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Poesias-->Reticências desfeitas -- 19/03/2007 - 17:31 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PRÓLOGO



Reticências desfeitas é continuidade, é ir além, não necessariamente ao fim. O poeta não hesitou em seus versos e aprofundou-se em seu silêncio para gritar ao vento, o seu louco pensamento.

Cada poema surpreende com sua métrica disforme que congraça o ritmo da declamação e segreda significados entre linhas dispersas que induz o leitor a interpretações pessoais e o torna também poeta. Dessa forma, o prolongamento dos poemas, através da supressão das reticências, dá ao leitor a impressão de que chegou ao fim. Porém o ponto final é apenas uma pequena pedra que pode ser lançada ao longe para dar passagem a um turbilhão de idéias.

Reticências desfeitas não é apenas o sinal desfeito para dar Constância à palavra, é a exortação do poeta ao concluir o que se fala, na busca incansável de revelar-se até a última gota de sua essência.

Diversificar assuntos, enaltece-los até o pico mais alto da racionalidade ou despencar no mais profundo abismo da ignorância emotiva é um traço marcante na poesia esboçada em forma de pintura do poeta norte-riograndense João Felinto Neto.

Sob a influência de leituras tão diversas, o poeta desperta através dos riscos de sua caneta, a palavra submergida na tinta azul, como se abrisse a porta de uma gaiola pra ver voar ao nascer do sol, a ave da liberdade que parece tocar com suas asas o céu. Dessa forma, o poeta que é cético, parece beijar a mão de Deus.

Amadeus Gregório











RETICÊNCIAS DESFEITAS



Reticências...

Eis a razão deste sinal:

Que eu cale a voz e pare a mão,

que eu deixe um verso em solidão,

dentre um poema ...

(Nesse momento

não poderia eu

interromper meu pensamento)

... em sofrimento,

em meio as páginas estreitas

deste livro

que tem por título:

Reticências desfeitas.











AINDA ESTOU VIVO



Ainda estou vivo,

percebo isso

em meus pulsos.



Ainda estou vivo,

assim percebo

pelos meus gemidos.



Ainda estou vivo,

percebo isso

nos meus próprios gritos.



Ainda estou vivo,

isso eu percebo

por minha exaustão.



Ainda estou vivo,

é percebível

pelo meu silêncio.



Ainda estou vivo,

percebo e sinto

o meu coração.



Estou vivo, não vivo em vão.











BEM QUERER



Eu não quero o mundo.

Eu não quero o mar.

Eu não quero nada

além do meu querer.



Eu não quero muito,

apenas você

que é o mais profundo

do meu verbo amar.



Eu não quero lua,

fogos de artifício.

Eu não quero riso,

nem gente a gritar.



Quero ter você,

doce criatura.

Não quero alma pura,

preciso pecar.











INOCENTES?



Onde estão as nossas balas?

Estão nas armas de brinquedo.

Há tanta criança perdida.

Há tantos adultos com medo.

A bala que ele pôs na boca,

foi de um tiro certeiro.

Os meninos da favela,

os com carro do estrangeiro,

em shoppings, becos e festas,

sempre há um tiroteio.

Mas as balas coloridas

de sabores diferentes,

hoje choram entristecidas

nos bolsos dos inocentes.











NINGUÉM EM CASA



A casa esta vazia,

vazia de sossego,

pelo entra e sai de pessoas.

E quando todos saem,

a casa se enche de silêncio.

Assim se percebe que ela tem vida própria.

E quando finalmente eu saio,

então a casa transborda.

No quarto, escutam-se os roncos da noite de

[ontem.

Por toda a casa, o barulho das dobradiças das

[portas.

E os risos das crianças no corredor.

No quarto do vovô, o ranger dos armadores mal oleados.

Na cozinha, o liquidificador.

Na sala da frente, risadas e conversas fúteis

misturadas ao som do televisor.

Mas o meu quarto continua quase em total silêncio,

escuta-se apenas o folhear de páginas,

e de vez em quando

uma poesia declamada em voz alta.

A casa agora empoeirada,

transborda em poesia.











O CASTIGO



A janela permite que eu veja

o vazio da rua à meia-noite.

E na calçada da sombria igreja,

vejo a morte levantar a foice.



Ao decepar minha dúbia cabeça,

por ter eu questionado a sua fé,

que o mundo ajoelhado não esqueça,

eis o castigo para quem ficar de pé.



É difícil manter-se ponderado

quando no vinho o conservam imerso.

Posso viver a vida toda ao seu lado,

como um vizinho que adora o inverso.



Sob a cruz, vi a loucura por inteira.

Mesmo em brasas, me doía o coração.

Os meus versos crepitavam na fogueira,

vestes negras, almas que não têm razão.



Os meus livros, recobertos de poeira,

em caixotes enterrados no jardim,

por temor aos olhos cegos da igreja,

foram tudo que ainda restou de mim.











TEMPO PERDIDO



Uma pessoa sem horas marcadas,

não cumpridor de promessas.

A cada passo um sapato de cor

que não lhe aperta.

Um alto e jovem senhor,

uma camisa sem mangas e aberta,

com uma grande estampa,

passou em frente a biblioteca

e nem ao menos olhou.

Contornou os pilares da velha catedral,

fez o sinal da cruz,

citou o nome do judeu Jesus,

passando as páginas que cria de agora.

As mesmas páginas que foram outrora

o sonho de ser imortal.

Saiu à rua, onde havia ilusão.

A sua boca jamais sorriria.

Desconhecia que era tudo em vão,

no eterno vão

da vida.











REVELAÇÃO



Uma voz estranha

diz:

- Não vença.

A tua descrença

não é mais segredo.

Sob torturas, nesse pesadelo,

serias tu

apenas medo.



E em resposta,

a voz saiu do peito,

mesmo de costas, pois não me virei:

- Que queres vós?

Pois eu vencerei.

Se vos interessa a minha derrota,

me libertarei.



Insiste a voz:

- Estás só,

não notaste ainda.

O teu tempo finda,

e virás para mim.

Julgarei teus feitos.

Morrerás no próprio leito

que choras baixinho.

Eu grito com uma ira

até então contida:

- Voltastes para quê?

Para iludir-me com tuas promessas.

A vida, eu sei que é só essa,

não há para onde ir.



