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Poesias-->Poesia no lixo -- 19/03/2007 - 17:30 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



Nutro uma grande admiração pelo estilo próprio do poeta, principalmente quando enceta com um título no qual mostra toda a sua criatividade.

Poesia no lixo é mais que amassar esboços de poemas e arremessá-los fora, é toda uma composição poética que silencia em um cesto de lixo.; mas que pode gritar nas mãos de uma criança que perambula à cata de lixo e a encontra.

Ressaltei o título pela sua ênfase literária, o que parece abordar uma situação de descuido, ao contrário, há uma extrema preocupação com os versos que se encontram no lixo do poeta.

O autor através de versos soltos modela poemas que sintetizam situações momentâneas, assim como o ato de arremessar um papel amassado em direção ao lixo.

Quem sabe, num ato de arrependimento, o poeta se agacha, retira do lixo seus poemas e resolve lançá-los neste belo livro, sua Poesia no lixo.



André Tales

















Poesia no lixo



Há o riso, o amor, a liberdade,

uma prisão, a dor e a saudade.;

também há flores, um barco e até o mar.;

folhas, o vento, o tempo e um lugar.

Há incertezas, suas razões, confirmação,

o universo, um mundo inverso, indagação.;

há quase tudo,

há todo um mundo,

o mais profundo de um coração,

dentro do lixo de um poeta.





























O quadro mágico



Revi alguns amigos

num quadro mágico:

Henrique

poderia ser oitavo.;

Jorge

mataria um dragão.;

Ciro

seu irmão,

talvez romano.;

não há engano,

Carlos,

um ator em aflição.;

Mário

poderia ser Andrade.;

Eudes

desenharia saudade.;

Gladis

seria um gladiador.;

Durval,

um verdadeiro gigante.;

e Leonardo,

um Da Vinci sonhador.















Idem



Olhos vivos

que só vêem o que querem.

Molho de chaves na mão,

que abrem as mesmas portas.

No calendário,

um dia é igual ao outro.

A boca sopra

os mesmos verbos.

Ações cotidianas,

levantar,

andar,

sentar,

deitar,

são repetições humanas

(adestramento coletivo de infância).

Pernas que circundam

num leva e traz sem destino,

que se abrem

dando a vida,

que se juntam

face à morte.

Somos os mesmos,

temos a mesma cabeça,

e na busca dos desejos,

nunca esqueça,

quem fala mais alto

é o nosso coração.

Grita em repetição

cada face, como louca:

-Eu sou uma.

Tu és outra.

Somos a mesma expressão:

Olhos, mãos e boca,

pernas, cabeça e coração.























Pronomes



Sou eu

o que você é.

Ele é

o que eles são.

Tu és

o que vós

também sois.

Assim somos nós,

pessoas

não tão retas

como o caso.























Banco de praça



Estou sempre acolhendo

a quem passa,

simples banco

de praça.

Ouço pranto

entre lágrimas derramadas,

desencanto,

gargalhadas,

desunidos em reconciliação.

Casais jovens e velhos

abraçados.

Entre planos

que não são concretizados,

vejo loucos disfarçados

de sãos,

diferenças que os tornam tão iguais.

Entre gestos insanos,

ninguém mais

me parece humano.











Olhos vendados



Meus olhos copiosos de tristeza

não vêem o que se passa aqui.;

enquanto vão chorando na vileza,

acreditam que um dia irão sorrir.

No viciado tinto da obediência,

escravizados a aceitarem o fim,

se perdem numa alheia consciência,

sem questionar o não e o sim.

Na devoção de uma vida em crença,

temem na experiência,

não distinguir o bom e o ruim.

Quem sabe abrindo eu a minha mente,

meus olhos

de repente,

possam ver?



















Velho farol



Velho farol!

A sua luz foi o sinal

que me guiou

em meio ao temporal,

salvando-me do fatal naufrágio.



Velho farol!

Hoje, abriga meu infortúnio.

Nada me resta, só olhar.

Tudo afundou com minha nau.

Minha tripulação leal,

levou-a o mar.



Velho farol!

Talvez, tenha sido um presságio,

por duas noites ter sonhado

com a solidão de um farol.



Velho farol!

Que é simplesmente sombra ao dia,

à noite acompanha a lua,

e alumia

a escuridão deixada pelo sol.



Velho farol!

Até que duramos demais.

O tempo lhe deixou destroços

e a mim, um punhado de ossos.

Mostrou-nos que somos mortais.

























Heroína



Das páginas relidas de um romance,

lembro-me de uma pequena frase

que falava de esperança e liberdade,

de uma personagem sem nome.

Sua vida atrás das grades

era apenas uma via.

Para ela, os seus dias

seriam flores na janela,

e suas noites, quem diria,

um amante que partia.

Desnortearam seu rumo,

seus amores.

Fortaleceram seu mundo,

suas dores,

madurando a menina.

Não é preciso guerra,

nem vilões,

nem invasores na Terra,

ou vulcões,

para que haja uma heroína.

A vida é feita de cenas.

Basta a maturidade

e duas palavras apenas:

Esperança e liberdade.

















Mutante



Que sejam longos seus braços,

como tentáculos,

para alcançar sua presa.

Um dente saliente na boca,

um hematófago que alcança o que deseja.

Ficar a vida toda pendurado

de cabeça para baixo

no escuro de um quarto de hotel.

Quem sabe um pouco de mel

possa cessar esse zumbido de abelha,

e que a cera produzida no ouvido,

possa calar o uivo

de um lobo enlouquecido?

Andar pelas paredes numa teia,

viúva negra

de um morto que é comido.

Ser parte homem

e diversos animais

é o que nos faz

um ser mutante.



















Livre arbítrio



Para Deus e o diabo

eu vou falar,

se alguém quer meu corpo

para ocupar,

disponível agora estou,

como casa alheia para alugar.

E minha alma,

se acaso alguém quiser,

que decidam na sorte,

o que der.

Se precisar, assino um papel.

Tanto faz,

o inferno ou o céu,

só não queria deixar

esse lugar.

Dos castigos,

a morte é o mais cruel.















Fogueira



Entre toras cruzadas

na raiz do fogo,

vê-se a fé do povo

crepitar em brasas.



Cabelos em tranças,

feito palha de chapéu.

Sob o escuro céu,

tradição em danças.



