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Poesias-->Sob meus calcanhares -- 19/03/2007 - 17:32 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prefácio



Silencio, depois começo a escrever este prefácio.

Sob meus calcanhares deixou-me perplexa pela influência que os versos de João Felinto Neto, tiveram em minha compreensão de qualidade e amadurecimento a cada página, numa evolução constante que traduz sua concepção de tempo e espaço, de vida e ausência, de solidez e liquidez.

Transparecendo-me e mergulhando nesta liquidez, vislumbro toda a essência poética transmudada em vicissitude do verso, do verbo e do sentido.

Paralelo ao que chamo de coesão silenciosa, caminha à sombra, o reflexo do verso em significação pueril e inversa na dificuldade da leitura como um paradoxo que se sustente sob pilares de sua própria construção edificada pelo exagero.

Nas digressões metamorfoseadas, os versos desaparecem como meras palavras e se obstinam em apresentarem-se como transmutador de imagens e sinais.

A melhor maneira de enveredar-se nesse emaranhado de sonhos é ler com paciência e zelo, cada verso, dando liberdade total ao pensamento insidioso do poeta que estará rastreando suas pegadas, enquanto você leitor, o segue na leitura, ele estará sob seus calcanhares.



Anita Hélida



































SOB MEUS CALCANHARES



Sob meus calcanhares,

deixei meu caminho,

sem versos, sozinho.

Triste caminhada,

sem hora marcada,

também sem destino.

Sem ter um cantinho

para minha morada.

À beira da estrada,

uma árvore sem ninho.

Então de mansinho,

deponho a espada.

À sombra da mata,

eu penso um pouquinho.

Bom senso, carinho

e uma folha dobrada,

em branco, sem nada.

Eu risco um versinho

e o vento me agrada.

Em vários lugares,

pus meus calcanhares

e Sob meus calcanhares,

alguma poesia

que fiz na jornada.





















Anciã



Sob meus pés,

há marcas,

pegadas que me levam

ao futuro,

ao pé do muro

de uma casa

(Uma construção tão antiga

quanto meus ossos).

Quantos séculos se passaram.

Sou, agora,

apenas uma criança,

uma lembrança deixada

aos pósteros.

Essa lembrança

tem os meus traços.

Volta ao passado

na emoção de outrora,

num amor proibido,

numa história

triste

de uma menina

que caminha

de mãos dadas com uma anciã

silenciosa.





















Descoberta



Não há ninguém em casa,

e a porta escancarada

me convida a entrar.

Meus passos são suaves

como o perfume que exala, o ambiente.

Meu coração descrente,

ainda procura

por vestígios dos que moram ali.

Quem sabe antes de partir

deixei alguém à espera.

Seria ela

no quadro pendurado?

Olhos que me deixam encantado,

Parecem-me descobrir.

Tento sair dali,

para fugir das lembranças

que me vêm ao pensamento.

Nesse exato momento,

não encontro minha face no espelho.

Então, eu sinto medo

ao descobrir que ainda existo.

















Jóia



O céu não me diria nada,

se não fossem as estrelas

a brilharem à noite

fazendo-me lembrar de seus olhos.



Ao caminhar nessa estrada,

a lua paira

sobre minha cabeça

que não tem mais certeza

se essa tristeza

vai passar.



Onde posso encontrar

jóia tão rara,

pelo amor lapidada.



Sinto o vento tocar

na minha cara

num ato de carinho,

encurtando o caminho

e a caminhada.













Escolha II



Estou sentindo saudade

agora mesmo,

minha doce amada.

Risco seu nome a esmo

nessa folha arrancada

pela mão do desamparo,

sem conseguir sanar

a dor de quem só quer voltar

para seus abraços

e para seus beijos.



Meu pensamento voa

num lampejo,

iluminando algo que não vejo

mas me acoita,

esse amor

que foi a minha escolha,

que é o meu desejo.



E não importa se são palavras tolas,

sem senso do truanesco.;

por serem belas e verdadeiras,

a minha única maneira

de me sentir inteiro.

Turgescência



Eu sinto os teus cabelos

entre meus dedos,

teus lábios comprimidos

ao meu desejo,

o arfar de teu cansaço

entre meus braços

e ouço teus gemidos.



Vejo teus olhos tolhidos

fitar meu medo

de não tê-la satisfeito ainda.

Tenho todos os sentidos

na extensão do meu leito.

E no auge da turgescência,

me torno uma larva imersa

em teus fluidos.

















Armadilha



Tua atitude e compromisso

já não são mais submissos,

é o teu caráter.



És a mais frondosa árvore,

que florida,

num impulso

brota a vida

quando a semente se abre.



Percebes cada detalhe

e me guia

para tua armadilha.



Numa rede de abraços,

a mais remota saída

é a espera e o cansaço.















Soneto da admonição



Não me sinto maior que ninguém.

Meu tamanho é o meu coração.

Eu demonstro que gosto de alguém

pelo afago da mão.



Nas palavras eu posso ir além,

muito além, da imaginação.

Ponho nelas a carga que tem,

toda minha emoção.



Um amigo, uma vez, assevera

que meus versos dispersos, na certa,

não revelam a minha expressão.



A resposta foi imediata:

Poeta não tem cara.

Poeta só tem coração.















Muito mais



Deixei para trás,

muito mais

do que poderia,

as noites,

os dias,

a companhia,

um bem.



Deixei para trás,

um alguém

que eu ainda queria.



Quem ela seria?



Seria mais fácil

virar a ampulheta,

voltar ao passado,

àquele recado

deixado ao acaso

sobre a escrivaninha.



Deixei-a sozinha

enquanto fazia

o jantar.

Tentei encontrar

dentre a poesia,

o amor que perdia,

um bem,

a companhia,

os dias,

as noites,

muito mais

do que poderia

deixar para trás.

















