Usina de Letras
Usina de Letras
155 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62237 )

Cartas ( 21334)

Contos (13264)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10367)

Erótico (13570)

Frases (50635)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4769)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140810)

Redação (3307)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6192)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Poesias-->Pax-vóbis -- 19/03/2007 - 17:19 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Exórdio



A poesia traz paz de espírito, e é nessa intenção que o poeta traça sobre páginas, versos rabiscados em silêncio.

Todo poema traz em ritmo, harmonia enquanto declamado. E esse ritmo compassado, arrasta o leitor ao eterno repouso em pacificação com seu interior.

O poeta com seus versos, sabe arquitetar com diplomacia a fuga de correntes que nos prendem no dia-a-dia ao corre-corre da vida.

Pax-vóbis traz em seus versos a atitude do poeta João Felinto Neto ante posições na vida, situando o leitor em cada íntimo, como aquele ao qual se refere.

A escolha do título em latim, segundo o autor, foi para sugerir com uma língua morta um sentimento dos vivos: “Somente vivos, temos paz de espírito”.

Pax-vóbis são poemas que permeiam o cerne do ser humano em confronto com seus questionamentos.

É inquietante ler poemas que nos compele à reflexão.

Essa obra é mais uma confirmação que o poeta mergulha na profundidade de si mesmo e nos faz emergir nos descobrindo.



Sebastião Arruda































Pax-vóbis



Que seja este livro,

Um jantar à luz de velas.;

Do mar,

A mais tranqüila caravela.

Seja o vento nas cavernas,

A soprar.

Seja o condor a planar

Sobre a planície.

Seja um velho que sorri

De um jeito triste.;

Uma noite

No alpendre à beira-mar.

Seja a mais distante ilha

Que a lua alta brilha

E o sol vem se espelhar.;

Uma boca suspirando de amor.;

Nos cabelos, uma flor

A enfeitar.

Seja um pássaro a cantar

Por entre galhos.

Seja um bonachão sentado

A escutar.

Seja a sua paz de espírito

Que o mais estrídulo grito

Não consiga abalar.

Por toda parte



Devo dizer-te, agora,

O quanto a amo.

Quero enxugar o teu pranto,

Com meus beijos.

Sei que não é tão cedo,

Mas nunca é tarde.

Mesmo que a morte trate

De me fazer partir,

Sempre estarei em ti,

Por toda parte.



























Substantivo abstrato



O amor,

Alardeariam os eternos,

É optar céu ou inferno,

Deus ou Diabo.

Explicariam os letrados,

O amor é certo

Substantivo abstrato.

É um sentimento ultrapassado,

Assim, diriam os modernos.

É na verdade, um mistério,

Resumiriam os mais práticos.



O amor,

Sussurrariam os celibatos,

É casto, é puro.

Resmungariam os sisudos,

É apenas infantilidade.

É luta pela liberdade,

Exaltariam os dissidentes.



O amor

É para sempre,

Suspirariam os emotivos.

É simplesmente mito,

Afirmariam os mais céticos.

É tão somente sexo,

Falariam os impulsivos,

Impulso de uma vontade.

É perdoar a humanidade,

Ensinariam os profetas.

É a solidão e a saudade,

Declamariam os poetas.

































Pelo vento



O vento traz

Vozes tristes e distantes

Que interpreto no silêncio

Como sendo versos casuais.



E os meus ais,

O vento leva para longe,

Em rascunhos que jamais

Terão meu nome.



Ninguém verá o meu semblante,

Mas, saberão de minhas dores,

Pelo mesmo vento que antes,

Outras, a mim, trouxe.





















Ao infinito



Na madrugada fria,

Eu caminho na areia.

O vento serpenteia

Numa brisa.



Enquanto a onda teima

Em tocar meus pés descalços,

Meus pés pisam em falso

Moldando a areia.



Eu tenho a impressão

Que o mar deseja apagar

O meu caminho.

Talvez, queira me ver sozinho

Caminhar.



Tamanha paz,

Arrasta-me ao infinito,

Metamorfoseando-me em cada onda

Que num singelo ritmo,

Na areia, se desfaz.

















O ditador e o exilado



- É suficiente uma bandeira

Para acenar.

Pois, sendo ela brasileira,

Sei que posso voltar.

Grita, o exilado

Do partido popular.



- Rasgarei qualquer bandeira

Que estiver a acenar.

Pois jamais, à minha pátria,

Exilado voltará.

Grita, o exacerbado

Ditador militar.



Foram anos, felizmente, já passados,

Que não gosto de lembrar.

O direito era negado,

Mortos por todo lugar.

Até que um dia, enfim,

O ditador de pijama

Vê o presidente passar.;

Pensa, então, desconfiado:

Ontem, fora um exilado.

Hoje, está em meu lugar.

Botão de flor



Sou taciturno

Como um ato de coragem.

Quem sabe

Essa imagem seja apenas ilusão?



Tenho na mão,

Uma flor que não se abre.

Talvez, se acabe

Nessa forma de botão.



A solidão

Seria o fogo que em mim, arde.;

Que quando à tarde,

Reaquece uma paixão.;

Aquela que me deixou taciturno.

Mesmo no escuro,

Ainda queima o coração.















Cena



Cada um de nós

Faz sua parte em cena,

Que é apenas

Uma só voz.



Mesmo falando uma só língua,

O mundo míngua,

Se formos sós.

































João olhos de gato



Eram tais olhos de gato,

Quando um farol ligado

Joga luz na escuridão.

Uma macabra assombração.



Foi no dia de finados.

Eu estava já cansado.

Vinha de uma procissão,

O terço ainda na mão.



Eu passava bem ao lado

Das barracas do mercado,

Quando tive a impressão

Que alguém chamara:- João.



Na rua do campanário,

Estava um escuro danado

Que era difícil à visão

Saber qual a direção.



De onde viria o chamado?

Não sabia de qual lado.

Todavia, tomei uma decisão,

Respondi: - Diga irmão.

Um vulto vinha apressado,

Parecia um ser alado,

Os pés não tocavam o chão.

Bate forte o coração.



Era o compadre Melado.;

Vinha montado a cavalo.

O resto foi criação

De minha imaginação.