Dias de afã,

santo em fogueira,

queima a noite inteira,

cinzas do amanhã.





















Felinos



O som constante

da agonia de quem deseja.

A febre acesa

no murmúrio penetrante.

A dor no golpe

de um carinho cortante

sobre o telhado

de uma cama tão coesa.

Luz ofuscante

abre os olhos na tristeza,

depois de um último

suspiro

inebriante.























Sobras



A abertura do olfato,

de fato,

o mau cheiro a vedaria.;

se em meio ao lixo

fosse encontrado

o seu pão de cada dia,

que não nos dá

nem hoje, nem nunca.

Se eu não vejo saída,

essa é a única.

Se eu não comer sua sobra,

eu sobrarei.

Se é para comer sua hóstia,

eu rezarei.

Na escadaria da vida,

eu sei que somos iguais,

porém, em degraus diferentes.

Talvez eu sinta demais,

por que você nada sente.



















Tristeza



Dorme ao lado de sua criança,

cheia de esperança

que o amanhã seja melhor.

Amanhece

com uma osga na parede,

próxima ao punho da rede,

movimentando a cabeça

sempre a lhe dizer que sim.

Levanta-se e água o chão,

acomoda-se num tamborete

olhando o filho na rede

enquanto a fome e a sede

assolam seu coração.

Olha pela janela,

vê uma nuvem no céu,

um novo fio de esperança

ou uma nova ilusão.

Fica indecisa

entre desacreditar-se

ou apenas entregar-se

à tristeza e solidão.

















Um acaso



Todos os sentimentos existem de fato.

Podem ser vistos em atos.

Para ver o amor,

olhe uma mãe com o seu filho.

Para ver o ódio,

veja numa guerra, os feridos.

Para ver a tristeza,

olhe para alguém que perdeu um ente [querido.

Para ver a pureza,

olhe para a criança que dá um doce sorriso.

A alegria pode ser vista

quando uma menina ganha sua boneca [preferida.

Para ver a devoção,

olhe para alguém ajoelhado aos pés do altar.

Há muito mais para se ver, basta olhar.

E tudo isso se chama vida.

A vida é uma dádiva da Natureza.

A Natureza é obra do acaso.

E o acaso, por acaso, não é Deus?

Não, Deus é um acaso.



















Uma terra



Casas demarcadas

em respeito à terra

anteriormente altercada

por almas massacradas.

Para descontentamento de seus olhos,

corpos

ali sepultados,

famílias inteiras de assentados,

seus pais, mulheres e filhas.

Recordações de família,

milhas e milhas

distante.

Terra agora verdejante,

antes não se tinha nada,

antes banhada de sangue,

terra agora abençoada.

















Quase



Quase me esqueci

que ainda havia tempo

de encontrar o que perdi.;

relembrar

o que não lembro.

Quase perdi o tempo

que ainda havia.

Não vi,

naquele momento,

que no tempo me perdia.

Quase acreditei

que ainda havia tempo

de saber

que nada havia.





















Solidão de poeta



Não há diálogo,

não há correspondência.;

sou o exílio de um poeta

em essência.

Falta-me o toque de uma opinião,

uma crítica, um elogio,

na intenção de iluminar

minha poesia

que é ilusão, desafio,

uma chama sem escuridão

para se notar.

Sou poeta em solidão,

não tenho par.























Suspeito



Assistia a tudo, calado.

Apenas a observar.

E todos sabiam que eu tinha razão.

Um olhar perdido, cansado

de se revelar.

Quem diria,

eu que nada dizia,

parecia gritar

o nome do verdadeiro culpado.

No seu rosto estava estampado:

-Fui eu.

Era um dia quente, um verão cruel.;

não havia nuvem no céu.

Um imenso sol a nos irradiar.

O suor pingava do rosto

por causa do esforço.

Eram doze homens ao todo,

a se permutarem.

Quando o céu empalideceu,

foi um alvoroço,

um dos doze apareceu

morto.

Como explicar que o morto era eu?











Fuga



Encontrei, enfim,

um lugar para me esconder,

foi dentro de mim.

Virei as costas

para o mundo à volta.

À minha frente,

só uma saída,

enganar-me

com a doce ilusão

que ausente

eu mudaria.

Vivi

cada vez mais perto de meus medos,

cada vez mais longe dos demais.

Sofri

em um transe,

vendo minha imagem sem espelho.

Perturbava-me

ter que voltar atrás,

ter que voltar a ver-me

como sou,

humano.















Domingo



As conversas de casa

no almoço,

discussão de família,

alvoroço,

um domingo qualquer.

As cadeiras balançam no terraço,

som de vozes dispersas,

cansaço,

gritos de mulher,

choro de criança.

Fim de tarde,

despedida,

bênçãos de fé.























Pensar



Cada minuto da vida,

vale a pena pensar

na vida que ainda há

e em tudo que permanece.

Na flor

que um dia se abrirá,

no olho

que hoje não a percebe,

na mão que a colherá

e no lugar

que ela floresce.

Pense na vida que segue,

não na sua,

pense na lua

que continua tão linda

a brilhar.

Pense na vida que há.

Pensar na vida que finda,

não vale a pena pensar.











Porta



Porta

que se abre e fecha

a cada um que passa.

Maçaneta empunhada

que escancara.

Casa aberta,

cama descoberta,

pouca iluminada.

Porta que quando se fecha,

assiste calada.

Porta agora empurrada,

entreaberta.

Porta sempre aberta,

mesmo cerrada.





















Prefiro



Se é para me espiar

de rosto permanente,

prefiro um olhar diferente

a me espreitar.

Se é para usar

os versos de forma divergente,

prefiro então rimar.

Talvez no mar,

encontre um par

de olhos

que enxergue na profunda escuridão

de não

enxergar.























Garoto de programa



Ao se vestir de mim,

corpo indecente,

me envaidece.

Quando estou ausente,

de mim se despe.



Eu não devasso

o meu colo

para rogar por piedade,

e sim,

para saciar minha vontade.



Enquanto estou nu,

sou objeto,

sou uso e abuso,

sou curvo,

sou reto.



Sob a penumbra da luz

sou cruz,

credo!

















Quebra-cabeça



Não existe

tudo que existe.

Parte de tudo que existe,

não existe.

Esta parte de tudo que existe,

que não existe,

existe

como parte de tudo que não existe.