O troco



Eu tenho um pouco

do pedinte rouco

por rogar ao outro

que lhe dê um troco,

para agradecer.



Eu tenho um pouco

do menino morto

por roubar o troco

de um homem louco,

por não entender.



Eu tenho um pouco

do velhinho torto

que sofreu um soco

por não dá o troco

contra o seu querer.



Eu tenho um pouco

do estranho moço

que caiu no poço

pra pegar o troco

pra se entorpecer.



Eu tenho um pouco

do cidadão tolo

que arranca toco

e recebe um troco

pra sobreviver.



E tem um pouco

de mim

em você.



















Emocional



Essa minha pressa

de morrer em vão,

essa minha reza

pedindo perdão,

mostra que não prezo

a minha razão,

mostra que ainda presto

muita atenção

ao que diz em verso

o meu coração.

E assim desprezo

a racional compreensão

do mundo que me cerca.























Sem saber o que fazer



Fui o filho rejeitado,

o irmão que não cabia nas conversas.

Fui um anjo entre as feras,

o marido abandonado.

Como pai, fui enganado

pelas filhas que me dera

um amigo

desprezível

quanto elas.



Meus direitos

foram todos violados.

Meus deveres

recobrados.

Minha paz, ali jazia.

Tudo que eu possuía

foi roubado.

De minha casa,

despejado.

Do emprego,

eu saía.



Quando tudo parecia

acabado,

as pessoas ao meu lado,

me diziam para erguer

os meu ombros e ir em frente.

Eu a olhar aquela gente,

sem saber o que fazer.































A espada



Quando a vejo,

o meu coração desfecha

numa estonteante velocidade

tal qual cavalo em disparada.

A minha boca, então, se cala

diante da minha idade.

A minha imaginação

dá-me asas

e lentamente ela caminha

com a minha alma

que nesse instante

é comparada

com as estrelas espalhadas

no céu escuro que não demarca

o horizonte.

Eu sou um cavaleiro errante

que corre estrada.

Ela, a princesa enclausurada.

Um coração dilacerado

e trespassado

por minha espada

que é feita de amor e ódio.

O amor que a salva.

O ódio que mata.

Estarrecido



Acredito no infinito,

sendo obra

de um deus em mim vencido

que frustrado com a derrota

se enforca

com a corda do castigo.

Morre Deus.

Fico eu,

estarrecido.



















Migalhas



Não importa se foi Deus

ou apenas o acaso

que plantou

tamanho amor

no coração.

Não importa se é verdade

ou apenas ilusão,

essa sublime viagem

pelas curvas da emoção.

Não importa,

nunca,

não,

se meus versos convertidos

são migalhas de um antigo

Capelão.



















Último recado



Que planeta é esse

no qual eu perco a vida?

Em uma cripta egípcia,

meu corpo não apodrece.

O mundo não esquece

minha filosofia

que na escola grega aparece.

Meu nome de batismo

não me leva ao Coliseu.

Gladiador romano

que na guerra morreu.

Nas telas do Cubismo,

um significado.

Nas páginas de um livro,

meu último recado.



















Ensino



Ensino,

sino,

um badalar constante de idéias.

E sobre elas,

ecoa o sino:

Ensino,

sino...

Ensino,

sino...

Ensino

sino...

















Fuligem



Sob o céu que não se abre,

a minha pele arde.

Uma fina chuva abre

o meu guarda-chuva.

Eu sou parte dessa indústria,

essa triste imagem

de uma vítima que tem culpa.

Volto ao céu depois da chuva.

A fumaça me impede

de enxergar o sol que abusa

e aquece a minha pele

ainda suja

de fuligem.























Quatorze de Março



O dia de hoje,

seria

um dia qualquer,

não fosse o que é,

o da poesia.

Nem onze, nem doze,

o dia de hoje

é dia quatorze.

São quatorze dias.

O mês, qual seria?

Seria do abraço,

do fim do mormaço,

de março,

quem diria.

Como todo dia

é de poesia,

o dia de hoje

é um dia qualquer,

de João, de José,

também de Maria.

O dia de hoje

não é só de dia,

é noite

escura e fria,

na companhia da poesia

que hoje,

quatorze de março,

é aquilo que eu faço,

não só hoje,

mas todo dia.



























Regras



A tua calma

me impõe silêncio e medo.

O teu desprezo

é cominado à minha alma.

O jogo pára

por ter cometido um erro.

Velhos conceitos.

Novas jogadas.



Não quero mais violar

as tuas regras.

Serei a elas

tão fiel quanto ao alfobre.

Um xeque-mate

de rainha,

a um rei pobre.

















Amabília



Uma amável senhora, Amabília.

Apesar da idade e da fadiga,

não tem dia, nem hora.

Seu dispor ao trabalho, sua história.

Sua frágil saúde, sua melancolia.

Eu a vi numa lambreta outro dia,

tão pequena e esguia,

que nem mesmo notara

o cansaço que ela carregava

de um dia de lida.

Amabília vende batas, não botas.

Mesmo assim,

um ou outro passa-lhe a perna.

Amabília é a esperança viva

de que a idade

não fecha a nossa porta.

Mocidade,

a pergunta perdida.

A velhice,

a única resposta.









O ramo



Onde está minha alma,

que não encontro?

Onde está meu encanto,

minha calma?

São perguntas que faço,

ainda em pranto,

ao meu eu freudiano

que me cala.

Onde está este anjo

que me fala?

Um quebranto

que minha mãe me pôs.

Ouço a antiga canção

que ela compôs

em minha rede embalada.

Vejo um ramo na árvore desfolhada,

resistir ao vento,

envergado.

Nesse instante me sinto

envergonhado

pelo meu triste pranto.

Minhas lágrimas

são simplesmente água

que faz falta ao ramo.

Soneto ao espelho



Confirma meu desleixo

cofiar a minha barba

que ao meu rosto amarga

por esconder meu queixo.



