silencioso trilho

e do outro,

uma velha escora.

Adormeço.

Em meu sono esqueço

que sou eu,

o que foi embora.

Amanheço,

então reconheço

minha mãe, agora.

Eis que sou,

um jovem aborrecido,

que inominado maltrapilho,

acorda.

















Traída



Quantos lábios eu beijei

para lembrar o que deixei

em casa.

Quantas cartas mal escritas.

Quantas noites mal dormidas.

Quantos ais.

Eu a amo até demais.

Por que se sentir traída?

Quanto mais lábios beijei,

tanto mais eu me lembrei,

o que eu perdi na vida.



























Predadores indolentes



A minha mão ousada

busca teu ventre.

A tua boca melada

suga meu sangue quente.

Somos dois predadores

indolentes.

A minha mão erguida

na tua boca some.

Só a mulher engole

enquanto o homem come.

Entre nossas pernas,

membro cansado

repousa em tua mão.

Repouso em teus braços.

Em teus ardentes lábios,

rejuvenesço,

enquanto intumesço,

meu coração.













Campeonato



Não imagino o paradeiro

d’aquele que chegou por último.

Nunca pensei, um só minuto,

que não seria o primeiro.



O que levou o derradeiro,

a conquistar essa vitória,

a por o nome na história

do campeonato brasileiro?



Bola atravessada na garganta.

O gol à torcida encanta,

como também ao artilheiro.



Quem sabe, foi a esperança

e principalmente a perseverança

que o levou a ser primeiro?

















Sobre as ondas da saudade



Tinta

nas bordas do tinteiro,

mela meus dedos

quando escrevo

com a pena do passado.

Um livro inteiro

por mim borrado.

Sentado no parapeito,

menino arteiro,

desocupado.

Tinta,

escorre em lágrimas

do agora,

enquanto vôo na memória

de minha idade,

com a mesma solidão

de uma gaivota,

sobre as ondas

da saudade.



















Vitral



Eu não me cansaria

de ver nascer o sol.

Assim, nascem meus dias,

com chamas de alegria,

da mesma cor que havia

no fogo do paiol.

Eu não me esconderia

embaixo do lençol.

A noite enfim, partia.

A beleza que havia

me fez olhar pro sol.

Seus raios me ensinavam

que tudo valeria.

Meus olhos lacrimejavam.

Nascia mais um dia.

Enfim, eu me sentia

um pouco mais real

por ser parte da vida,

compor em harmonia,

o mais belo vitral.

















Paraplegia



Afugentando pássaros

que bicam no telhado,

os grãos de semente

da árvore em frente

ao velho sobrado,

está o menino levado,

levado pra sempre.

De minha janela,

podia ver ela

olhando pra gente.

Ele descuidado.

Eu um condenado,

um homem descrente.























O carteiro



Recebi notícias

na porta de casa.

Uma certa carta

de alguém que eu não via

há tempos.

Bons ventos o trazem,

amigo carteiro.

Você do correio,

que mantém em dia

a correspondência,

que tem consciência

do constrangimento

de no vencimento

receber a conta.

De mochila pronta,

com blusa amarela,

o fôlego, a pressa

e o suor no rosto,

o carteiro expressa

a fidelidade,

me traz a certeza,

com sua destreza,

que jamais na vida

sentirei saudade.















Pombo-correio



Entre muitas pedaladas

pela rua,

sobre calçadas,

o amarelo se mistura

com as cartas.;

faça sol ou faça chuva.

Peço desculpa

pelo velho cão-de-guarda.

A emoção que traz o vento,

longo tempo,

um antigo par de asas.

Sob os telhados das casas,

as notícias,

as tristezas e delicias

de uma carta.

Não descansa no batente

da igreja,

mesmo que seja,

o destinatário, Deus.

Para todos um adeus

de alguém que lembra,

que a última correspondência

é incumbência

do carteiro.

















Um paradoxo



Cala, meu amor,

na boca, a voz,

quando um de nós

reconhece o próprio erro.

Pois nunca é tarde pra perdoar.