Continuo o desabafo,

porém quase sem voz:

- Vós não entenderíeis

o significado do meu choro.

Choro porque sofro,

sofro com pena de vós,

que não tendes piedade de nós.



E um clarão me desperta.

Alguém acende a luz do quarto

em que dormia.











COMEÇO E FIM



Posso jurar por muitas vezes,

quão cinsero é meu afeto.

Meu amor eu te completo,

mas também te entristeço.



És enfim o meu começo.

Não me deixes eu te peço.

Hoje sei que não mereço

teu perdão e teu regresso.



Flores morrem no jardim

sem a mão que as regava.

Quantas flores arrancara

para oferecer a mim.



Meu amor diga que sim,

não há riso nessa casa,

era tanto que eu te amava

que também foste meu fim.











FIO DA MEADA



Se o amor é uma palavra abstrata,

por que a dor

é tão física?

Por que a carne

é tão fraca?

Entre nós,

impressões desfeitas.

Entre outros,

o fio da meada.











BARRO E LENHA



No chão de terra batida,

a lenha tornou-se brasa.

De barro era o fogão

e as paredes da casa.

O barro seria a vida.

A lenha a evolução.

Qual parte dela é Maria?

Qual parte minha é João?

No barro o molde dos pés.

Na lenha a marca da mão.

Barro e lenha são passado,

berço e civilização.











AMANTES



Quem é que me chama

pra cima da cama?

Levei as tristezas,

lavei com as mesmas

lágrimas de quem ama.



Um amor tão bonito

que some na areia.

Meu rosto espelha

teu leve sorriso.

Amor,

o que é isso?

Que a alma permeia

e o corpo vagueia

sem rumo,

sem siso.



Falar é preciso

pra desabafar.

Não tenho mais olhos

e nem mais ouvidos.

Só vejo teu rosto,

só escuto teu grito,

sempre a chamar:

- João, deixa disso.

Então, por capricho,

mantenho-me calado.

Prefiro mil vezes

morrer abraçado

que estar ao teu lado

sem poder te amar.











SEM AMOR NADA SERIA



No mundo novo,

que não quero,

o meu amor não valeria,

apenas o meu credo.

Mas sem amor nada seria.

Ainda hoje nada espero.

Sem espera, não há esperança,

não há passado, nem lembrança.

Sem essa dor que aperta o peito,

sem esse jeito de criança,

não vale a pena ser direito,

é bem melhor entrar na dança.

Se comportar de forma estranha,

manter os olhos bem abertos

e estar cego,

não é castigo pra quem ama.

No mundo novo,

que não quero,

o meu amor não valeria,

apenas o meu credo.

Mas sem amor nada seria.











CIÚME



Esperaria uma lágrima,

e quando a visse

me surpreenderia.

Eis que a sorte foi lançada,

qual de nós suportaria?



Quantas vezes foi cobrada

pela culpa que era minha.

Quantas noites mal dormidas,

quanto choro,

quantas brigas.

Uma cama tão sozinha.



Quantos sorrisos desfeitos.

Entre nós uma muralha.

Acordar no pesadelo

é ter a vida separada.



O ciúme e seu sarcasmo

ferem tanto um coração,

que o amor é fuzilado

na parede da razão.











O LENHADOR



Lamentou pela fogueira

que a chuva

não deixou queimar à noite passada.

Quando foi acesa,

justamente

para pedir chuva a sua padroeira.

Numa terça-feira,

seria cinza,

de madrugada.

As toras de madeira

mal queimadas,

iluminadas pelo sol abrasador,

olhou-as com semblante entristecido,

o lenhador

que procurava sombra

num chão devastado

pelo seu machado,

pelo seu furor.











ESTRANHO



Quero regredir no tempo

e voltar mais tarde.

E dessa forma evitar meu desespero.

Já que o mundo, agora, não me entende,

e o meu pensamento arde

na chama de um mundo sem anseio.



Quero amanhecer um dia

e acreditar que a vida faz sentido,

e não ver um mundo que espelha

o seu próprio colorido.



Quero abrir um livro

e entre as páginas

ver meu pensamento impresso,

e a data em que houve o meu regresso.



Quero estar por perto

quando o mundo escutar seu próprio grito.











NA JUVENTUDE



Em muitos tragos

fui frieza e sedução,

enquanto não

fui mais um bêbado pela rua.

Em mim, a lua

derramava a solidão.

Em minha mão

estava o mal e minha cura.

Uma criatura

que amava o vazio.

Louco e vadio,

sem procurar

e à procura.

Com os pés no chão,

frente à razão,

venci a luta.











A LIBÉLULA NO JARDIM



Num vôo constante toca a água.

A flor que desabrocha não lhe acalma,

seu movimento não tem fim.

Um predador à sua procura,

uma execrável criatura

que atravessa o jardim.

Por um momento, vôo brilhante,

longe de mim

que observava, nesse instante,

a libélula no jardim.











DESCRENTE



Não acredito

que estou sozinho

nesse mundo onde há tanta gente.



Não acredito

que eu sou culpado

e o mundo inocente.



Não acredito

estar acordado

enquanto todos dormem.



Não acredito

que estou aqui parado

enquanto todos correm.



Não acredito

que eu sou de paz

se o mundo todo briga.



Não acredito

que me importo tanto

se o mundo nem liga.





Não acredito

que eu sou o louco

e eles são normais.



Não acredito

que eu sou humano

se somos animais.



Não acredito

que tenho coragem

se todo indivíduo foge.



Não acredito

que continuo vivo

se o mundo inteiro morre.











ESTILHAÇOS



Eu busco o pulso

e a vitória,

amor,

derrota

e pensamento.

Entrega,

corpo,

uma escora.

Uma dor enorme

vem de dentro.

O canto,

um grito,

um velho lenço.

A saia mostra

uma coxa,

o vento.

A terra treme.

A cama arde,

o sol,

a pele,

o amor que parte.

Eternidade

e pouco tempo.

A solidão,

o amor,

invento.

A criação,

falsa conduta,

toque de virgem,

prostituta.

Um cheiro,

o último,

o primeiro.

Apenas dor

e sentimento.











BIFOCAL



O mar costumava

surpreender minhas retinas.

Estou tão calejado e rude

que nada me fascina.