No espelho em que me vejo,

a minha dor ressalta

a sombra de minha alma

que eu mesmo não a creio.



Mesmo assim, permeio

à procura de uma alma,

o meu intricado seio.



Minha voz, ali, se cala.

O silêncio em mim reinava.

Sou a imagem no espelho.















Da rua



Abre-se a flor,

com ela o dia.

Na sincronia de um beija-flor,

o colorido e a harmonia.

Como seria o mundo sem cor?



Abre à janela, a moça bela.

Cabelos soltos ao invasor,

que é o vento.

Traz para dentro,

cheiro e frescor.



Tirar ou por,

atos da vida.

Sombra, comida, água e calor.

Sou o que sou,

alma perdida

que se abriga seja onde for.



Olho da rua, o mundo à volta.

Sou na pintura, natura morta.

Triste criatura que não se importa

de que altura,

à rua, olha.

















Jogatina



Na mesa, viro o jogo

entre cartas do mesmo naipe.

Outras vezes, perco o troco.

Mas nunca, a vontade.



Não importa a idade,

nem o tanto que vivi.

As cartas não vêm marcadas.

Não há como ser feliz.



O jogo é vicio, é angústia

em corações, reis e damas.

Na fraqueza, se insinua

como uma virgem nua

numa cama.



Entre meus dedos,

as cartas levam-me ao fundo do poço.

A jogatina

arrasta-me à ilusão do que ouço:

“Desta vez,

tenho certeza,

usando minha esperteza

vou ganhar”.



























O pintor



Não há tinta em minhas mãos,

não há telas.

Não passa de invenção,

a embarcação

e as velas.



Não há mar e nem gaivotas,

nem mesmo uma pequena ilha.

Não há pessoas nas portas.

Não há vila.



Porém na imaginação,

de um borrão faço uma ilha.

Ponho água, céu e chão.

Crio a mais bela vila.



Ponho pessoas nas portas,

outras correndo pro mar.

Ponho um barco, rumo a terra,

velas e o vento a soprar.



Ponho alguém a escutar,

o barulho das gaivotas,

a onda que vai e volta,

e o canto de Iemanjá.



Ponho um sol já a se pôr

no entardecer do dia.

Ponho cor e harmonia,

como poria o pintor

em seu quadro de valor,

a mais bela poesia.























O tempo passa



Se estou em casa,

o tempo passa.

Se saio à rua,

o tempo passa.

Passa o sol.

Passa a lua.

O tempo passa

e continua.



Eu vejo o mundo

tão sem graça.

A realidade nua e crua.

O tempo passa,

a vida passa,

e o dia-a-dia continua.



Eu vejo um folião na quarta,

tirar a máscara e as luvas.

O tempo passa.

A festa passa.

Só a tristeza continua.



O tempo passa

e a minha cara

se enruga.

Eu continuo a não ver graça,

se estou em casa

ou saio à rua.































O casal



Uma vela solitária no candelabro.

Logo abaixo,

na parede, uma assinatura.

Eis a incrível pintura.

Óleo sobre carvalho.

Mãos unidas no retrato.

Uma laranja na janela.

Sapatos postos de lado.

Verde é o vestido dela.

Um toque leve na tela,

é o cão nela pintado.

Num espelho estilizado,

vê-se o inverso do cenário.

Ele em traje recatado.

Luz discreta

pela janela.























Vanitas



O crânio exposto à luz amarela,

me observa

com seus dentes à amostra.

Eis a natureza-morta.

A flauta e a charamela

são os símbolos do amor.

A jarra mantém oculta

a face de um imperador.

A concha vazia

no canto da mesa,

dá-me a certeza

que assim é a vida.

A lâmpada recém apagada,

deixa um fio de fumaça

chamar a minha atenção.

Nos livros a erudição.

No relógio a visão

de que o tempo é limitado.

Vejo no espantoso quadro,

uma bela criação.













Duvidar



Duvidar de mim mesmo.

Duvidar se é erro,

esse meu duvidar.

Duvidar de minha dúvida,

de minha sanidade,

da verdade

e da culpa.

Sempre duvidar.

Onde devo pisar?

No que acreditar?

E em quem confiar?

Tudo pode ser engano.

Duvidar se ainda amo,

se ainda quero amar.

Duvidar.

Duvidar.

Duvidar de mim mesmo.

Duvidar se é erro

esse meu duvidar.









O quarto



A tinta grossa, na pintura, aplicada,

deixa visível cada pincelada

do renomado autor.

Arbitra a cor

para expressar mais força.

A bela moça

ao lado do auto-retrato

na parede, pendurado,

é a irmã do pintor.

Uma única janela,

mesmo entreaberta,

não se vê o exterior.

Na cama, dois travesseiros.;

nas duas cadeiras,

duas jarras sobre a mesa,

demonstrava, com certeza,

seu anseio.

No quadro “O quarto”,

o descanso habitava.;

como disse em uma carta ao irmão.

Em sua mão,

além do pincel, a vida.

Essa tela colorida

é a terceira versão.

São



Um subterfúgio

para evitar má criação.

Talvez em vão,

tenha sido minha última prece.

Da razão esqueço.

Por amor padeço,

acreditando que ainda sou são.

Tenho a ilusão

de que à noite, deito.;

de que adormeço

e sonho com a razão.

Sei o meu nome

e me reconheço.

No espelho,

sou um homem são.

Acordo louco,

a dizer que não.















Tanto faz



Tanto faz,

fazer verso à mão,

soldar um portão,

construir andares,

limpar calcanhares,

passar a lição.



Tanto faz,

lutar pela paz,

cair para trás

de bêbado,

viver sem emprego,

ser um pistoleiro

ou um traficante,

um burro falante

ou um orador.



