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Poesias-->Páginas de ontem -- 19/03/2007 - 16:36 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



Não são poemas recentes, assim me disse o poeta, é exatamente o que o próprio título afirma. Eram poemas guardados que o poeta resolve publicar.

Lendo-os eu vejo que o poeta já caminhava por essa trilha de versos interpretativos.

O que admiro no poeta norte-riograndense João Felinto Neto é sua maneira de abordar assuntos tão diversos em poemas que resumem verdadeiros discursos e que fica a cargo do leitor sua interpretação.

Páginas de ontem sustenta poemas que não são de hoje, mas são atuais e falam muito mais do que muitas bocas.

Como o poeta mesmo diz, “Sou um poeta de ontem que escreve hoje coisas de amanhã.”

Páginas de ontem talvez nos fale entrelinhas do que está por vir.



Sebastião Arruda















































Dedicatória



Dedicar seu trabalho literário aos pais, aos amigos, aos irmãos, à mulher, aos filhos, a divindades, aos poetas, aos que estão vivos, à memória dos que se foram, aos sensíveis, à humanidade, à vida, a pequenos atos, a grandes feitos, a atitudes, ao acaso, à fatalidade, em resumo a algo, a alguém ou a alguma coisa, com poucas ou muitas palavras, em forma de prosa ou verso, é regra geral, com exceção deste, já que não escrevi nenhuma palavra de consagração.





































Páginas de ontem



O poeta foi embora mais cedo,

talvez por medo ou apenas por pudor,

e sobre a mesa

ele deixou

as páginas de ontem.

O poeta fez segredo,

guardou num cesto,

carregou em suas mãos.

Agora, as luzes no espelho brilham em vão,

mesmo espelhado,

o poeta é solidão.



































Distração poética



A esfera corre pelo papel

permitindo a execução dos versos,

letra por letra.

As idéias são grafadas por minha esferográfica,

tinta azul,

como estrelas azuis

num céu infinitamente branco.

Um alfabeto em desordem

que exprime a ordem nas palavras.

Até a posição dos dedos

(aprendizado de criança).

Através da esfera, minha alma desliza como patinadora

no limitado espaço do papel,

sentindo a frieza do mesmo,

que dá vontade de riscá-lo.

Risco, brinco com isso,

perco-me em meus pensamentos

que vão além de mim,

não consigo decifrá-los,

só risco.











Nós



Procuro descobrir-me em nós,

debaixo de nossos lençóis.

Descubro

que perdi a voz,

e nessa mudez,

a nossa nudez

revela-me a nós,

que quando descoberto,

sou em nós,

mais você que eu.

































Ninguém é alguém



Se é um Zé-ninguém,

é um qualquer.

Se é qualquer um,

é um alguém.

Assim ninguém é sempre alguém.

Alguém que chora,

que comemora,

que se confunde,

que se conforma.

Ninguém de ontem.

Alguém de agora.

Aqui de perto

ou vem de longe,

não importa.

Se é sozinho,

Zé é ninguém.

Unido a outros,

torna-se alguém.

Alguém que é gente,

gente do povo.













Clone



Sou criação do homem pelo próprio homem,

sem a evolução,

sem o fetichismo,

sem teologismo.

Sou indivíduo homólogo.

Mas como indivíduo tenho essência

própria.

Eis o questionamento dessa intrigante

alma:

Sou desvairio de um mundo insano?

A realidade de um sonho natural?

Talvez resultado de uma mente racional,

ou sou humano?

Qual o meu propósito?

Ser um doador nato,

e ainda ser grato ao meu criador?

Também ter um nome,

ou devo simplesmente ser

um clone?















Desgarrado



Aquela chama que se desprende do braseiro,

sinto-me inteiro,

só quando chama.

Como me chamo mesmo?

Para sonhar posso ser livre.

Para viver só se moldado.

Sou como o cavalo que luta contra a brida

por seu caminho não ser o do lombo,

tal qual Zumbi no Quilombo

lutou também.

Não dá no quilo o que me vendem no pesado.

Ser condenado por matar a fome.

Qual seria o nome desse pecado?

Miséria.

























Alheio



O olho não te deixa lúcido,

só permite o limite da mediocridade

da caixa de sonhos.



As mesmas balas,

as mesmas falas,

a mesma falta de sono.



Sem dar opinião,

andar na contra-mão,

ouvir, tua visão não sabe.



Não há lua no céu,

nem luz nesse lugar.;

não há lua-de-mel,

nem filho pra criar.;

só resta a realidade pra chorar.



















Delirando



Infinitos corredores,

curvas de urgência.

Buscava-me na ausência do chão.

Era a vida que me dava às costas.

Perdi-me nas dores do infarto.

Apático fiquei

diante do berço branco do nada de onde vim.

Lutava contra amarras que me atavam

às vozes que chamavam por mim.

Revi todos os meus passos

folheados num álbum de imagens móveis.

Pensava que chegava em casa.

Em coma,

a morte afagava-me os cabelos

e tocava meus lábios.

Havia alguém no meu corpo,

já não era eu.



















Moeda



Não haveria a cara sem a coroa.

Não haveria o riso sem a tristeza.

Não haveria o frio sem o calor.

Não haveria o feio sem a beleza.

Não haveria o ódio sem o amor.

Não haveria a dúvida sem a certeza.

Não haveria o homem de valor,

se não houvesse o outro lado da moeda.





































Seios



Teus seios

chamam minha boca,

como louca,

para sugar-te a alma.

E devorando-os com o olhar de gosto,

num gozo constante,

entrego-me, sem calma,

com medo de alguém estar presente

e os seios latentes

ter que esconder.

Mostra-me,

doce auréola rosada,

que sente minha falta,

que me enche a boca,

que me faz querer-te.

Seios da amada.





