Saber amar

é mais que zelo,

é doação o tempo inteiro,

é ser primeiro e não ganhar.

Sempre tentar,

no amor, é êxito.

É a mais tola sabedoria.

Um paradoxo, o amor seria,

se não soubesse compensar.





















Eu vou ler esse poema



Eu,

que estou lendo estes versos,

não sei ao certo,

pareço o tema.

Já no começo,

gostei do apreço

desse poema.

Como ao espelho,

estou falando

comigo mesmo.

Ou falo só?

Eu não leio uma linha a mais...

























Humanidade



Quem sou,

entre quimeras d’aquela que vive

numa torre enclausurada?

Quem sou,

além de cada grão de pólen

de uma flor despetalada?

Sou marca

na poeira de cada batente

da mais íngreme escada.

Quem sou,

além do dedo que acusa?

Do botão de uma blusa,

o orifício de entrada.

Quem sou,

além da camisa rasgada?

O passo manco, displicente.;

aquela mãe que ainda sente

as dores do parto urgente

que lhe tirou o filho fora.

Quem sou,

se não o claro da aurora?

A mão que alisa os cabelos

de uma criança quando chora.



Quem sou,

além de tristes pesadelos?

Se não o mais bravo guerreiro

que suicida-se com a derrota.

Quem sou,

se não a própria humanidade

que em busca de suas verdades

pergunta-se sempre:

Quem sou?





































Não me acorde agora



Não me deixe acordar agora,

só mais um pouco,

não demora.

Eu sei que já está na hora.

Todavia, todo louco

quer contar pro outro,

o que acaba de sonhar.

A minha vida não é breve.

O meu amor é eternidade.

Não há distância, nem saudade.

A realidade é um sonho

que não tem hora pra acabar.

Não há pedaços,

consertar

é apenas verbo desusado.

Não há futuro, nem passado.

Não há estrago, só fartura.

Não há doença ou aflição,

fome, miséria e extinção.

Não há descida, só altura.

Jamais existiu solidão.

A dor é apenas ficção

e a razão,

uma janela pra acenar

pro mundo que está lá fora.

Não me deixe acordar agora,

só mais um pouco,

não demora.

Eu sei que já está na hora.

Todavia, todo louco

quer contar pro outro,

o que acaba de sonhar.







































Cheiro



O teu perfume

ficou no jardim,

ficou em mim,

nas flores do campo.

Teu cheiro é tanto

que me assombraria.

Meu amor, eu vejo

em minha poesia,

detalhes que um dia

foram só segredos,

atos de desejos,

dúvida e utopia.

























Os mesmos



Todas as vezes

que olho pela janela

e vejo o sol nascer,

aumenta a vontade de viver.

Desde a infância,

amor platônico,

até a juventude interrompida

por SIDA.

Sempre fui irônico

com a vida.

Na promiscuidade, entre braços nus,

fui anjo na cruz.

Sou uma múmia viva.

Sem bandagens,

cadavérico o meu corpo não reage.

Sofro de saudade

e em meio a solidão

lembro-me de todos os amores.

Sonhos que eram flores,

viraram pesadelos.

Como diria o meu coração:

-Seriam os mesmos,

os mesmos,

os mesmos...

Em depressão



O mal que me acomete

não tem cura.

Fiz uma jura

em segredo.

Devido ao preconceito,

me sujeito

à solidão.

A vida é uma ilusão.

Pois quando eu mais preciso,

não tenho amigos.

Amores,

nem pensar.

Em meu jardim sem flores,

o meu maior pesar

é não me acostumar

com esse fim,

e o que dói mais em mim,

é ter que me matar.













No confessionário



Padre,

em que mundo vivo?

Não me fale.

A sua realidade

me perturba.

Não quero ser apenas criatura.

Quero ser de verdade.

Eu sou a vaidade em pessoa.

Prefiro está à toa,

num mundo condenado

do que me sentir salvo

na sua fantasia.

Padre,

prefiro a noite ao dia,

a escuridão ao claro.