Tanto faz,

ser um locutor,

um estrategista,

piloto na pista,

gari, camelô,

um grande doutor,

um analfabeto,

um homem honrado,

ou ser desonesto.



Tanto faz,

o mundo é incerto,

a vida quer mais.

Se é errado ou se é certo,

se é muito ou se é pouco,

se é são ou se é louco,

se é rico ou se é pobre,

se é velho,

se é jovem,

tanto faz.



Somos pobres mortais.

























O escorpião de ferro



Numa noite sombria,

com a praia vazia,

Um barulho calava o mar.

Eu corri para lá.

De repente, o que vejo:

Um escorpião amarelo

com seus olhos acesos.

Um gigante de ferro

vai movendo a areia,

desfazendo castelos

de pequenos insetos

que se deixam levar.

É estranho o lugar

que parece bizarro.

Mais um coqueiro abaixo

e nativos a olhar.;

entre eles está

um poeta espantado,

sente os pés se movendo

com a terra tremendo

pela esteira de ferro

que faz o escorpião amarelo

caminhar.



Uma força estupenda.

O que o homem inventa

tende a tudo,

acabar.





















O poeta está de volta



Passei alguns dias

longe de mim,

longe de minhas poesias.



Como uma flor que volta

ao jardim

nas mãos de uma bela senhora,

estou de volta.



O poeta que agora,

descreve o fim

de um dia,

de um mês,

dessa vida,

talvez.



O fim do João.

Do poeta, não.

Poeta é começo,

é meio, é inteiro,

porém não tem fim.















Uma história do mar



As ondas do mar

vêm me encontrar,

dizer onde está

o meu grande amor

que um dia partiu

num barco, a chorar.



Eu fico aqui,

sempre a esperar

que um dia ela volte

num barco, a sorrir.



Cansei de iludir

o meu coração.

Atiro no mar,

minha devoção.



Nadei sem parar

até vê-la surgir

nas ondas do mar,

num barco, a sorrir.

O meu grande amor,

vendo-me partir,

joga-se nas ondas

para me acudir.



O mar em traição,

afasta o barco.

Nós dois num abraço

de extrema união.



As ondas em vão,

tentam nos salvar.

Arrastam dois corpos

à beira do mar.





















Avareza



Afugento os abutres que me cercam.;

entre eles os maiores inimigos.

O meu corpo enrugado e cadavérico,

nem a mão da natureza

moldaria tal castigo.

Isso é obra da extrema avareza

que eu mesmo fiz comigo.

Hoje pobre, bêbado e louco.

Nada é pouco

para um tolo sem juízo.

Um homem rico

sobre a miséria dos outros.

Um pai sem rosto

que a prole desconhece

e se contamina com a peste

de herdada ambição.

Já no chão,

levanto a mão,

peço, rouco e arrependido,

perdão.















A jangada



A vela enfunada pelo vento,

e todo o seu talento

na pintura da jangada.

As nuvens,

tempestade anunciada.

A luz,

esperança simbolizada.

As expressões

ante o remoto salvamento,

o desespero e o dramático movimento

das figuras retratadas,

compõem a poética verdade

de um fascinante casamento

entre arte e realidade.





















Poderia



Eu poderia tentar,

sem jamais conseguir

esquecer o seu olhar,

esquecer o seu sorrir.



Eu poderia morrer

aqui,

sabendo que você

poderia me esquecer.



Tão fácil é querer.;

tão difícil esquecer

você.

Você que tão fácil,

me diz:

Serás mais feliz

sem mim.



Minha flor,

sou o seu jardim.

Sou árvore,

não posso, enfim,

existir sem uma raiz.



Você,

outra vez me diz:

serás sem mim,

mais feliz.























Fiúza



Irromper na vida

sobre a própria musculatura

e abdicar do grito

de Deus,

e também dos homens.

Ser um primata

distante da mata

e talvez da cidade.

Camelo sem deserto,

incerto,

para onde ir.

Acreditar que a humanidade

se foi

e depois

o que será de mim?

No fim,

tudo não passa de acreditar.















Opinião II



Luto pela minha opinião.

Digo sim.

Digo não.

O suspeito,

tem peito

para o juiz,

não importa o que ele diz.

Não há senhor,

apenas um pendor

a badalar meu coração.

Qual a razão de estar aqui?

Não quero mais ouvir

a minha própria opinião.

O berço,

talvez não tenha percebido,

já não me cabe.

Ache

uma abertura para minha altura.

Não inclua

sua vasta opinião

(O que menos importa)

ao menino que chora atrás da porta,

é a sua razão.



Emancipação



A mão sobressai à cabeça,

num aceno de adeus.

Filho meu,

que à distância, obedeça.

Em meus olhos tristeza.

Em meu coração a certeza

de que agora cresceu.



“Esse mundo é seu”.;

foram minhas palavras.

Se você me entendeu,

faça dele sua casa.

O respeito, a limpeza

e verás a beleza

da mais doce morada.



Sempre será ouvido,

se no tempo devido,

souber escutar.

Também saiba calar.

Deixe sim, fatigar

as suas retinas.

Nunca feche as cortinas.

Não evite olhar

as mazelas do mundo.



De um esgoto imundo,

você pode tirar

a mais pura lição:

Que o amor e a razão,

mesmo à contra-mão,

tomam o mesmo rumo.

Seu esboço de mundo.

Sua emancipação.



































O lobo e a águia



As janelas se abrem.;

voam pássaros

pelo brusco movimento.

O mais frio vento

e o mais carnudo lábio.;

a meiguice no olhar.;

uma deusa a chegar

num terreno escarpado.

Sou um lobo isolado

pela angústia que há.

Minha fúria se aplaca

ante a deusa dourada.

Uma imagem adorada

que eu tento alcançar.

Tomo a forma humana.

A magia me engana.

Vejo a deusa cigana,

como águia,

voar.











O menino Brasil



Brasil foi assassinado

por homens armados.