Lembrar é mudar



Os senhores,

as senhoras,

os louvores,

as histórias

contadas de pai pra filho.



Os valores,

as derrotas,

os heróis,

suas vitórias,

orgulho dos que resistem.



Os colares,

os olhares,

belas formas,

belas damas,

heroínas pouco reconhecidas.



Os mentores,

suas vítimas,

os autores,

obras vivas,

por gerações são relidos.







O opressor,

o oprimido,

pela morte,

pelo grito,

liberdade não é mito.















































Ainda



Tão importuno à carne

o teu terrível engano.

Indiscriminado uso do poder.

Mortes coletivas.

"Defendendo a casa",

matando a própria família.

Alguém se senta na praça

numa leitura fingida.

Armas emotivas.

Dias de fuga do Estado de tortura.

A dita,

dura,

ainda dura.



























Aceitação



Ancião que anda no mesmo caminho

que um dia jovem passou.

Ancião que pisa o próprio coração,

descuidado em meio a tantos cuidados.

Tolo por viver tanto,

sábio pelo mesmo tanto que viveu.

Jovem julgado pela própria fé.

Ancião cético ante a salvação.

Antigo indivíduo de um jovem povo,

povo este que novamente se acomodou.

Ancião em anos de subserviência.

Religião versus ciência,

ódio, versos e amor.



























A caça



Como se sente a presa,

ferida,

no alforge

do animal que foge

por estar caçando outro em extinção.

Sem ter consciência do valor

de sua existência

e de ser um dos últimos a voar no céu.

O mais cruel

é que o caçador o sabe.

Tamanha racionalidade

assusta.





























Branco



Em minhas retinas, só há paredes brancas.

Em meus ouvidos, uma criança que chora.

Alguém lamenta.

A descrença aumenta ante a derrota da inocência.

Paredes brancas,

negras lembranças.

Luvas que me isolam do toque humano.

Tanta sujeira no branco da agonia.

Leito branco,

derramando todo o pranto da vida.

Tanta frieza nos jalecos brancos

que dá um branco no coração.

Olhos piedosos,

choro incontido,

gemidos,

dor,

a maioria olha,

quase ninguém sente.

Branco de luto.

Vulto esquecido.

Branco que cega à atitude racional de salvar.









Vozes



São frases soltas

de bocas estranhas.



Senti na pele, fui descriminado.

Acho que tem festa no sábado.

O meu filho tá doente.

O país é dominado.

Está na moda.

Fez a prova?

Quem? Está casado.

Uma moeda. Deus lhe pague.

Só preciso de um tempo.

Tá na memória? Apague.

Meus pêsames. Lamento.



São vozes,

não tão estranhas,

soltas ao vento.

















Sair de casa



De sua parte

pode despedir-se.

Enquanto parte,

eles se consolam.

Falam sorrindo de coisas felizes,

ficam chorando com a sua sorte.

Cada degrau,

um passo de incerteza,

leva seus sonhos pra vida real.



































Meu pai



Simplesmente sombra de teus passos, sou,

em tuas ações,

em tuas lições,

amado senhor.

Não há distância entre um e outro,

em nossos corações.

Sou pelo sangue tua eternidade.

És para mim, primeiro mandamento.

A tua bênção dá liberdade

a minha verdade,

ao meu pensamento.

Imenso orgulho ao chamar-me filho.

Amor eterno ao chamar-te pai.



























Filho



É tanto amor que dói

em mim,

numa saudade incontida.

Em seu mundo constrói

castelos

de pureza e fantasia.

Meu pequenino herói

da luta

pela vinda a nós.



































Fogos



Que sacrifício,

tanta beleza,

tamanho risco.

Não há mais santo que suporte

esse barulho de morte.

Qual artifício

terei que usar

para me livrar

desses malditos fogos

de artifício?

































Irmãos



Águas que foram postas

para lavar os teus pés.



Armas que foram postas

para sujar minhas mãos.



Bocas que se abriram

para teu nome chamar.



Bocas que se fecharam

para meu nome evitar.



Almas que te encomendam

para que possas salvá-las.



Vidas que me encomendam

para que eu possa tirá-las.



Braços que quando o vêem,

abrem-se para te abraçar.



Pernas que quando me vêem,

correm tentando escapar.



Eu sou o único demônio

que tu não pudeste exorcizar.

Tu és o único homem,

o qual jamais pude matar.



Somos unidos no sangue,

a vida nos separou.



Hoje, tu és um padre

e eu, um frio matador.



Flores que foram postas

para enfeitar teu altar.



As mesmas que foram postas

para meu túmulo enfeitar.





























Indígena



Queremos devolver ao corpo selvagem

uma alma "civilizada" como a nossa.

Fingimos não ouvir seus gritos abafados

nessa floresta calçada

e sem encanto.

O que fizeram tanto

para nos merecer?

Talvez seus deuses soubessem responder.

Já é tarde demais,

os catequizamos.

Nação que perdeu a própria identidade.































Inflamável



Chamas,

labaredas de cor ardente.

Nossa culpa

pelo ato inconseqüente.

Céu coberto de fumaça,

ardor no pulmão do planeta.

Mão que mata a própria mata

na omissão da caneta.

Floresta queimada.



































Incautos



Somos crianças perdidas,

brincando de destino,

com um poder absurdo nas mãos.

Que desatino,

não ter noção do perigo.

Correr o risco de no fim da brincadeira

como bonecos humanos acabarmos.

Não poder se limpar,

nem se guardar,

por estar morto.

































Visão



De onde estou,

o que vejo são só cabeças.

Se é gente inteira que entra,

quando senta-se é só cabeça.

Umas de dúvida,

outras certeza.

E não se esqueça,

o que eu vejo de onde estou,

são só cabeças.

O que espanta

é a cabeça que se levanta.

Ao sair,

o que se vê é gente inteira.