O meu pecado

é querer o mundo.

O seu

é condená-lo.











Quatro



Ei!

Ela?

Ei-la,

Leila.



Quatro versos, quatro letras,

quatro sinais de pontuação,

o nome de uma menina

e uma caneta na mão.;

eis uma poesia concreta.





























O príncipe encantado



Quando entendi

que eu seria ele,

o príncipe encantado,

o herói mistificado,

eu

que sempre fui escravo,

escravo do amor,

enchi-me de pavor,

não seria coroado.

Enquanto namorado

era só beijo e flor.

Contudo, depois de casado,

o príncipe que era escravo,

um sapo se tornou.





















O conselho



Filho,

o amor que a gente sente

não é maior que ninguém.

Mas é bem maior

que a gente.

Quando for você, o pai,

saberá em quem dói mais,

uma lição.

Cada conselho que dou

traz de volta seu avô

me chamando à razão.

Minhas lágrimas contidas

são para mantê-lo na vida

com o mínimo de dor.

Filho,

vá, seja onde for,

não esqueça o que eu digo.

Eis um conselho profundo:

Não há, senão, um castigo,

o de aprender com o mundo.



















Uma querela dos diabos.



Acima dos velhos degraus,

no calçadão de uma antiga catedral,

na porta principal,

havia um pedinte em uma cadeira de rodas.

Saiu dali depois de horas,

dirigiu-se para a calçada do Hospital.

Um distinto senhor

saiu de um grande corredor.

Pensando ser um doutor,

o pedinte se empolgou

e uma das mãos estendeu.

- Uma esmola, pelo amor de Deus.

- Você realmente acredita em Deus?

Responde uma voz de tenor.

- Acredito, sim senhor.

- Acha que ele é justo?

O pedinte toma um susto.

- Sim, imensamente justo.

com a humanidade inteira.

- Então por que ele permitiu

que o diabo o pusesse nesta cadeira.

- Acredito que foi por pecado.

O pedinte estava apático.

- Quer maior pecado que o meu,

negar a existência de Deus.

E onde está minha cadeira?

- Talvez o diabo não a tenha dado

para que o senhor tivesse argumento

para negar o Deus onipotente.

- Você é muito inteligente

para ser um simples pedinte.

- E você amigo meu

é muito burro para ser um ateu.

Dito isso, o pedinte

sobe aos céus em forma de anjo.

E no momento seguinte,

o ateu, como o demônio,

desce ao inferno com requinte.

























Lerda



Minha poesia é lerda.

Merda

de poesia lenta.

O poeta cai por terra,

em cada verso que inventa.

Por mais que eu tente, sou pouco.

Se falo muito, sou rouco.

Quem me lê,

é quem agüenta.

Não quero esmola, nem troco,

por cada verso ou poema.

Leva vento, meu desgosto.

Traz de volta minha prenda.

Umas vezes, eu sou oito.

Noutras, sou mais que oitenta.



















Cratera



Eu sou uma pedra

numa terra compacta,

o que restou do magma

de um extinto vulcão.



Você é a fenda

que me abre, me rasga,

é a minha erosão.



Duas mãos

se entrelaçam numa rocha dura,

se separam com os pingos da chuva

que se infiltram no chão.



Somos uma enorme cratera

que abriu-se sob os pés de Eva

e as costelas de Adão.





















Você ainda vive



Eu queria que você voltasse,

mesmo em forma de uma poesia.

A folhagem que o vento bate,

sua mão seria.

E a flor que no jardim se abre

ao raiar do dia,

seria o seu sorriso.

Eu teria que honrar o compromisso

de eternamente cultivá-la.

Pela vala,

a água que escorre,

seria suas lágrimas.

O barulho que faz a foz,

seria sua voz

a chamar o meu nome.

No arbusto, o aconchegante ninho

que ao filhote esconde,

seria um carinho

feito por você

nas horas mais felizes.

Quantas vezes

surpreendo-me a dizer:

-Você ainda vive.



