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Poesias-->Tríptico -- 19/03/2007 - 17:27 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



Gostaria de ressaltar que escrevo pela segunda vez, um prefácio para Tríptico (O primeiro extraviou-se).

A maior dificuldade para seguir a vida fazendo poesia é o menor apreço dado pelo leitor ante outros gêneros literários.

Mas, pelo que eu conheço do poeta, a sua devoção a tão bela arte, o seu intenso desprendimento para escrever versos e sua disposição, completam uma trilogia que supera qualquer dificuldade.

Tríptico poderia ressaltar nas diversas vertentes por onde o poeta segue numa escorredura de inquietação, de vislumbre e de solidão, o poeta, o poema e o leitor.

Não sei depurar situações insones nem trabalhos específicos, apenas me situo entre o poeta e seus versos.; sou um leitor que revitaliza a obra pelo empenho em extrair toda a essência curadora que a poesia exala. Dessa forma, eu me renovo nas páginas de Tríptico.

Aparar arestas, lapidar o pensamento em busca de uma confluência entre verbo e harmonia, arranca do mais profundo âmago, a vitalidade racional confrontada à emotiva.

Eu entendo o extraordinário esforço de criação do poeta em seu movimento pendular entre a loucura e a arte. Há versos que surpreendem com seu sentido nato para o óbvio, enquanto outros, para o absurdo.

Em tríptico, o poeta norte-riograndense João Felinto Neto (Tratamento formal) estabelece, em minha visão, divisões precisas em sua poesia: o Alento, aonde galga a certeza da paz.; o Extenso, onde conserva na síntese, o amontoado de sentidos e a Continuidade, a reticência aberta para ir além.



Carlos Agamenon











Tríptico



Numa capa se destacam,

três dobras desenhadas.

Uma simboliza o sorriso,

outra os degraus de uma escada,

e a do centro,

a recoberta,

a capa deste livro.



Não importa o motivo

que define estas páginas,

seja o pai, a mãe e o filho.;

ontem, hoje e amanhã.;

uva, pêra e maçã

em um cesto colorido.



Verso, estrofe e poema

é o tríptico do poeta.

Um desenho em linha reta

onde a mão serve de guia,

a caneta solta a letra

resultando em poesia.













Esta casa



Seja bem-vindo

ao meu recinto.

Sem cerimônias,

pode adentrar.

Lá fora, o mar

jorrando espumas,

também as dunas,

vento a soprar.



Se o meu piso

retém areia,

não se acanhe,

pode limpar.

E se quebrar

um objeto,

seja correto,

reponha-o já.



Se acaso usar

alguma coisa,

faça uma lista

para comprar.

Não vá pensar:

é uma egoísta.

Bem mais que peço,

posso lhe dar.



Dar-lhe-ei abrigo,

coisa de amigo.

Minha cozinha

para cear.

No meu alpendre,

deita comigo.

No meu banheiro...

Deixa pra lá.

























Biografia



Sou imortal

nas páginas mal relidas.

Mantive a vida

em letras acabadas.

Capas de luxo

no lixo jogadas.

Versos enxutos

em folhas já molhadas.

Chuva que cai,

palavras borradas.

Uma mão na luva

que cata a esperança

nas poucas letras

ainda não apagadas,

na tentativa

de mantê-la viva,

biografia

de um poeta que se cala.













Desafeto



No espaldar da cadeira,

encontro reminiscências

em versos quase eternos

quanto o terno

surrado que me veste.

Nas gotículas do soro,

sou a peste

ainda imune à ciência.

Se permaneço vivo

é por decência.

Quando partir

será por desafeto.

























Existências fotografadas



Em preto e branco,

vejo o retrato de minha avó.;

um colorido, de minha mãe

na mesma idade,

em épocas tão diferentes.

As mesmas rugas

congeladas pelo tempo,

se opõem à tempo

de percebê-las.

No traço da boca

quase sem lábios,

cópias do mesmo espaço

deixado entre eles.

Existências fotografadas

em negativos transparentes.;

duas mentes,

sementes,

avó e mãe.













Contraceptivo



Eu não sei se é o desespero

que me leva à loucura

quando o sexo estupra

a minha alma,

ou a calma

que advém do meu tormento

pelo tempo

que passou em minha palma.

Movimento anormal

de penetração moral

em sua saia,

e no cheiro da indecência,

feromônio da ciência

em uma jaula.

Uma fera excitante

que no último instante, ofegante,

cospe a vida

no seu couro de borracha.

Não há luta, nem corrida.;

há uma triste despedida

de um suposto vencedor

que foi fruto de um amor

e se enforcou

com a própria cauda.

















Milenar



A flor que cheira

ao desabrochar um dia

na noite fria

de uma estação secular,

sente chorar

no orvalho que inicia

a poesia do jardim onde ela está.



O vento dá,

arrancando suas pétalas.;

cores dispersas

na imensidão que há.

Resta uma pá

esquecida entre espinhos,

ovos e ninhos,

uma pegada a traçar.



Triste cantar de uma grande ventania.

Folhas sem guia,

arrancadas do lugar.

Vasos quebrados,

que estranhas sepulturas,

onde a cura

vem da raiz milenar.

Entre o céu e a gaiola



É impossível a uma ave,

acreditar

na mão que agora abre a porta

na intenção de a soltar,

a mesma mão que um dia outrora,

a pôs numa fria gaiola

depois de tirá-la do ar.



Bater as asas e voar,

já não consegue.;

está completamente entregue.

Sua prisão tornou-se um lar.



Como é difícil acreditar

no amor fiel,

se sob o imenso azul do céu,

a traição teima em reinar.



A quem eu posso enganar,

sendo infiel,

se como a ave a voar no livre céu,

limito o meu horizonte

e a todo instante

quero voltar?











Caravelas



O dia nublado,

auréola dista.

Um sol retocado,

vermelho em pranto.

No cruel tratado

de Tordesilhas,

das Terras alheias,

tornei-me dono.

Após ter singrado

mares bravios,

em naus, caravelas,

um nome santo.

Denominado enfim,

Brasil.

Povo gentil

de cores e cantos.

















Soneto da monogamia



Por mais que eu tente,

o tento é pouco.

Não há um outro

amor em minha mente.



Por ti somente,

meu amor, eu sofro.

Como sofre um louco

pelo amor ausente.



