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Contos-->X - A Leonor -- 30/05/2006 - 07:42 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
X - Leonor


Era o padre Tobias a gabar,
babado, a Leonor... e eu, curioso...
“aqui há história! Ai há... Este guloso
e os seus biscoitos... secos... deixa estar...
deixa estar, que eu hei-de te apanhar
coa boca na botija, seu manhoso...
depois tu me dirás do horroroso
manchar-se a alma no humano amar...”
—Não é só cozinheira. A Leonor
é boa em tudo. É a maior amiga
que eu tenho neste mundo... olha quem...
que ela é que me criou... E sem favor,
tirando meu padrinho... e ele que o diga...
olha é como se fosse minha mãe.



Era a Elvira a louvinhar também
a tal de Leonor... e eu a ficar
inda mais intrigado... Deixa estar
que eu hei-de descobrir... Chama-lhe mãe...
“Como se fosse minha mãe”. Mas quem
é esta Leonor? Eu hei-de achar
alguém aí que me saiba explicar...
Já sei, vai ser Florinda... que se alguém
souber, é a Florinda, a sabe-tudo...
de todos... E eu seja surdo e mudo
se a vítima daquela desgraçada
cena que ele contou, não era ela...
a torresminho, a virgem, a donzela
desflorada... “borrega esquartejada”...


Depois do chá, Milena, acompanhada
d´Elvira e do padre, regressava
à pensão, e eu, sozinho, palmilhava
o caminho da quinta. A caminhada
de volta à quinta foi bem mais puxada
que tinha sido a ida... Despontava
agora a Lua, mas quase não dava
nenhuma claridade, um tudo-nada...
restiazinha esbatida nas paredes
ou coada nas canas, como redes,
tremeluzentes de abajur rasgado.
Um tropeção aqui e outro ali,
em pedregulhos soltos, lá desci
e lá cheguei... exausto, estropeado...


Gonçalo estava a pé, à minha espera.
Às minhas boas-noites, respondeu
com um grunhido que me pareceu
uma censura por demais severa.
—Não se zangue, Gonçalo, que eu não era
para voltar tão tarde. Aconteceu...
Padre Tobias é que me prendeu
lá, com aquela conversa. E quem me dera
não ter ouvido aquilo... A maior seca
que eu apanhei na vida. Com a breca,
o padre é mais torto que um canzil!
Conta uma história horrível, escabrosa,
duma mocinha ingénua e mimosa
que ele desflorou... Coisa mais vil!


Que eu cá não acredito nem metade
do que ele me contou... é bajulice
de velho xexé... Se o Gonçalo ouvisse!
E disse aquilo em toda a seriedade...
até chorou, o santo do abade,
a soluçar com lágrimas! Se o visse,
Gonçalo. —Olha, José, e quem te disse
que o que ele diz não é mesmo a verdade?
Eu mal me lembro já dos pormenores
mas falou-se muito, muito, dos amores
do padre com a filha da criada,
a Leonor, mocinha inda de escola,
ia todas as tardes de sacola
à tiracolo ter com a mãe, coitada.


O padre dava-lhe as explicações
que o trabalho da escola requeria...
E houve quem chegasse à sacristia,
e ela no colo dele a dar lições...
Lembro-me dela... andava de calções...
mas era uma criança... nem bulia
com a vontade dum homem. Quem na via
de pernocas ao léu... nos seus blusões
só via a criancinha... Não o padre...
sangue na guelra, cão... se te parece...
não se pôde aguentar e abocanhou...
Qu´é como o povo diz, cão que não ladre
quando tem caça à vista, não merece
o naco que lhe dão... este ladrou.


Não sei bem quanto tempo ele a gozou.
Mas isto é mesmo assim... a rapariga
às tantas já andava de barriga
e o cachorro do padre que ficou
de coração à boca. Até constou
(nem falta por i gente que inda o diga)
que até foi ter c’a bruxa da Cardiga
p´ra fazer um desmancho... mas passou.
Leonor acabou por ir p´ra fora
Com uma apendicite. Bom, agora
não te digo mais nada, chega bem
isto para que saibas que o ladrão
do padre era reles, um cabrão...
não respeitava nada nem ninguém.


Aquilo, moça que fosse ao passal
era certinho, a gente já sabia:
ou punha-se na perna e lhe fugia
ou, mal se precatasse, o animal
dava-lhe as bênçãos todas do missal...
Depois era leva-la à sacristia
toma lá disto... vá... ficas p´ra tia...
outra que não precisa de enxoval.
E foram várias – velha solteirona
que por i haja foi aquele fona
que a desgraçou, porque naquela altura
havia por aí tanto rapaz
que uma qualquer então era capaz
de encontrar noivo... se... estivesse pura.


Mas agora que tu inda és parente
da Elvirinha, eu não me meto nessa...
e o Tobias devia estar com pressa
p´ra te atirar essa batata quente.
Vem depois arvorar-se em penitente...
e é a ti que o patife se confessa?
Malandro! Não é coisa que se esqueça
a dor de desflorar uma inocente...
Mas que tens tu com isso? A Milena
é uma mulher! Não é uma pequena
ainda de cueiros, santo Deus!
Não pode comparar-se o que ele fez
com o que vai passar-se entre vocês,
Milena quer ser tua, ora adeus...


E ela está madurinha, uma doçura...
tão doce que até cheira... como um figo
dos de pingo-de-mel. Ai, meu amigo...
isto dá Deus as nozes... —Que frescura,
Gonçalo! Eu não esperava essa grossura
de ti! Olha, não falo mais contigo!
—Desculpa, meu rapaz! Isto que eu digo
não é por mal... É desta vida dura
que a gente leva agarrados à terra...
a gente fica uns brutos, embezerra...
depois diz coisas que não quer dizer.
Que tu bem sabes que eu era incapaz
de ofender a Milena, aliás
nem a Milena... nem outra qualquer.


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