Entre ramos



Nós dois estamos

num caminho sombreado,

e entre ramos

de um carvalho desfolhado,

percebemos que o sol

esconde-se no horizonte.

De repente, a noite cai.

Surge a lua, e nos faz

novamente, entre ramos,

observarmos em silêncio.





























Duo



Roubaste meu coração.

Na solidão de agora,

eu te vislumbro

na pouca luz do quarto.



Disseste: - Parto.

E tuas costas nuas

não me diziam adeus.



Em cada passo teu,

eu me distanciava.

Sabia que te amava.



Tão sorrateira entravas

em minha casa

que eu mal te percebia.



Nenhum dos dois queria.

A luz silenciou,

porque eu via

que tu

ainda eras eu.

















Por ambos os lados



Enquadrados,

o muro e o telhado

da casa ao lado,

pela janela.;

a copa de uma mangueira,

o céu azulado,

a nuvem que passeia

num estranho retrato.

O vento movimenta

o verde intenso.

O sol projeta a sombra

do muro, no extenso

corredor apertado.

Um olhar atento

do lado de fora,

verá que a essa mesma hora

estou enquadrado

pelo lado

de dentro.





















Fonte



Meus soluços convulsivos,

minhas lágrimas incontidas,

nada de volta, traria

meu inesquecível amor.

Foi a mais airosa flor

no jardim de minha vida.

Minha única companhia.

Minha dama sem pudor.

Com seu jeito sedutor,

deu-me mais que alegria.

Trouxe paz e harmonia

e um revigorante calor.

Uma inesgotável fonte.;

onde hoje, mais que ontem,

reconheço seu valor.



















Atonia



Um emaranhado de tristezas,

a teia em que teceram meu destino.

Uma velha terra

sem caminho

para encontrá-la.

Minha mão aberta,

deixa escapar esse momento.

Uma sólida questão de tempo,

minha vala.

Dentre a solidão,

minha voz se cala.

Um imenso vão,

o meu querer.

Teimo em perguntar ao meu viver,

por que tecer

a minha dúbia e triste fala?

Quer me convencer

que a vida é sábia,

que conhece uma forma de entender.

Se a vida soubesse o que fazer,

não me ensinaria a morrer.

















A serpente



O amor

é uma caverna perigosa,

onde o ciúme

é um lume

que me foca.

Então me encandeia

dando uma visão de ótica:

uma serpente que se enrosca

na areia.

Depois do bote,

o seu veneno explode

em minha veia.

Assim deliro

sob o auspício do coração

e o meu único antídoto

é a razão.

















Sem volta



Eu preciso falar

que minhas horas são vazias

quando fico a esperar

com tuas fotografias.

Frias

por serem estáticas,

dramáticas

por não terem vida.

E diante dos meus olhos,

se afogam em lágrimas

que não conseguem te trazer

de volta.

























Disgra



Meu coração está vazio

como uma capa pendurada.

Mas onde anda minha amada

que a pouco era em mim,

um rio

a transbordar seu leito em lágrimas?

Sou eu agora,

um estio

no qual ressecam minhas mágoas.

Uma poeira levantada,

cega meus olhos.

Em desvario,

meu corpo espera uma enxurrada.























Ditame



Não há luta

do bem contra o mal.

Nem o inverso,

um belo passatempo.

Mude

a sua vida real.

Mude

sua medida de tempo.

Não enxergue os erros desse mundo.

Corrija o engano,

que é seu.

Não precisa nem ir muito fundo.;

basta fazer

como eu.





















O criador de Deus



O homem é estúpido.

Por sê-lo,

não o culpo,

não o condeno.

Os mesmos degraus,

eu vou descendo.

De olhos abertos

e não vendo.

De arma na mão,

não se rendendo.



O homem é maluco.

Por sê-lo,

não o culpo,

não o condeno.

Por mais que eu tente,

não o entendo.

Por minhas ações,

o compreendo.

O homem sou eu,

o criador de Deus.



















