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Contos-->VII - As Lapas -- 25/05/2006 - 08:23 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VII - As Lapas

Mas não tardaram. Logo ao outro dia,
Florinda foi chamar-me ao terraço,
onde eu estava a procurar num maço
de papéis velhos, uns que o Luís queria
que lhe mandasse... Ao ver que me caía
aquela papelada do regaço,
fiquei sentado e mudo de embaraço...
de olhos na Florinda que se ria...
As moças enfiaram porta dentro,
e vieram postar-se bem no centro
do terraço, seguidas do Gonçalo…
Achei aquilo tudo um disparate,
e senti-me corar como um tomate...
e nem sequer tentei dissimulá-lo.

E em fila indiana, à minha frente,
foram formando todos um cortejo...
p´ra virem um por um me dar um beijo,
dizendo-me “bom dia, minha gente!”
A minha gente era eu somente...
Só Gonçalo, sentindo certo pejo,
não me beijou -- fingiu! O meu desejo
era sumir dali completamente...
tal foi o embaraço... a vergonha
que eu senti. E, depois... eles a rir...
riam às gargalhadas... não sei bem,
talvez fosse da minha carantonha...
mas eu, por fim, não pude resistir,
descontraí e pus-me a rir também.

Tudo acabou em festa. Pôs-se a mesa...
Florinda, sem que eu desse por isso,
tinha frigido inhames e chouriço:
—E guardo o que é melhor pra sobremesa
—disse-nos ela —vai ser grande surpresa...
E foi: —lapinha mansa que o Zé Riço,
esta manhã, inda antes do serviço,
foi apanhar, vivinhas... que beleza!

E estavam vivas: —Olha — disse Elvira
p´ra Milena — é assim que a gente faz
...Olha, vê bem... assim é que se tira...
Co´a concha duma vai-se à outra e zás.

Mas Milena, coitada, nunca vira
e tinha nojo: —Ai!... não sou capaz!

—Não és capaz? Então o que é que custa?
Uma concha vazia e faz-se assim...
mete-se rente à outra... até ao fim...
bem por baixo da lapa... assim, bem justa...
...ai, olha a cara que ela faz... assusta!
exclama Elvira, a olhar p´ra mim
como se fosse um bicho assim... ruim...
ai, ai, ai!... minha rica Santa Justa!...

Com efeito, Milena não sabia
como pegar na lapa, e tremia...
tremia, e encolhia-se com uma
nas pontinhas dos dedos. Eu cheguei-me,
tirei-lhe a lapa: —olhe, não se queime,
veja lá... não é brasa nenhuma...


E, p´ra lhe dar coragem, fui ralhando
com a Elvira. —Também não é preciso
assim, lapa tão grande... mais juízo!
Pobre Milena... está se iniciando
E olhe, Elvira, eu cá estou achando
que isto não se aprende de improviso...
Não é fácil, Elvira... Eu simpatizo
com os escrúpulos dela e só quando
Milena se sentir mais à vontade
é que deve comer, sem ansiedade...
sem ser forçada... que isto é mesmo assim
sem mais preparação, isto, de facto,
há-de parecer, ao primeiro contacto,
uma barbaridade porque... enfim...

Quem vem de fora, assim, não imagina...
é preciso, ter calma, esperar, vá...
com essa lapa enorme, veja lá...
arranja-se uma mais... mais pequenina...
Olhe, Milena, à moda florentina,
é ritual ficar sendo de cá,
quem come a lapa que Neptuno dá...
à ilha, nossa mãe – a genuína
lapa... e crua, ao natural. Assim
se torna filha das ondas nocturnas,
que hão-de embalar seus sonhos de noivado
com o mais lindo e loiro... e fresco ondim
dos que vivem ocultos pelas furnas,
do mar que lá suspira enciumado...

Tadinha... ai... tem medo esta menina...
—pus-me a brincar com ela— deixe lá
que eu descasco-lhe outra... venha cá...
esta aqui é gostosa, e é... genuína...
é mansa, cá das nossas, morenina...
das que, segundo a lenda, o mar nos dá...
Abra a boquinha... vamos, abra, vá...
que esta não lhe faz mal... é pequenina!
Já está solta na concha... é só sorvê-la
Abre a boquinha... dá a chupadela...
assim... e ela entra logo, logo, mal
a chupe. —E eu engulo, sem trincar...
—Milena, não... precisa mastigar,
tomar o gosto, que se não, não vale!


E Milena, coitada, quis sorver
a lapa, com os lábios estendidos
como quem dava um beijo, olhos perdidos
no tecto da cozinha p´ra não ver
‘o bichinho que estava inda a mexer
com os corninhos todos estendidos...’

Quis mas não acertou, humedecidos
os lábios dela vieram-se prender
muito abertos e quentes no meu dedo...
por entre eles veio um pouco a medo
a língua levemente titilar
a minha pele... Senti um arrepio
de súbito prazer que me invadiu
e uma vontade imensa de a beijar.

Mas não beijei e segurei-lhe o rosto,
com a mão livre, para lhe meter
na boca a lapa... e pra me convencer
que era brincadeira de mau gosto:
ela engulhou... e eu fiquei mal disposto
com toda aquela cena: —Se quiser,
Milena, deite fora... e há-de comer
as lapas noutra altura... isto é suposto
dar-lhe prazer, e ser mais engraçado...
assim, com esse ar desconsolado,
não tem graça nenhuma... dei-te fora,
cuspa-a na minha mão, que nisto afinal
inda lhe vai é mesmo fazer mal...
deite-a fora, cuspa-a... vá... agora...


E ela cuspiu, depois: —Oh... obrigada!
E encostando-se toda ela escondeu
o rosto no meu peito, e gemeu
palavras de desculpa... envergonhada.
—Gostava tanto de ser mais...ousada...
foi um receio assim que se meteu
na minha boca e que depois cresceu
dentro de mim... lapa desconsolada...
—Pronto, pronto. Não se fala mais nisso.
A gente, lapas, e você, chouriço
que também é petisco cá da Ilha...
E a Florinda frita-o que é um gozo...
E com este inhaminho saboroso...
é uma verdadeira maravilha.


E momentos depois estava esquecido
todo aquele episódio. E sem mais nada
voltamos todos logo à petiscada...
Milena ao seu chouriço preferido,
outros às lapas... Eu, compadecido,
da pobre moça, ainda atarantada,
p´ra que ela se sentisse acompanhada,
comi também chouriço... mas fingido.
Conversámos. Milena quis saber
dos papéis que me tinha visto ler,
sentado no terraço, ‘inda agora...’
—Velharias, recortes de jornais,
velhas fotografias e postais
que o Luís quer, quando eu me for embora...


-E quando é que tu te vais embora?
-Inda não sei ao certo, mas talvez
eu fique por aí... sei lá... um mês
ou dois... depende... Não vou deitar fora
esta oportunidade que há agora
de nós nos vermos, muita, muita vez...
E o teu regresso? quando é que prevês
o teu regresso? –Não sei. A demora
é com a minha tia que inda queria
meter em tribunal aquela harpia
do Chico e os outros estafermos
que a roubaram. -Então e tu, já queres
partir? Meu Deus, e nem sequer preferes
ficar mais um tempinho p´ra nos vermos?


Ela ruborizou-se e gaguejou
uma desculpa: -Não. Também gostava
que nos víssemos mais... Não me importava
até de cá ficar... Ela pensou,
a minha tia, quando cá chegou,
recuperar a casa onde morava
em moça, na Portela... mas estava...
tudo nas mãos do Chico e falhou
o plano de morarmos nesta terra...
bem vês, depois desta maldita guerra
com o ladrão, melhor é abalar...
Ao menos na Argentina a casa é nossa
e não há lá ninguém que queira ou possa
roubá-la... o melhor é regressar.


Continua
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