Mas continuo, de onde estou,

a ver cabeças.























Arte sacra



Entrei no templo que crêem sagrado.

Mundo selado na impressão da fé.

Sagrados pincéis pelo que retratam.

Sagradas mãos pelo que esculpem.

Sacras formas

de formas humanas.

Divina arte de milênios.

Sagrados esforços

eternizados no tempo por mãos de gênios.



































Dor natural



Ninguém se foi de mim.

Nunca senti o que é perder alguém.

A dor que vai e vem

numa saudade de quem foi.

Porém, um dia

eu sei que a hora irá chegar

e levará a mim

ou a você

de quem eu possa

a custa da dor,

calar-me.































Desafio



Deslumbra aos olhos tanto avanço.

Derramam-se lágrimas de absoluta miséria.

Ao viajar pelo espaço

seu espaço na terra agoniza

com os pulmões vazios de ar.



Há tantos ares

e as aves não podem voar.

De tantos males,

a beleza não pode brotar.

Diante de toda tecnologia, está perdido.

Seu maior desafio

é encontrar-se.



























Desconhecido



Adeus!

Dizia eu a essa gente

que com o olhar descrente

via-me partir,

tão de repente, como chegara ali.



Perguntaram para onde eu iria.

Respondi: - Vou procurar por mim

através do mais triste atalho

nas cartas de um baralho,

num carteado sem fim.



Na masmorra de um antigo castelo,

nos tijolos marcados na parede

pela boca ensangüentada por amor.

Talvez, eu não encontre o que espero.

Mas, espero aliviar a minha dor.



Quem eu sou?

Entre tantos, um mistério.

Não importa em que cálice beberei,

com que porta trancarei o meu pudor,

em que flor o meu néctar beijarei.







Não há como voltar.

Talvez não haja respostas.

Às minhas costas, não poderei mais olhar.

Como calar diante dessas incógnitas:

- Quem eu sou?

- Onde é o meu lugar?













































Engraçado



- Qual a tua graça?

Perguntou sem graça.

A resposta dela seria engraçada

se fosse, sou Graça.



Sem graça,

graças a seus olhos,

olhos de segredo,

enfrentou seus medos,

sorriu.



Na graça da boca

que sentiu o beijo,

cheia de desejo

partiu.



Que graça.

Engraça

se engraçou por outro.

Desgraçado fim.













Despertar



Se por ventura

está perdendo a aventura,

acorde,

não queira mais dormir.

Se ainda resta-lhe uma cultura,

ninguém vai lhe dizer como agir.

Abra

seus olhos de pouco brilho.

Mostre

seu riso de pouca graça.

Sinta

que a venda da injustiça tapa a sua vista,

degrada-lhe a alma.

Reaja,

lutar é preciso.

Sua omissão é se iludir com seu mundo de

alienação.

Doce nação!

Amarga a vida da maioria dos seus.

Quando pisar a ponte

não se desaponte,

para muitos ela é teto

não é só concreto.

Nessa escadaria, muitas vezes, os degraus

são os outros.

Muitas cabeças são degoladas

por lâminas afiadas nas mãos de imbecis.

Não posso lhe mudar.

Porém, tenho o dever de influenciá-la.

Silenciar-me?

Jamais!















































Sem opção



Não é sua a escolha

nas duas formas de aniquilação.

Um cogumelo radioativo,

toda vida será extinta.

Na biológica ou química,

somente a nossa inconseqüente partida.

Teríamos ainda uma chance,

a cura e a imunização,

senão,

o mundo continuaria,

talvez,

bem melhor sem nós.





























Versão



Não há um fim no círculo da vida.

Pois não se sabe o ponto de partida.

Tudo se repete

nessa caminhada.

Só a forma de vermos é modificada.

Não há um mundo novo.

Há uma nova versão do mundo.







































Óbvio



Da vida que tenho,

não tenho o que escrever.

Se nada escrevo da vida que tenho,

é por nada ter.

Parece-lhe óbvio?

Quem disse que o óbvio não é poético?

É difícil ver-se em si próprio,

é mais fácil ver-se nos outros.

Seu defeito, minha qualidade é,

ou seria o inverso,

meu defeito é sua qualidade.

Nessa vida,

somos versos da verdade

no poema do universo.













Chinelos



Chinelos não educam,

mas amaciam as pedras no caminho.

Que caminho seguir,

o que os chinelos indicaram?

Chinelos nos ensinam,

às vezes, atrapalham.

Quase sempre é necessário usá-los.

Não há criança

sem a esperança de um dia calçá-los.

Filhos,

como educá-los?

Usar chinelos ou ficar descalço?













Corrigir



Não será preciso

se preciso for.

Se não for preciso,

preciso será.

Precisa ser preciso

para não ser preciso

precisar.



























O desabafo



Sou parte ativa de um dia de jornada

a céu aberto,

empunhando a minha enxada.

Sinto na pele, o calor que tem a tarde.

Passos pesados pela carga que me cabe.

Falho sistema,

que de novo não tem nada.

Sou um problema para a sua propaganda.

O meu descanso é somente em minha cama,

na compreensão sob os lençóis,

com aquela que me ama.

E quando adormeço em meu travesseiro

é que acordo desse pesadelo.

Mesmo que escura e fria,

a noite é minha melhor companhia.









Separação



Cada individualidade no amor

unifica-se em uma só vida

numa dualidade de corpos.

Separe-os

e verás

não duas vidas separadas,

mas, duas metades de uma vida.

Se uma outra vida houver,

abrirás uma ferida sem cicatrização.



















Salvação



Examinando a cova na qual o enterrei,

lá verão memórias do quanto lutei

para me livrar dessa lavagem cerebral.

Por nosso abandono,

por nossa injusta lei,

por minha consciência de simplesmente ser mortal.