Carta anônima



Estou com ciúme do mar

por ousar seus pés, tocar.;

dessa lua que teima em banhar

de luz, seu rosto em véu.;

desse estrelado céu

que chama a sua atenção.;

também de uma linda canção

que cita o seu doce nome

e de qualquer outro homem

que se encante com sua imagem.

Quando direi a verdade

sobre todo o meu afeto?

Seu admirador secreto.























O acordo



Hoje, vi um aperto de mão

que ficou

em minhas retinas.

Vi o ódio de uma nação

que a outra extermina.

Uma guerra

que enfim termina,

ou será uma doce ilusão?

Um efeito de televisão,

o acordo que se assina.

Talvez, seja a pacificação,

um engodo de uma mente assassina.

























Paradoxo das horas



Estou só.;

me apavoro.

O tique-taque do relógio,

ignoro,

no entanto, não consigo ignorar que estou só.

Um assovio que vem da rua,

me ignora.

A lua faz sombras lá fora.

Pesadas patas no telhado

que o ventilador ao lado

mal deixa escutar.

Tento sentar,

a muito tempo estou deitado.

Meu coração acelerado.

Falta-me ar.

Pé ante pé,

da sala ao quarto.

Sob o lençol,

todo enrolado,

não tenho para onde fugir.

O dia, enfim,

tem seu começo.

E só assim,

eu adormeço.

Arquivo deletado



Não tenho tempo pra falar de mim.

Talvez meu fim

seja subjetivo.

Sou virtual.

Entre o açúcar e o sal,

sou o sabor ativo.

A minha rede é de conexão.

O meu programa,

interpretativo.

Assim, navego entre o bem e o mal

num site nativo.

Sou uma fórmula

exponencial

na matemática de um mundo vivo,

um erro fatal,

deletado arquivo.

















O amigo



Minha amiga,

a demora

de dizer o que sinto

é a causa que minto

até mesmo agora.

É por você que chora

esse louco varrido,

esse velho amigo

que você consola.

É o que vê na senhora

que é mãe de dois filhos,

a Vênus de Millo

a deusa da glória.























Subversivo!



Foram meus olhos

que choraram poucas lágrimas.;

pois sobre mim,

caíram todos os delitos.

Fui imbuído

de lutar por minha pátria.

A liberdade criou asas

e num vôo sobre as casas,

ouço um grito:

- Subversivo!

A minha sorte foi lançada

sobre as escadas

do cortiço.

Um exilado que se abraça

ao mais grave compromisso.



















Diagnóstico



O poeta sabe, agora,

que seus dias estão contados.

Contudo, não se apavora.

Uma contagem regressiva

que afugenta seu passado

e leva seu futuro,

embora.

O poeta sabe a hora.

Seu destino foi traçado.

Nos seus versos,

um retrato

sem memória.

























L’amour



O amor é o riso,

é o silêncio,

é a madrugada,

é uma língua não falada,

é nada mais

que tudo isso.





































Observando estrelas



Eu me dissipo

na volatilidade das horas,

observando estrelas que agora

são pontos no infinito,

enquanto me extirpo

das entranhas do que sou.

Destarte, eu me extingo ou

aceito que existo.

































Caligrafia



Aos moços de hoje,

eu peço glória.

Aos velhos de agora,

peço perdão.

Fui um jovem, outrora.

Hoje,

um ancião.

Uso um lápis

que risca

minha humilde história,

como um laço

que prende

minha própria mão.

Letras distorcidas.

Lentes de ilusão.



















Espantalho



Entre corvos,

meus olhos são bicados.

Fui por todos, traído.

Minhas roupas

condizem ao meu estado.

Ouço o vento

na plantação de milho.

Com os braços abertos,

eu não salvo.

Porém sei que existo.

Não sou a lenda Cristo.

Sou apenas,

um triste espantalho.























Ralo de ódio



Onde está o orador

que se cala

ante o corpo ferido

pela bala

de seu lindo revólver?



Onde está a juíza

que move,

com seu choro contido,

seu corpo pervertido

pelo ópio?



Onde está

o brilhante cientista

que no meio da pista

é violado?

O seu nome na lista

é o primeiro recado.