Então revendo

no brilho dos olhos

de meu pequenino,

o mar que eu via em outro tempo,

compreendia,

que o mar em nada

mudara.

De onde vinha

o fascínio que mantinha

o seu olhar estático?

E minha apatia,

de onde viria?

A onda que o levava,

me trazia.

A areia que ele beijava,

eu a cuspia.

E de repente

foge-me a lucidez

e o mar me diz:

- É que desta vez

estás vestido,

e teu filho, como tu já estiveste um dia, despido

de angústia,

de ausência,

de dor,

de intolerância,

de vícios,

e de falta de esperança.

Assim,

tu estás vendo-me com olhos de adulto,

e teu filho, com olhos de criança.











POEMA ZURETA



Venusto, meu ser.

Eis minha filáucia.

Na fonte de uma soledade,

libar

o líquido tíbio.

Meu rosto se vê

de truz

em meu vezo.

No chão abre-se uma fisga

que leva o meu corpo escanifrado

a geena,

um lugar perro,

onde não ha ninguém

para perorar por mim.

Eis que desce um serafim,

e há um prélio.

Um auxilio serôdio,

pois já faço parte de uma latria soez.











POEMA GENIOSO



Belíssimo, meu ser.

Eis minha vaidade.

Na fonte de um lugar ermo,

beber

o líquido escasso.

Meu rosto se vê

notável

em meu vício.

No chão abre-se uma fenda

que leva o meu corpo muito magro

ao inferno,

um lugar difícil de abrir e fechar,

onde não há ninguém

para falar a meu favor.

Eis que desce um anjo,

e há um combate.

Um auxílio que vem tarde,

pois já faço parte

de um culto vil.











MODÉSTIA



A natureza me fez.

Fez a areia, talvez

para eu pisar.

Para lavar meus pés,

fez o mar.

Para eu voar mais alto,

fez o céu.

Para adoçar meus lábios,

fez o mel.

Fez o sol,

só para me aquecer.

Fez a sombra

para me acolher.

Fez a brisa,

apenas para me arejar.

Afinal, fez o mundo

para eu usar e abusar.

Para que eu pudesse conquistar,

deu-me pouco.

Com certeza,

não deu a esse louco

a modéstia

na forma de pensar.











EMBARCAÇÕES



Pontos retratados

sobre um lençol de espumas,

que o lápis do tempo

redesenhando,

rascunha.;

e tornam-se figuras,

contornadas pela realidade,

embarcações.











LITORÂNEA



Vai e volta

no mar, a onda,

como abelha

numa flor,

como também o amor.

Passa a vida.

Passa-tempo.

Mar e vento.

Poesia.

Passa o sol

levando o dia.

A escuridão tem cor,

amarela

como a lua.

Gente que passa na rua.

O vento sopra o telhado

como boca num chiado.

Acordo e escuto o mar:

-Vem cá.

-Vem cá.

Piso na areia fria.

Vejo o sol

trazer o dia.

Deixo a água

me banhar.











O BERÇO DO POETA



Numa chapada

que leva seu nome,

de uma lagoa

que não viram secar,

eis o lugar

onde nasceu esse infame

e louco poeta.;

eis sua terra

que mal pôde pisar.

Já muito cedo

saiu de seu berço.

Nunca voltou,

por ter encontrado

uma outra terra para lhe adotar.

Quis o acaso

que seus caminhos fossem descruzados.

Hoje, um vizinho,

é tão descansado,

que mesmo ao lado

não vai visitar.

Berço esquecido

por uma criança.

Sem mais esperança,

fica entristecido

por não se lembrar.

Não importa



Não importa

ver a luz

pela fresta

que há na porta.



Não importa

ser a cruz

mais perfeita

entre as tortas.



Não importa

o poder

da arma química

ou biológica.



Não importa

o jardim

no qual a rosa

nos sufoca.



Não importa

ir a lua

se mendigam

à minha porta.



Não importa

ser herói

de uma guerra

onde há criança morta.



Não importa

se à janela,

seu olhar

já não me olha.



Não importa.;

nada importa

a mim.











POEMA DE UMA AMIGA



A solidão

me trouxe um pouco de amor próprio.



Continuo aqui,

pois a paixão

não me deixou partir.



Revejo outros momentos,

que molham meus olhos.

Não consigo dormir.



Porque fala mais alto o coração,

e a razão teima em mentir?



Se tenho consciência

que fiz a minha parte,

não há remorso.



Se hoje, pelas venezianas,

vejo que tu partes,

o amor não era nosso.



Só tenho dó,

por vê-lo só,

sem ter ninguém.











LABIRINTO



Percorrendo minhas cicatrizes,

eu me perco entre corredores.

Foram tantos sonhos infelizes,

de amores.



Nunca encontrei uma saída

desde a juventude a fatídica

idade.;

acalentado nas dores,

revigorado em saudade.



Sou um velho minotauro,

uma lenda mitológica.

Meu castigo é meu passado.

Minha absolvição,

inglória.



Minha liberdade, minha sorte.

Pelas mãos de um semi-deus,

minha morte.











A BELA QUE PASSEIA



Uma cor

que incendeia.

Uma blusa

que acusa.

Uma saia

que abusa.

Uma musa.

Uma sereia.



Um olhar

que encandeia.

Uma boca

que recusa.

Uma curva.

Uma cintura.

O perfil

de uma deusa.



O cabelo serpenteia

pelas costas

semi-nuas.

Um perfume

pelas ruas.

Bela dona

que passeia.











SINCRONICIDADE



Pirilampo,

uma luz na noite fria.;

entre tantos,

uma perfeita sincronia.



Um fenômeno universal,

eis a nova teoria

que rompe a dicotomia

de um problema racional

e uma visão espiritual,

numa simples coincidência

do dia-a-dia.



Do subatômico ao macrocosmo,

o fenômeno ocorreria.

Não haveria o acaso,

nem tão pouco

o destino ceifaria.



Sincronicidade,

pensei que na minha idade

nada me surpreenderia.











O DIÁLOGO



- Dou-te a palavra

para principiares o diálogo.



- Fico muito grata

por ceder-me o favor.

És muito amável.

Vou falar de amor,

sentimento imensurável

que é tão natural

quanto o desabrochar da flor.



- Já vou interpor.

