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Contos-->- Mãezinha... Abra a janela !... -- 17/04/2006 - 07:28 (António Torre da Guia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- MÃEZINHA... ABRA A JANELA!...



Tomado pela mão de minha mãe, eu e ela todos janotas, descíamos a travessa e a rua de Serpa Pinto, passávamos o cruzamento do Carvalhido e percorríamos quase inteira a avenida da França, até à estação ferroviária contígua à Boavista. Tranquilamente, porque não dava jeito utilizar o ronceiro carro eléctrico amarelo, eram mais ou menos trinta minutos de caminhada.

Apanhávamos então o combóio para Mindelo e viajávamos numa das robustas carruagens, cor de verde-couve, puxadas por uma férrea e negra máquina a deitar fumo por todos os lados. Íamos visitar minha avó, meus tios e meus primos, uma numerosa e benquista família aldeã que sobrevivia exclusivamente do esforçado e honrado suor vertido em cada dia, tudo à mão e sobre o dorso, sem paleio babélico e predador.

Estáva-se em 1947 e, como já bem lia no meu livro da 1ª. classe, em Portugal governavam Carmona e Salazar, dois ditos patifes, segundo os corruptos mentores do actual regime.

Hoje, passados exactamente 60 anos, no Jornal de Notícias, que ora se apresenta reduzido a 50% no tamanho de página - o país diminuiu 90% - enquanto vou de metro para Mindelo, estou a ler:

Não há culpados para caso de burla a três bancos portugueses. A Polícia Judiciária faz greve nacional. Guerra no sistema informativo da Polícia de Segurança Pública acabou na barra do tribunal. Imigrantes ucranianos são agredidos pelos "seguranças" de uma discoteca. Os dependentes do telemóvel justificam-se com razões afectivas. O Papa está preocupado com o desacordo nuclear. Cerca de 100 mil iranianos estão prontos para o suicídio como retaliação aos americanos invasores. Teerão dá 45 milhões de euros aos terroristas do Hamas, ora considerado partido político empossado na governação da Palestina. A República da Irlanda homenageia os seus rebeldes. Um jovem queria comer o cadáver de uma menina. Com Berlusconi a recontar os votos, Prodi já começou a formar governo. Uma cidadã portuguesa há ano e meio que tenta reaver reforma "perdida". Revolta instalou-se na igreja contra o pároco de Sendim. Finalmente, após quatro páginas plenas de anúncios, onde centenas de homens se oferecem para fingir de mulheres, leio ainda: brasileiras com cocaína nos implantes. Apre, assim um tipo doravante chupa e goza ao mesmo tempo dois universos...

Fecho os olhos e recuo no tempo, mais uma vez, seis dezenas de anos. O combóio apita sibilino e o barulho dos rodados sobre os trilhos dá ideia de que ouço tambores a bater um malhão ninhoto. Vou de nariz encostado à vidraça, contemplando a paisagem verdejante. Apercebo-me que em breve o combóio atravessará a ponte, logo adiante de Custóias, sobre o límpido e borbulhante rio Leça. Peço a minha mãe:

- Mãezinha... Abra a janela!...
- Não, Toninho. Podem entrar-te faúlhas para os olhos...

Com faúlhas?... Oh... Apanhei com milhares delas. Fumo desde os sete anos. E cá vou eu, prestes a chegar a Mindelo, de metro, junção evoluída do combóio com o eléctrico!... Não há janelas para abrir. Tudo está hermeticamente fechado. Desço na velha-nova estação-gare mindelense. Ainda não ceguei e tenho pulmões para fumar mais um aliviante cigarrinho e aguentar a fumarada dos quarenta que fumo por dia. Mas, bem no fundo de mim, sinto e ouço o Toninho a gritar, aflito e ansioso para fruir a paisagem, o vento, o fumo e as faúlhas ao vivo:

- Mãezinha... Abra a janela!...

António Torre da Guia


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