O mundo morre em prantos,

pois o homem o esqueceu

brigando por um canto

ao lado de um deus.

A terra é de todos,

o céu ninguém o tem.

Não passam de tolos

buscando um além

eterno.

Em versos verbalizo

minha ação de fé.

Voar não é preciso,

vou caminhando a pé

para uma vida que é eterna

enquanto vida houver.









Vidente



Seus dedos manipulam os sonhos

nas linhas traçadas em mãos alheias

para desvendar a alma do destino

na palma da mão.

Sua visão sem olhos,

percorre o caminho escuro do futuro,

enquanto a luz do tempo,

amarelada,

ilumina o passado.

Cigana,

se engana

consigo.

















Botas



Pegadas

deixadas no solo do tempo.

As mesmas botas

que pisaram a vida

e de saída

descalçaram a morte.

Enquanto ao norte,

um vento forte as apagaria.

Justificada por seus passos na lua,

mostrando ao mundo

suas solas limpas,

suas mãos sujas de sangue.

Assim, comandam a todos.

A vida segue

sempre obstruída

por botas polidas.













Insensatez



Insensatez pela evolução

de tornar-se um indivíduo

de julgamento indevido

na ausência da razão.;

de entregar-se ao crime.;

por tornar-se rico,

enquanto morre-se de fome.;

por corromper-se

e não se compreender.



Insensatez por não saber amar.;

de tantos sonhos perdidos.;

de vidas tiradas sem sentido.;

por nada lutar.



Insensatez de não saber seu

próprio caminho.;

de encontrar-se sozinho

e querer flutuar no espaço,

explodir em milhões de pedaços

e só assim poder ter

uma melhor visão

do mundo.







Insensatez por perder o bom senso.;

por violar as nossas virtudes´,

se é que as temos

e enterrar o nosso intenso

desejo de salvar a todos

ou a todos matar,

sem para isso tomar

atitudes.



Insensatez pela estupidez de ser

"racional".



































Desistir



Apressei meus passos

no caminho sem volta.

Não havia porta de saída.

Dissimulo o riso,

não sinto revolta.

No instante da corda,

perco-me na agonia do que me sufoca.

Traio-me

no tardio arrependimento.

Desisti de pensar,

desisti de sonhar,

desisti...





























Anônimo



Na timidez de revelar

o que escrevo,

procuro assegurar

no anonimato, e faço segredo.

Talvez por medo de não agradar,

ser criticado e desistir de registrar

os meus momentos poéticos.

Espero, igual ao pintor,

só ser compreendido

postumamente,

para não ser reconhecido

no presente.

Apenas me permito

passar para o papel,

aquilo que acredito.

Porém, para o futuro,

já amadurecido,

espero que me leiam,

resgatem do obscuro

idéias que me espelham.













Ser ou não ser



Fiel,

será possível ser,

Se a natureza

faz crescer

o apetite na tigela?

Sem essa,

ponha água fria na cabeça

e não se esqueça,

seu coração

pertence a elas.

A quem?

A ela.

















Tarde demais



Ao acordar,

um primeiro pensamento.

Durante todo o dia posso ver

um rosto,

um olhar profundo,

um sorriso,

afinal um mundo

que me pertenceu.

Eu não consigo pensar em outra coisa,

sinto muito.

Aumenta ainda mais a saudade

estar à toa.

Não acredito mais em felicidade

e me confundo

com a verdade.

Nessa hora é difícil ser racional.

Acredito que você seja real

numa realidade perdida a muito tempo atrás.

Sei que sofre por demais

quem acha que alguém pode voltar.

Minha cabeça se confunde com o lugar.

Tenho vontade de correr,

a imagem no espelho me impede,

continuo a vê-la, e fere,

tanta tristeza por me ver enlouquecer.

Não estou tão longe.

A angústia passa.

Aumenta o desespero

quando você me abraça

e eu pensando que lhe tenho, é só fumaça

que se dissipa embaixo dos lençóis.

Meu corpo ainda dói.

Minha boca ainda lembra do seu beijo.

Meus olhos, da imagem no espelho

a me olhar.

Escuto sua voz a sussurar

que o meu coração

lembrou-se tarde

de pedir perdão.































Responda



Porque perdemos a voz? Responda-me.

Já sei, não pode falar.

O que não te permite

ou não nos permite?

Que falta nos faz a palavra

ou a falta é de voz?

Que diabo de traça a comeu?

Não basta a resposta,

é preciso certeza do que responder.

Não me surpreende não querer discorrer,

mas me indigna não poder discordar.

O que mais nos atrasa é a falta do que dizer.

Se não vai abrir a boca,

mostre ao menos os dentes,

faça cara de mau.

Não será propriamente uma resposta,

mas ao menos uma reação.

O pior dos males é ser indiferente,

aliás, pior ainda é concordar com tudo isso.

Afinal, estou falando só?

Alguém vai falar?

Se não, calem-se para sempre.









Encontro



Procurava por um amor

e não sabia

que ela me encontraria.

Doce namorada,

pus em suas mãos

minha vida inteira

numa aliança.

Deu-me em recompensa

todo o seu amor

em uma criança.

Trazendo-me a esperança

de viver

pra sempre.



























Esquecimento



Eu não me lembro o que deveria lembrar.

Mas sei que me fizeram esquecer.

Não esqueci o que me fizeram lembrar.

Portanto, escrevo o que devia esquecer.

O que procuro lembrar

é o que devia esquecer.

O que procuro esquecer

é o que devo escrever.

Enquanto escrevo, lembro-me

do que me fizeram esquecer.

Eu escrevi para nunca esquecerem

o que procuro esquecer

e para sempre lembrarem

para nunca mais acontecer.

























Interior



Tiremos as alpercatas e andemos descalços

por esse país de lugares esquecidos.