E tudo que não existe

também não existe.

Por que de tudo que não existe,

existe parte,

como existe a parte de tudo que não existe,

que não existe.

Assim,

tudo que existe,

existe em parte

e tudo que não existe,

em parte existe.













Avô



O suor escorria pelos riscos de sua mão

feito água nas frestas de um chão

rachado.

Olhos fechados

feito o caixão

onde havia um par de olhos

velados.

Tão longe podiam ver,

tanto que o espiaram,

sempre pra lhe proteger,

quantos cuidados.

Não consegue se conter,

põe as mãos no rosto,

suas lágrimas de dor

são por causa do avô

amado.

















Aminigos



Aparente platéia sorridente

nas angústias de um dia de trabalho.

Nos calçados um par polivalente,

o orgulho de haver-se suportado.

Mãos nas costas,

as mesmas falariam,

sendo as mesmas

as postas que comiam.

Não se entendem

e se entendem por demais.

Sua frente é sábia e eloqüente.

É grosseiro e indiferente

se ausente,

se presente, um a mais.

Na tristeza a dor que contagia,

a magia de logo se curar.

Um afago, a cara de alegria,

efusiva maneira de falar.

Doces beijos, um travo em suas bocas.;

mentes loucas,

amigas imortais.

Mas, morrem quando deixadas soltas.

Quando afastadas,

são armas letais.













Relógio



Instrumento a corda

movido por mãos alheias,

que nos diz as horas

de alegria e de tristeza.



Pulsa sobre nossas veias,

seu coração de bateria.

E o pai da aviação no pulso o colocaria.



Na parede da cozinha,

por cima da geladeira,

esquecido em suas horas,

recoberto de poeira.



Olhos me espiam, escusos,

de cima da antiga cômoda.

No vazio do quarto escuro,

uma voz dentro me chama.



Nada mais, enfim, espanta,

sinais da modernidade.

Marcaram o tempo no tempo,

um tempo de pressa e de espera,

de solidão e saudade.

















Repetente



Alguém vestido de palhaço,

um descontentamento permanente,

e nessa brincadeira, de repente,

um olho machucado.



A inteligência está em repouso absoluto.

Um sedimento de tristeza se deposita no fundo da alma.

Alguém perdeu a calma.

Com a imensa força do absurdo

esqueceu de pensar,

mais um osso fraturado.



Para desgosto de seus pais em suas casas,

um outro com o álcool se deflora.

Com a preguiça da ressaca

esquece a hora,

e mais um dia, o procuram na escola.



Um louco alucinado,

tremenda inteligência ali perdida,

a sua vida está entorpecida

com o poder da droga.



Os nossos filhos se dedicam

à uma vida irracional,

de perigos e conflitos.

Torna-se natural,

é nossa história.



A velha roupa na gaveta, esquecida,

agora é usada novamente.

Aquele mesmo olhar no descendente,

um vago olhar de crise existencial.

Talvez, você tivesse esquecido,

não é bonito,

mas é a vida real.



Mãos postas sob a fé incontestável.

Os jovens dias perdidos na desordem cerebral.

Livre dos vícios, mas não do fanatismo.

Perde a razão na hora de falar,

quer condenar

sem ter condenação,

quer salvação

se é livre para pensar.



Usar a cordura é raridade nessa idade.

Agredir somente o medo.

Viajar por entre páginas infindáveis

e aceitar a vida e seus segredos.

Adoração,

somente à liberdade.



Talvez, tanta energia acumulada

implode sua própria consciência.

Em vez de fazer versos ou ciência,

entrega-se a uma vida desregrada.



São camaradas

no palco das idéias absurdas.

Assim, se coadunam no desleixo.

A mão no queixo não os faz pensar.



Nos resta apenas esperar

que ultrapassem todas as barreiras,

com sua idiotia corriqueira

consigam enfim chegar.



Já que todos nós tivemos que passar

por esse trecho da estrada,

numa repetitiva caminhada,

nos vemos regressar.



Não há nada de diferente,

é apenas um ato repetente

em uma faixa etária de nossa existência.

















Além da curva



Senhores que vejo agora,

entre horas,

donos de um mar de dúvidas.

Com luvas,

suas senhoras se isolam do frio.

Arrepio,

alma nua,

carne crua salgada ao sol,

dor no corte da ferida aberta.



Na terra inundada,

água evaporada em nuvens.

A caatinga cheira a mato molhado.

Um paredão de açude desabado.

No badalo, um gado que perdeu seu rumo

feito fumo na boca que sopra o fumado.



Além da cerca, há uma estrada,

uma curva acentuada,

um acento de madeira,

um bananal,

lá fica a minha terra natal.

Uma brincadeira junina,

uma faca de cozinha enfiada

sai com a lâmina manchada,

não de sangue,

mas com o nome da amada,

bananeira esfaqueada.

Um cachorro que acompanha a carroça.

Uma prosa,

candeeiro apagado com a rotina.



O dono do cavalo selado,

finado finda.

Por luas, de luto ficamos.

Moça, queira ser dona da roça,

da nossa colheita.

Um feixe de lenha, uma queixa,

queixume de quem não se deita

por excesso de sonhos.



Pé na estrada,

alpercatas levantam poeira,

e o acúmulo de bosta de gado

deixa o seu cheiro na chuva.

Além da curva,

molhado,

deixo às costas,

o adeus.





















Cenas



Um velho amigo me acena,

um carro usado à espera,

à frente de uma antiga loja.

Novas pessoas na cena

que faz parte de um quadro

emoldurado pela janela

da sala que me aloja.



Desço degraus recontados,

paro diante da rua.

Agora, eu faço parte

daquela mesma figura.

Mas nunca me vejo nela.

Agora, vejo do quadro,

a minha própria janela.



Estou em cenas opostas,

mas nunca ao mesmo tempo,

ocupo um lugar no espaço.

Em cada cena, um momento,

deixo-as às minhas costas,

hora um ou outro lado,

qual moeda em movimento.















Ninguém nos avisou



Ninguém nos avisou

que era utopia

pensar que algum dia

o mundo mudaria sua cor.

Que no jardim da vida,

ainda restaria uma flor.



Ninguém nos avisou

que tudo é ilusão,

que cada coração

é uma bomba que explode em nossas mãos,

e que o nosso céu

é apenas um engodo no papel.