Por hoje e sempre,

um escravo solto

que sente a corrente.



Fixo e permanente,

meu olhar de lobo,

ante a chama ardente.















Sabor da vida



Uma boca amarga

que não prova

do sabor da vida

que tão bem servida

numa taça,

transparente passa

no efêmero agora

que o saudoso outrora

jamais eterniza.

























A todos



Conheci o triste,

pelo seu lamento.

Conheci por dentro,

o que sempre ri.

Conheci a ti

no melhor momento.

Conheci a tempo,

a hora de partir.



Conheci do louco,

sua insanidade.

Conheci saudade,

mesmo antes de ir.

Conheci o fim

antes do começo.

Conheci o esqueço,

lembrando que enfim,



conheci a todos

sem conhecer a mim.









A rês



Uma rês que desgarrara,

estava perdida e cega

pela máscara que lhe impusera

o destemido vaqueiro.



O chocalho baderneiro

afugenta o carcará

que acreditara encontrar

seu alimento primeiro.



Longe, escuta o vaqueiro

tangendo o resto dos seus.;

não sabia que era adeus,

a distância do curral.



Presa em um lamaçal,

apavorada e com fome.

Ecoa longe o seu nome

e perto um bater de asas.



O urubu vil aguarda,

e sob o sol, a espreita.

A rês cansada se deita

quando sua força se acaba.

Uma semana passada,

a procura terminou.

Aos urubus espantou

de uma débil carcaça.



Nessa hora acha graça

de tamanha estupidez.

Quando será sua vez,

pois também ele é mortal.



Acredita que afinal,

sua medíocre vida talvez

não passe de uma rês

presa em um lamaçal.

























À morte



A morte

parece uma sentinela

com seus olhos na janela,

traspassando minha alma

na hora que a dor em mim começa,

lentamente, sem ter pressa,

com a sua espada em brasa.



A morte

vem me visitar em casa,

e continua sem pressa.

Seus olhos não me olham da janela,

estão dentro de minh’alma.



A morte,

sob o cobertor, me abraça

e sem pudor me aperta.

Parece ser uma graça,

mas não passa de desgraça

quando a morte me supera.



A morte,

em silêncio e descalça,

uma dama bela e falsa

que pela dor me desperta.

Tão consciente que é certa,

a morte exala

o perfume de minh’alma,

pelas rótulas da janela.













































Tateando



Está em mim

traçar meus passos

em um caminho.

Apiedar-se

por estar sozinho,

não é o meu caso.

Não estou certo

sobre meus fracassos.

Não é se acho,

é se ainda procuro.

Andar no escuro

ou tropeçar no claro

é a razão de tudo.























Amnésia temporária



A vida é uma guerra

numa porção de terra

demarcada.

Para muitos é muito.

Para poucos é nada.

A vida é ridiculamente

engraçada.

É sangue na roupa

que vive ensopada.

Na roupa engomada,

a vida é nula.

Para muitos é dura.

Para poucos é praia.

É água com açúcar,

é calma.

É sol e buzina

na rua apressada.

A vida

é amnésia temporária.

Cadê o bom-dia?

Boa-noite que nada.

A vida é fase terminal,

é fim de corrida,

é luta banal.















Entre rugas e cabelos grisalhos



Envelheço

nas mesmas mãos

que me acalentaram

e jogarão terra

sobre o meu caixão.

Nunca esqueço

quem guia meus passos

para longe do mais triste laço,

o da solidão.

Não pareço,

no espelho olhado,

com a imagem

que eu via antanho.

Como é duro

olhar para o passado

e ver-se um estranho.

Entre rugas

e cabelos grisalhos,

somos companheiros

na compreensão.

Envelhecemos descalços

para nunca esquecermos

de manter os pés

no chão.















Acidente



As luzes dos carros

distorcem minha vista

e na velocidade

a pista se acaba.

Eu vejo minha vida

repassada

como em uma fita.

Na brusca freada,

entre estrelas e o chão molhado,

vejo retratos

da família.

A escuridão me deixa apavorado,

enquanto a chuva fria

me esfria.

Eu sinto um suor quente

que me deixa ensopado.

Não penso em Deus, em anjos ou no diabo,

apenas em meu trágico

padecer.

E nessa hora

eu lembro de você.

Procuro me mexer

mas não consigo.

E no silêncio,

fico estarrecido.

Eu devo ter

voado pela porta.

Agora não importa,

percebo que o suor ás minhas costas,

é sangue.









































O pomar



Desejaria eu, voltar,

se assim pudesse um dia,

como uma folha que caia

num belo pomar.

Seria fruto do amor

que a ave picaria

ou simplesmente uma flor

que beijaria o colibri.

Nesse pomar, poderia ouvir

da água, a cantiga

que sobre as pedras escorria

a te procurar.

Em uma gota cristalina e fria,

eu estaria

como também na poesia

de um sabiá.

Há!

Se eu pudesse voltar

um dia.

Seria a terra removida

para se cultivar.

Seria o vento que movia

um galho a sustentar

o ninho onde haveria

uma ave prestes a voar.

Nesse pomar não caberia

tanta vontade de voltar.

















































A mesma história



Sob um casebre taciturno,

uma criança chora.;

a sua mãe não foi embora,

é tristemente fome.

Não interessa o seu nome,

pois o que importa

é a razão porque não come.

Talvez você não saiba agora

que a culpa é nossa

ou simplesmente se esconde.

Mas, pesa mais do que escombros

sobre nossos ombros,

essa repetitiva história.





















Seriamos infelizes



Eu não iria perdoar

se você me traísse.;

sei que seria triste

ter que continuar.



Nesse ato vulgar,

o amor não resiste

e a dor persiste

sempre a incomodar.



Não se pode sonhar,

nem pensar em futuro.

Abre-se uma fenda no muro

que tende a desabar.



Jamais iria aceitar

como um deslize.;

seriamos dois infelizes,

ao me afastar.



Você poderia chorar

sobre a lápide fria

que eu não perdoaria

essa sua forma de amar.

Capim ceifado



Em um tronco brocado

sento e vejo a criança

ao olhar à distancia,

entre o capim ceifado.



Em seu mundo encantado,

uma doce esperança

que um dia alcança

um adulto cansado.



Há, que tempo malvado!

Que saudade do dia

que eu corria encantado.