O que tu estás dizendo?

O amor é um invento

cultural e sem valor.



- Estou espantada.

És um homem insensível.

O amor é indizível.

É nosso maior legado.



- É soma sem resultado.

O amor não é normal.

É estóico, irracional,

nos mantêm aprisionados.

- És um homem insuportável.

Mas o que dizes é refutável.

De que vale a liberdade,

sem motivo para a saudade.



- És uma eterna sonhadora.

De que vale um sentimento

que só nos provoca medo,

fraqueza e sofrimento.



- O amor é imortal.

A mais pura poesia.

Nos fere, é natural.

Mas compensa com alegria.



- É uma simples utopia.

Inconstante, passageiro.

Quem se entrega por inteiro,

viverá em agonia.



- Vou deixar por encerrado

o nosso breve diálogo

em tua cética pessoa.

Mas eu sei

não é à toa

que nós dois somos casados.











ESQUEÇA



Esqueça o beijo

de uma dama prometida.



Esqueça ainda

a ternura e o calor.



Esqueça a flor

que levou naquele dia.



Esqueça a mão fria

e o pavor.



Esqueça a cor

do vestido que a esculpia.



Esqueça a poesia

que para ela declamou.



Esqueça os versos,

o universo

e a harmonia.



Esqueça para sempre

o belo dia

em que conheceu o amor.

Mania



Escrevo tanto

que fico louco.

Escrevo em solidão.

Escrevo mal.

Escrevo torto.

Escrevo com o coração.



Escrevo pouco,

e me desespero.

Escrevo em multidão.

Escrevo bem.

Escrevo reto.

Escrevo com a razão.



Se nada escrevo,

eu me anulo.

Nada espero,

nada procuro.

Já não revelo

minha emoção.











ARMA PERIGOSA



Eis que o amor

é uma arma perigosa.

De maneira insidiosa,

meu coração, perfurou.

Tirou sem por,

o que pouco em mim havia.



Sem dar conta da agonia

que causava tanta dor,

já não ouvia

meu insistente clamor.



Assim, perdi

os melhores anos de minha vida.

Sem perceber

que no peito ainda havia

uma enorme ferida

que nunca cicatrizou.











PERFIL



Tocasse a vida

com sua mão

em uma tinta turva,

e contornasse em sinuosa

curva,

uma forma definida,

traços que marcam uma silhueta:

Testa, nariz,

lábios e queixo,

olho e orelha,

restauraria seu perfil.

Lábios calados,

olho vazio,

nariz sangrando,

testa febril,

queixo quebrado

e orelha de abano.











O MUNDO



O mundo gira para um lado,

e eu caminho ao inverso.

E quando enfim

ele caminha,

sentado eu o observo.



Ao invadir a minha casa,

eu digo: - Fora.

Escuto sua gargalhada,

mantendo-me sério.



Eu faço silêncio,

quando triste, chora.

Quando se ajoelha,

tenho que respeitar.



Ao ser absolvido,

me condena,

apenas por dele discordar.











DILUVIANO



Dias mundanos,

noites incertas,

é porque nos amamos

entre covas abertas,

por trás de portas fechadas,

na rotina calada

de um quarto com janelas.



A vida abre os braços.

Um abraço às vezes traiçoeiro.

Onde seremos húmus

nos canteiros

e quem sabe

seremos flores.

Flores de amor e de ódio,

flores sem cor,

flores para fazer o ópio,

flores para cheirar.



Não adianta fugir para casa,

ela é violável.

Nossos relógios tentam mostrar

horas de felicidade,

horas de ilusão.

Somos bons,

vamos mais longe

que nossos dias fúteis.



Os passos brilham no chão

de cimento.

Os perfis são ciumentos

com a égide do cuidadoso.

Uma vida profana.

Uma cama profusa.

Um coração ocluso,

depois do mau uso

de sua emoção.



Minha paciência limitou-se a chorar

de tédio.

Nosso inferno

é um céu de ilusões.

Amargas versões

de um filme mudo.



A tempos que andamos

mal acompanhados.

Assanhados sob velhos tetos,

onde as telhas caem sobre nossas cabeças,

quando pensam em obscenidades

e perversidades

nossas mentes sãs.

Somos exemplares

para nossos filhos,

para nossos netos.

Não fazemos isso

ou aquilo,

nem os viciamos em remédio.

Que pena nossa fala no cinema,

nossa tradução

que bela.

Somos altos e ricos,

sem problemas,

sem bolsões de miséria,

sem vielas

feitas de lixo.

Somos úteis,

somos anjos nas novenas.



Nossa arcada dentaria nos identifica.

Um DNA nos dá paternidade.

Que humanidade,

que em si difere

e separa sua gente.

Uma flora crescente de preconceitos.

Um animal sujeito,

sem jeito,

por ser auto-destrutivo.



A solidão da rua nos leva à reflexão.

Em vão,

há alguém no escuro,

com uma arma moderna,

de tocaia,

à espreita,

à espera.



Talvez seja seu filho,

seu irmão,

um amigo,

um vizinho.

Perdão,

e se não for nada seu,

será de alguém

que como você,

assim deseja.



Somos tolos em fazer planos,

ter uma meta.

Um futuro escuro,

obscuro,

pode ser uma reta,

pode ser um ângulo obtuso.



Se tivermos uma juventude pródiga

não teremos uma velhice de descanso,

de sossego,

sem emprego,

sem a ponta do sapato do patrão,

sem a pata do leão

a minorar nossa renda.



Esse é nosso lar,

doce lar.

Uns limpam e tentam salvar,

já outros

só pensam em chegar aos fins,

vendendo e comprando pedaços

do planeta.



Quem sabe a idade daquela prostituta?

Poderia ser sua filha,

sua irmã.

Mas como não é,

não é problema seu,

e assim ela ganha mais uma noite.



Numa vida sem folga,

sem fôlego,

assim como os ritmos das músicas da moda,

a harmonia já era.

O agito é o que gera,

geralmente sua culpa,

seu estresse calejado

que só pensa em dívidas.

O carro à porta não lhe aguarda.

Cuidado com o guarda.

Qualquer som à noite parece pancada.

Não é jovem,

não é velho,

é o eterno prazer de incomodar.

Quem vem lá

pode merecer uma bala.