O pior do resultado

É que eu estava mijado

E borrara o calção.

Que triste situação.



Hoje, sou apelidado

De João olhos de gato

Pelo compadre Melado

E toda a população.

















A rocha



Sou como uma rocha sólida

Que numa encosta,

O mar castiga, a desgastar.



Sou a mesma, a afundar

Sob as águas gélidas.



Sou insistente.

Porém, na insistência, cedo.

Sou sempre o mesmo

Ante o mundo que me cerca.



Estou perdido

Numa trágica descida,

Sem ensejo de voltar,

Qual a rocha esquecida

Nas profundezas do mar.















Filho único



Hoje

Não é apenas mais um dia

Entre tantos, a nascer.

É filho único,

Pois cada dia

Morre ao anoitecer.



Hoje

Tem que ser tão cativado

Quanto o filho que se tem.



Hoje também,

Deve ser comemorado.



Hoje

Nunca tem o mesmo nome.;

Pois amanhã,

Será velado como ontem.













É porque não choro



Faltam lágrimas em meus olhos,

Foi assim a vida toda,

Não que seja minha escolha,

É porque não choro.



Sei que o peso que suporto,

Muitos dizem ser à toa.

Porém, não é a minha escolha.

É porque não choro.



Peço perdão, até imploro

A quem a morte tolha,

Por não ter lágrimas em meus olhos.



Não é frieza, nem é ódio.

Não é minha escolha.

É porque não choro.















Paciência, medo ou sabedoria



Paciência

É a espera cansativa

Até o momento azado.



Medo

É sinal de covardia

Ou seria

Ato de um ajuizado?



Sabedoria,

Equilíbrio e harmonia

Entre Deus e o Diabo.



Qual seria

O atributo mais louvável,

Paciência, medo ou sabedoria?

















Cadafalso II



Não espero o amanhã,

Eu vivo o hoje.

Amanhã é mais que um dia,

É um passo além da vida

Que acabaria hoje.



O agora,

É preciso viver.

Essa história

De amanhã vou fazer,

Pode ser um passo em falso

Num cadafalso

Que venha surpreender.























Talhe



Talvez eu seja o escopo

De um velho escultor

Que talha seu triste rosto

Num tronco que encontrou



Nos arredores de casa

Num sombrio entardecer.

Como se pudesse ver

Sua face ali marcada,



Sua boca, uma falha

Que o tronco em si trazia

Num galho que não saíra.



Se eu não for o escopo,

Talvez, seja o próprio rosto

Que eu não reconheceria.















O próximo



O que eu espero

Nesse vazio enorme,

Nessa vida arrodeada de queixas?

Apenas as letras

Deixam-me falar.

Minhas palavras são tolas,

Evasivas de minha realidade.

Se todos soubessem a verdade,

O mundo, talvez, só fosse pranto

E se inundaria em nossas lágrimas.

Continuemos na ilusão

De que alma, coração e razão

São alicerces

Na construção de cada dia.

Pensemos num futuro próximo,

Onde o mundo evolua.

Continuemos no mundo da lua,

Sem sabermos se seremos o próximo.













Seres humanos



Quem são eles

Com seus rostos diferentes?

O que sentem?

O que querem pra si mesmos?



Os seus medos,

Seus desejos mais ardentes,

São diversos.;

Seres humanos dispersos

Entre nós.



Não leio seus pensamentos.;

Não escuto uma só voz.;

Não conheço nenhum deles.;

Não sei quais os seus tormentos,

Muito menos seus intentos

Mais secretos,

Seres humanos dispersos

Entre nós.











Vós II



Se ainda credes em Deus e Diabo,

Tendes todo o poder.

Vós podeis manipulá-los.



Se sentis o mal

Tentando se erguer,

Mandai o Diabo ao inferno,

Uma região do cérebro

Onde Deus tende a viver.



“Vós sois

O caminho, a verdade e a vida.”

Ninguém vai a Deus

A não ser por si.





















Evidência



Em um mundo aparente,

Onde Deus é o Diabo

E a maçã uma serpente,

O homem se torna barro,

A mulher costela quente.



Em um mundo decadente,

Tudo é manipulado.

A virtude é pecado,

O pecado tem um preço de mercado

Que é cotado, altamente.



Em um mundo encantado,

Onde o Diabo come gente,

Onde Deus em um cavalo,

Espada versus tridente,

O real é imaginado,

O quimérico é coerente.













Bem-vindo a Sarajevo



Estranho,

O silêncio me espanta.

Talvez,

Por estar preso na garganta:

Bem-vindo a Sarajevo.

Como escrito pelo medo

Na parede demolida.

Ainda há esperança,

Enquanto há vida.

As flores,

Aqui, nascem em segredo.

A chuva

Cai em bombas,

Entre os dedos,

Nos amputando sonhos e lembranças.

Bem-vindo a Sarajevo.

















Mundo fictício



Uma criança brincava

Com a comida, na mesa.

Corria de pés descalços,

Sem ninguém a seu encalço,

Pela ruazinha estreita.



Não enxergava a sujeira,

No seu mundo fictício,

Do real desconhecido.;

Tudo era brincadeira.



Contudo, era tão bonito

Ver o mundo d’aquela maneira:

Sem ter ódio,

Ser ter vício,

Sem sombra de sacrifício,

Sem pecado

E sem tristeza.













Soneto fúnebre



Se eu morrer amanhã

“Não quero choro, nem vela,”

Nem mesmo fita amarela

Como queria a canção.



Também não quero oração,

Nem elogios aleivosos

De inimigos maldosos

Querendo um frágil perdão.



Quero amigos chistosos

A desdobrar em sorrisos

O meu feral saimento.



Que os meus entes queridos

Não tenham tanto remorsos

E nem tanto sofrimento.















Jura e prece



E nasceu o sol,

Triste, solitário,

Esperando a lua

À beira do lago.



Que belo cenário

Ao entardecer.

O vento a dizer:

Vai chegar, a lua.



Surge à noite, a lua.

O sol desaparece.

De quem é a jura?

De quem foi a prece?





















Um gato



Sete vidas eu teria

Se de verdade, fosse um gato.

Ronronando, eu andaria

Sutilmente em seu telhado.