Olhemos nos olhos que não vêem o tempo passar.

Ouçamos as vozes de queixas ao destino.

Visitemos salas de terra batida,

seremos bem recebidos e em nossa saída,

um pesar disfarçado, mas, expressivo no olhar.

A poeira cobrirá os automóveis.

Eles imóveis

em suas janelas e portas.

Gente que suporta

bem mais que nós, o dia-a-dia.

Não um estresse urbano

causado pelo valor mundano

das coisas e das pessoas.

Somos o que há por fora

(uma capa ilusória de escolhas).

Sorte nossa, o interior ter consistência

e apesar de seus problemas

seguirem a inocência do viver.

Não precisam de um porquê para tudo

e a sua existência

é a simples condição de ser.















Todos



Sonhar com coisas que o dinheiro compra

é pompa.

O verdadeiro sonho

não se compra.

A liberdade de um povo

é um velho sonho

que é sempre renovado

e que o dito dinheiro

e a maldita ganância

o impede de se tornar realidade

pra ser apenas esperança.

Sonhar com a modernidade

é vaidade,

enquanto há criança que não come.

Sonhar em ter reconhecido o nome

é esquecer dos outros,

pois a sociedade

define-se como todos.

















Origem



Por onde começar

o infinito mundo sem conceito?

O que a todos devo por direito demonstrar?

Se nas mãos de quem escreve

a certeza é apenas a esperança de estar-se certo.

Pois a verdade absoluta é relativamente falsa.

Dependerá da consciência que a concebe

e da visão que a percebe.

Se nada sei,

deixe-me ao menos explicar.

Se não me calo,

talvez seja pela esperança de ser escutado.

Se nada falo,

é pura forma de me revelar.

O que antecede um ser

se não a sua própria criação,

um criador à sua forma,

única conhecida.















Flor



Exóticas pétalas de cores

num ramalhete de amores,

malícia masculina.



Enquanto é trevo é sorte

e até disfarça a morte,

depende da sina.



No ambiente, belo ornamento,

ainda serve de alimento,

medida feminina.



Essência em forma de perfume.

Buquê de noiva um costume,

sonho de menina.



De pólen passa a mel,

nos campos como um véu,

abre-se ainda.



Em muitas mãos é lucro.

Num outro estágio é fruto,

existência finda.















Idade



Que infelicidade,

a idade

com o passar do tempo

só nos leva à morte.

Que sorte,

ainda resta vida.

Cada aniversário,

um passo pra cova.

Todo calendário

agoura o ser

desde o nascer

até se perder

no envelhecer,

na hora maldita.

Morte,

que sorte,

não morri ainda.



















Ideais



Se é preciso se doar

a tanto luxo,

recuso-me,

desculpo-me por perder.

Se nada é constante,

nesse instante,

indelicado sou.

Talvez por não querer

ter tanto

ou não ter porquê.

Por qual motivo

não me dá razão?

Sabe muito bem

que a própria mão

tem o direito de escrever

o que se passa na cabeça

de quem lhe ordena

e coordena os movimentos,

transformando-os em idéias

tão concretas

que se tornam

ideais.















Canto de sereia



Como um canto de sereia

de belíssima harmonia,

letra correta, verdadeira poesia

e melodia

que eterniza nossa alma.

Por onde anda

a sereia encantada

nas profundezas desse mar de ignorância?

Letra incorreta com falta de concordância

e melodia

que nos faz perder a calma.

Só na lembrança,

o teu canto nos enleva

na emoção que tua voz nos faz sentir

e na saudade, o nosso coração desperta

pra realidade,

não há nada mais pra ouvir.



















Crime



A mão na luva nada exprime.

A decisão está tomada.

A faca agora observada.

A voz no ouvido não reprime.



Um passo dado que alerta.

Um só murmúrio incomoda.

Um movimento acomoda.

Um golpe intenso que desperta.



Uma vontade tão ardente.

Uma vitória amaldiçoada.

Uma visão mal assombrada.

Uma razão inconsciente.



Um corpo inerte ainda quente.

Um cheiro doce que aflora.

Um coração que se deflora.

Um turbilhão em sua mente.



A intensa dor que continua.

A imensa perda em sua alma.

A mesma voz que lhe acalma.

A mesma busca pela rua.

















Paciente



Chega de falar de calma

se não há mais alma pra se converter.

Extravase a dor na palma,

ajude essa massa a querer viver.

Veja um palmo à sua frente,

não se alimente sem oferecer.

Já que o santo está ausente,

corra contra o tempo pra poder vencer.

Mas o sangue como é quente,

esse povo um dia vai saber morrer.

Use a força que te arma,

basta empunhá-la, é o seu saber.

Não desista e não se abata,

use a palavra, que irás vencer.

Nunca aceite usar a farda,

jamais se anule pra sobreviver.

Se alguém teu corpo marca,

regerá pra sempre todo seu querer.

Cada voz que não se cala,

formará um só refrão.

Não há nada que se faça,

não há arma que combata

o poder da união.

















Amar



Quer saber se ama? Reflita consigo.

Não consegue ver nada em seu caminho.

Sem ela ao teu lado acha-se perdido.

Mesmo acompanhado sente-se sozinho.



Quer gritar a todos o seu sentimento.

Escuta no vento ela te chamar.

Sua boca diz como em um lamento

o nome d aquela que te faz sonhar.



E deseja tê-la sempre em seus braços.

Lembra-se que a vida não nos dá certeza.

Num dia unidos, em outro separados.

Vive a alegria antes da tristeza.



Sabe que na vida teve a sua chance

e que num instante poderá mudar.

Na mão do ciúme, todo o romance,

como de costume, tende a se acabar.



Ouve o coração acima de todos.

Todo amor é surdo ante a razão.

Tolo de emoção é visto por outros.

Sentimento louco, alegre prisão.