O Brasil da favela,

na chacina moderna,

foi executado.

Os bandidos estão na caserna,

criminosos fardados.

O menino Brasil foi tirado

dos entes queridos,

que ainda podem,

de olhos fechados,

escutar os estampidos.

Brasil,

tem sangue jorrado

no solo querido.

A justiça,

os olhos vendados

para não vê-lo

ferido.











Flores contra o vento



Eu queria ter

todo o seu querer,

seu prazer imenso.

Flores contra o vento,

cheiro de viver.



Eu queria ser

fiel ao extremo.

Ver você por dentro,

tal como me vê.



Seu sexto sentido.

Seu amor provido

nunca está perdido

sem saber por quê.



Dar, sem receber.

Perder-se na troca.

Nunca pedir volta

e surpreender.



Ser intenso e vivo

como você é,

e quando ferido

manter-se de pé.



Quem me dera, enfim,

ser ao menos metade

da perfeita imagem

que você faz de mim.





















Entrega



Sonho estranho,

dentro de uma realidade.

Mesmo sem a mocidade

de antanho,

sinto-me revigorado.



Pelo desejo de um beijo,

pelo cheiro de jardim,

quero vê-la por inteiro,

quero tê-la junto à mim.



Apesar do obstáculo,

o acaso é que nos leva.

Hoje, em lados separados.

Amanhã, quem sabe, entrega.



















Amanhã é um dia esperado



Amanhã é um dia esperado

que pode ser como todos os outros.

A rotina da casa e do trabalho

ou os fatos mais diversos e loucos.



Diante de um pequeno ato falho,

tudo pode se tornar diferente.

Eu posso me tornar um homem ausente,

ou um inocente condenado.



Adormecer um cidadão pacato.

Um violento sanguinário, acordar.

Amanhã é um dia esperado,

se o acaso não o mudar.



Ser um bom pai, um bom marido

ou um solitário bêbado, esquecido.

Se amanhã, eu não for lembrado,

serei mais um indigente atropelado.



Amanhã é um dia esperado,

se não houver uma fatalidade

que me faça chorar de saudade

de meus dias já passados.

Amanhã é um dia esperado,

onde o mundo pode ou não ser o mesmo.

Serei eu, apenas um retrato

ou ainda uma imagem no espelho.



Estarei em casa, bem sentado

ou irei embora sem destino.

Amanhã é um dia esperado.

Estarei acompanhado ou sozinho.



Amanhã é um dia esperado.

Sairei para caminhar, bem cedo,

se acaso não ficar aleijado,

chorando de dor e desespero.



Amanhã é um dia esperado,

no qual honrarei meus compromissos.

Serei eu, um homem respeitado

ou apenas motivo para risos.



Tudo pode ser diferente,

por ser amanhã um dia esperado.

Alguém me desejar ardentemente.;

um outro, me ver desfigurado.



Amanhã é um dia esperado,

com ou sem os mesmos pensamentos.

Eu terei os mesmos cuidados

ou ficarei à mercê dos acontecimentos.



Mais um dia como tantos nesses anos,

amanhã é um dia esperado.

Quantos erros, acertos e enganos.

Não há certeza se estarei preparado.



Amanhã é um dia esperado

onde o inesperado pode acontecer.

























Existência vaga



Todo dia

eu espero enlouquecer.

Fecho os olhos

e apenas adormeço.

Se desperto,

não consigo esquecer

esse eterno

pesadelo.

Tão real,

que acredito ser verdade.

Na verdade

é apenas devaneio.

























Desapego



O meu amor em fúria

tornou-se brando,

somente quando

implodi em agonia.

Tento beber tuas lágrimas,

em mim vazias,

que enchem meu silêncio.



Em meio à sala,

quando nos amamos,

o mundo se exorciza

e tua alma,

calma,

com o tempo

traduz o que dissemos.



A minha solidão,

em teu querer germina.

Arrastando em meses,

aquele dia.

Enquanto teu encanto

em mim termina,

pelo que eu não sentia.

















Estátua



A rua

vai tornando-se deserta.;

na certa,

todos adentram em suas casas.

Minha morada é uma delas.

Aquela

que tem a mais triste calçada.

Descalça,

passa uma bela donzela,

pára

e torna-se estátua.



























Invasão urbana



À distância

da estradinha de terra,

vejo plantas,

telhados e tijolos entre elas.;

uma invasão urbana.

Vejo tantas

casinhas amarelas,

que se aproximam com o tempo.

Sinto o vento

batendo na janela.

Antevejo

o futuro que espera.

Deslizando, entre faixas amarelas,

vejo prédios

(Condomínios isolados).

Entre torres de concreto,

vejo asfalto.;

mais distante,

vejo o morro e a favela.

E das plantas,

o que resta?

A memória do primeiro contato.













O que importa



Não importam,

as palavras que disseram,

nem o eloqüente orador.

O que importa

é se elas o fizeram

acreditar no amor.



Não importa

qual o nome do mártir,

nem o ideal que defendeu.

O que importa

é que por sua parte,

ele jamais se arrependeu.



Não importa

qual a divindade cultuada,

nem seu veemente defensor.

O que importa

é a fé creditada

e o verdadeiro amor.



Não importa

o tamanho da morada,

nem o luxuoso cobertor.

O que importa

é que a choupana de palha

seja o abrigo que sonhou.



Não importa

este poema ou o poeta.

O que importa

é se no leitor, desperta,

a decência e o amor.



















Uma noite na praia



Água prateada,

em minha direção.

Lua que ilumina

a imensa escuridão.



Permaneço alheio,

água que traduz.

A cada passo, leio

o que escreve a luz.



Lua, de tão bela e cheia,

à onda clareia

dando um tom de prata.



Mais uma noite na praia.

Marcas na areia,

sombra, lua e água.