Entre o capim ceifado,

era eu que sorria.

Hoje, sonho acordado.















Soneto natalino



Sob o teto, as árvores de plástico

iluminam com luas e estrelas,

os presentes no caule, arrumados

pela família inteira.



Um aperto de mão e um abraço

destinados a quem a gente ama

que feliz se encontra ao nosso lado

e animado nos chama.



Nessa noite de luz e encantamento,

brilha e eclode a cada momento,

um eterno e místico sinal.



Não importa em que língua e em que tempo,

grite forte, solte a voz ao vento:

- Tenha um feliz natal.













É noite de natal



Escuto o dobrar do sino

e vejo anjos, meninos,

brincando e também sorrindo.;

entre eles, um velhinho

chamado papai Noel.



Vejo as estrelas no céu

indicarem um caminho

àquele que está sozinho

a procura de um sinal.



Hoje é noite de natal,

eu estou em pé na porta

a procura de resposta

para um mundo desigual.



Numa banca de jornal

no outro lado da rua,

um menino se insinua

com uma arma na mão,

alguém diz pega ladrão,

ele corre sob a lua

e some na escuridão.



No natal, também há fome,

é a exploração do homem

pelo seu próprio irmão.

Nem o temor à religião

faz mudar o coração

desse rude animal.



Como é noite de natal,

o bem sobressai ao mal,

o sentimento à razão.

É tempo de aprender.

É noite de união,

onde cada coração

tem vontade de dizer:

- Feliz natal.

























Cabra



Sou o cabra

que observa a cabra

ruminante.

Estou em pé

no pé do monte,

sem saber ainda aonde

a cabra vai me levar.

A cabra não apercebe

que sou o cabra que a segue

para vê onde se serve,

pois tá dando pra roubar.

Descubro o lugar na cerca

onde ela teima em passar.

A cabra anda sozinha,

vai à casa de farinha

e bagunça o lugar.

De volta ao outro lado,

cansado de tapar buraco,

ponho na cabra a cangalha

(Uma armação de madeira,

uma espécie de coleira

de forma triangular)

que a impede de passar

pelo buraco na cerca.

Esqueci-me de botar

a tramela da porteira

e à noite, a cabra faceira

fugiu pra não mais voltar.

Agora, sou conhecido

como o cabra esquecido

que uma cabra pôde enganar.

Se acaso à cabra, encontrar,

o cabra aqui vai pagar

uma boa recompensa.

Não sou cabra de ciência,

perdi minha paciência,

essa cabra eu vou matar.



























Fantasia ou loucura



A ilusão caminha solta pela rua,

onde as calçadas são de pedra de sabão.

Os transeuntes são apenas esculturas

que se derretem sob a chuva

numa eterna ilusão.



Rente aos telhados passa, a luminosa lua,

transformada numa bolha de sabão.

Há dentro dela, uma bela dama nua

que na sua face oculta,

amarga desilusão.



Observando esta cena, continua

extasiada com sua imaginação,

a inusitada e sombria figura.

Será fantasia ou loucura,

essa alucinação?















O atleta



Na mais estranha quietude,

o atleta se despede de sua juventude.

Uma nobre atitude

é o que a todos parece.

Mas o atleta, em silêncio,

faz uma prece:

O mundo que me ajude.

Tanta medalha no peito.;

contra o tempo não tem jeito,

o atleta foi vencido.

Hoje, um velho envaidecido

que com a vida ainda compete.

O atleta ainda se veste

com a camisa da coragem

e na sua jovem imagem

se espelha

e mantém ainda acesa,

a chama da liberdade.

Nem tristeza e nem saudade,

mas sua vasta idade

é que o condena.

O atleta

finalmente sai de cena.

Ainda à espera



Eu adorei meu tempo

como adorei a ela,

tal qual adoro o vento

que invade a janela,

trazendo o sentimento

de um jovem ciumento

que achava a vida bela.



Meu corpo era um barco.

Meu coração, sua vela.

Meu tempo era parco.;

achava eu, que não era.

Minha idade é o marco

onde aportei meu barco,

deixado à espera.

















Entre poeta e animal



Eu vejo um corvo voar

por cima de um telhado.

Ele pousa do outro lado,

onde mora o Edgar.



Um pica-pau a viver

numa árvore que resiste

e dá de ombros ao Nietzsche

que continua a escrever.



Escuto uma cabra balir

e Saba com ela falar.

Curioso para olhar,

levanto e saio dali.



Vejo um gato brincar

no meio da rua, à toa.

Então percebo o Pessoa

na janela a observar.



Além da vida real,

há um mundo de poesia

que afinidade propicia,

entre poeta e animal.















Pó da imaginação



Procurei pelos campos,

campanários,

sob antigos telhados

de igrejas,

na mais profunda caverna

e muito além da terra,

meu planeta.



Procurei entre humildes e bastardos,

entre corpos cremados

de profetas,

desde o mais antigo sábio

à teoria mais moderna.



Procurei em recôndita aldeia,

nas profundezas do mar,

na melodia da areia

espalhada pelo ar.



Nas delicias do prazer,

na loucura dada ao vício,

na força que tem o querer,

no engodo do artifício.



Na mais completa biblioteca,

no conceito violado,

na pena de um velho poeta,

pelas lentes de um letrado.



Nos sonhos de liberdade

do preconceito da cor,

nas chamas da vaidade

das letras que falam de amor.



Procurei em cada beco,

cada gueto,

um a um.

Procurei entre os segredos

dentro de um copo de rum.



Nada encontrei nessa busca,

que durou por toda a vida.

Só uma luz nos ofusca,

a do sol que irradia.



Não encontrei céu ou inferno,

nem par de asas ou tridentes.

Encontrei homens como eu, que de perto

não são diferentes.



Encontrei sim, sofrimento

de um ser desesperado

que se agarra ao pensamento

de que há um outro lado.



Que quando enfim, der adeus

aos seus entes mais queridos,

será levado por Deus

a um eterno paraíso.



Só fé, pó da imaginação,

que o vento da realidade

sopra em busca da razão

e o que parece verdade

é apenas ilusão.

























Onde a felicidade está?



Eu não consigo ser feliz

enquanto há fome e miséria

no país em que eu nasci

e amo tanto,

diz

o idealista franco.

Eu vejo uma criança em pranto.;

a cruel fome e o desencanto

de uma mãe que já não canta,

pois há um nó em sua garganta,

não há almoço, nem há janta.

Lá pelas tantas,

eu vejo um velho infeliz

que amarga sua prece.

Porque o mundo me esquece?

Apago a chama que me aquece,

vejo o mendigo que se enrijece

diante da força do frio

que me provoca um arrepio

só em pensar.

Como alguém pode aceitar

tão desigual situação?

Sinto uma grande comoção

quando vejo um irmão

que vê outro padecer

enquanto assiste à TV,

e não se importa

quando um outro bate à porta:

-Perdoa-me, não posso agora.

Onde a felicidade está?

Pois ao se por em seu lugar,

sou infeliz,

por que assim você me quis.

Jamais quero ser feliz

vendo a desgraça de outrem

que comparada a uma raiz

se desenvolve muito bem

debaixo de nosso nariz.



























Hoje é natal



Pelo mundo

se espalha um sentimento

que é antigo e permanece atual.

A humanidade até o coevo momento,

comemora o histórico nascimento

de um mito espiritual.



Piscam as luzes

tal qual olhos que paqueram.

Assim celebram

essa noite especial.

Feliz natal!

É o voto mais sincero

de um amigo pessoal.





















Sonhos



Os meus sonhos

são apenas fragmentos de memória,

pequenos focos de luz

como cristais dispersados

num caleidoscópio de pensamentos,

distorções esdrúxulas da realidade.

Rumores, amores e momentos,

abertos numa gaveta destrancada.

Minhas pálpebras fechadas

num caixão de quase nada.

Um quase definido como os sonhos

que são versos que componho

numa noite agitada.

Movimento involuntário dos meus olhos,

que entre risos, ainda choro

por apenas acreditar sofrer.

Entre cartas mal escritas e seladas,

vem a calma ao chegar o amanhecer.

Vem enfim, o esquecimento

desse quase fingimento

que é sonhar.













Dois desconhecidos



Num vôo sem asas,

alcança o céu, em sua imaginação.

Calibre na mão errada.

Queima um coração

num fogo sem brasas.

Casa com janelas e portas entreabertas

onde a solidão reinava.

Uma companhia tão indesejada,

que em pouca conversa,

a noite acaba em desgraça.

Depois, um silêncio.

Pouco a pouco, o vento

enxuga uma mancha que há na sala.

Um desconhecido agoniza ao chão,

outro corre na escuridão.

Longe, um ladrar de cão.

Uma injustiça nunca reparada.















O pateta



De pé, o poeta observa

as pessoas que caminham nas calçadas,

em um vai-e-vem constante.

Imagina a todo instante,

o que para si reserva,

cada pessoa que passa.

Umas acreditam certas,

outras ao contrário, erradas.

O poeta observa sem pressa,

devagar o tempo passa.

Uma face parece bela,

outra feia e macabra.

Tenta ler os pensamentos

de cada um, no momento

que atravessam a calçada

onde tal qual uma estátua,

o poeta os observa.

Quem será esse pateta

com uma cara de babaca?

Sou uma lápide indecisa,

cuja frase em si escrita

não significa nada.













Soneto do aconselhamento



Converta-se ao cinismo do que seja,

louvado sob o dogma de uma fé.

Em ternos engomados, se deseja,

oculta a realidade de quem é.



Entregue-se ao pecado e padeça

nos braços de uma dama que o quer.

Esconda os seus atos e não esqueça,

a vida é breve, faça o que lhe aprouver.



Não diga a verdade e será considerado

um cidadão honrado e respeitado.

Suas vestes vão dizer quem você é.



É tristemente hipócrita a humanidade.

O preço que se paga é não ter a liberdade

e viver num faz de conta que não quer.















Sono sem sonhos



Por ser a morte

um sono sem sonhos

sem amanhã para recordar,

uma escuridão eterna em tamanho,

um inconsciente

sem memória pra lembrar,

é que eu a temo tanto

e também a canto

em dolorosos ais.

Não vislumbro sinais

que me levem a tal sorte.

Meu medo da morte

é ter a certeza

de não te ver, princesa,

nunca,

nunca mais.

















Coveiro



Entre corpos velados,

de joelhos.

Entre lábios selados,

um desfecho,

como as covas que cavo.

A ferrugem do prego

que eu cravo.

Na madeira um estalo,

traz o medo.

Na demência, o segredo

de um fim trágico.

Na ausência, um lapso,

um desterro.























Alice



Uma personagem que existe

e habita o mundo real.

Minha amiga mais leal,

minha querida Alice.

Somos mais que mãe e filha,

mais que laço de família,

duas faces de um cristal.



Compartilhamos com o tempo,

alegria e sofrimento,

a certeza e o talvez.

Nenhuma lágrima desfez

nossa eterna companhia.

Soube qual o papel de filha,

quando mãe por minha vez.



Duas lições tive em casa:

da mãe e da professora.

Nada na vida é à toa,

o destino me ensinava.

Sigo, mãe, com a família.;

pois ainda segue, a guia

que me levou a essa escolha.















É natal



Não é o meu nascimento,

nem jamais seria o seu.

Isso já faz muito tempo,

que acreditam, aconteceu.

Presépios tentam lembrar,

o que você esqueceu.

Não quero o mundo real,

esse que me dá adeus.

Quero gritar: É natal!

Nasceu o filho de Deus.





























Predestinou-me, a solidão



Uma donzela fina

que em meus braços

beija.

Um pescador caleja

seu rude coração.

A solidão

que predestinou-me, um dia,

a dor ainda viria.;

a dor da ingratidão.

No adeus de um amor

que não voltou jamais,

o vai-e-vem

de uma onda

que arrebentou o cais.

O naufragar

de um barco à deriva

por um vento frio

que me deixou um vazio

que nem a própria morte

o suportaria.















Paixão pelo luar



Quem sabe dou um beijo

na lua que me espia.

Amigo,

quando for dia,

o sol que irradia,

vai querer me queimar.

Como é difícil amar

quem brilha tão distante.

Eu sempre fui amante,

um poeta delirante,

diante

de um belo luar.

























Bornal de caçador



Vejo pela janela, distante,

a liberdade de um condor

que voa com esplendor

sobre a planície verdejante.



E vejo antes,

meu bornal de caçador.



Minha tristeza e pudor

ante um espécime empalhado

que sob o velho telhado

desafia minha dor.



E vejo antes,

meu bornal de caçador.



Um ninho de beija-flor

no alpendre, me desarma,

dependurado com a arma,

hoje, sem nenhum valor.



E vejo antes,

meu bornal de caçador.



Escuto um estampido distante.

Sendo agora um defensor,

retiro do quarador,

ainda manchado de sangue,



o que era antes,

meu bornal de caçador.

























A greve



Descobrimos uma forma de lutar sem armas,

cruzamos os braços

no pátio da fábrica.

Reivindicamos apenas melhores salários,

não quebramos janelas,

nem queimamos carros,

cruzamos os braços.



De repente, fardas e homens armados.

Cidadãos feridos,

outros arrastados.

Como animais, foram enjaulados

pelo que fizeram,

cruzaram seus braços.



Para os libertar,

um advogado

que recebe altos honorários.

Os homens de fardas

foram condecorados

por terem espancado

os operários

de braços cruzados.













E se fosse você?



O vento me distrai,

levando areia sobre o asfalto quente,

enquanto estou à sombra do alpendre

e de repente,

uma telha cai.



Assusta-me, o fato conseqüente.

Mas não perturba à minha doce paz.

Enquanto uma réstia, ali se faz,

abre-se ainda mais,

o sol ardente.



Uma cadela velha, até demais,

com chagas pelo corpo tão doente,

procura abrigo embaixo do alpendre.

Agindo asperamente,

a fiz voltar atrás.



Talvez eu tenha agido cruelmente.

De fato, muita gente não o faz.;

divide seu espaço com animais,

mas jamais,

com sua gente.















Eco



Eu escutei uma canção que vinha

de alguma ilha

no meio do mar.

Ela falava de uma noite fria,

de alguém sem companhia

e do mais lindo luar.

A mesma lua

que dali eu via.

A mesma noite,

tão fria, eu sentia.

A melodia,

o vento trazia.;

assim,

eu me ouvia

no eco,

a cantar.

















Dislate



Talvez minhas palavras sejam tolas,

minhas ações, inconseqüentes.;

as minhas brincadeiras, ironia.;

eu próprio seja falho e negligente.



O meu discurso seja sátira.;

minha seriedade, uma piada.

O meu humor seja mau gosto.;

o meu dislate, permanente.



Meu riso entre dentes, atimia.;

a minha faina seja ociosa.;

meu pranto, uma lição jocosa

e o jeito infantil, idiotia.



Talvez a minha vida seja um fracasso.;

meus versos, um engodo imoral.

Em epítome, sou um gracejo nefasto.

Meu desejo, um esboço abnormal.











Letras tortas



São raros meus momentos de silêncio.

Quase sempre,

minha mente

está em polvorosa.

Palavras tão desencontradas

que intimidam

minha alma inquieta

e nunca ociosa.

Um legado aos pósteros,

os pensamentos toscos

que registro em papel sem pauta.

Dissonante flauta

em notas musicais,

que não são mais,

que minhas letras tortas.



















Poema de dois versos



Quem espera o meu regresso,

cansa.





























O velho sofá



Ampliamos os nossos sentidos

no encosto do velho sofá.

Quantas vezes, os trêmulos joelhos,

sob o peso do abissal cansaço,

surpreendem o nosso abraço

num discreto segredo?



A penumbra suaviza o desejo.

Mesmo assim,

enlouqueço e esqueço

que estamos na sala de estar.

Um gemido que a garganta cala.

Uma mão atrevida que pára.

Vamos recomeçar.





















Flores no deserto



São flores exuberantes

no deserto,

entre espinhos e areia,

meus versos,

ou talvez miragem seja,

entre patas

de uma cáfila

que passeia.

Uma nuvem de poeira

não encobre

o colorido das flores,

nem os odores

que exalam.

São escravos de um nobre,

que combóiam a caravana.

O enigma que acompanha

as pirâmides.

Os meus versos, tão distantes

dessa ponta de caneta,

semelhante flores, na estreita

ilusão

de que são versos.















Indolentes



Meus olhos pedem tanto

e não retribuem nada,

são vazios como a escada

que me leva até o sótão.

A eles não importam,

tristes lágrimas.

Diante de uma dor,

eles são impiedosos.

São pedras calcinadas

pelo tempo.

Esporos peçonhentos

que não choram.

Parecem duas mães

que se consolam

enquanto apunhalam

suas crias.

Em meio às conquistas,

se defloram.

Jamais imploram,

o perdão de suas vitimas.



















Poemas de minha alma



Tenho um corpo oco

como um toco.

Sou apenas casca.

Sentimentos soltos

dentro de um coco

ainda cheio d’água.

Ajuntei apenas

um ou mais fonemas.

Transformei-os em versos

num simples reverso

de minha própria cara.

E cada poema

que julgam ser meu,

é de quem morreu

ou de minha alma.



















Out door



A vida,

talvez seja a liberdade

da criança no balanço

no out door.

Tão só,

com um sorriso iluminado.

Enquanto pela janela do carro,

eu observo

no contraste da escuridão,

a eterna ilusão

de que estou

no out door iluminado.

























Quando o meu neto for um velho



Quando o meu neto for um velho,

eu serei só lembrança

de um vulto triste e sombrio

que vivia à distância,

que era enigma e desafio

aos olhos de uma criança

de pé à sombra de uma imponente árvore.

Não serei jamais saudade,

por ter sido alheio

e não ter nenhum anseio

de beijá-lo e de sorrir.

O que seria ao partir?

Apenas desconforto.

Um homem que já estava morto

e teimava em não ir.



Quando o meu neto for um velho,

talvez nem mesmo queira,

ver a mais horrenda caveira

em moldura de um século,

apelar por um regresso

com insistência e dor.

Uma figura sem amor,

sem cor, sem esperança,

que foi na sua doce infância,

mistério e pavor.



Quando o meu neto for um velho,

serei ossos velados,

levados através do tempo

pelo esquecimento,

por que jamais seria amado.

Em velhos livros empoeirados,

encontrará escritos

que não revelarão quem fui,

e também qual a cruz

que os meus ombros carregaram.

Não descobrirá cansaço

para minha estranha ausência,

nem tampouco, inocência,

nos meus atos de culpado.



















Aos pósteros



Para impedir que fossem as minhas palavras,

o suspirar de uma boca não ouvida,

borrei de tinta as paredes esquecidas

numa caverna há muito tempo desabada.



Pus hieróglifos em pedras arrumadas.

Risquei os templos com frases sem sentido.

Em pergaminhos antigos e papiros,

deixei escrito, idéias rejeitadas.



Em línguas mortas, ainda estudadas,

deixei nas páginas de um antigo livro,

versos perdidos em linhas rabiscadas.



Da antiga pena em tinta mergulhada,

sobreviveu minhas palavras sem estilo

à mais moderna e refinada esferográfica.















Enquanto eu nascia



Enquanto eu nascia

e minha mãe se contorcia

de dor,

a meninada pro quintal corria

pra não ver do sangue

nem a cor.

Não uso o nome,

uso o apelido.

Havia os filhos

de Nova de Perigo,

que em suas fezes

se encontravam vermes,

e enquanto eu nascia

pelas mãos de Dulce,

as verminoses provocavam o cuspe

de minha prima.

A vida ensina

de maneira estranha.

Enquanto uma cria

nascia na cama.;

lá no quintal,

os vermes se mexiam,

ao perderem a vida

fora das entranhas.

É...



O que é

ser normal

para uma criança especial?

É ver alguém deficiente

por ficar triste ou doente.

É caminhar entre o bem e o mal

permanecendo inocente.

É ver a vida, como tal,

um passatempo diferente.

É nunca parecer igual,

diante de toda essa gente.

É ver de forma natural,

o estranho mundo à sua frente.

É acompanhar o racional

com passos de quem muito sente.

É ouvir o mais sábio casal

usar uma frase comovente:

“Nós somos pais deficientes

para cuidarmos de uma criança especial”.

















Em demasia



Eu sou demasiado triste,

pelos versos que componho.

Eu sou demasiado louco,

pelo pouco

que proponho.

Não deveria o mundo ser assim,

em demasia.

Talvez não seja o mundo,

seja enfim,

minha poesia.

Demasiada em meu tédio,

sem remédio,

em grafia.;

em longas noites mal dormidas.;

nos insultos

que eu ouvia.

Não caberia em minha mão,

toda a visão

que em mim cabia.

Eu sou demasiado em tudo,

que ironia,

demasiado em meu luto

por ser fruto

de utopia.

Em demasia são os dias

que me escapam entre os dedos

como uma teia

que é lânguida e esguia.

O mais sublime pensamento

que perde tempo

em demasia.

Demasiado, meu tormento,

pelo tanto

que eu não via.

Demasiadamente eterno,

meu inferno em agonia.

Em demasia sou

quem sou,

um astronauta que acordou

num mundo estranho

em demasia.





















Escapulário



Semelhante a um maltrapilho,

pela margem eu ladrilho

meu caminho.

Torturado pelo espinho

que me espeta.

Um anônimo profeta

sem destino.

Entre regras que ensino,

a mais púdica exceção.

Escapulário na mão

alivia ao colarinho,

o peso do sacramento.

O mais lascivo pensamento

traduzido em sermão

pela mão de um presbítero.

Dessa forma eu duvido

de que sou uma criação.

Transformado em ilusão

pela mão de um poeta

que tem a fé encoberta

pelo manto da razão.















Agnóstico



Não me pergunte nada,

porque de nada sei.

Apenas acredito

que é incognoscível

a real lucidez

de um mundo inebriante.

Não quero ser pernóstico.

Por ser um agnóstico,

sou dúvida constante.

Sou uma pequena forma

que a multidão deforma

por me manter distante.

Mito sacrificado,

herança de um primata,

sou aquele que mata

o anjo e o macaco.

Não me convence histórias

e antigas teorias.

Nem mesmo a ciência

com sua sapiência,

também convenceria.

Talvez a metafísica

do cartesianismo

e o transcendente abismo

de nossa inconstância.;

quem sabe a esperança,

a fé em sua pujança,

não sejam um estágio

pra desvendar o pelágio

de nossa ignorância.





























Poeta de bancada



Escuto o retinir

do martelo na bigorna,

o galope na água morna,

de um corcel à beira-mar.



Na poesia popular,

um cordel de sete versos,

um soneto em si disperso,

de um poeta a sonhar.



Que entre capas quer deixar

um pedaço de sua vida,

a poesia colorida

pelo gosto de rimar.



Nunca pare de pensar.;

não importa a idade.

Um poeta de verdade

nunca deve se calar.











Anamnésia



Um pequeno verso

que se mumifica

em sua eterna subjetividade,

dentro de um sarcófago

de maturidade,

num poema velado

por um antigo vate

que em sua anamnésia

guarda a mais poética

saudade.































Visita ao velório



Eu te vi deitada,

você não sorria.

Só a morte via

que você chorava.

Ainda criança,

de nome Maria.

Como adormecida,

por ninguém, velada.

O que esperava?

Juro, não sabia.

Uma pele fria,

embora enrolada.

Rosa, não havia.

Mas por que cheirava?

Perfume da vida

que a morte exalava.

















Antônimo de mim



Poemas que não me dizem nada,

quanto há tantos, nessa estrada,

que ainda desejam ouvi-los.

Declamações que me aborrecem,

porém o mundo não esquece,

embora eu tenha esquecido.

Antônimo de mim

são versos que enfim,

eu jamais citaria.

Mesmo na poesia,

a fé como utopia,

ao cético poeta

não pode enganar.

Assim, não espera,

para não se cansar.

Por convicção,

mantenho na mão,

não acreditar.













O ajoelhado



Não diviso seu rosto,

posto

estar ajoelhado.

Fito suas sandálias

e as bordas do seu vestido rasgado.

Suas mãos ainda pingam sangue.

Ela chama o meu nome,

sua voz é de calma.

Enxuga minhas lágrimas

com o hálito da alma.

Tão forte é o peso de sua decência,

que em minha incoerência

ainda sou perdoado.

Permaneço ajoelhado,

a noite inteira.

Vejo livre a cadeira

ao seu lado.

Não consigo sentar

por não ficar de pé.

Diante de tanta fé,

permaneço ajoelhado.

















Os degraus



Não importa se você me segue,

se sobe ou se desce

os velhos degraus.

Ou se corre para o novo templo,

ou mesmo se tranca

em seu pensamento,

o bem e o mau.

Pouco importa se há vela acesa,

se há santo na mesa,

se há livro sagrado.

Sei que está ao meu lado.

De olhos fechados,

irei enxergar.

Não precisa gritar aos ouvidos

de um homem perdido

que não quer rezar.

Talvez jamais reconheça,

do mundo esqueça

e volte a chorar.

E você pelo mundo se perca,

um anjo sem alma

que não pode galgar,

de volta,

os degraus da escada.





















A missão



Pregaram enormes cravos

em jovens crucificados,

e entre eles eu,

um brasileiro rude e aleijado.

Em cada golpe,

nossos nomes eram exclamados.

Uma região tão cheia de miséria,

tão seca e tão ardente.

Escorria em suas mãos,

um sangue quente

e secava de nossas bocas,

a saliva.

Enfim nossa missão fora cumprida.

A sua então,

está em não

acreditar.

















Pescadores de almas



Usavam uma rede engraçada,

trançada de palavras

em forma de charada,

uma mantilha

e um estranho linguajar.

Um poeta

e um homem arrojado.

Não eram com a terra acostumados,

Porém, eram ases no mar.

Nunca fizeram milagres.

Viajavam pelos mares,

tentando ensinar

como andar sobre as águas salgadas.

Suas almas,

tentaram pescar.

Suas almas.

















Restrição mental



Teclas com letras desenhadas,

seguindo o comando de meus dedos.

Mistérios e histórias reveladas,

expondo os mais recônditos segredos.



Um transe no fastígio de minha fé,

enquanto meus dedos se movimentam.

Estranha hora para eu ficar de pé,

quando as pernas não mais, me sustentam.



Palavras de um sentido abnorme.

Enorme transgressão espiritual

nas bases de um denodo paranormal.



Psicografo usando outro nome,

em letras de uso universal,

essa minha restrição mental.













Pelintra



Quer enganar a quem,

querer voltar pra casa?

Quer convencer-se, bem,

que é vergonha na cara?

Deixo você fingir ser casta.

Deixo você achar que basta

querer voltar pra casa.

Quer disfarçar que é zen.

Quer vestir-se tão bem

e não tem nada.

Quer viver com pompa?

Agora pague a conta

ou saia.

Deixo você pensar que tem

alguma coisa que me agrada.

Quer me enganar e vem.

Sou predador, meu bem.

Você é minha caça.













Um passeio no parque em dois mil e quatro



Eu vi um corpo enforcado à distância.;

era um parque infantil.

É a fachada

do trem fantasma.

Onde estão as crianças?

Hoje o terror é diversão.

Samba não é só música,

é brincadeira confusa,

sem graça.

E a criança, o que acha?

Olha o tamanho da barca!

Parece um grande navio.

Da proa vê-se a cidade

e rindo de felicidade,

uma criança diz:

- Bom é o desafio.

E na barriga, o frio,

numa montanha de ferro.

Sobe aos céus,

desce ao inferno.

Onde as crianças estão?

No parque de diversão.

















Saudade de casa



Eu queria ir para casa

dar um beijo nela

e um cheiro na cabeça dele.

Meu pequeno, vez em quando, na janela,

esperando que eu chegue.

Estou chegando em casa,

filho,

tenha calma.

O mesmo pra você,

minha doce amada.

Esta fria moldura

enclausura

suas almas.

O vento

que à sala invade,

é saudade.

O tempo

se torna esguio

como a lembrança.

Um enorme vazio

atalha

e alcança

meu absorto coração.

















O nome é um só



Posso cortar os pulsos

e no mesmo impulso

sugar o seu sangue

para não morrer.

Também inocular veneno

e aplicar a tempo,

um eficaz antídoto,

você.

Mas não posso manter em segredo

quem sempre amei.

Todos sabem de cor.

Pois o nome é um só,

o que eu sempre chamei.























Lendário



Sou um lobo expulso

da própria matilha.

Sou a mão que calça

a velha servilha.

Sou barca espanhola.

Sou uma pandemia.

A minha influenza

navega na quilha.

Sou o rude corsário

deixado na ilha.

Sou o terrífico esqueleto

na flâmula sombria.

Anoso e lendário,

sou um centenário,

cabal revelia.

















Cochilo operário



O serrilhar constante

da cerâmica

alcança meus ouvidos.

Abro os olhos

um instante.

O barulho é reduzido.

O pó espalhado pela casa,

como ave, cria asa.

Nevoeiro colorido.

Eu retiro

o encosto da cabeça.

Antes que eu mesmo esqueça,

este não é meu abrigo.

Sou apenas um operário

que na hora do trabalho,

dá um pequeno cochilo.



















Nostálgica viúva



Quem é aquele rapaz?

Nessa distância,

ele me lembra você.

Uma remota criança

que aos meus olhos

não vê

o pai que em passos de dança,

dizia: - Amo você.

Quanta saudade, meu velho,

que chega, o peito, doer.

Esse rapaz, mesmo sério,

lembra-me muito você.

- A sua bênção, minha mãe.

Escuto ele dizer.

- Seu pai, do céu, abençoa.

Ele sorri meio à toa.;

só acredita se vê.

Parece mesmo você.













Ter ou não ter?



Mulher, aprenda

o que um homem pode ser.

Talvez,

ele jamais se arrependa,

nem mesmo entenda

que também a fez sofrer.

Não há remorso,

por não perceber a culpa.

Não há desculpa,

por não ter o que dizer.

Mulher, entenda,

não revide, não se ofenda.

O homem é prenda

que não vale a pena ter.

Riso e lágrimas,

cabe àquela que o tenha.

Escancarada,

fica a porta do querer.

Ter ou não ter?

É pergunta sem resposta.

O homem é encosta

que não dá para descer.















Verbo encantado



Há cercas, mato quebrado.

No galope selado, há um porquê.

Há nuvens, vento soprado.

Há chuva no telhado, a escorrer.

Há lua no céu marcado.

Há um atalho que me leva até você.

Na volta, um único pecado,

aquele de não me satisfazer.

Há flores, jardim plantado.

No fértil chão molhado, um querer.

Há dores, sertão velado.

Um homem condenado a correr.

Há muitas e muitas coisas

que eu jamais vou entender.

Há fome, vício e violência.

Ciência, Deus e o diabo.

Haver é verbo encantado.

O seu encanto é haver.













Apesar



Um riso triste e disfarçado

entre amigos

que nos levam à infância

numa folga breve

do trabalho.

Desmiolado e ferido

em um abrigo na lembrança.

Não somos mais

que uma criança

sem juízo.

Apesar do velho riso

e do cansaço,

resta-nos, a esperança.























Soneto do reconhecimento



Debruço-me sobre meus livros,

enquanto ponho tudo a perder.

Escuto sua voz, solta em gritos.

Reclamações de tanto a fazer.



Eu vejo em meio às páginas,

um mundo que ninguém consegue ver.

E sofro por entre lágrimas,

por tudo que nos possa acontecer.



Os meus anéis, circundam os dedos.

Punho fechado, não consigo esconder

a fúria por manter tantos segredos.



Dias a sós comigo mesmo,

eu vejo o que eu seria sem você,

apenas cicatrizes e muito medo.















A pintura



Mar revolto.

O céu exposto

como uma pintura.

A essa altura,

os meus olhos estão encantados.

Eu sentado

na areia fria.

Amanhecia

e eu ali calado.

Nos coqueirais,

o vento se insinua.

A fina chuva

simplesmente cai,

tal qual as lágrimas de uma virgem nua,

quando o amor se vai.

Acena o sol

com dedos em mistura.;

tonalidades de uma bela cor.

O seu amor,

estupenda moldura.

Sua figura,

delicada flor.















Perda de tempo



Talvez eu seja uma perda de tempo.

Mas, amar é o que eu tento,

e tentar é um esforço

redobrado pouco a pouco,

no que falo,

no que penso.

Entre minhas ações tortas,

distrações atrás das portas

que se abrem em silêncio.

Em seus atos ciumentos,

sou a culpa.

Não se julga,

quando se é condenado.

Sou um fim quase acabado,

uma luta

num começo renovado.















Dúbio



Sofro

por não saber

porque eu choro.

E todo dia

eu me consolo

em silêncio.

Sofrer por dentro,

não molha os olhos.

Mas fere a alma

e o pensamento.

Há muito tempo,

eu sofro e choro

de amor,

de ódio

ou fingimento.



















Tenra beleza



Não há estrela no céu

que possa me iluminar

como a tenra beleza

que ofusca o meu olhar.

Não há

na vida um lugar

que cause maior tristeza

que aquele que distante está

da sua tenra beleza.

Por mais escuro que seja

a estrada da solidão,

a claridade que enseja

é fruto do coração.

E mesmo se digo não,

o sim é flor em colheita.

O cheiro de uma paixão,

exala quando se deita.















Idos anos



Bateram na porta.

Minha alma

que parecia morta,

acorda

em pranto.

Depois do espanto,

volto a dormir

com a mesma calma

dos meus idos anos.































Eles não



Eles não têm culpa.;

e se têm,

eles serão mortos.;

e se não,

eles serão súditos.;

e se súditos,

rei

nunca serão.

































Óculos



Quem sabe os óculos

fazem parte de meu rosto.

Uma completação

à visão que já me falta.

Óculos modernos,

atualizam minha cara,

seja plástica ou metálica

sua exótica armação.

Um par composto,

que nem sempre é bom gosto.

Pernas abertas,

pendurada no nariz,

a armação nada me diz,

nas orelhas, apoiada.

Quando eu quebrei a cara

ela escapou por um triz.

















Fé do carvoeiro



Deixei de falar com Deus

por não ouvi-lo dizer:

- Estou te escutando, filho,

diga o que quer saber.

Sozinho eu tive que aprender

que o mundo sabe ensinar.

Chorei para poder crescer.

Sorrio para não mais chorar.



Deixei de implorar a Deus

por ele não atender,

não o que eu tinha a pedir,

mas para não ver sofrer.

Tanta inocência perdida.;

tanto para se fazer.;

quantas súplicas de perdão.;

quanta oração dividida.;

o agravo da omissão.;

a revogação em vida.



Deixei de acreditar em Deus

por uma dedução lógica:

Não há como evitar o adeus.

Depois do adeus não há porta.

Sem entrada, sem saída,

resta a fé do carvoeiro

numa terra prometida

sob um denso nevoeiro.





















Minha vergonha



Minha vergonha, talvez

não seja pela nudez

e sim,

pela insensatez

de atos indecentes.

Minha vergonha é ser gente

moderna.

Sinto saudade da antiga caverna

em que morava.

Minha vergonha é você na senzala.;

é ver uma mãe que se cala

por ver seu filho com fome.;

é falsificar o seu nome

para esnobar toda minha ganância.;

é manter o povo na ignorância

para me eleger.

Minha vergonha é matar por prazer.;

é promover a discórdia,

levando o mundo a crer

na mais incauta história.

Minha vergonha

sou eu.;

é você.;

é toda essa mixórdia.

















Fiz essa poesia



É manhã,

algumas pessoas nas calçadas.

Transeuntes que passam,

um bom-dia.

Uma pequena cidade retratada

em versos de minha autoria.



Um amigo que fala em vencer.

Outro ri

como símbolo de alegria.

Os telhados

parecem nos dizer:

-Olhem a minha harmonia.



Oficinas

com manchas nas paredes.

Nas lojinhas,

as bonecas de plástico.

O sisudo que vende suas redes

e o curto das saias com elástico.



Ante os olhos

que nos viram crescer,

no imenso sofrer dessa partida,

não pude na hora, me conter,

quando fomos

em busca de outra vida.



Vi o mundo.

Mas nada pude ver

que fizesse me esquecer

daquele dia.

Quando tive vontade de escrever,

eu fiz essa poesia.



































Na escada



E enquanto eu causo náuseas ao mundo,

sou imundo,

o quanto ele também é.

Na minha boca,

o cigarro faz fumaça.

Não tão alta

quanto a enorme chaminé.

Na minha mão,

empunho uma pequena arma

que não mata

tanto quanto o mundo quando quer.

A minha língua

pode até ser afiada.

Porém, mantém-se calada

ante a voz de um boato

do mundo inculto,

do mundo hipocritamente incauto.

A sujidade de meu corpo

não é nada,

comparada ao esgoto

que é o mundo.

Esse mundo me dá nojo,

e eu vomito na escada.





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