Não há liberdade, doce sofrimento,

e sem fingimento finda a invasão.

Diante da fuga aumenta o tormento,

eterno momento de condenação.



Peito sufocado por tamanho aperto.

Já não tem bom senso pra poder julgar.

De mente confusa e coração aberto,

reconhece agora o poder de amar.

























Reconciliação



Deixa-me falar de forma que possa me ouvir.

Deixa-me ajudar na busca do seu coração.

Deixa-me sentir as lágrimas que você chorou.

Quero mergulhar na fonte de tanta paixão.

Quero seguir pela trilha que você deixou.

Quero caminhar com calma pra não te ferir.

Quero repousar na tenda da sua emoção.

Deixa-me guiar você de volta para mim.

Deixa-me rebuscar lembranças que ainda há em

[nós.

Deixa-me matar a saudade de você em mim.

Deixa-me dizer adeus a essa tristeza.

Quero ter certeza que tudo mudou.

Quero ter você por toda minha vida.

Quero te chamar pra sempre de meu amor.

Deixa-me querer-lhe.





















Da tempestade à calmaria



Como um barco de encontro às águas,

nos unimos.

O movimento que o barco faz

a navegar.

Os teus cabelos são como velas soltas

ao vento

que me levam sem rumo certo

a algum lugar.

Assim as ondas vão aumentando

nosso balanço,

o barco lento também começa

a se apressar,

e nessa pressa teu corpo explode

em movimentos,

é a tempestade que envolve o barco

em alto mar.

Esse momento que pouco dura

é tão intenso

que fica imenso,

torna-se eterno esse lugar.

A calmaria retorna ao mar.

O barco agora flutua

tranqüilo por sobre as águas.

Assim, meu corpo repousa

em suas águas,

numa imensa paz.



























Deserção da vida



Enquanto eu guerreava,

já não mais pensava.

Meu punho cerrava,

já não escrevia.

Já não mais chorava,

o rosto queimava a lágrima que

escorria.

Vinham-me saudades

da felicidade que senti um dia.

Já não lamentava

tudo que sonhava possuir na vida.

Já não mais cantava,

somente emitia gritos de agonia.

Pra onde eu olhava,

nada enxergava

além de corpos sem vida.

Não me segurava

e me descansava

nos braços de alguém que morria.

Já não se sabia

qual era a razão da guerra que havia.

Já não refletia,

nem compreendia o que acontecia.

Nada mais restava,

por mais que lutasse, morto me sentia.

Deitado na lama, não me conformava,

pois eu me tornara o que repelia.

Apavorava-me quando encontrava

o que escondia.

Sem identidade,

perdi a idade e envelhecia.

Perdi-me do mundo,

o rumo da vida eu não mais seguia.

E no desespero

veio a liberdade trajada na morte.

A dor que senti,

nada me restava,

como não chorava,

o que fiz?

Sorri.





























Distúrbio



Vejo

além desse mundo

limitado,

torno-me fecundo,

quanto mais profundo

mergulho

nesse mar de sangue

e lágrimas

que nunca foram

derramadas.

Perdi um lado

da vida.

Achei um outro

no mundo.

























Desilusão



Quando olhava a estrada,

da qual vi parti você,

não sabia em que pensava,

mas tinha certeza,

não queria mais sofrer.

Estacionou

nesse momento,

não mais voltou

a ver a vida

como ela realmente é.

Quando se banhou

no rio da calma

dessa solidão,

aprendeu que o medo

não é um segredo,

é só a razão

a defendê-la

do perigo de partir.

Enquanto houver

palavras,

mesmo que tão duras,

não tão duradouras,

na mesa em que se ganha

se gastará fortuna

pela vida

à toa.

Como ecoa

a voz da ingratidão.

Não traz mais um recado,

mesmo dormindo ao lado.

Não dá vazão

à toda essa angústia.

Tamanha disciplina

nada ensina,

só acaba a emoção.

E entrega-se

com toda força

e frieza

à mais louca tristeza,

decepciona-se,

não mais se suporta,

fecha a sua porta

para a vida

e escondida,

morre.



















Culpada



Batida.

Carro que sangra

na estrada desenfreada.

Partida

de quem se ama.

Inconseqüência do que se mata.

Ferida,

marca a lembrança.

Dor incontida, nunca se sara.

Perdida,

não mais se acha

uma só culpa para a desgraça.

Culpada,

nação de farça.

Pista assassina, ninguém escapa.























Cochilo



Mergulhar

sua cabeça no rio.

Desafio,

deixar o vento secá-la.

Enquanto o tempo,

ali sereno,

quase não se passa.

Deitar

à sombra de uma árvore.

Seus olhos a cochilar

escutando o canto da ave

e o barulho da água.

A correnteza

dir-lhe-á com certeza,

pra esquecer

o murmúrio do mundo.





















Crise existencial



Paro, medito.

Em que presente estou? Existo?

Penso com isso,

como diz o filósofo, explico.

Corro meu risco,

questiono a criação, maldigo.

Calo, reflito,

discuto essa questão, insisto.

Tento, persisto,

faço as mesmas perguntas, repito.

Fico, arrisco

diante das respostas, exito.

Fujo, não ligo,

insisto na razão, duvido.

Leio, reviso.

Não há como explicar. Desisto.

Vivo, preciso.

Não posso desistir. Acredito?

















Metáforas



Bordaste meu nome

nos lençóis freáticos

do seu coração.

Voaste no céu da minha boca

e já quase louca

viu milhões de estrelas.

Enfrentaste a fúria

do meu pé de vento,

sentindo no peito

uma rajada de lamentos.

Iluminaste

o buraco negro

da imaginação.

E assim, como no mar

a onda vem e vai,

eu levo o meu amor,

você me traz a paz.



















Mãe



A pálida coragem do nascer

traz o transparecer de tua alma

Iluminada.



À vida que depende de teu ser,

entrega-se com prazer,

determinada.



Com aquele que conquista teu querer,

sempre vai se sentir

acompanhada.



À família que em tudo quer te ver,

oferta teu viver,

apaixonada.



A casa que tanto exige o que fazer,

tenta sempre manter

organizada.



A todos que te acham merecer,

a vida a se doar,

eternizada.















Lenda



E assim, o mundo

é um velho arco

com a linha do tempo distendida.

A vida,

uma flecha envenenada

com o veneno da idade,

arremessada,

impulsionada pela mão do acaso

com direção inesperada,

com obstáculos no caminho.

Há sempre um alvo atingido.

Somos alvos da flecha da vida

lançada do arco do mundo

pela mão do acaso.











Alternativo



Águas rasas, as verdades,

transparentes se revelam.



Águas fundas, as mentiras,

profundamente perdidas,

ocultadas em mistérios.



Rasas, doces e correntes,

sossego fluido crescente,

se afagam.



Fundas, frias e paradas,

traiçoeiras se afogam,

em solução aparente

se consolam.



Vidas que flutuam em águas

rasas e/ou fundas

na busca a uma terra firme.















Arriscar-se



Fumar a paz,

ainda é proibido.

Falar demais,

corre-se risco.

Se a mordaça da hipocrisia

faz calar

a voz da suposta

verdade,

na dúvida,

é melhor que a imposta

mentira

disfarçada de inocente

bondade.













Acho



Acho que o sim

é sim,

outras vezes,

não.

Como não?



Acho que o não

é não,

outras vezes,

sim.

Como assim?



Indagação...



























Aparição



O chão que piso, seus pés não tocava.

Em meus ouvidos, uma voz do além.

Além de mim, não havia ninguém.

Naquela noite, a solidão reinava.

Eu desconheço maior sofrimento.

Sobrou lamento em minha assombração,

faltou ação em meu assombramento.



Encorajado pelo próprio medo,

lancei os olhos ao velho portão.

Corri dali como se fosse o vento,

pisando em túmulos que havia no chão.

Num cemitério não piso tão cedo.

Sobrou ação em meu assombramento,

faltou lamento em minha assombração.









Anjo



Todas as noites toco em meu anjo

que dorme cedinho.

Anjo sem asas

que voa em meus sonhos

dentro de casa.

Tão dependente dos meus passos,

fortalecido em meus abraços.

Um dia meu anjo terá asas

e voará pelo mundo em busca de si mesmo.

Anjo desmistificado.

Meu anjo.

Anjo filial.













De um outro ângulo



Inteligência infinita,

escondida

no recôndito cerebral.

Revérbero oculto

pelo vulto

de um distúrbio neural

que vê a vida

pela fresta

de uma janela quebrada

e com a chuva de estímulos

não vê mais nada,

e fecha os olhos

diante do que é normal

que para o mundo

é um defeito letal.









Ato



Hálito de chão molhado,

cálido suor,

um corpo cinturado,

uma dor

sem dó,

um ato imoral,

uma mão

em vão

supõe deter

o escrúpulo virginal.



















Paternal



Tal qual aperto de mão

que sela uma amizade

é o abraço apertado

na despedida

para o escuro mundo do chão.

Enquanto há vida,

o sonho é realidade.

Na esperança,

o fim é triste passagem,

necessidade,

sonhar com essa ilusão.

Talvez, esteja

eternamente perdido,

isso é o que eu digo,

não sei se tenho razão.

Por essa grande amizade,

selada pelo abraço

tal qual aperto de mão,

sempre estarei ao seu lado,

perdido ou desencontrado,

acreditando ou não.











Paz



Com a mão exposta em forma de ave,

imaginou a paz adormecida,

notificada aos seus familiares.

Noticiaram a guerra deflagrada.

Exércitos de famintos,

sem cobertores,

cobertos por besouros de ferro.

Melancólica música

ouvida em sobressalto durante toda a noite.

Saltando sobre suas cabeças,

simultaneamente,

vida e morte.

Abrem-se os braços

na escuridão em busca de um abraço de paz.

Corpo entendido,

extensão da vida em morte,

expõe o lado triste do mais fraco,

expõe o olhar distante do mais forte.

















Vampiros



Negra forma.

Vôo noturno.

Hematófago ser.

Presa morta.

Impressionante vulto

chega ao entardecer.

Asa aberta.

Fecha a porta.

Um sonar a defender.

Um suspiro.

Um vampiro

que te faz adormecer.

Morte lenta.

Movimenta

sua boca com prazer,

suga a alma

eternizando-a.



Num vôo noturno,

dois morcegos

cegos

para morder.















Vingança



Lutar

contra o fantasma

do perdão

é perda de tempo,

é guerra perdida,

é vazio não preenchido.

Do doce esperado

da vingança,

só nos resta um travo

na boca do rancor.

Afundamos sem valor

num poço de tristeza.

Não há justiça,

só há frieza,

indumentaria

de um vingador.





















Insolação



As rachaduras do solo,

sem querer,

me revelam figuras imprecisas.;

levanto os olhos,

não são miragens,

são imagens distorcidas.



A água mina

enchendo a tina de sonhos

que transborda até a realidade

em forma de suor

na aspereza da pele seca.



A estrela solar

parece-me tão perto,

iluminando o meu deserto,

escurecendo a minha vista.



O chão quente

me enraíza a si como corrente.

Fico passivo na ventania de areia,

olhos vazios de alma,

insofrível dor que acalma,

vida em resignação.















Ouvido



Falou baixo.

Na escuta.

Um discurso bem formado.

Mais alto,

um grito,

um monólogo proferido.

Falou certo,

consigo,

demagógico ouvido.

Por quem ouve,

verdade.

Para quem fala,

faz sentido.



























Aprendizado



Sou cidadão,

não leio,

não vejo o que dizem.

Sou andarilho aleijado em uma pista.

Orador sem ter língua para falar.

Sou tela em branco

sem artista para pintar.

Sou carregado à toa pelos fatos

como canoa sem remo.

Sou sonhador que não sonha acordado

e acordado não sabe pensar.

Preciso ver o que dizem

para optar

sim ou não.

Preciso ler entre linhas

para ter a minha

consciência de cidadão.

















Ano novo



Eu quero desejar a todos,

o que todos

desejam para si.

Eu quero repetir

de novo,

o que de novo

estar por vir.

Um novo ano

que um dia, velho

vai partir.

Ao que se passa,

um novo dia

vem a seguir.













Conhecer-se



Não olhes para dentro de si mesmo,

não profundamente,

pois o que irás descobrir,

o deixara em eterna tristeza.

Veja a beleza

de tua externa paisagem,

tua imagem,

nunca o interior da caverna,

onde não há claridade,

só trevas.

Na verdade,

lá não existe alma,

existe uma vaga

a ser preenchida.











Cappa



Nefasta cabeça,

na qual supõe

que põe

um quepe

que lhe tira a culpa.

De réu

passa a ser vítima.

Na sombra

de um sombreiro,

descansa a vista.

Já houve um tempo

que de chapéu,

se matava.

Com uma estrela no peito,

se safava impune.

Hoje, é costume

com uma cartola,

se corromper.















Milagre



Velas e juras,

males sem cura,

vozes que dizem amém.

Nota aguda

na aguda dor

de alguém.

Agonizando em ternura,

aliviado em loucura,

acreditando-se

bem.



















Depressão



Só um abraço lhe foi pouco?

Venha de novo,

é apenas um abraço.

Essa frieza de louco, não exite,

não sou outro,

somente estou mais distante.

Se em meu olhar insondável

não me encontro,

paciência,

volto num instante qualquer.

Só não consigo ser permanente,

quem sabe ausente sou.

Essa sensibilidade à flor da pele,

afunda-me

em tamanha calma,

resigna-me em alma

a fechar-se em mim.



















Um verso



Em um portal

sem porta

o que importa

é a passagem.



Em um espelho

sem reflexo

não há complexo

sem sua imagem.



Um verso

sem sentido

de aspecto indefinido

é poética miragem.



"Bati com o rosto

nas mãos,

faltou coragem".

















Parabéns



Boca que sopra idade

ao apagar a chama simbólica.

Sorrisos e palmas,

vaidade,

vozes num coral.



Olhos que brilham.

Estrelas cadentes.

Presentes.

Dia especial.



Estar bem

para mim.

Parabéns a você.













Sonoridade



Dedilhando versos

em cordas distendidas,

violão sem vida,

acordes dispersos

no ar.

Na impressão dos nervos,

na precisão dos dedos

saem verbos em forma de música.

Ao tocar,

as mãos tocam a canção

que nos toca

com a sonora melodia poética.















Enchente



Os seus pés submersos

num tapete de água.

Sua vida em casa,

invadida.

Sua terra,

da noite para o dia,

de tão seca

passou a encharcada.

Foi um dia, pedida com afinco.

Hoje, olha para o céu

e pede calma.

Suas coisas estão sendo levadas.

Não entende a causa

dos extremos.

Na inocência da fé,

chora por dentro,

mas por fora,

cada lágrima de tristeza

só aumenta o poder

da correnteza

que arrasa de vez

com sua vida.

















Armas



Soluçou a arma

que perdeu a calma,

disparou lamento,

silenciou a vida.

Barulho de ato impensado.

Quem armou o dedo

também acusou.

Pensa ser estilo,

foi um belo tiro,

para a liberdade,

um trágico fim.

Achou ter poder,

tentou socorrer

a si.

Armas são pra nos ferir.



















Pele de cordeiro



Patas na lama

e na mesa.

Sangue nas mãos

e nas veias.

Uma brisa

entre os botões.

Nos salões,

à noite,

uma contra-dança.

Nos porões,

há dor

sem mais esperança.

Por sua fé infinita

soa sua voz

e ele grita:

- Sou a coroação.





















Fila



Uma fila

que seguíamos uns aos outros,

passo a passo

no cansaço da espera.

Embora no espaço

da vida

fôssemos contrários,

na fila,

sempre nos seguíamos

em busca do mesmo fim.

Bom pra você,

ruim para mim.













Febre



Inconstante sensação,

frio em minhas carnes.

Não queria

ser oposição ao natural.

Quentes tardes,

noites frias.

Escoava-me pelo suor

no movimento da temperatura.

Uma loucura sem fim,

uma longa espera por mim.

Agasalhos,

pele nua,

dura forma de conhecer

extremos.



















Flagrante



Expus-me à vista,

enquanto o olho

ficou exposto ao colírio

para limpar a marca

do distúrbio.

Vermelho clandestino,

sonho lírico.

Na fumaça, oculto,

o absurdo

do que é dito

desatino.































Excluído



Fugir da seca onde há tanta fome.

Morrer de sede no meio da água.

Não saber falar nem o próprio nome.

Ficar calado onde há tanta mágoa.

Morrer de fome onde há tanta terra.

Baixar a cabeça onde há tanto mando.

Ser tão passivo no meio da guerra.

Perder a vida sem saber-se quando.

Dormir na rua quando há tanta cama.

Não saber ler onde há tanta escola.

Sentir-se limpo no meio da lama.

Ser miserável e pedir esmola.

Manter-se honesto no meio da escória.

Manter-se certo onde só há erro.

Não ter memória onde há tanta história.

Não ter coragem de enfrentar o medo.

Sentir-se aceito onde há preconceito.

Não reagir e ser submisso.







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