Quem tem percepção,

sofre a decepção

de ver sem mel,

o favo do amor.



Ninguém nos avisou,

por que é um de nós.

Perdemos o bom senso e a voz.

Quem sabe se o vento

não traz, em algum tempo,

à razão,

que não podemos ter

compreensão do mundo?

Ninguém nos avisou

que nossa existência

nem mesmo a ciência ou a religião

a tira do vazio sem direção.

Se vale a pena ou não, não é problema seu.

Para a vida, não importa quem viveu.

Se quer acreditar para aplacar a sua dor,

acredite seja lá no que for.



Ninguém nos avisou

que temos que sonhar,

pois só em sonho é possível explicar.





















Mãos e bocas



A tua mão

e a minha

entrelaçadas

numa perfeita harmonia.

A tua,

frases escritas.

A minha,

linhas traçadas.

A tua boca,

da minha

não se separa.

Não há uma boca sozinha,

há duas bocas

caladas.

Mãos e bocas

ocupadas.

















Esquecidos no tempo



Nas muitas marcas do passado,

não há pegadas do homem comum.

Seus esforços,

quase sempre explorados,

estão em formas de belíssimas criações:

templos, muralhas e complexas construções.;

um legado

que custou as suas vidas.

Os seus nomes,

jamais foram registrados.

Suas almas

no tempo, esquecidas

pelos deuses por eles adorados,

Caminharam pelo tempo

de encontro ao eterno esquecimento

de suas vidas pessoais.

Como esses ancestrais,

caminhamos nós.











Espírita



Enquanto apreciava aquela vista

na popa de um antigo barco,

num súbito movimento se desvia,

desequilibro-me e caio.



Para minha surpresa,eu não nado,

as minha mãos estão na direção

de um velho caminhão

na estrada, disparado.



E de repente, numa curva não há tempo,

ainda tento desviar o animal.

Todavia, a carroceria em movimento

arrasta-me para baixo da encosta.



Escuto uma voz às minhas costas,

alguém me diz: - Vamos para casa.

E ao abrir os olhos, estou num trem

que lança uma imensa nuvem de fumaça.



Eu vejo então, o trem num túnel entrar.

Mas na saída, estou de volta ao mar

no mesmo barco que ainda me leva.

Achei que fosse um sonho, mas não era.

Segundo um médium amigo da casa,

eram as minhas vidas já passadas,

repassadas em uma regressão.

Levanto-me da cadeira em que estava.

Se era realidade ou ficção,

depende de acreditar ou não.























Ditador



Não temo ser cruel.

Não aspiro ao céu,

sou um ditador.

Conheço a falta de pudor

e a dor

de um conquistador.

Não dei chance ao rei

e nunca darei,

serei o meu senhor.

Agora sou um louco alucinado,

e diante do espelho da vida,

tento ver

meu reflexo existencial.

Sou tão mau quanto pareço.

Subjugo a utopia,

sou berço da tirania,

sou amado e odiado

e nunca esqueço

de que sou o que sou.

Imponho o medo e o terror.

Sou contra a democracia,

sou dono da burguesia.

Onde piso não há flor,

não há riso, só lembrança.

Apaguei a esperança,

a luz de cada sonhador.

Mas, não consegui por a mão,

até essa minha idade,

no sonho de liberdade

que há em cada coração.





















Quermesse



Há um pároco

que chama de novo,

para falar de tudo

que já havia dito.



Chama o povo,

dito por não dito.



Em frente à igreja,

na terra pisada,

há barraquinhas improvisadas,

há comidas típicas e bebidas,

há prendas que são leiloadas,

há cenas aborrecidas,

há um homem bêbado,

há uma mulher grávida,

há um dom Juan e suas namoradas,

há sempre um grupinho numa calçada

falando da vida, quase sempre alheia,

há alguém sorrindo escandalizado,

há um outro sério e envergonhado,

há um céu imenso,

há uma lua cheia,

há uma dispersão neste aglomerado.

















Quem dera



Quimera de vida,

a minha quem dera,

fosse quem fosse.

Quem era

que se escondia

da caixa de Pandora,

para não ser alvo

da ira mitológica

de uma lança sem mira

ou de uma flecha perdida

vinda do arco de Eros?

Quimera de vida,

fui atingido na mesma ferida

por uma flecha escolhida

e uma lança sem rumo certo.



















Papai Noel



A inocência

é um grosso véu

que nos tapa a visão.

Eu fazia o meu papel

de aceitar uma invenção.

Uma vez,

vi papai Noel

viajando sem direção.

Uma noite

ele cai do céu

numa estrela,

rasga meu chão.

A verdade é como fel

amargando o coração.

Porém, na boca,

ainda sinto o mel

dessa doce ilusão.

Feito a sombra de um chapéu

que me cobre a razão,

uma parte de mim

diz sim,

outra parte de mim

diz não.















Passos



Cada passo

é um movimento de carne e osso

na direção do acaso.

É o meu, é o seu, é o nosso.



Cada moço

que se encoraja na vida,

por uma breve ou incessante conquista,

é um vencedor.



Cada homem

que acredita no caminhar comum,

que somos todos por cada um,

é um sonhador.



Apesar do oposto caminhar,

a humanidade mantém laços

na esperança de um dia parar

e rever os seus passos.











Vaticínio



Uma profecia

que viajou no tempo,

adormecida

nos braços do vento,

desperta

em estilhaços.

Explode a própria vida

num vago olhar

que vê nascer a lua.

Sob as fagulhas

de uma fogueira cósmica,

sol e chuva

em guerra,

um caldo vivo

repovoa a terra,

o asteróide que mudou de cor.

















Velho amigo



Uma pessoa comum,

mais um, a tentar não se afogar

nessa gigantesca praia da vida

com suas marés altas e baixas

e sua imensidão incompreensível.

Porém, a sua lua parecia bem maior

que a das outras (como tantas outras).

Distanciava-se do burburinho

que havia

naquela noite vazia de sonhos,

era um pequeno grupo

que ali se encontrava.

Em seu caminho,

sentia um cheiro proibido de fumaça.

E na distância,

seu vulto percebia

que quanto mais distante ia,

mais de si, se aproximava.

O que mais o fascinava no mundo,

era não poder compreendê-lo,

muito menos, explicá-lo.