A primeira, eu perderia

Tentando entrar em seu quarto.

Da janela eu cairia

Sem lembrar que era um sobrado.



A segunda, eu ceifaria

No seu lençol, estrangulado.

Teu olhar me perseguia,

Enquanto pelo meu era fitado.



A terceira, na certa acabaria

Como acaba um namoro.

Sem você eu sairia.

Você sairia com outro.



A quarta seria um fim

De um nada começado.

Você olhando para mim

Como se olha para um gato.

A quinta seria a tinta

Espalhada no sofá.

Você me jogando a trincha

Sem parar para pensar.



A sexta chega ao fim

Com as rosas espalhadas.

A bagunça no jardim.

Você me dando pancadas.



A sétima não passaria

Nem do primeiro encontro.

Você me atropelaria

E cairia em pranto.



























É natural



É natural

Ter nascido numa senzala,

Ser escravo de uma terra

Que sem alma,

Fala em libertação.



É natural

Ter a doce ilusão

Que se tem alma,

Com a mesma calma

Que se fala em omissão.



É natural

Não ter o dom do perdão

Quando sua cela é forjada

Com o ferro da ambição.



É natural

Por ser inata,

Uma crença exagerada

Em um deus de ilusão.













Basta



Caminho para a praia

Sob lâmpadas acesas.

Não há na rua, areia.;

Há muito, já foi calçada.



Lavo em lágrimas,

As pedras nas quais eu piso.

Meus ouvidos

Buscam o barulho da água.



Já na água, indeciso,

Molho as minhas sandálias.

Num agachar, as retiro.

Assim, sigo

Pela areia molhada.



O vento frio me acalma,

Traz ao meu rosto, um sorriso,

Então, grito

Qual um louco enfurecido:

- Basta.













De momento



Eu me enterro só,

Sob minha terra.

Pois, só assim,

A minha vida pode ser eterna.



Ninguém acredita

Que a minha vida

É de ocasião.

Se tenho razão,

Não importa ainda.

Minha vida finda,

Voltarei ao chão.



É fantasioso querer sair furtivo

Entre vermes

E galgar aos céus imaginários

Num abantesma intuitivo

Que é o cerne

Dos ingênuos e otários.



Eu me enterro só,

Sob minha terra.

Pois, só assim,

A minha vida pode ser eterna.

Sempre estamos sós



Reservo-me ao silêncio

E à espera

Até que a humanidade me esqueça.

O travesseiro, talvez me apodreça,

Enquanto espero a morte, meu algoz.



Não quero escutar a minha voz

Em forma de lamento e/ou gemido.

Surpreendo-me, às vezes, esquecido

Que sempre estamos sós.



Percebo que ainda permanece acesa,

A vela que puseram em minha mão.

Discordo da oração que alguém peleja

Tentando me arrancar da solidão.



















Sombra de nanquim



Que a vida,

Mesmo frágil, continue.

Que perdure

Meu amor, além de mim.

Que não tenham fim,

Meus passos pela rua.

Que dissipe sob a lua,

Minha sombra de nanquim.

































A prova



Prefiro sucumbir-me ao silêncio

Do que falar o que está escrito.

Se em tais palavras já não acredito,

Seria assim, hipócrita e pretenso.



Maldito eu seria no momento

Em que pronunciasse um verbo seu.

Se não posso ser eu

Que seja ao menos,

A prova de que não existe Deus.





























O poderoso omisso



Quem deixaria o mundo

Em meio às dores,

Tendo o poder de o manipular?



Faria dos espinhos,

Senão flores.

Das pedras no caminho,

Relva macia pra pisar.

Da fome e da miséria,

Lendas maquiavélicas

Sem ninguém pra escutar.



Faria dos perversos,

Bons senhores.

Das sombras dos infernos,

Luz e cores.

Do mundo,

Um paraíso pra morar.



Quem deixaria o mundo

Aos seus horrores,

Tendo o poder de tudo transformar?





Indefinido amor



Definiria, eu, o amor,

Na paz que vem após a guerra.

Na espera de quem não supera

O destemido vencedor.

Na chama que derrete a vela,

Mas ilumina a velha cela

Onde aprisionado estou.



Na tempestade que avaria

O barco que me levaria

A um terrível opressor.



Na lança que a árvore acerta,

Enquanto o cervo, assim, desperta

A fúria de um predador.



Na ponte de corda e madeira

Que se partindo aqui me deixa

Ante o abismo aterrador.



Nas asas livres de um condor

Que chama minha atenção,

Que liberdade é uma ilusão

Ante o indefinido amor.

Palavras tortas



O vento frio em minhas costas,

Arrepiando-me o pensamento.

As luzes que vêm lá de dentro,

Alumiam-me pela porta.



É nessa hora

Que algo macula o silêncio.

Sussurra o vento,

Palavras tortas.



Em meus cabelos que desgrenha,

Sinto a areia que me joga.

Não me desenha,

Mas me contorna.





















Miramar



Por que o amor me fez viajar

Sem fazer planos,

Milhas e milhas,

Através de oceanos,

À mais remota ilha,

Para fincar bandeira

Numa nação de língua estrangeira,

Depois de atravessar

Metade do planeta

Na busca do mais tocante beijo,

Menosprezando meu desejo

De voltar,

Fazendo-me casar

Em uma terra estranha,

Com uma nativa que se chama

Miramar?

















Desabafo



Talvez minha frieza

Seja dor

E essa dor,

Tristeza.

Não sirvo de consolo

E não suporto queixas.



Perdoa-me, o amigo,

A falta de afeto.

Não sei se sou severo

Ou um covarde omisso.



Ante o maior pesar,

Sou esquisito.

A quem me é querido,

Peço lembrar,

Que nem sempre chorar

É estar ferido.













Querela perdida



Lágrimas nos meus olhos,

Eu não me espanto.

São apenas gotas

De uma chuva fina.

Misturo meu pranto

Com a mesma tinta

Que borra teus olhos.

Querela perdida

Pra quem ama tanto.

Mais que uma dor física,

Expressão de espanto.

Desfaz-se na chuva,

Uma antiga jura

De quem diz: - Te amo.





















Figuras de meu passado



Eu vejo a face de Deus,

Por mim vencido,

Adormecido em seus braços.

Vejo também o Diabo,

Por mim banido,

Envelhecido ao seu lado.

Figuras de meu passado,

De uma infância feliz.

Um deus de fraldas,

Calado.

Um diabo que tudo diz.



























Visita indesejada



As palavras, às vezes, não dizem nada

E o silêncio nos ofende.

Nestas horas,

Dar as costas e ir em frente,

Pode não ser educado,

Mas, é o mais coerente.



Sua visita

Pode ser indesejada.

Sua estada,

Um equívoco evidente.



Entre silêncio

E evasivas palavras,

A decisão mais acertada

É dar a volta e ir em frente.

















O morto



Quero ser a ponta do cigarro

Que queima na boca

Do policial sem farda.



Quero ser o anel da prostituta

Que ainda suja,

É usada.



A calçada

Onde pede ajuda,

Um mendigo que sorri sem graça.



A calça

Do grande executivo

Que nessa hora passa.



Quero ser a vaga

Que a pouco,

Foi desocupada.



O dente de ouro

Do crioulo

Numa estridente gargalhada.



A picada

Na pele inchada

De um dependente

Que nem mesmo sente

Sua dor de alma.



Contudo, sou o morto

Que observa o corpo

No meio da rua

Mal iluminada.



































Levado pelo vento



Ouço apenas um pássaro que canta.

O espanta,

Um trote de cavalos.

Uma carroça com outro emparelhado,

Arrasta-me ao tempo de criança,

Onde um velho corria, na esperança

De me ver homem feito e honrado.



Ainda vejo o portão escancarado,

Onde o gado

Corria ao seu encontro.

Nessa hora, o meu peito treme tanto,

O vejo caindo do cavalo.



Eis que o céu num instante está nublado.

Descuidado, tropeço pelo espanto.

Uma neblina mistura-se ao meu pranto,

Onde vejo o passado embaçado.



O meu filho observa-me calado,

Sem saber onde andava em pensamento.

Apesar de já fazer muito tempo,

Ainda lembro daquele dia azado.

Então, conto que um velho adorado,

Foi levado na chuva pelo vento.















































A rua que me leva ao mar



A rua que me leva ao mar,

Sem nada falar,

Sempre me diz tanto.

O vento me entoa um canto,

Aliviando o sol

Que teima em me queimar.

Quantas passadas até lá?

Ninguém nunca me viu contando,

A não ser um cão que ladrando,

Insiste em me acompanhar.

A rua que me leva ao mar,

Deixa a lua passar,

Meu caminho iluminando.

A areia que já vem voltando

Nas costas do vento,

Tenta me barrar.

A rua que me leva ao mar,

Está sendo maculada:

São casas, postes e calçadas.;

Com pedras é pavimentada.

À noite, toda iluminada,

Não vê que a lua quer passar.

A rua que me leva ao mar,

Traz-me de volta para casa.

Ensinamento



Não eduquei meus filhos

Com a mesma vara

Que meu pai me batia.

Talvez, por isso, um dia

Eu os senti com medo

Diante da vida.

Eu nunca fiz segredo

Do que lá fora, havia.

Também não fiz alarde,

Por saber que cedo ou tarde

O mundo se revelaria.

Tenho a plena certeza

Que as lições de ontem,

Mesmo não sendo as mesmas,

Ainda se escondem

Nas lições de hoje em dia.

















Será que existia?



São tão raros

Os que sentiriam minha falta...

Talvez, cem seja exagero

Entre seis bilhões de tristes almas.

Mesmo em cem,

Ainda teriam as falsas lágrimas.

Outras iriam ao enterro,

Só por serem educadas.

Umas, mesmo em desespero,

Manter-se-iam em calma.

Todavia,

A esmagadora maioria

Nem ao menos saberia

Que existia,

O poeta que vos fala.



















Despedida



Eu vejo, amigo,

Que se despede da vida

Com angústia, medo e dor.

Não vê que ainda tem a seu favor

Os amigos e a família,

Que manterão em vida, seu valor

E suas ações enaltecidas?



Eu sei

Que a morte, às vezes, nos obriga

A temê-la ante a vida que se esvai.

Mas odiar, talvez seja demais.;

Fugir,

Também não é saída.



Estendo o braço

Pra dar-lhe o último abraço,

O abraço de uma despedida.













Insanidade



Meu desapego à vida

É uma ofensiva

Contra o medo de morrer.

Talvez, seja mais fácil pra quem crê

E tem uma fé sob medida.



Meu desespero me obriga

A uma luta desmedida

Entre a razão que me habita

E esse Deus que me castiga

E que me faz enlouquecer.



Eu sinto que a insanidade

Supera, enfim, minha vontade.;

Sepulta o eu

Que em mim havia.

















Eclipse lunar



Apenas minha sombra

Na janela.;

Um cadáver sem ter vela

Para soprar.



A luz que ilumina às minhas costas,

Além da porta, contorna

Outra sombra, a me olhar.



As duas se encontram na cozinha,

Tua sombra junto à minha,

Até a luz apagar.



E numa escuridão sem fim,

Acabamos no jardim

Num eclipse lunar.

















Quarenta anos



Olho para meu passado,

Moleque magro

Que em meu presente não tenho.

Não diviso meu futuro.

Hoje, quatro de outubro,

Homem maduro e sereno.

O que fiz em quatro décadas?

Quarenta anos de vida

Entre páginas amarelas

Que já foram coloridas.

Entre os cabelos grisalhos,

Estão dias de alegria,

De esperança, de cuidados,

De tristeza, de harmonia,

Do mais pueril afago

À malícia mais perversa.

O que fiz em quatro décadas,

Senão viver meus orgasmos

Em uma simples conversa,

No mais íntimo abraço?

Não sinto o peso da idade,

Talvez, por não percebê-la.

O que sinto é saudade

De não poder revivê-la.

Em meu lugar



Serei ossos sob a terra.

Na lembrança, um poeta

Que soube amar.

Minha alma que é vela,

Virá, a morte, à janela,

Num vento frio, apagar.



Sei que não irei voltar.

Mas, uma coisa é certa:

Minha obra de poeta

Ficará em meu lugar.



