Onde está

sua irmã pianista

que perdeu-se no toque de seus dedos [mágicos?

Ela se prostitui e desperdiça

o seu dom

que era nato.



Onde está o futuro?

Ignoro.

Os seus filhos e filhas

que se afogam

nesse ralo de ódio.







































Torre de Babel



O juiz do supremo,

Jeová,

se irrita e sai do sério,

quando seu filho Jesus

vai à noite, ao cemitério.



No boteco do Davi,

onde quem manda

é o Golias,

não há funda,

quem afunda

na cachaça, é o Isaías.



No salão do senhor Sansão,

quem faz o cabelo

é sua mulher Dalila.



As mulheres de Salomão,

o cafetão lá da vila,

choram e sentem solidão

quando estão de barriga.



Lúcifer anda arrasado,

o seu mundo virou trevas,

por ter visto abraçados,

Adão e a senhora Eva.



Noé, o velho barqueiro,

não gosta de animais.

No entanto, adora um peixe-frito

no barzinho lá do cais.



Essa torre de Babel

é o mundo em que vivemos,

onde não há inocência.

Se algum nome ou fato ofender,

é mera coincidência.





























Inalcançável



Eu não sei que dia é hoje.

Não importa.

Quem saberia?

O calendário é a porta

que ao tempo fecharia.

Quem me dera,

se eu soubesse

quando o dia acabaria.

Nem mesmo sei

se começa.

Não há pressa.

Hoje, amanhã,

será ontem.

Ontem,

hoje seria amanhã.

Amanhã

é um dia inalcançável.















Madrugada II



A tua cor

morena,

quase nua.

Madrugada

que abusa

de si mesma.

Eis que o sol

mal a toca

e quase a beija.;

fazendo ciúme

à lua.



























Cantiga de rua



Roda, roda, roda

no clarão da lua.

Roda, roda, roda,

cantiga de rua.

Volto a ser criança

no calor da dança.

Ouço o mesmo trecho

que era o desfecho

d’aquela canção.

Roda, roda, roda

a minha cabeça.

Não deixe que esqueça,

o meu coração,

cantiga de rua.

No clarão da lua,

roda, roda, roda

minha emoção.















Endereço



Quero revê-la agora mesmo.

Saudade é o maior medo de quem ama.

Na solidão, a sua voz me chama.

Meu coração não faz segredo.



Todos os dias, saio cedo.

Um beijo em você, na cama.

O nosso filho me encanta.;

o nosso amor é seu espelho.



Sua imagem me acompanha

e na distância, me aborreço.

Eis a rotina de quem ama.



Assim, jamais eu lhe esqueço.

E volto sempre à mesma cama

por conhecer meu endereço.















Cabo de marfim



No espelho, um reflexo

mal compreendido.

Nos seus olhos abertos,

o inverso de mim.

No universo,

o fim.;

o fim de quem sou.

Em meu álibi,

uma suspeita morta.

Em minha porta,

há uma marca.

E assim,

no jardim,

uma cova,

uma lápide torta,

uma faca

com cabo de marfim.















Maçã podre



Por que me pedem

para cumprir deveres

em meio a seres

que não me compreendem?

Por que me prendem

com pregos

à parede,

exposto à multidão

que nunca esquece?

Por que há sede,

onde a água floresce?

Por que esquecem

os próprios sobrenomes

e nunca o meu nome?

Quiçá,

porque sejam homens,

animais dementes,

sementes

de uma maçã podre.













Entre quatro paredes



O que estou fazendo aqui

entre quatro paredes e um teto?

Sem o céu,

não consigo existir.

Sem a lua,

não tenho mistério.

Eis que páginas

se dobram em mim,

na leitura

de meus próprios versos

em poemas

que não chego ao fim,

não existe regresso.























Amiga



Ela me pede:

-Fale de amor.

Ela,

uma flor

de pétalas amarelas.

Os olhos,

pérolas

de um verde sedutor.

Seja quem for,

não direi nada.

É louca,

engraçada

e cheia de cor.

























Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui