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Contos-->III - Josefina -- 21/05/2006 - 23:20 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
III - Josefina

E até a própria imagem feiticeira
e doce de Milena já então
se ia esbatendo... assim... recordação
fugaz... reminiscência passageira...
quando por sorte, sorte prazenteira,
fui encontrá-la lendo no salão
paroquial, o único rincão
que, ali na vila, tinha a lisonjeira
honra de se chamar biblioteca.
Lia atentamente e recorria
a um velho dicionário destroçado.
Falámos. Pareceu-me um tanto seca
talvez por timidez, ou cortesia...
ou certo ar de surpresa... reservado.


Foi breve o encontro, mas valeu a pena,
que, sem palavras quase, uma certeza
ficou clara entre nós: que a firmeza
da nossa submissão seria plena.
E assim nos aceitámos na serena
e necessária dor, e na estranheza
de alguém que se contempla na leveza
dum destino a que Eros o condena.
Nem nos beijámos. Apenas se roçaram
as nossas mãos, confusas, constrangidas.
Os olhos sim, que só eles disseram
o que os lábios, surpresos, não ousaram...
que não carece serem repetidas
as juras que nos olhos se esconderam.


Ao outro dia voltei eu ao salão,
na esperança que talvez ela viria,
e desta vez sozinha, sem a... guia,
cuja presença eu tinha por razão
do embaraço e da hesitação
com que Milena então correspondia
à minha exaltação e alegria.
Não aparece. Espero, mas em vão.
Só no regresso, quando já frustrado,
atravessava um espaço arborizado,
lá no centro da vila, a avistei.
Mal me viu, correu a me encontrar
e ali mesmo, antes de cumprimentar,
pôs-se a falar da outra. Eu escutei.


Chamava-se a matrona Josefina,
a tia Josefina, em quem Milena
se habituara a ver desde pequena
uma segunda mãe. –Mas é malina...
tu nem calculas. Eu sou ‘a menina’...
rapaz que se aproxime, é uma cena,
fica raivosa, às vezes põe-se obscena,
gestos desaforados de varina...
Se ontem não berrou, foi com vergonha
do padre. Lá em casa foi medonha,
ralhou, ralhou, julguei que me batia!
E quer levar-me já daqui para fora...
‘vamos para longe, vamo-nos embora,
aqui mais não, aqui nem mais um dia!’



Emocionada, os olhos rasos de água,
Milena soluçou e fez beicinho
de quem ia chorar. Tiro um lencinho
acudo, envolvo-a no meu braço, afago-a...
Enxugo, meigo, toda aquela mágoa
que lhe alagava o rosto, e o mominho
rasgou-se-lhe num débil sorrisinho...
E recostada no meu ombro trago-a
para um recanto mais íntimo. Ela então
me abriu aí de todo o coração...
falou de Josefina, e da surpresa
que lhe tramava a maldita mulher.
E como conseguira esconder
por tanto tempo tamanha torpeza.


-Quer que eu case. Que eu case! Imagina!
com um homem de cá... aquela fera!
Diz que ainda é seu sobrinho, e diz que era
este o destino que em pequenina
me reservava minha mãe... Cretina!
E eu a imaginar que me trouxera
a vir passar aqui a primavera
para me dar prazer... e ela maquina,
maldita, uma coisa destas! Má!...
mulher sem dó!... Mas não conseguirá,
porque eu recuso. Nem eu quero vê-lo!
Nem quero ouvir falar da criatura!
Nem desse arranjo, dessa impostura...
que isto é mentira... Deus, que pesadelo!


-Eu nunca imaginei. Nunca! Meu Deus!
Agora é que eu entendo os modos dela,
aqueles zelos todos, a cautela
com que ela me guardava dos ‘ateus’,
como ela lhes chamava... até dos seus
primos e tios... toda a parentela:
‘é homem é ateu, tu és donzela
não se fala com esses camafeus’!
Às vezes eu até achava graça
meu Deus que tola eu era, que inocente...
e nunca suspeitei desta trapaça!
Falava-me dum primo cá da ilha,
‘rico e bonito, um homem competente
para casar com a minha própria filha’...



E chorando contou-me ali também
como ficara órfã, pequenina,
como a criara a tia Josefina,
que nunca conhecera outra mãe...
E que a tratara sempre muito bem...
só com aquela raiva viperina
aos homens... a constante serrazina
a que se habituara ela também...
-Nunca saía só: ‘ou vou contigo
ou tu não vais’. Nunca tive um amigo,
e amigas, se tinham um irmão...
Porque é que só agora revelou
todo o controlo em que me criou?
Porque não disse antes?... que aflição!...


-E que faço eu agora? Ela quer
apresentar-me ao homem. Diz que estou
em perigo de vida... e já mandou
dizer-lhe que viesse para me ver.
E agora eu não sei que hei-de fazer...
Não tenho cá ninguém...
E desatou
num choro tal que quase sufocou...
Eu não podia ainda entender
o drama todo em que se debatia,
o que ela me dizia não podia
ser a verdade toda... era impossível...
E suspeitava ali muito exagero,
aquele choro, aquele desespero,
aquela história absurda... era incrível.


-Olhe, Milena, eu não entendo bem:
há muito de esquisito em tudo isso.
Se a sua tia tem um compromisso
para casá-la, a si, com alguém
sem seu consentimento, ele não tem
qualquer valor, é totalmente omisso.
E nem importa que ela meta nisso
possíveis intenções da sua mãe.
A Milena só tem de dizer não!
Mas, ouça cá, será que a pressão
familiar também vem doutro lado?
Quando chegámos cá, no outro dia,
quem foi que a beijou, à sua tia,
inda mal tínhamos desembarcado?


-Foi uma amiga dela, a Guiomar,
- a retornada - que foi receber
a minha tia. Ela é também mulher
do dono da pensão, o Doce Lar,
onde nos fomos ambas hospedar...
Mas ai, meu Deus, se vem ela a saber
que eu saí de casa para te ver!
Tenho de ir. Tenho de voltar.
Adeus, procuro-te outra vez, amigo.
Seja onde for, eu hei-de ir ter contigo.

Detive-a um momento: -Não se esqueça,
procure-me na Quinta da Galera
é lá que eu vivo. Estou á sua espera.

Ela selou num beijo a promessa.


Continua
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