Calo-me

para pensar em meu bom e velho amigo.

















Folhear



Parei

para folhear a minha vida,

nela havia

algumas páginas em branco,

falhas de uma amnésia real.

Em busca do meu ideal

de vida,

tristeza e alegria,

encanto e desencanto,

como um livro de poesia.

Não tentarei reescrevê-la

sem pranto,

foi no desencanto

que conheci a utopia,

e mesmo em pranto

nela sorria.

















Pena



Aliviou sua gente

ao gritar:

-Inocente!

Palavra ausente

em muitos corações.

A dor física na garganta,

conseqüente,

à sua leviana execução.

Essa é a boca

que prega a justiça.

Essa é a mão

que viola a ação.

Pena de morte

a quem morre de pena.;

ao que prega o ódio,

absolvição.

Essa é a “grande nação”,

só entre aspas,

por ser pequena e baixa

em sua razão.

Essa é a farsa,

usar a farda e conter a podridão.

Por na cadeia

uma língua, uma cor,

uma ideologia, uma religião,

seja o que for.

Caçando almas em meio à multidão,

pregando o amor

a uma pátria de estrelas,

a qual seu brilho

cegou sua visão.

























Poema em campo



Não preciso de um poema,

preciso de um verso apenas,

para dar o pontapé inicial.

Está aí, não é tão mau.

Assim, começa o meu poema, o jogo.

É meu o ataque, não há outro,

assim não vou me defender.

Pois ganho eu, não há você.

Eu digo isso sem reserva.

Sou o meu técnico, na certa.

Agora, estou no meio campo,

vou discorrer um outro tanto.

Meu atacante é a caneta.

O meu gramado é de letra,

plantado numa folha em branco.

Vou devagar, assim eu canso.

Minha torcida, os leitores.

Não tenho contusão, nem dores.

Cada gol, um novo verso.

A partida, um sucesso.

Um jogo e tanto.

O poema ficou pronto.





















Observador



Preciso ver o sol

antes de pôr-se

atrás desse lençol

gigante.

O que aos olhos

parece distante,

à pele,

fere com ardor.

Parece até mudar de cor,

visto no horizonte.

E quando o gelo derrete

em minhas mãos,

ponho na boca

o líquido transformado.

À tarde,

os raios de sol

são retocados

num colorido que o ar

pintou.

A emoção de ver

tamanho quadro

enche meus olhos,

alivia minha dor.















Centelha



Os cabelos soltos,

regados

pela luz solar.

Suas lembranças o acordam

do letargo.

Um pesadelo ainda resta

a arpoar

sua lustrosa testa

e sua mísera vida.

De repente,

em lágrimas e suor,

sua alma espelha

o sol nascente

como uma centelha

na espera de um mundo melhor.



















Espera



Estava eu confuso,

alheio ao burburinho,

tal passarinho sem ninho

num vai e vem

sem destino.

Estava eu sozinho

no meio de tanta gente,

numa infinita

demora,

um tempo sem tempo,

sem hora,

um passear sem caminho,

um caminhar diferente.

Estava eu na espera

sem mesmo saber quem eu era.

Queria que não fosse

agora.















Estranha imagem



Não sei o que me aconteceu

diante do espelho.;

eu não acreditava,

aquela minha imagem

que ali estava,

olhava mais a mim

do que a olhava, eu.

A sua curiosidade

era latente,

descobria-me tão profundamente

que eu mesmo me desconhecia,

é que

dentro de minha agonia,

nela via-me

sorridente.



















Excelso



Sob o chapéu,

o delírio da mente.

Um passo à frente

na forma como se expressa.

Um par de lentes,

por trás, olhos docentes.

Quem seria essa

Pessoa,

eternamente poeta?































Destino



Taça quebrada

que se brinda

a vida,

agora, vira

arma temida

que provoca

a morte.



Disputa a sorte

de quem vivo fica,

de quem fica e sofre.



Líquido vermelho

que se esvazia

na mão do caso

que o acaso

escolhe.















A última centelha



Talvez, não seja bom

nos elegermos,

pois nós, os ideais,

corremos risco.

Somos ainda

o último lampejo.;

só tenho medo

de nos apagarmos,

e em nós,

as cores do arco-íris.

Sem ele,

a tênue chama da utopia

não será percebida

por nossa íris.

Enfim, a escuridão

da desistência

nos levará ao fundo do abismo.















Experiência



Sublime ser

que nasce e cresce

em suas mãos.

Esporos de minha carne

em contaminação

pela maçã mordida,

pela razão na vida.

Uma experiência evolutiva

mal sucedida.;

um fungo demente

que se espalha lentamente

em sua direção.

























Navegador



Navego em mares que não vou

em minha nau de pensamentos.

Percorro o mundo no papel,

guiado pelos sentimentos.

Nunca ganhei um só troféu,

mas fui ao céu,

domei os ventos.

O leme é minha emoção,

a direção,

os meus momentos.

Sou sonhador,

navegador de pensamentos.

























Choupana



Entre paredes de barro cru,

sento-me numa esteira de palha

tal qual o telhado

que atalha

a chuva de meus pensamentos.

Minhas promessas

não são para o vento,

mas quem sabe,

ele alivia esse lençol de frieza?

E à porta

de meu abrigo de sonhos ilhados,

olho à distância,

esse pedaço de terra

que encerra meu mundo

nessa serra sem fim,

limitando-me.

Felicidade é conter-se

de vontades.













Choveu



A chuva que cai

não machuca

a terra queimada

de sol.

Lençol

de areia molhada,

poeira assentada

na mão do mormaço.

Um brilho no chão.

Cansaço.

Sertão perfumado,

sereno.

À noite, fogueira apagada.

Cancela de estrada,

rangendo.

Espera.

Esperança mantida.

Lembrança que um dia choveu.













Ciclo



De uma flor

nasce um fruto,

desse fruto nos servimos.

As sementes desse fruto,

no chão, introduzimos.

Haverá germinação.

Essas plântulas vão crescer,

belas árvores serão.

Novamente, um florescer

numa próxima estação.

Novos frutos pra colher,

uma nova refeição.

E as sementes fecham o ciclo,

replantadas

pela nova geração.



De um amor,

um ser

que ao conhecer

uma bela flor,

vai reescrever

com um novo ser,

a lição do amor.













Consolar-se



Acalentei saudade,

saudade que senti.

Sem ti,

acalentei a mim.

Não consegui

reconfortar a dor.

Dor,que dor,

é a dor do amor.

Não é tão fácil assim,

acalentar a si.





























Coma



Quero voltar,

talvez já seja tarde.

Além do mais,

não sou o único a partir,

nem o primeiro a querer voltar.

Querer voltar

não é acovardar-se,

é rever-se.

Levei um susto,

não por ser mortal,

mas por vê-los tão mal

sem mim.

Quero voltar

pra que não sofram mais

assim.

Só vejo flores,

não vejo o jardim.

Parece que estou longe demais,

tarde demais

para voltar a mim.

















Convivência



De tanto ver o lado da sujeira,

comer ao lado da lixeira,

sinto-me lixo,

negativo revelado na miséria.

Sou mesmo, o lado avesso na história.

Sou distinto,

emoldurado na memória.

Sou prolixo.

Meu instinto

mergulhado na amnésia.

Meu caminho,

um contínuo caminhar de ancestrais.

Libertei-me do domínio

dos demais.

Sou agora,

um a mais

pela trilha da revolta.

Uma volta

que circunda o poder,

evitando apodrecer

o lixo.













Dizer



Às vezes, pensar é sofrer.

Metade de mim, você.

Um cheiro no ar, delirar.

Um doce querer, reviver.

Em nosso jardim,

as flores não falam de mim,

só lembram você.

Razão para eu dizer,

outra vez,

você.



Sou eu que lhe peço a mão.

Você que me diz o sim.

Sinal para eu sonhar.;

em vez de me acordar,

acordo você em mim.

Razão para meu viver,

outra vez,

você.











Cadafalso



No cadafalso,

cada degrau é falso.

Cada um que sobe, má sorte.

Que desce, é morte.

Bem mais forte

que meu pescoço

quebrado.

Nas minhas mãos,

as marcas são poucas.

Troco meus pés pelas mãos,

minhas mãos são outras.

No cadafalso,

sou outro falso.

Sou falsa vítima,

enquanto o culpado

me assiste no palco

do cadafalso.

Em um sistema falso,

constantemente falho,

o cadafalso não falha.

Eu piso em falso,

e o cadafalso me cala.

















Tipóia



Um par de punhos

de cordão,

feito a mão,

a sustentar no ar

o meu corpo.

Dependurado em armadores

numa extensão de tecido,

a aliviar

minhas dores

de amores

perdidos.

Rede que pesca comigo,

meus sonhos.

Tipóia

que me apóia

na preguiça.

















Urbano



Por trás do muro,

ainda existe mato,

e pelas grades da janela

dá para ver a liberdade.

De fato,

é uma querela

que não tem idade.

Parecemos mudos,

pois ninguém se escuta.

Uma história longa,

uma vida curta,

infelizmente

não veremos o final.























Qual de nós



Você me acorda cedo

para me ver ir embora.

Eu chego em casa tarde,

encontro ela vazia.

Pensei que fosse eu

aquele que partia.

Porém, mais tarde ainda,

você está de volta.

Mas quem começa, finda,

o ciclo do adeus.

Você perdeu a hora.

Pergunto-me agora:

-Qual de nós

perdeu?





















Religiões



No dobrar do sino,

o povo vai sorrindo,

mesmo desamparado.



Dando louvor em hino,

a multidão

vai seguindo

um louco alucinado.



Sob o sol do deserto,

morrendo a céu aberto,

sentindo-se livre,

mesmo escravizado.



O povo

é de certo,

seu próprio carrasco.















Simplesmente viver



Viver,

maravilhosamente incompreensível,

todos os sentidos

e não há sentido

em si.



Morrer,

pavorosamente indizível,

todas as opiniões

e não há razões

em si.



Viver e morrer

é preciso,

viva

e esqueça o castigo,

que é simplesmente morrer.















Seresta



Goma de mascar

faz bola.

Bola de bilhar.

Brilho de estrela

à noite,

seresta ao luar.

Gole de bebida

entoa

conversa de bar.

Passos entre mesas,

beijos,

casais a dançar.

Fim de festa,

desencanto,

sol nascendo,

chega o sono,

hora de pagar.















Há muito mais



Dar ordens

é muito mais fácil

que obedecê-las.

Contudo, para dar ordens

é preciso sabedoria,

e por não tê-la

é que a história

foi assim, escrita.

Há muito a ser dito

e mais ainda a ser lido.

Se está no bico da caneta,

no papel preso na prancheta,

ou mesmo dentro da cabeça,

talvez, no eco de uma consciência,

no grito triste da ausência,

ou no simples aceitar,

onde está, não sei.

Porém, sei que há,

basta acreditar.











Coralina



Cora

cara,de vergonha.

Vergonha de não ler

Coralina.

Cora ainda,

no meu entender.

Corante,

tinta que pinta,

pinta versos

de menina.

Coral que ali se aninha

e num bote poético

me fascina.

Agora,

meu rosto cora

ao ler uma linha

de Coralina.















Cânticos



Cânticos,

vibrações de cordas vocais,

vozes em corais,

em som

uníssono.



Cânticos,

traduções de notas musicais,

soma de sinais

distintos.



Cânticos,

revelações de sentimentos reais,

pulsos venais,

um dom

infinito.

















Nômade eremita



Quem jamais parou,

não ficaria,

um lugar seria o fim.

Caminhar sozinho,

necessita.

Sua vista, enfim,

não se limita.

Sempre a viajar

pelo mundo, incerto,

pela vida.

Entre trilhas vazias,

pelas vilas.

Entre pás de ferro,

pelas linhas

de trem.

Entre sonhos diversos,

pelos versos

de alguém.













Do lar



Dobrou a língua

ao dobrar a roupa.

Saiu de casa

para não ficar louca.

Usou meus lenços

para enxugar as lágrimas.

Pôs as idéias

sobre o travesseiro.

Surpreendeu-me em seus pensamentos.

Deu-me um tempo

ou deu a si mesma,

a mesma chance

que ela nunca teve

de poder viver.





















Aplausos e vaias



Os aplausos

são para quem fez rir

e fez chorar também.



As vaias, de onde vem?

Quem não gostou,

sua vez.



As luzes nos focalizam,

nos destacam individualmente

no palco da vida.

Ao mesmo tempo,

estamos na platéia

aplaudindo ou vaiando a nós mesmos,

atuando, sorrindo ou chorando.



Aquele que vaiei, sou eu,

eu atuo muito mal.



Agora, quem me aplaude sou eu,

sou meu próprio fã.



Preciso de um divã,

urgente.

A dama e a flor



Uma flor de senhora,

toda noite,

era minha eterna companheira.

Bem cedinho,

quando abria a janela

e olhava passivo, o jardim,

era ela

numa flor que abria-se para mim,

com as pétalas

repletas de perfume,

que eu tinha certeza,

era ciúme.

Exalava um cheiro

sedutor,

era o mesmo

que vinha do vazio de minha cama.

Uma dama

que de dia, era flor.

Uma flor

que à noite, era dama.









Afogado



Atravessei a nado

o lago da mentira,

momento algum eu vi

do que foi dito, algo.

Diante da vaidade,

tão perto do que é certo,

na margem do regresso

não havia verdade.

Difícil travessia

com tantos ao contrário,

e a todos parecia

que eu era

o afogado.























Vergonha



Pelo desgosto do pai

que vê seu filho

guiado

por mãos erradas.



Pela mulher que chora

diante de seu filho

com as tripas de fora.



Por seu amigo de infância,

outra criança,

filho do vizinho,

que agora, sozinho,

foge pela estrada.



Pela menina

que escova os dentes

na porta da frente,

com um copo de água

na mão,

esboçando um sorriso

sem graça.



Por seu irmão

que não vai à escola

por ter que pedir esmola

na praça.



Pelo bêbado veterano

que vive jogado,

mas insiste que é decente,

só que a sua própria gente

já não o ver assim.



Pela senhora que ora,

pedindo para Deus

mudar aquelas cenas

obscenas

e ter a metade

da piedade

que ela tem.



E por você também,

que não enxerga

um palmo à sua frente.













Expressões perdidas



A nação

que escuta o próprio hino,

movimenta a boca sem cantar.

A bandeira,

o mais forte símbolo,

já não mais representa o lugar.;

suas cores não fazem mais sentido,

hasteada

se perde pelo ar.

Expressões que ninguém dá mais ouvido.

Pátria minha,

derrotada sem lutar.

























Sorte



Uma ave silenciosa,

pousa

nos braços de um jacarandá.

Seu filhote pia à toa,

quando a ver se aproximar.

Solidão de ave

que talvez prescinta

um olho a mirar,

com um pio frio de morte,

anuncia ao seu filhote.

Antes do som do serrote,

uma dor vem arrancar

dos braços da velha árvore,

sua velha amiga ave.

Sem poder lhe segurar,

o velho jacarandá

tomba com o profundo corte.



Somos todos responsáveis

pela sorte

da árvore,

da ave

e do filhote.



















Congênito



Quando nasci,

em vez de chorar, sorri.

Infeliz, por que és tão feliz?

Talvez por viver

em um mundo caótico e neurótico,

feliz com sua infelicidade.

Eu não consigo me conter

de tanta felicidade.

As vezes que choro é por não ser triste.

O meu sorriso se desfaz, mas não desiste.

Diante das misérias, as lágrimas limpam a alma.;

depois vem a calma

trazendo de volta a euforia

nas primeiras felizes horas do dia,

continuando até ao anoitecer,

quando enfim,

minha felicidade dorme.

Alguns sonhos tristes,

fora da realidade

de minha própria felicidade.

Tendo ou não o que fazer,

tenho vontade de correr

e arrancar de minha raiz,

a semente que me faz tão feliz.

O que devo fazer,

se o grito em mim contido,

apesar da dor,

é de prazer?

Será que quando eu morrer,

o meu último suspiro

vai ser

uma risada?



























Coleta



Talvez eu tenha encontrado

bem mais do que merecia.

Colhi uma flor do mato

que no jardim não florescia.

Uma mão sentia o orvalho,

a outra estava vazia.

No peito foi redobrado,

o aperto que havia em mim.

A dor de não ter lembrado

que amar seria o meu fim.





























Expressivo olhar



Expressivo olhar

de uma bela dama,

a empalidecer minha alma,

a corar minha face.

Uma mão no queixo,

um disfarce,

onde expõe a boca

para me beijar.



Fica em seu lugar,

a doce lembrança

e a esperança

de vê-la voltar.



Todos os meus dias, fico a procurar

pela face dela,

em cada janela que vejo passar.



Nunca mais a vi e fui infeliz.

Pois em cada dama

que encontrei na cama,

eu pude notar

que havia o mesmo

expressivo olhar.













Opinião



O que seria de você sem discordar?

uma marionete com voz em falsete,

que acha feio, mas usa um bracelete

que é para assim, a moda acompanhar.



A hipocrisia vai um dia lhe dominar.

Fazê-lo sorrir com boca alheia,

de uma piada de mau gosto e feia,

só para agradar.

Sua opinião deve ser respeitada.

Ninguém é obrigado a concordar.

Uma competição pode ser empatada,

não importa perder ou ganhar.



Toda opinião pode ser mudada,

certa ou errada, não faz diferença.

É bem melhor dizer o que se pensa

do que seguir uma opinião formada.



Ser racional é poder questionar,

dizer que não, que sim, talvez,

que nunca ou está bem.

Um indivíduo que pode pensar por si só, deve opinar também.

Enclausurado



Ao olhar a rua

pelas grades do portão,

aumenta a dúvida:

dentro ou fora da prisão?



Os cadeados, as fechaduras,

toda uma vida em armadura.

Ter medo de altura é pura ilusão,

ao rés do chão é que o perigo se afigura.



Quem é honesto ou ladrão,

já não há mais distinção.;

isso é loucura,

a vida virou ficção.

Ninguém mais sabe o quanto custa.

A lei ficou sem ação,

com as próprias mãos, é injusta.



Pelas grades da prisão

aumenta a dúvida:

dentro ou fora do portão?

A culpa é sua.

















Deserto



Já não escrevo,

não porque tenha me faltado idéias,

mas faltou tinta à caneta.

No meio do mar de letras, forcei-a

a nadar em busca de poesia.

Porém, o sangue azul em suas veias,

já não havia.

No universo dos versos

não sei se eu fiz o certo

(É certo que eu sabia

que a vida sem poesia

é deserto,

noite e dia.

À noite não há estrelas.

Sem estrelas não há guia.

A direção a seguir,

não tinha como sabê-la.

Ao dia eu cegaria

olhando o céu em fogueira),

concluir esta poesia

usando outra caneta.















Aeroplano



Passos incertos,

olhos postos para o céu,

um pequenino caminha sem direção.

Ave gigante, é apenas um avião

num vôo rasante.

Vê o seu ventre de flandre

que o assusta

por um instante,

mas recobra a emoção.

De asas abertas,

ele pousa à sua frente.

Tão fascinado

por vê portas e janelas,

e por trás delas,

por vê gente.

O sol de antanho

à fuselagem irradia,

fazendo voltar ao dia,

em que um aeroplano

seu destino aterrissou.













A chegada



A fonte de esperança

que brota do choro de nossa criança,

transborda

em lágrimas que inundam a sala,

e em nós, a voz embarga.

Nos olhamos,

e em nossa lembrança,

voltamos ao dia em que começamos.

Aquele beijo que foi dado outrora,

selava agora,

o nosso destino.



























A sós



Entregue ao sono está o nosso filho.

Estás perdida, deixa-se levar.

Encontro a paz nesse teu sorriso.

Meu corpo tremido,

teu doce gemido,

ai que vontade de morrer de amar!



Perco a voz, sussurro no ouvido.

Um cheiro místico a alucinar.

Tento calar a voz dos sentidos,

minh alma grita em busca de abrigo.

Corpo estendido, sem poder lutar.



Cumplicidade, somos mais que amigos.

Juntos passamos por dor e sorrisos.

Já não há nada que faça mudar.

E a tudo, o nosso amor resiste.

Entre nós não existe

um só,

somos par.













Procissão



Cabeças e pernas

superam-se ao cansaço da longa caminhada

por entre ruas e calçadas.

A multidão vai rezando uma ladainha indefinida,

no meio dela

os pingos de vela

alvejam as mãos da santa.

A fé nas contas de seus terços,

pressionados pelos dedos,

a exorcizar todas as suas maldades e vícios.

Cânticos de um coral afinado pela fé.

Um fanatismo crônico disfarçado pela necessidade de crer.

Concentrada e espremida,

de volta a seu templo,

a turba alcança o ápice de sua devoção,

de mãos dadas e corações distantes,

mentes unidas numa força inebriante

de oração.

Após a dispersão,

cada um regressa às suas tarefas infindáveis,

ao lamento de seu dia-a-dia,

ao seu mundo de gloriosos e miseráveis,

às suas tristezas e alegrias.

Anônimos e famosos

desejosos de sobressairem-se

até mesmo onde deveriam ser humildes.

Dia após dia,

retiram os seus pedestais de santo,

e mais uma vez no outro ano,

voltam a construí-los com a participação de seu próximo,

e seu próximo com a sua.

De volta, a turba

recomeça a procissão.

Mais um ano, outro aniversário,

superou a anterior,

são os comentários.

Serão sempre devotos,

e de voto em voto

não dão conta que as contas de seus terços

não pagam suas dívidas,

não saram suas feridas,

não param com a dor

da falta do amor comum.













Desdém



Cresci e me perdi

com os pés arraigados

na miséria.

Revi-me num garoto

que por um outro

futuro,

ainda espera.

Um homem amargurado

que fecha os olhos

para a dor à sua volta.

Já não há mais revolta,

sou agora,

um ancião solitário.























Bons olhos



Aos bons olhos de Javé,

somos maus,

matamos o seu filho.

Animais!

Aos bons olhos do animal,

Deus é mau,

condenou-o ao inferno.

Satanás!

Aos bons olhos de Lúcifer,

o Homem é mau,

por tê-lo dado o conhecimento,

é inimigo mortal.

Aos bons olhos,

cada um tem sua razão.

Aos meus olhos,

foi uma grande invenção.

















Paciência



Mesmo que o dia tenha acabado,

mesmo que a lua tenha anunciado

que a noite enfim chegou,

não há motivo para ficar cismado,

não há motivo para ficar zangado,

o amanhã ainda não chegou.



No despontar do sol que já raiou,

um outro dia foi recomeçado,

todo o seu tempo foi recompensado,

o seu problema foi despedaçado,

cada pedaço foi recolocado

de uma forma que o solucionou.



A paciência o livrou do fardo.

O dia claro o iluminou.

O céu de novo está ficando pardo,

e desta vez você aproveitou.

Cada momento, observou calado.

Admirado, se emocionou

por um instante ter até pensado

em desistir de tudo que amou.















Antes



Antes de chegar,

ela em mim já estava.

Antes de adentrar,

eu a senti.

Mesmo antes de vê-la,

eu já a conhecia.

Quando a vi falar,

reconheci sua voz.

Antes de se apresentar,

eu lhe falei sobre nós.

Ela não me entendia,

interrompia-me,

eu me calava.

Ela enfim, compreendera

que antes,

muito antes

de fazer esta poesia,

antes mesmo de nascer,

um dia,

eu já a amava.















Ambos



Encontrava-me perdido

e você a procurar,

sem sabermos que estávamos

no mesmo lugar.

Eu estava em seu sorriso

e também em seu olhar.

Não podia lhe ver sorrir ou chorar.

Só podia lhe enxergar

na imagem do espelho.

Você ficava a se olhar,

várias horas, pensativa.

Você já não estava lá,

era eu a admirar,

em silêncio,

minha diva.



















Eleição



Não me entrego ao ator

que fala.

Não me submeto

à profundidade da cara

por parecer fiel

à fiel vida de agora.

Não sou um lapso

de memória.

Revejo a história.

Não esqueço que sou um cidadão.

Não acredito no abraço.

Dou mais um passo

antes de corresponder ao aceno de mão.

No embaraço,

para não ser mal educado,

digo que sim, no não,

digo que não, no sim.

Assim,

voto consciente.











Olhar a si



Às minhas costas,

há um par de olhos fixos.

Em uma volta

fecho o círculo

e fito-me sem negar-me,

inspirando-me em mim.

Sou parasita que persegue-se

no inverso,

sou apenas meu paradigma.

Olho o belo ausente

nas costas

largamente

opostas

ao que há na frente,

um par de olhos,

os meus.























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