Eterna lua cheia



Há muitos, tal como eu,

que não conseguem se achar,

que passam a vida a olhar

um mundo que não é seu.



Breve como um adeus

é a vida nesse mundo

que jamais seria o meu,

posto o meu ser mais profundo.



A poesia em meu mundo

é luz que não encandeia,

que o ilumina a fundo.



Essa luz enfim clareia,

toda noite, o meu mundo,

numa eterna lua cheia.















Instinto



Por que nós somos iguais?

Por que somos tão leais

ao nosso instinto predador?



Temos uma fome voraz.

Nossa alma pede paz.

Nosso instinto pede dor.



Queremos que nossa presa,

nosso instinto assim deseja,

seja cobaia de amor.



De apetite insaciável,

somos fera indomável

e agimos sem pudor.



















Encontro II



Jamais pensou

que eu pudesse lhe esperar.

Amor,

você também pode chorar.



O que a fez voltar,

senão o coração?



Em minha solidão

podia imaginar

que na velha estação

brotava uma flor,

a qual eu recolhia com pudor,

a entregava por um beijo seu.



Amor, hoje sou eu

que deixa de sonhar

por ver você voltar

com outro alguém.



Porém,

não poderia eu viver

sabendo que você

é infeliz.

O seu olhar me diz

que apesar do tempo,

me tem no pensamento

e talvez,

desfaça a insensatez

que cometeu.

Assim,

você e eu

vamos enfim,

nos encontrar.























Imensidão



Minha voz ecoa

na imensidão.

Uma ave voa,

uma companhia

nesta solidão.

Eu estava à toa

e voei também.

Eu e mais ninguém.

O céu me habita

e a ave bica

o meu coração,

trazendo ao chão

o meu pensamento

que através do vento

pede compaixão.

Entre a dureza da realidade

e a liberdade da imensidão,

minha alma chora.

Pouso e vou embora,

volto à razão.













Desumano



Meu erro

é apenas um engano.

Sinto tanto

pelo ato cometido.

Se é comigo,

sinto muito.



Se é você,

ficaria estarrecido.

Como pode cometer tamanho erro?

Que desprezo

acreditar que foi engano.

Sente tanto.;

isso é falta de capricho.

Não perdôo

sua falta,

é desumano.















Profano



Na minha dor,

profano o seu amor

pelo amargo gole

no cálice do silêncio.

Um intenso golpe,

um profundo corte

que atinge minha alma

e tinge minha face,

de sangue.

Não importa o seu nome,

nem importa quem me fez.

Talvez,

eu não suporte

olhar de frente, a morte,

sem vê-lo outra vez.



















Ao espelho



Por que você chora?

Porque estás triste.

Posso saber por quê?

Um porquê, não existe.



Por que não cai fora?

Porque sou tua imagem.

Devo assim, ir embora?

Se for tua vontade?!



Por que continua aí?

Porque não me deixas sair.

Se meus olhos, eu fechar?

Não verás, mas estarei aqui.



Se eu quebrar o espelho?

Verás sempre a ti mesmo.

E se acaso eu sair?

Deixarei de existir.

















Felonia



Acabei tecendo teias

que me enclausuraram

numa vaga entre o telhado

e o velho piso.

Acabei achando graça

em meu próprio riso.

Entre lágrimas derramadas,

meu soluço abafava

o meu próprio grito.

Enterraram com meus ossos,

minha doce pátria,

os meus bons amigos.

























Poema mal ditado



Não quero reencontrar a minha mocidade,

posto ser em minha idade,

um velho perdido.

Sou um tanto esquisito

ante as amizades.

Poucas são as qualidades

de um homem ferido.



Fui demente, eloqüente,

cantador de coco.

Fui caboclo ribeirinho

que remava só.

Fui um anjo deportado pela mão do credo,

que nas portas do inferno

não sentia dó.



Aceito o dia de hoje

como um presente

que o tempo iminente

fez-me obedecer.

Desejo que o meu cérebro

seja conservado

em poemas mal ditados

que ninguém quer ler.

Putrefação



De amor não sofro nada

e se nada sofro,

morro.



De joelhos,

jurei amor eterno.

Do inferno,

as chamas apaguei.

Meu pecado,

os lábios devassados

que um dia beijei.



O meu paganismo

foi o sacrifício

de minha alma

que entregue à carne

não se conservou

e ficou tão podre

que já não mais pode

com o meu amor.













Sobressalto



Estou deitado

sobre o meu próprio cadáver

e peço luz.

Raios de sol

que encobrem o meu lençol,

saio da cruz.

Sangue!

Gritam meu nome.

É apenas suor.

Minha mãe me acorda.

Estou tão só.;

um guri desamparado.

Eu fecho a porta.

O outro mundo não importa,

volto a dormir.



















Farsa



Eu poderia usar

belas palavras,

para falar de caminho

e de poder.

Eu poderia romper

em gargalhadas,

a cerimônia

d’aquele que não crê.

Eu poderia chorar,

e entre lágrimas

pedir perdão pela farsa

de um cristão que acaba

de morrer.























Existência



Sou brisa,um leve perfume.

Sou o vigor, sou o lume.

Sou na verdade,

minha vontade de ser.



Sou o seu berço,

bebê.

Seu acalanto, seu terço,

seu choro brando,

começo

de um viver.



Sou os seus passos,

abraços,

seu banho mais demorado,

sua razão,

seu querer.



Sou a paixão,

o ciúme,

uma rotina,

o costume

de querer ter.



Um tempo só,

esse nó

na sua garganta.

Já fui a sua criança.

Hoje, o adulto em você.



Eu sou o fim

de mim mesmo.

Fui seu primeiro brinquedo,

sua primeira lição.



Sou resto, sou solidão,

sou uma velha oração.

O corpo preso ao caixão,

não posso ser.



















Carne e verbo



Meu corpo não escuta

metade do que diz

minh’alma.

Minha calma

é a disputa

entre o coração e a cuca,

para me fazer feliz.

Minha alma desaprova

ao que o corpo pede bis.

Dessa forma,

o meu eu é consciente

que minh’alma inconsciente

acredita ser eterna.

O meu corpo cai por terra,

uma chama em mim, se apaga.

Minha alma enfim se cala.

Fui apenas carne e verbo

condenados ao inferno

de uma vida limitada.











Descontente



Não me contentei

em direcionar palavras,

em exorcizar fantasmas

em noites que sonhei

que era um sábio eloqüente,

um clérigo descrente

entre o amor e a lei.



Não me contentei

em interromper conversas,

em singrar em caravelas

no mar que inventei,

onde o tempo era pouco,

eu era um capitão mouro

na procela que enfrentei.



Não me contentei

em ter que me calar,

em ter que sepultar

palavras que pensei.

Mesmo sendo tristes versos

em minhas mãos, dispersos,

eu não me contentei.













Engano II



Acreditei que era humano.

Humano!

Onde anda minha humanidade?

Acreditei no amor.

Engano!

Amar é apenas vaidade.

Acreditei que havia santo,

no entanto,

a fé não é realidade.

Acreditar é um erro

e tanto.

Eu descobri que a verdade

é acreditar no próprio engano.























Triste poesia



Filho!

Sua vida

começou com uma história de amor.

Sua mãe, bela barriga.

E um dia

o bebê chegou.

Eis o que teu pai deseja:

que amanhã, com certeza,

seja um belo rapaz.

E um dia,

Um bom homem

que verá sua família

com orgulho e amor.

Haverá muita alegria

quando um dia,

for avô.

Pôr o seu neto no colo

e entre lágrimas repetir

esta triste poesia

com a qual o fiz dormir.

















Presente



Quando chega a noite,

chega também o cansaço.

Banho demorado.

Uma cama quente.

Corpo perfumado.

Um jeito engraçado

de dizer

presente.

























Quadro inteiro



Acordei você

com um doce beijo.

Guardei seu sobejo

pra beber no fim.

O seu toque em mim,

aumenta o desejo.

No primeiro ensejo,

eu falo de mim.



Finjo ser, sem sê-lo.

Servir, sem um fim.

Somos quadro inteiro,

lua e jardim.























Claustrofobia



Sob a cúpula escura

do imenso céu nublado,

olhando o vasto campo,

ainda me sinto enclausurado.



A angústia me sufoca

entre flores coloridas.

Por pegadas espargidas,

eu me sinto circundado.



Tenho o perfume roubado

de minhas obstruídas narinas.

Na língua, um forte travo.



Por embaçadas retinas

eu vejo o mundo moldado

em uma forma que míngua.















Ambíguo



Há dois em mim,

sou ambíguo.

Um grande amigo

das letras.

Há um leitor esquisito,

um poeta na sarjeta.

Ambos em mim, inimigos

em uma eterna despeita.



Resta ao poeta esquecido,

a tinta de uma caneta.

E ao leitor, eu duvido,

que ainda reste uma letra.























Matilha



Sou lobo perfumado

pelas flores do campo

pelo qual corria.



Meu hálito enjoado

pelo sangue jorrado

da preza que eu trazia.



O bem e o mal, lado a lado.

Filhote alimentado.

Uma mãe em agonia.



Cordeiro arrebatado

para ser despedaçado

no meio da matilha.



















Saudade



Escuto, distante, a voz do pensamento.;

lembrando o tempo

em que me escondia

por trás dos muros de uma casa vazia.

Velho sobrado.

Amor inocentado

por risos de alegria.



Fomos amigos

e nunca percebemos o que o amor dizia.

Sonhos cativos

de dois adolescentes

que quando descontentes,

ao outro mais queria.



Tornei-me um homem

que como tantos outros se disfarça.;

que ama o que tem

e vê que passa

por suas mãos, a vida.



Tarde perdida.

Na multidão percebo os teus olhos

com lágrimas contidas.

E o silêncio

em que se encontra tua alma,

explode o meu peito e delata

meu coração partido.



Tal como as nuvens passam pelo céu,

as mágoas

se desfazem no escarcéu

das lágrimas.



Graças!

Brindamos nosso encontro

entre taças.

O nosso amor foi tanto

que na praça

já não nos caberia

e fomos para aquela mesma casa

que agora não se encontra mais vazia.



Filhos e netos

compõem a melodia.

Somos eternos

em nossa família.

Pensávamos que a vida tinha, enfim,

[nos libertado,

no entanto, era engano.

Os nossos longos anos

foram apenas mais um quadro

emoldurado pela vida.



Ainda sinto em mim

a dor daquela insípida partida.

D’aquele dia até o fim de minha vida

não vou me perdoar por ter ficado.

Agora, sou um lobo solitário

e meu maior pecado

foi sempre acreditar que a teria

pela eternidade,

que a morte, a nós, jamais separaria.

O meu engano, agora, é

saudade.



























Charneira mágica



Vejo uma antiga peça recoberta

por um macio e cândido lençol

no canto da sombria sala, onde

não chegam os raios do sol.

Minha mão a mantém descoberta.

Minha imagem não mais se esconde.



Olho pela charneira que mostrava

a farsa de um louco que iludia.

O símbolo maldito, a suástica,

que eliminava um povo que não via

seu berço, seus irmãos e sua pátria,

que era inumado em cova coletiva.



Fecho os olhos, sinto um alento candente

e no meu peito, o coração ardia.

De uma maneira um tanto diferente,

o mesmo burgo agora desfazia

seu ódio por um outro que ainda geme

sob o cajado de uma tirania.



O outro que se adornava de branco,

que sobre a lamúria de suas crianças

perdia a ternura e a esperança,

transforma em terror seu triste pranto.

Acreditando em sua inocência,

explode sua própria consciência.



Sentado ao trono, um insano disfarçado,

dá alento ao lado que tem mais poder.;

talvez no objetivo de vencer.

Não importa se culpado ou inocente.

Pregando o amor de um ser onipotente,

se considera, então, inocentado.



Nas portas de um templo apedrejado,

ensangüentada, vejo a fé alheia.

Quando eu a escopo, sua face feia

deixa transparecer o ódio guardado.

A morte anda acalentando a guerra

entre o cristão e o evangelizado.



Escuto dialetos diferentes.

Na tradução o grito é um só:

Matem a todos, mesmo aos inocentes!

Na árvore, tenta desatar o nó,

aquele que na cor da pele morta,

vê o outro que ainda o enxota.



Por trás da imensa nuvem de fumaça,

lobrigo animais em disparada.

Uma floresta imensa destruída

pela ação de crudelíssimo predador

que na conquista, não vê contendor

para debelar a sua investida.



Em nome de uma terra prometida,

dois povos lutam sem necessidade.

Do sangue derramado abrolha a vida

que é assolada na mais tenra idade.

Não há vontade, o ódio é que os guia

pelos caminhos da iniqüidade.



Um povo amordaçado pelo medo.;

onde tão cedo, o desejo era casto.

Os olhos repuxados e os segredos,

os filhos que serão sempre contados.

Mais uma triste imagem no espelho,

a prova que ninguém será poupado.



Um sinal fraco, intermitente e inconstante,

vê-se à linha do extremo horizonte.

Seria um navio que estava à deriva

ou uma perdida e pequena ilha

onde roubaram seus soberbos diamantes

e suprimiram todas as vidas?



Bispo uma arma por demais destrutiva,

enquanto um povo morre de torpe fome.

Um paradoxo que não caberia

na letra que inicia o seu próprio nome.

Uma religião que é por demais antiga

que caminha sem saber pra onde.



Aborígines saem de suas terras

e despontam na prosperidade.

Passa, o continente, da vida em cavernas

a morar em prédios da modernidade.

Ritos de uma cultura rica e bela

deixados à vela, sem posteridade.



Fecho os olhos ante a carnificina

de homens que invadem outras terras

que o nativo, a muito, as domina.

Com papéis se tornam donos delas.

Debatendo sobre o sangue, assina

com a madeira fina da floresta.



O mar me aparece numa procela.;

são várias naus de um povo que desbrava.

Chegando em uma terra encantada

dizima o outro que habita nela.

O sangue derramado sobre a terra

de uma gente mais civilizada.



Por trás de uma janela vejo uma rua,

por ela uma multidão aclama

um líder em um carro, continua.

Eu vejo na janela uma chama.

A mão de uma dama não segura

a vida de alguém que ela ama.



Eu tenho minha vista ofuscada

(como se o sol caísse sobre a terra),

diviso uma sombra amarela,

uma silhueta disforme e calcinada.

Um homem, uma decisão tomada.;

a vida é dizimada sobre a terra.



Distingo em meio uma multidão,

alguém que fala sobre liberdade.

Um tiro alveja o seu coração

e também fere a honra e a verdade.

O espelho fecha-se em escuridão

e eu vibro as pernas como um cobarde.



Laqueio os meus pesarosos olhos

e abaixo o macio lençol branco,

oculto o espelho, com espanto,

que me fazia ver somente ódio.

Saio d’aquela casa meio tonto

e em charneira alguma, jamais me olho.















Maré



Meu desejo tarda

como um gira-sol.



Minhas mãos de prata,

pela lua alta

a se extinguir,

sua luz se apaga

ante o arrebol,

me fazem sorrir.



Meu sorriso é o mesmo

de uma moça amarga

que olha da sacada,

envolta num lençol

tal um caracol

sob a carapaça.



Meu humor se agasta

ante a atonia

do meu dia-a-dia,

é sombrio no ocaso

pelo mesmo acaso

de uma poesia.















Felicitação II



Bato palmas.;

a felicito por mais um ano.

A vida é um ramo

que nos desfolha.;

mas, revigora

a cada inverno,

deixa o existir, eterno.

Assim, te amo.

























Por encanto



O meu amor é tanto

que eu morreria à toa.

Amor, não faça planos por enquanto.

Perdoa

se eu faço coisas loucas.

Eu beijo outras bocas

por encanto.



Um tímido perfume

com seu suave aroma,

me leva a outra cama

e sem querer

estou em mãos alheias.



Assim o amor semeia

em minha vida,

sementes de meu pranto.

Ao trair por desejo,

eu me espanto

comigo mesmo.



Amor, eu te amo tanto

que morreria à toa.

Por que beijo outras bocas por encanto?

Fumaça



A cada toco enrolado,

nas chamas, o papel se queima.

Mantenho meu nariz tapado

enquanto a inspiração rodeia.



Em meio a fumaça,

meus sonhos são dispersos.

Ficam em versos,

meu riso e minhas lágrimas.



O cheiro continua aceso,

enquanto entre meus dedos,

a minha ilusão se apaga.



São cinzas sem cinzeiro,

tal qual o meu anseio

que pelo ar se espalha.















Descuidado



Ando entre minas pelas calçadas vazias,

pisando sem cuidado

sobre papéis amassados.

Atravesso ruas em horas de extremo [movimento,

alheio, em tristes pensamentos,

sem olhar para os lados.

Carros e transeuntes se digladiam em [extrema desvantagem.;

entre eles, eu me arrisco até que chamem [minha atenção,

e quando volto o rosto, em vão,

seria tarde.

Torno-me o copo com água derramado na [tempestade

que assola a cidade,

deixando-a na escuridão.

Em minha mão,

havia um aviso de pare,

que ninguém prestava a mínima atenção.

Enquanto isso, uma ferida se abre

em minha carne

que ainda arde

no chão.







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