Mas quem cala

consente,

quem não sente,

não fala.



Os lençóis já desfilam na passarela.

Lenços na cabeça,

piercings, brincos e adornos esquisitos.

E ele, e ela, duvido.

Tatuagens numa nova onda,

de gíria,

de fim de noite,

de novela.

Porque não afundaram as caravelas?

Ou seria melhor

afundar a arca?

É ou Noé?

Infantil



Acompanhar a infância

sobre o meio-fio,

de braços abertos,

um equilíbrio, um desafio,

manter seu lado criança.



Fazer careta ao espelho,

nos próprios olhos, rever-se,

doce lembrança.

Na mesma altura, de joelhos,

entreter-se com seu filho.



Manipular as risadas,

trejeitos que nos fazem rir.

Achar a vida engraçada.;

ouvir as nossas passadas

tentando nos seguir.



Tudo é pueril.

A sensação de nossos dentes de leite,

um deleite

infantil.











LEITOR



Leio este poema

que não sei quem fez,

posto que talvez,

para o papel, o poeta estendeu

um pensamento que também é meu,

entre tantos, pelo mundo, dispersados.

Penso nas conversas nos mercados,

nas atitudes de um ser que não tem jeito,

na dor que extravasa de seu peito,

nas multidões e nos loucos isolados.;

nas cenas obscenas,

na unidade e nas centenas,

de terços e novenas,

de cultos e orações.;

na realidade e nas ilusões,

da vida e das antenas

nas quais o mundo todo está ligado.;

no som alucinante das buzinas,

nos jovens nas esquinas,

nas imagens

gravadas nas retinas,

das paisagens

de um planeta desolado.;

na exceção do homem iluminado

nas ciências,

no riso da inocência,

na essência

de um jardim florado.;

no barulho da chuva no telhado,

no frio e no calor,

na falta de amor

entre olhos perfurados

pela indecência

de um corpo deflorado

e sem pudor.

Penso na verdade, se assim for,

de um poeta pensador,

que como eu,

escreveu

um poema onde ele é o leitor.











DA BOCA DE UM ANJO



E quem são vocês,

pra pensar que são,

quem são?

Apenas mortais

que ainda querem mais

para si.

Que só pensam em conquistar

seu quinhão.;

tudo em vão,

pois só solidão vão sentir.

E quem sou eu

para rir?

Um ser imortal

que não quer jamais

ser igual

à vocês mortais.











VENENO



Não agüento

doses excessivas de ciúme,

o amor sucumbe.

Flores ao vento,

sem ter mais viço

não exalam mais perfume.

Cenas de flagras

entre caras

que mal se olharam.

Riso sarcástico

num rompante de dor.

Morre o amor

de um pérfido veneno

que não tem gosto,

não tem cheiro

e nem cor.











MISTO



O que sou?

Apenas o que sei.

Não sei nada,

só sei

que inexisto.

Sou um misto

de tudo

e de nada.

Sou em parte,

a parte que sobrou.

Assim, sou

de tudo que não sei

se sou,

o fim.











ENCARCERADOS



As paredes se fecham,

invisíveis.

Mas apertam

o cerco, insensíveis.

Frios passa-tempos

sempre presos

pelo tempo.;

pelo ar

(pela necessidade de respirar).;

pelo medo

(pela vontade de fugir mais cedo).;

pela verdade

(na falta de coragem de mentir).;

pela saudade

(em vista da distância).;

pelo que somos

(meros mortais com a ilusão de sermos eternos).











REAL



Meu reino é animal.

Meu trono, uma latrina.

Meu cetro, minha espinha dorsal.

Sou rei

que não tem rainha.

Meu castelo é de ilusão.

Minha coroa, solidão.

Eis que eu mesmo

sou herdeiro

de minha plebe condição,

de minha nobre rotina.











É DE MIM



É de mim,

sofrer e não chorar,

lutar e não calar

enquanto vida houver.



É de mim,

Fugir da cruz temida,

buscar outra saída,

morrer e não ter fé.



É de mim,

desconhecer você

que tenta esquecer

que não sabe quem é.



É de mim,

correr, mesmo cansado,

depois de atropelado,

manter-se ainda de pé.



É de mim,

perder as estribeiras,

rejeitar boas maneiras,

aceitar o que vier.



É de mim,

acreditar que tudo, enfim,

é sempre assim,

é de mim.











PEDRINHAS



Permaneceu assim no tempo,

do jeito de meu pensamento.

Ainda pedra sobre pedra

em uma eterna

construção.

Barracas fincadas no chão.

Na margem pisa, meu regresso.



Sob meus pés, em poucos metros,

o lodo me faz patinar.

Vejo as águas em cascatas,

num véu de espumas, despojar

todas as gotas represadas

pela parede, estourar.



O meu olhar se extasia

na poesia do lugar.

Entre as touceiras de bambus

diviso corpos semi-nus.

Um pescador que se arrisca

em pedras escorregadias.

Uma ave que voa rasante,

por um instante,

parece saber quem eu sou.

Eis que na areia ela pousou

por entre garças dispersantes.

Os versos rabiscados

nessas linhas,

são fatos retratados

das Pedrinhas.











A MÚMIA



Pintou os olhos

no antigo Egito.

No baixo Nilo,

se banhou.

Escondeu-se num grande sarcófago.

A maior pirâmide,

escalou.

É uma múmia

amaldiçoada,

como cada um

que tenta profaná-la.

Sob as areias

do novo deserto,

um faraó desperto

em pleno século

vinte e um.











INTRIGADOS



Se fugir não posso,

posso me esconder

e simplesmente lamentar.

Lamentar por quê?

Se fiz apenas o que gosto.

Gosto de você

por ter

ensinado-me a amar.

Amar é ser

eternamente nosso.

Nosso bem querer,

tão proibido, fez nos separar.

Separar é sofrer

enlouquecido em remorso.











CASUAL II



Algo perturbador,

pareceu-me amor,

apesar de vê-la uma única vez.

Uma visão casual,

e talvez

tenha eu compreendido mal.

Por ficar absorto,

com olhar indecente

em suas partes pudendas,

vi seu desconforto.;

sob a íntima transparente,

suas carnes trêmulas.











AFOGAMENTO



Submerso,

a água consome

meu fôlego,

minha vida.

Minha audição quase some.

No desespero

busco a saída.

Olhos arregalados

por fitarem a morte.

Azar ou sorte,

morreria eu, em silêncio.

Uma fração de segundo

durava tanto tempo

que me senti mais forte.

Como último esforço,

estendo a mão

e procuro a luz

que delimita a superfície.

Se já não existo,

sonho.

Um pesadelo acompanha

o meu afogamento.











COMPONENTES



A minha face

é uma só,

antiga e feia.

A palidez da minha mão

à lua espelha.



Ilhado sobre o mesmo grão

que me semeia,

semeio o pão

no grão de areia.



A pedra que me fez em pó,

pedra de mó.

Vinho na ceia.

A última

não foi a minha,

nem a primeira.



Primeira mão

vazia

ou cheia.











AQUI ESTOU



Aqui estou,

sem nada ter mudado,

entre as ruas conservadas

no passado,

vendo casas

que dizem quem eu sou.



Aqui estou

repisando os mesmos passos,

jovens passos

deixados na memória,

uma simples, mas empolgante história,

de um moço

que um dia por ali passou.



Aqui estou

tão distante no tempo,

num sorriso espontâneo.

Os amigos, de roupas engraçadas,

hoje, coetâneos

da época que nos deixou.



Aqui estou

nos apertos de mão,

revendo rostos

que ainda tentam, em vão,

revelarem os moços

que o meu espelho tentou.



Aqui estou

em um mundo

que parece oculto

como um pano de fundo

de um quadro

que alguém repintou.











NADA FAZ SENTIDO



Eu falo para poder crer

em meu próprio ouvido.

Tento me convencer

e acabo perdido.

O que faço para poder explicar

essa vida a meu filho.

Amanheço,

anoiteço,

pensando no que devo dizer.

Nada digo.

Pois enfim reconheço que nada faz sentido.











CISNE



Não sei ao certo

qual o meu primeiro verso.

Não há registro grafado no livro do tempo,

nem a lembrança permitirá meu regresso

nesse dúbio momento.



Vivo os meus dias

rabiscando pensamentos.

Leva-os o vento,

tal plumagem esbranquiçada,

pela porta escancarada da existência.



Sei que um dia

será fechada esta porta.

Não sei a hora

nem a causa saberia.

O porquê não valeria

eu saber.

Meu coração soprará um belo tema.

Tal qual a ave

que cantaria ao morrer

declamarei o meu último poema.











GULA



Adoro o desjejum,

o pão comum

em nossas mesas.

Adoro o almoço,

o cheiro

que acompanha o gosto

da carne em meu paladar.

Adoro a sede

e o líquido que escorre

na garganta

a saciá-la.

Também adoro

acender as velas

que iluminam o jantar.

Adoro o ritual do comer.

Adoro o prazer

do pecado da gula.











LUGAR NENHUM



Cheguei!

A cidade não me reconhece.

Em cada rosto que me desconhece,

revejo um amigo que deixei.

Nos mesmos paralelepípedos, porém desgastados,

eu sigo os meus passos

que sob meus pés nas ruas

escondem-se,

como eu me escondo por trás das rugas

e dos cabelos grisalhos.

Os garotos são outros,

outros tempos também.

Relembro meus gestos

nos atos de alguém.

O que me traz de volta,

supera

as razões que um dia me fizeram partir.

O que faço agora?

Desconheço o meu lar.

Para onde ir,

se não mais pertenço

a nenhum lugar?











CONCUBINATO



Uma marca no dedo

separa corpo e alma.

No medo, perco a fala,

não exponho meu segredo.



Dispensa o direito

de ir a toda hora.

Jardim que não tem rosa,

união que não tem jeito.



Um beijo imaginário

nos lábios do delírio.

Querer ficar comigo

não é tão necessário.



Eu não peço demais,

procuro uma saída.

Não quero sua vida,

apenas minha paz.



Um abraço dispersado.

Despeço-me dos amigos.

Entre lágrimas e sorrisos,

um rosto procurado.



Na garganta um nó,

por vê-la à distância.

Perdi toda a esperança.

No fim, eu parto só.











RASTILHO



O pó

marca o chão

em forma de serpente.

Risco preto,

segue um brilho quente

que detona

numa explosão.

Um clarão

que emudece

a mais fria criatura.;

numa prece

ajoelha-se e jura,

arrepende-se e roga

por perdão.











SEM-VERGONHAS



Eu não queria emudecer,

mas foi por tristeza.

E quando foi você,

não quis perguntar,

talvez por suspeitar

ou ter certeza

que foi minha frieza

que a fez calar.



Eu não queria chorar,

mas as mágoas fluíam.

E quando a vi derramar,

eu não acreditei,

e jamais perguntei

o que todos sabiam,

eu fingi não notar.



O que me deixa tão fraco

é o impulso,

é o querer.

Querer ter mais que o quadro,

ter o autor

e o prazer.



Ante o silêncio da sala,

resignados

ou loucos,

a nossa roupa espalhada,

nós nos amamos,

e aos outros.











POLÍTICA



Ar vitalício!

Escoro minha cara na parede.

Dobro os joelhos,

sou dobro e sou metade.

Rio à vontade,

transbordo pelas bordas

no caldeirão da vida.

Na falta de comida,

comunhão.

Na bala de canhão,

uma ressalva.

Brinca a criança,

a sua esperança

é que a bola de gude

nos rachões do açude,

seja salva.

Mais do que isso,

posso apostar no bicho.

A lata lá no lixo,

compactada,

é sempre reciclável.

O amor é condenável,

o preconceito aumenta,

é oito ou é oitenta.

A SIDA não é sigla,

é doença terminal.

Talvez no carnaval.

Nas barbas do natal,

papai-Noel.

Quem sabe lá no céu

se lê jornal.

Bem ou mal,

não faça a minha parte,

faça a sua.

Um berro na cintura,

a essa altura,

é digital.

DNA,

há de não ser comigo.

Meu rosto estampado na TV.

Sorria,

porque não é você.

Brincar de esconde-esconde hoje em dia

é pura ficção.

E o nosso coração?

Taquicardia.

O espaço é conquistado.

Sapato engraxado

na avenida.

Um velho atropelado.

Saudades dos contos

e quintais.

Cadê branca de neve

e os sete anões?

Chapeuzinho vermelho

tornou-se o lobo mau.

PT saudações.











TARDE DA NOITE



A tentativa para adormecer,

me incomoda.

O relógio na cômoda

marca mais de meia-noite.

Um ventilador barulhento,

com seu vento

frio,

ultrapassa o cobertor macio

que aconchega meu velho esqueleto.

Parece não ter jeito,

nesse desafio

os meus olhos dizem não.

Sobre o travesseiro,

minha cabeça procura posição.

Sob o mesmo travesseiro,

deixo minhas mãos.

Reviro-me, faço barulho.

Meus olhos ainda teimam no escuro.

Mas meu sono

toma conta da situação,

e enfim eu durmo.











SUBTRAÍDA



Sou o molde

que se vê na rua.

Sou apenas um menino pobre.

Uma sombra pequenina,

mal formada pela luz da lua.



Culpa minha ou culpa sua.

Entre carros,

ouço só buzinas.

Entre tragos e cigarros,

mordo a sua língua.



Sob a ponte

que suporta minha dor,

passa o inverno.

Nela sou inverso.

Novamente, você me pisou.



Não é só abuso de autoridade.

Autoritarismo e maldade.

Não que eu seja vítima,

posto ser culpado.

Sou uma criança

que subtraída

não deu resultado.

Entre prédios e calçadas



Em meus olhos,

a pouco fechados,

carrego tristeza e solidão.

Em minha bagagem

carrego a imagem

de minha devoção.

Entre prédios

que elevam meu queixo

até o limite do céu,

não me queixo em vão.

Apesar de meu desleixo,

carrego sob meu chapéu,

paciência e recordação.

E em meio às calçadas,

além da esperança

de um dia voltar,

carrego a doce ilusão

que o sertão

vai virar mar.











ABORTO



Se você não me quer mais,

minha cabeça será alvo

de uma bala direcionada,

por acaso,

para o coração.



Se é apenas condição,

não posso dá-la.

Para não vê-la na mão,

queria ajudá-la.

Eis que a força que me enlaça,

toma-me a decisão.



Uma pílula engolida,

castrou a vida

de um embrião.











AGRADECIMENTO



Agradecer não é tão fácil quanto parece.

Em meio às minhas preces

está o nome de vocês.

Tenho certeza que não foi a minha vez,

graças àqueles

que corriam entre paredes

tentando me salvar.

Em cada olhar

eu via força e esperança.

Com suas tranças,

vi a morte desfilar.

A cada gesto

uma mão se estendia,

e nesse instante eu ouvia:

- Está na hora de voltar.

Estou de volta,

eis enfim minha resposta:

- Obrigada por chamar.











FEZ



E tu criatura,

desobedeceste mais uma vez.

Teu criador é uma figura

que representa tua timidez.

Diante de uma falha,

a culpa.

Diante da dúvida,

fez.



Em tua mão,

a chaga de um prego.

Suplícios sofridos,

estigmas.

Flagelo cego

de tua criação.

És ilusão,

não há outro remédio.

No cemitério,

a condenação.



O tempo é pouco

na solidez da terra.

A fantasia

dar-te eternidade.

O chão,

verdade.

O céu,

mentira e vaidade.



Não mexa

na criança do berço.

Deixe-a

pensar um pouco.

Não enforque-a,

com as voltas do terço,

por seus pensamentos loucos.











SONETO DO DESAPEGO



Um abraço de desengano, entre meus braços.

Diz os meus lábios, o que você quer ouvir.

Em solidão, só escuto os meus passos.

E não há laços que me prendam ao partir.



Por quantas vezes, me senti acorrentado

por olhares acanhados de almas transparentes.

Nos corpos quentes, meu passado é revelado

por meu coração alado, que abre elos de correntes.



E sob o céu, dia e noite eu vivo a caminhar

dentre os jardins, vendo minhas mãos colher

tantas flores quanto amores possa ter.



Poligâmico, e sem nenhum compromisso,

tiraria eu com isso, todo seu doce sossego.

Sinto muito, por meu enorme desapego.











LUA CHEIA



Não quer me ver e passa.

Passa para que eu a veja.

Nobre amor,

o que eu diria.

Deixo-me levar, a morte,

pelo tanto que queria.

Soberba e forte,

uma covarde

que só foge,

foge de sua eterna agonia.

Cheia como lua,

cheia

de mim e de si mesma.

Cobre os olhos, com o cobertor.

Cobre injetado nas veias.

Feia,

a face que sombreia.

Um vermelho

em seus lábios

e no sangue derramado.

Amada

que morre

enquanto foge,

foge de si mesma.











FLOR DO DESERTO



Condenada a rastejar,

tão vil serpente,

não lamente,

apenas me regurgite.



Uma vítima, no bote,

inocente.

Ser apenas um caçote

que resiste.



E na guerra santa,

quem não morre

canta.

Ainda posso

alistar o amor.



Oração na areia,

ante a dor alheia.

Que desabroche a paz

em um botão de flor.











TELESPECTADOR



Um colorido.

Um mundo ilhado e revestido

por uma tela de TV.

Pra quê me ver,

na mesma tela de TV,

como um herói,

se sou bandido.



Na imagem,

triste devoção.

Canal aberto,

sexo explícito.

Tão raro instante de razão.

Mantem-me a tela, submisso.



Tela e visão, televisão.

Cega meus olhos,

decepa a mão,

numa audiência sem sentido.











NASCENTE



Entre escassas nuvens,

passos leves

em forma de raios

ofuscantes.



No transluzir das retinas,

a percepção

de que amanhece.

Sofreguidão de pálpebras.



É a dura realidade

do porvir.

É a benevolência

de mais um dia.



É apenas o nascente

que declama a vida

em versos breves

e intercalados

de glória e fracassos.











VÍCERAS



Minhas víceras

ostentadas em um gancho.

Minhas partes

rejuntadas em um canto.

Os meus olhos esbugalhados

à procura da razão

que os levou a vender meu coração.

Vejo partes de um amigo

ao meu lado.

Sua cabeça suspensa pela mão

que por vezes o manteve alimentado.

Minha carne

sente o sangue derramado.

Minha dor

tenta compreender, em vão .











VEGETAL



No espaldar da cadeira

encosto minhas costas curvadas,

que sob o peso do tempo

sente o abreviamento

de uma vida inteira.



Silencio-me no esquecimento,

com exceção dos gemidos.

Expio uma oculta dimensão.

Passado e presente,

passando à frente,

à minha mão.



No esforço de manter-me vivo,

acumulo os anos

sobre meus ombros.

Meus ossos, fragmentados pelo peso,

aprisionam-me.

Vegetal ilhado por sonhos

e lembranças de ontem.











MEMÉTICA



Minhas idéias se expandem

numa difusão de pensamentos,

entre tantas cabeças.

Um vírus que contamina cada uma,

uma a uma,

e se torna um meme.

Contamino você que me contamina.

Minhas idéias são suas,

as suas são minhas.

Sou o centésimo macaco

no fim da linha.

De minha ilha,

uma idéia que não é minha.

Levou-a o vento ao acaso.

Um pensamento que é prática em outras ilhas,

que estão a milhas e milhas

da minha.











SONETO DO AMOR ETERNO



Como um botão de flor, o amor desabrocha,

com pétalas coloridas e perfume inebriante.

No caule há espinhos penetrantes.

No solo, uma raiz que abre a rocha.



As pétalas, com o tempo, se desbotam.

Os espinhos se atrofiam e não machucam.

Mas as raízes dentre a rocha se misturam

com as lágrimas que os olhos ainda choram.



Os anos enfraquecem o caule espinhento.

Renasce mais comedido e sincero amor,

das folhas arrastadas pelo vento.



A nova flor desponta em amizade.

Para sempre em apelos evocado,

amor cinsero, eterno em liberdade.











ÂNSIA



Um cérebro doente

fingindo que não dói.

Moenda que mói

a minha mão,

a mão amputada.

Eu marco o chão

com gotas de lágrimas

e suor.

Não há uma regra,

uma só.

Um corpo sem alma,

sem tempo a perder.

Perder o quê?

A vida e a calma.











CONIVENTES



Eu me apresso.

Não me importo em perder.

Você mantem-se calma.

Eu te peço

para não me deixar para trás.

E assim, você me espera

no caminho do prazer,

para chegarmos iguais.

Não há menos.

Não há mais.

Nenhum de nós quer vencer.

Eu fico atrás de você.

Sei que você me supera,

mas me espera

sem querer

enganar.











NECRÓFILO



Lábios distantes,

comumente alheios.

Uma língua indecente

entre dentes postiços.

Um desejo ardente,

entre lápides frias,

a cultuar

os ossos,

a deflorar

o corpo fétido.

Ainda assim se insinua,

uma deusa nua.

Entre covas abertas,

um arfar solitário.

Um tenebroso cenário

para se perverter.











FALSO ENDEREÇO



Antes de ser

quem sou,

comigo me deparo.

Entre paredes,

choro.

Entre palavras,

calo.

O que vem a minha boca,

repugna.

O que tem à minha frente,

o além.

Sou convicto em minha dúvida,

não confio em ninguém.

Moro em falso endereço.

Escrevo

a quem não me lê.

Quase sempre a resposta

é: - Por quê?











UMA IDÉIA



Sou apenas uma idéia

que se tornará real

quando traduzir em versos

todos os meus devaneios,

quando a minha obstinação

terminar todos os poemas.



Minha obstinação está impregnada

em poemas inacabados

e que ficaram esquecidos

nos versos que se entristeciam

quando eu falava de amor.



E no ócio das palavras esquecidas,

deito-me em silêncio

à procura de lembranças

que me levem de volta

à idéia inicial,

a idéia de que posso ser

poeta.











O DIABO



O diabo um dia me aparece

pra fazer eu acreditar em Deus.

Mas diante da minha indagação,

o diabo então se aborrece.

- Por que não é eterna minha carne?

E responde o diabo:

- Sei que arde

no inferno tua fé.

- E de onde viria este Deus?

- Homem vil, do vazio é que não é.

- Qual limite demarca a realidade?

Qual de nós é uma triste ilusão?

O diabo resmunga zangado:

- Só perguntas, perguntas,

que diabos!

O homem que não acredita em Deus

não poderá ser jugado.

De repente não vejo minha mão.

O meu corpo desfaz-se com o vento.

O diabo me olha espantado.

O brinquedo que era manipulado,

não passava de sua imaginação.











CARTAS



Vi

meu nome grifado

em cartas redigidas por mim,

sobre a nossa cama,

abandonadas ao acaso.

Quantas vezes relidas,

e mesmo assim

ficaram sem resposta.

Não quis bater à porta,

para que não visse minha face.

Rasguei o meu disfarce,

com minha letra trêmula.

Minhas declarações mal disfarçadas,

em frases

entrecortadas com meu silêncio,

revelaram o mais íntimo sentimento

de minha alma.

E quando descobriu que eu a amava,

partiu sem me dizer adeus.











PALAVRAS PÓSTUMAS



Daria meu nome a uma rua,

a uma praça, eu daria.

Assim como dei a minha vida

em nome de uma amizade.

Morri inocente, é verdade.

Nas costas de minha família,

o golpe deixou uma ferida,

a saudade.

Quão infiel, foi para mim, a morte.

Aproveitou a má sorte,

e num golpe, arrancou-me dos meus.

Pra talvez, à sombra de um deus,

eu descansar.

Não pude parar pra pensar,

na hora que o acaso regeu

a orquestra das notas do fim.

Nos braços da morte, fui eu

o primeiro a notar,

que tudo que fiz para mim,

foi amar

acima de tudo, vocês.

Não importa, chegou minha vez.

Minha porta, alguém veio fechar.

Um alguém que não pôde notar,

quanto à vida, eu dava valor.

Entre covas que o mal já cavou,

uma flor sempre há de nascer,

a do bem, que alguém como você

regará com amor.











O PEQUENO ENFERMO



Livro entre as mãos.

No conto,

uma torre fria,

uma cela vazia,

noite de lua cheia.

Sono.

Doce perfil.

Corpo febril.

Um beijo na testa.

Um boa-noite.

Um amo você.

Bons sonhos.

O silêncio.

Lençol que aquece.

Passos macios.

Luz apagada.

Porta fechada.

Dormiu?

Dormiu.











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