Dor sentida



Ah! Se eu pudesse lastimar em pranto,

A dor que a vida me imputou,

Um dia.

Pudesse eu sorver toda alegria

Que em meus lábios

Surpreende tanto

A quem não sorria.

Talvez, por minha natureza fria

Ou uma tristeza, por demais, calada.;

Talvez, nem caiba

Em mim,

A dor sentida.

E ressentir

A dor em mim,

Não valha.



















Boneco de pano



O peso de Deus sobre meus ombros,

Atola-me no lodaçal do inferno.

Na mão de um ser eterno,

Sou um boneco de pano.



As chamas,

O meu corpo, vão queimando.

Eu vejo o Diabo em pranto,

Que Deus diz ser cruel.



Sou a fumaça inalada pelo Diabo

Enquanto em cinzas,

Sou por Deus, enfim, soprado

Em direção ao céu.





















Poesia equivocada



Não há nós ou amarras

Que me prendam,

Por ser eu, livre

Tal qual o vento

Sob as asas

De velhas garças

Que sobrevoam

Nossas casas

De cimento.



Não há preceito

Ou preconceito

Que me abata.

Sou resistente qual a vara

Que apesar de envergar

Por muito tempo,

Volta à posição primária,

Logo que se acalma, o vento.



Não há poder

Que me cale as palavras,

Por ser eu, firme

Qual a casa destelhada

Pelo mesmo vento.;

Que há muito, abandonada,

Ainda resiste ao tempo.



Assim resisto,

Com um louco pensamento

E uma poesia equivocada.































Cárcere estreito



Onde habitas, liberdade,

No meu crânio ou no meu peito?

A razão me desfigura a vontade,

Por direito.

O meu coração, sem jeito,

Só me faz sentir saudade.



Sou feliz na ilusão de que sou livre,

Vôo na imaginação.

Todavia, me acorda o coração,

Chorando triste.

Em seu pranto, ainda insiste

Em chamar minha atenção:

-Não se esconda da paixão,

Pois ela existe.



E cativo em um cárcere estreito,

Na mais fria solidão,

Perco a razão,

Golpeio mortalmente o peito.













Ocasional



Eu me pergunto

Se ainda sou real

Ou uma idéia dispersada no silêncio?

Se sou por dentro,

Um lampejo ocasional

Ou sou resumo

De uma vida santoral

Numa dimensão de tempo?



Não lamento

Se meu crime é passional.

Pois sei que a morte é natural

Tal qual é o nascimento.



Sei que a ocasião faz o pecado,

Que o rosto ao meu lado

Não parece estar feliz.

Há nele uma enorme cicatriz,

Uma lembrança do passado.;

Quando entre Deus e o Diabo,

Era o fastígio e a raiz.











A rosa



Numa noite, vi o meu amor

Tal qual sombra na escuridão.

E nessa mesma ocasião,

Alguém, então, telefonou.

- Já sei, perdi meu coração.



Em solidão, na minha dor,

Eu optei pela razão.

As lágrimas seriam em vão,

Não reveria o meu amor.



Mas, a razão não contentou

Meu coração enraivecido.

Talvez, tenha sido o motivo,

Que a emoção a superou.



Começa a surgir em mim

Como uma rosa no jardim,

A ilusão de que a teria.

E foi tão grande a alegria

Que eu não percebi que enfim,

Eu era a rosa que nascia.















Uma carta anônima



Eu mergulhei em lágrimas contidas,

De uma paixão inibida

E platônica.

Pois, me dei conta,

Que eu sempre seria

Uma carta anônima.



Mantinha boa distância,

Daquela que eu mais queria.

Nascia em mim, a esperança,

Quando de perto, a via.



Será que um dia, leria,

Nos olhos deste que a ama

Ou nunca perceberia

E para sempre eu seria

Apenas uma carta anônima?















Último alvorecer



O dia amanhece

Como tantos outros,

E não tem nenhum problema

Para eu resolver.



A não ser,

Que a vida se dissipa

Para tantos outros,

Que eu jamais virei conhecer.



Se algo ainda eu pudesse fazer,

Não sairia do meu leito

Para protestar em luto

Por tamanho absurdo

Que é fenecer.



Só abriria os meus olhos

Quando cada fruto,

Dessa árvore genealógica,

Viesse a nascer.



Entre lágrimas que cortinam a visão

Tenho a nítida impressão

Que irei também perecer.

Nada mais posso fazer,

Por ser tudo, tão vago.

Aproveito o cenário

Do meu último alvorecer.























Porco taberneiro



Pior do que meu erro,

É meu desalinho.

Sem manga,

Sem colarinho,

É meu desmantelo.

Banho,

Não tomo direito.

Minha barba,

Espinho.

Sou um porco taberneiro.



Estou sempre atravessado

Em velhos batentes.

Já não escovo os dentes,

Vivo embriagado.

Moscas voam ao meu lado

Como damas inocentes.

Sou um bêbado inveterado.



A vergonha despediu-se

Já faz um bom tempo.

O amor próprio

Foi ao vento,

Fui abandonado.

A taverna é meu convento,

Onde em pensamento,

Estou entre Deus e o Diabo.





























Reflexo



Quando olho no espelho

E não mais me vejo,

Tenho ânsia e o desejo

De não mais voltar.

Sei que é o mesmo lugar,

Mas, um mundo inverso,

Onde eu sou meu reflexo

Tentando ocultar

O meu lado mais perverso,

O que eu tento evitar.





























Última ceia



Não tenciono remover do mundo

Sua fé estóica.

Mas, abrandar

Esse mirrado punho

Que sustem a espórtula.

Quem se abstém

Da mesa que está posta?

É a ultima ceia.

Mesmo que os olhos de Deus

Já não veja,

O mundo morre de fome

Às suas costas.

























Mandamentos



Eu ouvi dizer que Deus sorri,

Se o homem não cumprir

Seus dez mandamentos.

Apesar de todo o juramento

E a promessa de não repetir,

É levado a julgamento.



Por primeiro, não deve servir

Outros deuses ante a mim.

Apesar de eu me omitir

Quando chegar o seu fim.



Por segundo, não deve fazer

Para ti, imagem de escultura.

Apesar de a certa altura,

Elas me darem prazer.



Por terceiro, nunca vá dizer

O meu santo nome em vão.

Nem que seja pra você

Pedir um pouco de pão.



Por quarto, guardar o sábado.

Pois, para mim ele é sagrado.

Mesmo que venha a perder

O seu tão raro trabalho.



Por quinto, honre seus pais.

Nem preciso pedir isso.;

Apesar de não ter feito mais

Que sacrificar meu filho.



Por sexto, nunca matar.

Não tente justificar

Com o velho testamento,

Foi só ira de momento.



Por sétimo, não adulterar.

Pois no caso de Maria,

Ao José eu tive que enganar.

Pois ao mundo salvaria.



Por oitavo, não furtar

Nem um pão para comer.

É até bom o jejuar.

Lembre que eu amo você.



Por nono, não levantar

Nenhum falso testemunho.

Apesar de eu precisar

De mais um pastor no mundo.



Por décimo, evite a cobiça

Da esposa do seu próximo.

Mesmo que ele seja bicha

E o mais desonesto sócio.



Eu gosto de sorrir

Se o homem não cumprir

Meus dez mandamentos.

Apesar de todo juramento

E a promessa de não repetir,

Eu o levarei a julgamento.























Plágio



Eu escrevo sobre letras apagadas

Num suposto plágio.;

Sobre cartas redigidas ao acaso

Por alguém que chora.

Não há prova

De que eu psicografo.

Sou escravo

De minha falsa memória.

































Por partes



Por trás dos óculos,

Os teus olhos me perscrutam.

Teus ouvidos não escutam

Eu te chamar.

Aos teus lábios, dá vontade de beijar

Pra sentir o sabor de doce fruto.

O teu corpo impoluto,

Vivo eu a desejar.

Não consigo penetrar

Seu pensamento.

Porém, é só questão de tempo,

Eu poder te imaginar

Em mim, inteira,

Da maneira

Que o artista faz nas artes,

Por partes.

















O louco na novena



Quem é Deus?

É a mão que apareceu dando adeus

Ao mundo em cena.

É o louco na novena

Que pergunta: - Quem sou eu?

E responde a si mesmo:

- Este é o meu segredo,

Eu sou Deus.



Com o dedo encostado

No seu peito ensangüentado

Se acusa:

- És um homem solitário,

Sob o peso do pecado,

Sentes culpa.



De repente,

Põe a mão no rosto e chora.

- E agora?

Sou a escuridão lá fora,

O meu nome é evitado,

Sou o Diabo,

Que usando o próprio rabo,

Se enforca.











Onde tu andas?



Onde tu andas

Mulher amada,

Onde tu andas?

Será que bates

Na porta errada,

Quando alguém chama?



Sinto teu cheiro

Na minha cama.

Deixaste em chamas,

Agora apagas.



Não fui primeiro,

Não me enganas.

Deste teu preço,

Quis tua graça.



Saiu mais caro

Que um desejo.

Custou-me o apreço,

Mulher amada.



És pervertida, sem endereço,

Roubas a alma

Através do beijo

De quem te paga.



Onde tu andas

Mulher amada,

Onde tu andas?

Será que bates

Na porta errada,

Quando alguém chama?

































Fênix



Devo renascer

De minhas cinzas

Como a ave mitológica.

Devo ser a glória

E não ruína.

Devo ser ainda,

A fogueira

Que me queima

A toda hora.































Fugitivo



Corro sob a lua que ilumina

O terreno adverso.

Vez em quando, tropeço,

Sem saber que fujo ainda.

Some a lua,

Cai neblina.

E na escuridão,

Oculto minha culpa.

Mas, meu coração

Pede desculpa

Pela razão

Que é assassina.

Eu matei a Deus,

Que me mantinha

Na mais inexorável prisão.



















Cortina de fumaça



A cada passo,

Descortino meu passado

Em fagulhas silenciosas

Que perfuram o meu cérebro.

Qual o mistério

Nas terminações nervosas?



Medicamentos

Que me levam lentamente

A enxergar em minha frente,

Coisas que eu vira outrora.

Lindas senhoras

Com decotes indecentes.

Um dia quente,

Uma noite invernosa.

Uma criança

Convulsiva no batente,

Uma mãe que loucamente,

De pé, chora.



E mergulho

No silêncio de mim mesmo.

Desaprovo meus segredos

Por escrúpulos.

Ao entrar num beco escuro

E estreito,

Eu me vejo num espelho,

Num senhor de sobretudo

Que não passa de um sujo

E espalhafatoso bêbado.

































Cabelos de prata



O que procuras,

Inquieta criatura,

Na ilusão dos pesadelos.;

Se a realidade

Não passa dessa brancura

Que prateia teus cabelos?



Será só medo

Dessa face escaveirada

Ou sentes falta

De tua vida de solteiro.



Se for para mentires a si mesmo,

Não dize nada,

Esqueças a imagem que te fala,

Do espelho.

















O alvo



- Eis que a promessa

Daquele condenado,

Possa ser outra,

A de nunca me seguir.

Foi a conversa

Que eu pude ouvir,

Entre uma dama

E seu novo namorado.

O que a fizera partir,

Deixando o seu noivo amado?

Será que fora o ciúme,

O culpado?

De repente, ao meu lado,

Um rapaz com grandes botas

Empurra o pé na porta

E começa a atirar.;

Sai correndo do lugar.

Eu adentro o recinto.

Você vai pensar que eu minto.

Mas, pode me acreditar,

Estavam os dois abraçados,

Buraco pra todo lado.

Não conseguiu o danado,

Nenhum tiro, acertar.

















Rio abaixo



A água escorre

Pela fresta de uma rocha,

Rio abaixo.



O vento forte,

Pela brecha que há na porta,

Não me deixa sossegado.



Não abro os olhos.

Pois, ao mundo pouco importa

Se estou ou não, acordado.



Estou cansado

Para procurar respostas.



Estou a horas,

Procurando o melhor lado.



Esqueço o vento.;

Então volto em pensamento,

Rio abaixo.













A fábrica



Que imensa estrutura

Ao céu aponta.

Chaminés onde a fumaça

Se levanta.

Onde a pedra se mistura

Na fornalha que insinua

Uma camada nua e crua

Do inferno.

Eis que o sol parece perto,

Bem mais perto

Que a lua.

Leva, o vento,

Um pó cinzento

Que molhado,

Em pouco tempo,

Se transforma

Em pedra bruta.















Unanimista



Sou intérprete de tuas angústias.

Minhas súplicas

Revelam teus segredos.

Os meus medos

Sustentam tuas culpas.

Minhas dúvidas

Explicam teus anseios.

Minha mão unciforme te estrangula.

Em tua urna,

Deposito o meu pó.

Mesmo só,

Sou a multidão confusa,

Que me acusa

De mostrar sua dor,

Sem dó.



















Humilde perdão



Deus esqueceu a terra

Nos lugares onde a guerra

Sobrepujou a razão.

Talvez, não tinha noção

Do que o homem era capaz

E entregou a satanás

Essa impiedosa missão.



Deus não tinha coração

Ou era louco demais

Por pedir a nossa paz

Em troca da salvação.



Deus errou em omissão.

Ainda fala em condenar.

Deveria avaliar

Sua difícil situação.

Olhar para baixo e aceitar

O nosso humilde perdão.











Chupim



Longe vôo em fingimento,

Para se esconder de mim

Como a ave no capim

Que se insinua

Entre folhas quase murchas,

Não se apercebendo, assim,

Quando esvoaça ao vento.

Fujo, não por sentimento,

Mas, por medo de no fim,

Tornar-me presa cativa

Que só consegue estar viva

Quando em forma de chupim.

























Estátua II



Não podia falar,

Quando quis,

Não consegui me ouvir.

Não podia chorar,

Refletir,

Entre lágrimas mentir.

Não podia gritar

Nem pensar.

Como então, me calar

De uma vez.

Não podia enxergar-me feliz

E nem ver

Que só imaginei.

Agitar os meus braços, não dava.

Pelo menos tentei.

Porém, me conformei

Que era estátua,

O que eu me transformei.













Amor em febre



Amo

Com a impiedade dos homens,

Com a convalescença das mulheres.

E esse amor em febre

Arde

Tal a vontade

Em minha pele.

O amor me fere

Na saudade.

Que em mim se acabe,

A dor

Que esse amor

Expele.























Quando jovem



O que há além de minha inquietude,

Meu menosprezo pela vida,

Minha coragem e juventude?



Vôo ao limite em altitude,

Salto sobre a lei da gravidade.

Desço à profunda escuridão,

Subo com o peso da pressão,

Sem encontrar maioridade.



Tem uma tristeza progressiva

Que acompanha o meu sorriso.

Minha atitude intempestiva

Já não sabe o que preciso.



Essa vontade desmedida

Insiste sempre estar comigo.

Sou inimigo

Da razão que me acompanha.

Em tantas camas,

Sofro pelos meus caprichos.



E eu com isso?

Digo a minha liberdade

Pois, na verdade,

Não importa o que faça eu comigo,

Estarei em mim detido.

































Uma jura



Se, é para ter de volta

A paz,

Peço desculpa,

Eu quero um pouco mais

Do que morrer de culpa.



Quero enfrentar a luta,

Retroceder jamais.

Ante meus ancestrais,

Manter minha postura.



Faço uma jura,

Pela angústia de teus ais,

Que nunca mais

Cometerei outra loucura.



















Soneto do ciúme



Como livrar-me dessa insegurança,

Do medo de perder-te, amada.

Ao caminharmos nessa estrada,

Olho-a com um fio de esperança.



Seu passado, um martírio à lembrança.

Meu presente, uma vida condenada.

Onde a carícia fere como faca afiada,

Minha pele e a tua em semelhança.



Meu esforço pode até ser em vão.;

Mas, por esse amor eu tudo busco,

Mesmo que atinja o próprio coração.



Eu prefiro vê-la, então, de luto

Do que ver cerrada em um caixão,

Aquela por quem tanto amor desfruto.















Homo sapiens sapiens



Já nos primeiros passos,

Caminhamos pro abraço

De nossos ancestrais

Que em nossos pais,

Estão representados.

Crescemos dependentes e ligados.



Em nossas brincadeiras,

Demonstramos sentimentos adversos.

Nós somos tão perversos,

Assim o mundo queira.

Mesmos dispersos,

Cometemos mais asneiras.



A nossa juventude

É uma chama acesa

Que abrasa e encandeia

As nossas atitudes.

Nós arriscamos

Até a vida alheia.

O jovem é uma centelha

Que a idade, enfim, consome.



Quando adultos,

Prezamos nossos nomes.

Uns, apesar de cultos,

Esquecem os que têm fome.

Eis que o homem

Comete absurdos.



Nós disfarçamos bem

Nossa civilidade,

Fingimos caridade

Àqueles que não têm.



Sentamos pra comer

Em nossas mesas.

As velas são acesas,

Em homenagem a quem?



Cortamos nossas unhas,

Deixamos nossos dedos

Para o outro, acusar.;

O gatilho puxar.

Fora tão cedo.

Mas, não quis executar.



Um banho por asseio,

Cabelo bem cuidado,

O terno engomado,

Parece um bom sujeito.

Porém, seu predicado

É sempre descuidado

Com o próprio meio,

Devastando floresta.

Fechamos nossas portas.

Forçamos serem retas

Árvores tortas.

E a resposta,

A natureza presta.



Cobrimos nossos órgãos genitais

Por tamanho pudor.

Mas que horror,

Matamos as florestas e os animais.



Dormimos em santa paz

Por sermos bons e honestos.

A nossa omissão nunca é demais.

A nossa oração nos torna certos.

O próprio teto

Da igreja é de madeira.



Arrancamos da terra

Nossa sobrevivência.

Não temos a decência

De preservar a mesma

Nem mesmo consciência

Por arrasá-la.



O coração se cala

Em nome do dinheiro.

Assim, o mundo inteiro

Se declara.



O bem, assim, não passa

De nossa hipocrisia.

O que somos de dia,

À noite, se acaba.

Somos vampiros

Consumindo a própria alma.



De uma forma ou outra,

Uma criatura louca

Que de sã, se disfarça.



Juntamos os amigos à mesa farta

Enquanto o semelhante não tem nada,

Nem mesmo o que comer.

O que devo fazer?

Pergunta errada.

A conversa é fiada.;

Ninguém quer se meter.



A terra não importa.

Dizem os idiotas.

O céu é o meu lugar,

Não vim para ficar.

Se alguém não se conforma

Que lute em meu lugar.



Às vezes, conseguimos enxergar,

Quando a velhice chega,

Que toda essa sujeira

Não podemos limpar.

Deixamos nosso quarto à luz acesa,

Com medo da escuridão chegar.

Tememos nossa própria natureza

Pela fraqueza de não poder suportar.



O mundo não consegue o equilíbrio

Por um motivo:

O homem que em seu coroamento,

Não passa de fingimento,

Seu honrado compromisso.



Às vezes, parecemos submissos.

Talvez, para com isso

Enganar.

Assim, nossos sorrisos

Em lágrimas suplantar.

Nossos enganos,

As águas dos oceanos

Não cobrirão.

Somos aquilo

Que para nós não desejamos,

Somos estranhos

À razão.



A civilização tão avançada,

Em marcas de escala

É medida.

Assim, a nossa vida

É elevada

Ou rebaixada

Ao chão em que se pisa.



Em degraus de escada

Galgamos a altura.

Nossa lisura

É definida pelos cargos,

É defendida pelos magos

Da postura.



Somos os mais inteligentes,

Estamos à frente,

Somos uma fonte de desculpas.



Desbravamos o universo,

Foi um sucesso.

Eis a genética,

O genoma humano

É coisa certa

Em alguns anos.



O homem de algo esqueceu:

O aquecimento do planeta.

Quem sabe é Deus.

Diz um fanático na igreja.



Não haverá água potável

E essa gente miserável,

O que podemos esperar?



Não é saudável

Que você fique a se preocupar.

Somos o ápice da criação.

Deus vai nos dar a redenção

E um paraíso pra morar.

Chama a minha atenção,

Um bobo da religião.



Tamanho cérebro evoluído,

Tornar-se tolo, sem sentido,

Ao ponto de não enxergar

Que a terra é nossa salvação,

Que a vida é o nosso pão,

Que a união

Pode o planeta conservar,

Que não devemos esperar

A mão divina,

Usemos a sua e a minha,

Pois, é preciso começar.



Lembrar os nossos descendentes

Que são agora, inocentes,

E que jamais terão um lar.

E se algo ainda, aqui restar,

Será tristeza,

Por termos nós denegrido a natureza

Em nome de uma certeza

(Salvo conduto em outro lugar).



Está assim, em nossas mãos.

Chega de tanta ilusão.

Vamos lutar.













A seita



Numa seita,

Sou o cálice na mesa,

Emborcado.



Sou o punhal afiado

No pecado.



Sou a dor

Da jovem tola e eleita.



Sou a divindade oculta,

A cabeça ainda confusa

De um jovem alucinado.



Sou o livro

Que se encontra escancarado

Sob o altar do sacrifício.



Sou o riso

Da criança que ali se inicia.



Sou aquele que ela via.



Sou o Diabo.





















Vez em quando



Lembrei de você.

Lembrar seria

Uma tarde vazia,

Em silêncio.



A lembrança desvia

O pensamento,

Traz de volta o passado,

Dia-a-dia.



Minhas lágrimas, diria

Com certeza,

Que não são de tristeza.

Todavia,

São de contentamento.



E lembrar, vez em quando,

De momento,

Não nos deixa esquecer.



É assim que eu mantenho,

Sem querer,

Sua imagem no tempo.

















Para mim, saudade



As dobras do vestido de cetim,

Arrebatam em mim,

Toda a saudade

De quando passeavas no jardim

Em tua pouca idade.

Teus lábios contornados, carmesim

Num tom de escarlate.

Teus dedos acenavam para mim,

Num toque de amizade.



Jamais, tive coragem

De contar a verdade.

Que continue assim,

Você para mim,

Saudade.



















Poeta vaqueiro



Entre garranchos,

Debate-se na caatinga,

O vaqueiro.

Em garatujas, eu escrevo

Sobre linhas,

Meus poemas tão avessos.



O meu gibão

É meu couro cabeludo.

Meu alazão,

Uma cadeira de veludo.

Minha chibata,

A caneta em movimento.

Cada chifrada,

Um verso de sofrimento.



Envelheço,

Recostado no selim.

Também assim,

Envelhece o sertanejo.















Velhas fotografias



És uma doce criança

Que ainda corre pela rua

Quando fina, cai a chuva.

Revivida na lembrança

De si mesma.



És eterna chama acesa

Que ilumina os meus dias

Em velhas fotografias

Sobre a mesa.



Esquecida das sandálias

Sob as roupas encharcadas

Espalhadas no jardim,

És assim,

Uma jovem engraçada

Que a todos encantava,

Principalmente a mim.



És a única razão

Que mantém viva,

Essa dama envelhecida

Que espera empedernida,

Pelo fim.

Lábios de cor



Eu poderia te chamar mais cedo.

Mas não tão cedo, pelo mesmo amor.

O meu amor pode ser só desejo.

O meu desejo pode ser sabor.

Esse sabor viria do seu beijo,

Um doce beijo de lábios de cor.

De cor vermelha tal o movimento,

O movimento de quem faz amor.





















O amor que há em mim



Se eu plantar

O amor que há

Em mim,

Nenhum jardim

Poderia sustentar.

Pois, até mesmo do rude capim,

Flores vermelhas iriam brotar.

Quando perfume, viessem exalar,

Todo inseto viria, enfim.

E sendo assim,

Iriam polinizar

E espalhar

O amor que há em mim.



























Já morei aqui



Eu já morei aqui.

Pelas raízes que cortam a calçada,

Pelo telhado,

Pela parede rachada

E pelo galho que serve de armador.

Aquelas cordas

Sustentavam um balanço.

Vê esse galho,

Eu agora o alcanço.

Assim fazia meu querido avô.

Não vou entrar,

A casa está em ruínas.

Naquele canto

Eu sempre mantinha

Uma fêmea de jabuti.

Eu já morei aqui.

E saber

Que dessa forma termina

Tudo que vi construir.







Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui