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Teses_Monologos-->Clarisse e o sentir - vida e minhas e dela reflexões -- 07/06/2001 - 17:11 (Karen Giovanni Borowski Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Clarisse Lispector:
Uma sentidora.

Clarice só desejava que, ao lerem suas obras,
o fizessem com sentimento.
Nunca pretendeu mudar algo,
pois as pessoas não querem mudar.



Dá-me a tua mão:

Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.



Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a
garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta:
eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a
própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à
levíssima
embriaguez que era a alegria da sede deles.

Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a
graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da
água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles
quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial
das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não
vira, ela que, estava ali, no entanto.
No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e
quanto mais
erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham
prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de
súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar
um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é
preciso sair de
casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da
espera já
cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."




"Eu acho que,
quando não escrevo,
estou morta”.




Clarisse Lispector


"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
"Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro".
"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma" - Clarisse em 1947 Berna - Suíça
Em 95, o escritor Caio Fernando Abreu, então colunista do jornal O Estado de São Paulo, publicou uma carta que teria sido escrita por Clarice Lispector a uma amiga brasileira. Ele comenta, no artigo, que não há nada que comprove sua autenticidade, a não ser o estilo-não estilo de escrita de Clarice Lispector. Ele dizia: "A beleza e o conteúdo de humanidade que a carta contém valem a pena a publicação...”.


Sua vida em meio a obras e pensamentos:

“Há três coisas para as quais nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para ser mãe.
Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca"
Para Clarice, "Não é fácil escrever. É duro quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados". "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas". "Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo”.
Inconstante tanto na vida quanto na obra, pois está sempre tentando desvelar contradições e criá-las para uma maior compreensão. Porém mantendo sempre a característica primordial de adentrar no universo mais sensível de cada um, levando o leitor a pensar com os personagens, a repensarem suas vidas, a viajarem por si mesmos, pelo seu universo conflituoso. Dizia ela que não escreve para que pessoas intelectuais e sim sensíveis, dizia que suas obras eram para serem sentidas e por pessoas que fossem capazes de senti-la que estimava como público. Não se dizia hermética, pois dizia se compreender, então, assim sendo, para ela a hermeticidade não era uma característica sua.


AS VANTAGENS DE SER BOBO

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo.
O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas.
Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando”.
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o
bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem.
Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos,
e estes os vêem como simples pessoas humanas.
O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.
O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de
um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a
Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.
Resultado: não funciona.
Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranqüilo.
Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.
O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros.
Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera.
É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu.
Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.
Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie.
Aliás, não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil).
Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca.
É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.


Extraído da Obra A Descoberta do Mundo, ela adentra no universo psicológico das pessoas para exprimir suas idéias quanto a maneira de ser, retratando aqui o quão vantajoso é o ser bom, bobo ao invés de ser uma pessoa que sempre busca se dar bem, mostra ela que o se dar bem é obtido mais eficazmente pelo bobo, que tem o amor e só assim pode ser bobo. Que conhece o amor dentro de si e vê o mundo com bons olhos devido a isto.


Escrevia estimulada pelo momento, dizia que escrever como dever não era o que sua intenção e que não o fazia, dizia ser uma amadora, amadora ela profissional, elogiada por muitos que tinham a sensibilidade apurada para compreendê-la e, mais que isto, compreendê-la não, sentir as histórias de seus livros, o que não é fácil, mas com certeza significativo para cada um que se propôs a entrar no mundo do livro. Assim o leitor chega a sua situação limite, adentra no seu universo psicológico.


Clarice apesar de escrever de forma não versificada, era poeta verdadeira, pois não basta ao texto estar quebrado em linhas para ser poesia. Clarice fazia poesia sem quebrar as linhas
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, na aldeia Tchetchenillk, no dia 10 de dezembro de 1925. Os Lispector emigraram da Rússia para o Brasil no ano seguinte e Clarice nunca mais voltou à pequena aldeia. Mas já no ano seguinte, Clarice Lispector chegou ao Brasil com sua família, indo morar em Alagoa, fixando-se em Recife, onde a escritora passou a infância. Aos 12 anos, já órfã de mãe, a família mudou-se para o Rio de Janeiro. Entre muitas leituras, cursou direito e começou a colaborar em jornais cariocas. Casou-se com um colega de faculdade em 1943, ano em que escreveu sua primeira obra, o romance Perto do coração selvagem, publicado no ano seguinte. Após formar-se em Direito, foi para a Itália, onde recebeu a notícia de que seu livro Perto do coração selvagem ganhara o Prêmio Graça Aranha. A moça de 19 anos assistiu à perplexidade nos leitores e na crítica: quem era aquela jovem que escrevia "tão diferente"? Sua interpretação sensível de adolescência venceu criticas. Seguindo o marido, diplomata de carreira, viveu fora do Brasil por quinze anos.


Dedicava-se exclusivamente a escrever. Separada do marido e de volta ao Brasil, passou a morar no Rio de Janeiro. Viveu alguns anos na Suíça e na Inglaterra, publicando várias obras de divulgação internacional.


Em 1976 foi convidada para representar o Brasil no Congresso Mundial de Bruxaria, na Colômbia. Claro que aceitou: afinal, sempre fora mística, supersticiosa e curiosa a respeito do sobrenatural. Em novembro de 1977 soube que sofria de câncer generalizado. No mês seguinte, na véspera de seu aniversário, morria em plena atividade literária, no Rio de Janeiro, e gozando do prestígio de ser uma das mais importantes vozes da literatura brasileira.


A escritora pós-modernista consagrou-se como uma das 20 mais importantes figuras literárias brasileiras no quesito novelístico e de escritora de curta história. Alguns de seus trabalhos descrevem-se altamente pessoais, quase existencialista, com visão do dilema humano escritos num estilo de prosa caracterizado por um vocabulário simples e uma estrutura de sentença elíptica. Em contraste aos assuntos sociais nacionais ou regionais expressados por muitos contemporâneos brasileiros sua visão artística transcende tempo e lugar; seus caracteres, em situações elementares de crise, estão freqüentemente a mulher unicamente moderna ou brasileira. Não tinham seus personagens estereótipos físicos, e sim conflitos psíquicos, eram personagens em constante mudança interna, não querendo ser o que se é, negando e sendo uma constante negação, porém não deixando de ser, por mais muito menos intelectualmente. cada
Nela mais tarde trabalhos, tal como Um Maçã nenhum Escuro (1961; A Maçã na Escura), Um Paixão Segundo G.H. (1964; "A Paixão Segundo G.H."), e Água Viva (1973; " Água Viva"), seus caracteres, alienação e pesquisando para significado em vida, gradualmente ganha um sentido de consciência de eles mesmos e aceita seu lugar em um arbitrário, ainda eterno, universo.


A mais fina prosa de Lispector é encontrada nas histórias curtas. Coleções tal como Laços de Família (1960; Laços De Família) e Um Legião Estrangeira (1964; "A Legião Estrangeira") enfoca em momentos pessoais de revelação nas vidas do dia-a-dia dos protagonistas e a falta de comunicação significativa dentre os indivíduos em um valor urbano contemporâneo.

A metáfora é um dos recursos que o analista possui para dar conta de sua tarefa paradoxal : usar a palavra para dar voz à não-palavra. A presença da metáfora na interpretação psicanalítica faz com que o fala se poetize e passe a ter um alcance e um poder excepcionais. A metáfora poética e a interpretação psicanalítica têm uma afinidade estrutural, e quando a metáfora toca a interpretação ocorre uma potencialização de efeitos, que se torna mais intensa quando notamos de um lado que o psiquismo funciona metaforicamente e, de outro, que um dos efeitos da interpretação pode ser a metaforização psíquica. A palavra é limitada, pode esmagar as entrelinhas, como disse Clarisse Lispector, mas é só através da palavra - da metáfora, da palavra poética - que podemos alcançar, ainda que de modo precário e fugaz, as experiências mais fundamentais: quando se torna poética, a palavra ultrapassa seus próprios limites.
Essas experiências fundamentais, que são mudas e que pedem para ser nomeadas, acham o poético, exigem-no - e Freud já havia notado isso em 1895, ao dizer que lidamos com um "objeto especial" que só pode ser descrito através de um estilo literário. Clarice objetiva, em suas obras, atingir as regiões mais profundas da mente das personagens para aí sondar complexos mecanismos psicológicos. É essa procura que determina as características especificas de seu estilo. Ela adentra na mente das pessoas, levando-as a uma reflexão constante quanto ao que pensam e o que vivem, os conflitos que enfrentam. Ela os leva a pensar no quão conflituoso é o “ser” mais profundo delas, deparando-o com que mostram e objetivam.


O que é angústia?

Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida. Pois depende do angustiado. Para alguns incautos, inclusive, é palavra de que se orgulham de pronunciar como se com ela subissem de categoria -- o que também é uma forma de
angústia.

Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é.

Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia -- e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.

Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo?
Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda.


Sim, ela não poderia responder o que é a angústia, pois que cada um tem a sua. E, assim como para muitos, angústia pode ser determinado sentimento, uma dor no coração inexplicável pode também ser traduzida como a inexplicação da vida para muitos, ou, simplesmente, como a angústia de não ser corajoso o suficiente para se angustiar, que é, por si só, uma angústia.

O enredo tem importância secundária. As ações - quando ocorrem - destinam-se a ilustrar características psicológicas das personagens. Clarice tem histórias sem começo, meio ou fim. Por isso, ela se dizia, mais que uma escritora, uma "sentidora", porque registrava em palavras aquilo que sentia. Mais que histórias, seus livros apresentam impressões. Predomina em suas obras o tempo psicológico, visto que o narrador segue o fluxo do pensamento das personagens. Logo, o enredo pode fragmentar-se. O espaço exterior também tem importância secundária, uma vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. Características físicas das personagens ficam em segundo plano. Muitas personagens não apresentam sequer nome. As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo absurdo; esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado - pelo menos inusitado para a personagem. Esse fato provoca um desequilíbrio interior que mudará a vida da personagem para sempre.


Um Enigma é a definição mais clara quanto a Clarice Lispector.
"Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo". - C. L. Era realmente um obejeto não identificado das Letras Brasileiras


"... eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade."

É um nome latino, né, eu perguntei para o meu pai desde quando havia Lispector na Ucrânia. Ele disse que há gerações e gerações anteriores. Eu suponho que o nome foi rolando, rolando, perdendo algumas sílabas e se transformando nessa coisa que parece "LIS NO PEITO", em latim: flor de lis.

Clarice nasce em Tchelchenik, na Ucrânia, em 1920. Chega ao Brasil com os pais e as duas irmãs aos dois meses de idade, instalando-se em Recife. A infância é envolta em sérias dificuldades financeiras. A mãe morre quando ela conta 9 anos de idade. A família então se transfere para o Rio de Janeiro, onde Clarice começa a trabalhar como professora particular de português. A relação professor/aluno seria um dos temas preferidos e recorrentes em toda a sua obra - desde o primeiro romance: Perto do Coração Selvagem. Ela estuda Direito, por contingência. Em seguida, começa a trabalhar na Agência Nacional, como redatora. No jornalismo, conhece e se aproxima de escritores e jornalistas como Antônio Callado, Hélio Pelegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Alberto Dines e Rubem Braga. Os passos seguintes são o jornal A Noite e o início do livro Perto do Coração Selvagem - segundo ela, um processo cercado pela angústia. O romance a persegue. As idéias surgem a qualquer hora, em qualquer lugar. Nasce aí uma das características do seu método de escrita - anotar as idéias a qualquer hora, em qualquer pedaço de papel.


"E como nasci? Por um quase. Podia ser outra. Podia ser um homem. Felizmente nasci mulher. E vaidosa. Prefiro que saia um bom retrato meu no jornal do que os elogios."


Marcada pela solidão. Marcada pelo grande amor de sua vida. Marcada pela luta constante contra a quase miséria material. Marcada pelas mãos maceradas pelo fogo, em defesa da vida de um filho, e pela sombra da insanidade rondando a vida do outro." - Tristão de Athayde.


"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada."


“Antes dos sete anos eu já fabulava e já inventava histórias. Por exemplo, inventei uma história que não acabava nunca, é muito complicado explicar esta história. Quando eu comecei a ler e a escrever, eu comecei a escrever também pequenas histórias”.

Em 43, conhece e casa-se com Maury Gurgel Valente, futuro diplomata. O casamento dura 15 anos. Dele nascem Pedro e Paulo. No ano seguinte, ela publica Perto do Coração Selvagem.

Em plena Segunda Guerra Mundial, o casal vai para a Europa. Perto do Coração Selvagem desnorteia a crítica literária. Há os que pretendem não compreender o romance, os que procuram influências - de Virgínia Wolf e James Joyce, quando ela nem os tinha lido - e ainda os que invocam o temperamento feminino. Influências?

Perto do Coração Selvagem recebe o prêmio da Fundação Graça Aranha. Nas palavras de Lauro Escorel, as características do romance revelam uma “personalidade de romancista verdadeiramente excepcional, pelos seus recursos técnicos e pela força da sua natureza inteligente e sensível". Já no primeiro livro, identifica-se o estilo muito pessoal da escritora.

Nas páginas, Clarice explora pela primeira vez a solidão e a incomunicabilidade humana, através de uma prosa inquieta, próxima da poesia em determinados momentos.


"Eu misturei tudo, eu lia livro, romance para mocinha, livro cor de rosa, misturado com Dostoievski, eu escolhia os livros pelos títulos e não por autores, porque eu não tinha conhecimento... fui ler aos 13 anos Herman Hesse, tomei um choque: O Lobo da Estepe. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora."


"Em uma outra vida que tive, aos 15 anos, entrei numa livraria, que me pareceu o mundo que gostaria de morar. De repente, um dos livros que abri continha frases tão diferentes que fiquei lendo, presa, ali mesmo. Emocionada, eu pensava: mas esse livro sou eu! Só depois vim a saber que a autora era considerada um dos melhores escritores de sua época: Katherine Mansfield."


"Eu conhecia melhor um árabe com véu no rosto quando estava no Rio. Todo esse mês de viagem nada tenho feito, nem lido, nem nada. Sou inteiramente Clarice Gurgel Valente”.


Rumo à Europa, os Gurgel Valente passam por Natal. De lá para Nápoles. Já na saída do Brasil, Clarice mostra-se dividida entre a obrigação de acompanhar o marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade nem mesmo sei viajar".

Clarice permanece em Nápoles até 1946. Durante a II Guerra, presta ajuda num hospital de soldados brasileiros. Uma dúvida: um serviço prestado como cidadã brasileira ou como mulher de um diplomata brasileiro? Como escritora, ela sente a presença do sucesso. Por telegrama, sabe do prêmio recebido pelo romance deixado no Brasil. Mantém uma correspondência constante com os amigos que deixara para trás.

Em Nápoles, em 44, conclui O Lustre, livro iniciado no Brasil e que seria publicado em 1946. Virgínia, a personagem principal de O Lustre, tem a história narrada desde a infância e também aparece sob o signo do mal, tal como Joana, personagem do primeiro romance. Em O Lustre, Virgínia mantém um relacionamento incestuoso com o irmão, Daniel, com quem faz reuniões secretas em que experimentam verdades, na condição de iniciados especiais. Nessa época, Clarice Lispector se corresponde com Lúcio Cardoso, que não gosta do título do livro: acha-o "mansfieldiano" e um pouco pobre para pessoa tão rica como Clarice.


"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca".
Resposta a Lúcio Cardoso: "Me entristeceu um pouco você não gostar do título "O Lustre". Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que eu sou pobre... Infelizmente, quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito. No dia em que eu conseguir uma forma tão pobre como eu o sou por dentro, em vez de carta, você receberá uma caixinha cheia de pó de Clarice. Eu escrevo simples. Eu não enfeito."


Manuel Bandeira, que publicara Poesias Completas e Poemas Traduzidos e enviara os exemplares para Clarice na Europa, pede, em 1945, alguns de seus poemas para serem publicados:

"Quer me mandar algumas coisas? Você é poeta, Clarice querida. Até hoje tenho remorso do que disse a respeito dos versos que você me mostrou. Você interpretou mal minhas palavras. Você tem peixinhos nos olhos, você é bissexta. Faça versos, Clarice, e se lembre de mim. Você nunca é falante, barulhenta. O que você escreve nunca dói nem fere os ouvidos. Você sabe escrever baixo. E sua assinatura, Clarice, é você inteirinha: Clara... Clarinha... Clarice”.

No fim da guerra, Clarice é retratada por De Chirico. Em maio de 45, ela manda uma carta às irmãs Elisa e Tânia, contando o encontro com o artista e falando sobre o final da guerra na Europa "Eu estava em Roma quando um amigo meu disse que o De Chirico na certa gostaria de me pintar. Perguntou a ele. Aí ele disse que só me vendo. Me viu e disse: eu vou pintar o seu ... o seu retrato. Em 3 sessões ele fez. E disse assim: eu podia continuar pintando interminavelmente esse retrato, mas eu tenho medo de estragar tudo. Eu estava posando para De Chirico quando o jornaleiro gritou: È finita la guerra . Eu também dei um grito, o pintor parou, comentou-se a falta estranha de alegria da gente e continuou-se. Aposto que, no Brasil, a alegria foi maior."


"O trabalho está desorganizado, muito ruim, muito confuso. Material eu tenho e em abundância. O que me falta é o tino da composição, o verdadeiro trabalho. Minha tendência seria a de pensar apenas e não trabalhar nada. Mas isso não é possível. O trabalho de compor é o pior. Eu mesma vivo me levantando e caindo de novo e me levantando. Não sei qual é o bem disso, sei que é essa forma confusa de vida que vivo. Uma pessoa que quisesse tomar minha direção seria bem vinda... Eu nunca sei se quero descansar porque estou realmente cansada, ou se quero descansar para desistir."


Quando O Lustre é lançado, Clarice está no Brasil, onde passa um mês. De volta à Europa, transfere-se para a Suiça, “um cemitério de sensações", segundo a escritora. Durante três anos, passa por dificuldades em relação à escrita e à vida pessoal. Em 46, tenta iniciar A Cidade Sitiada, livro que sairia em 49. Vendo-se impossibilitada de escrever, coleciona frases de Kafka, referentes a preguiça, impaciência e inspiração.


Para Clarice, a vida em Berna é de miséria existencial. A Cidade Sitiada acaba sendo escrito na Suíça. Na crônica "Lembrança de uma fonte, de uma cidade", Clarice afirma que, em Berna, sua vida foi salva por causa do nascimento do filho Pedro e por ter escrito um dos livros "menos gostados".


Terminado o último capítulo, dá à luz. Nasce então um complemento ao método de trabalho. Ela escreve com a máquina no colo, para cuidar do filho.


O período na Suíça caracteriza-se pela saudade do Brasil, dos amigos e das irmãs. A correspondência que recebe não lhe parece suficiente. Até 52, escreveria contos, gênero em que Clarice Lispector talvez não tenha sido alcançada na literatura brasileira. Alguns Contos foi publicado em 52, quando ela já tinha deixado Berna, passado seis meses na Inglaterra e partido para os Estados Unidos, acompanhando o marido.



"Ela se deixava conduzir por uma espécie de compulsiva intuição. Era o seu tanto adivinha. Ninguém passa por ela impune. Ela liga e religa o mistério da vida e o religioso silêncio da morte. Clarice é uma aventura espiritual." - Otto Lara Resende.


" Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês. É qualquer uma." - C. L., em carta às irmãs, em janeiro de 47, de Paris, Clarice expõe seu estado de espírito...

"Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil... O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia muito solta."




Em 1950, na Inglaterra, Clarice inicia o esboço do que viria a ser A Maçã no Escuro, livro publicado em 61. Antes de se fixar em Washington ela passa pelo Brasil. Trabalha novamente em jornais, entre maio e setembro de 52, assinando a página "Entre Mulheres", no jornal O Comício, no Rio, sob o pseudônimo de Tereza Quadros. Em setembro vai para os Estados Unidos, grávida. Durante os oito anos de permanência no país, vem ao Brasil várias vezes. Em fevereiro de 53, nasce Paulo. Ela continua a escrever A Maçã no Escuro, em meio a conflitos domésticos e interiores. Mãe, Clarice Lispector divide seu tempo entre os filhos, A Maçã no Escuro, os contos de Laços de Família e a literatura infantil. O primeiro livro para crianças seria O Mistério do Coelhinho Pensante , uma exigência do filho Paulo. A obra ganharia o prêmio Calunga, em 67, da Campanha Nacional da Criança. Ela ainda escreveria três livros infantis: A Mulher que Matou os Peixes, A Vida Íntima de Laura e Quase de Verdade. Nos Estados Unidos, Clarice Lispector conhece Érico e Mafalda Veríssimo, dos quais torna-se grande amiga.

Veríssimo e família retornam ao Brasil em 56. Entre os escritores, inicia-se uma vasta correspondência. No primeiro semestre de 59, o casal Gurgel Valente decide-se pela separação. Clarice volta a morar no Rio de Janeiro, com os filhos. Sobre o "conciliar" casamento/literatura, afirmava que escrevia de qualquer maneira, mas o fato de cumprir o seu papel como mulher de diplomata sempre a enjoou muito.

Cumpria a obrigação. Nada além. Na volta ao país, mais um período de dificuldades afetivas e financeiras. Ela prefere a solidão ao círculo que tinha relação com o ex-marido.

O dinheiro que recebia como pensão não era suficiente, nem os recursos arrecadados com direitos autorais. Clarice retorna ao jornalismo. Escreve contos para revista Senhor, torna-se colunista do Correio da Manhã, em 59, e, no ano seguinte, começa a assinar a coluna Só para Mulheres, como "ghost writer" da atriz Ilka Soares no Diário da Noite. A atividade jornalística seria exercida até 1975. No final dos anos 60,

Clarice faz entrevistas para a revista Manchete. Entre 67 e 73 mantém uma crônica semanal no Jornal do Brasil, e, entre 75 e 77, realiza entrevistas para a Fatos & Fotos." Quanto a meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe.

Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias. Sei que um dia abrirão as asas para o vôo necessário, e eu ficarei sozinha. Quando eu ficar sozinha,
estarei seguindo o destino de todas as mulheres."



"Nasci para escrever. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que chamo de viver e escrever.", dizia ela apesar de não gostar de ter obrigação de escrever e sim escrever segundo suas vontades, que é o ideal.


"Em toda obra dessa grande escritora alguma coisa íntima está sempre queimando: suas luzes nos chegam variadas e exatas, mas são luzes de um incêndio que está sendo continuamente elaborado por trás de sua contenção. Esse fogo é o segredo íntimo e derradeiro de Clarice. É o seu segredo de mulher e de escritora." - Lúcio Cardoso.


A década de 60 principia com a publicação do livro de contos Laços de Família. Seguiriam-se as publicações de A Maçã no Escuro, em 61, livro que recebeu o Prêmio Carmen Dolores Barbosa, A Legião Estrangeira, em 62, e A Paixão Segundo G.H., em 64.

"Eu...é curioso, porque eu estava na pior das situações tanto sentimental como de família, tudo complicado, e escrevi A Paixão..., que não tem nada a ver com isso." - C. L..

Uma escultora de classe alta, que mora num apartamento de cobertura num edifício do Rio, resolve arrumar o quarto de empregada, cômodo que supõe, seja o mais sujo da casa, o que não é verdade. O quarto é claro e límpido. Entre várias experiências desmistificatórias, a crucial: abre a porta do guarda-roupa e se vê diante de uma barata.

"É, fugiu do controle quando...eu de repente percebi que a mulher de G.H. ia ter que comer o interior da barata. Eu estremeci. De susto!" - C. L. Embora afirme que o livro não tem nada de experiência pessoal, admite que a obra fugira do seu controle...
"Esse esforço que farei agora por deixar subir à tona um sentido, qualquer que seja, esse esforço seria facilitado se eu fingisse escrever para alguém.

Mas receio começar a compor para poder ser entendida pelo alguém imaginário, receio começar a "fazer" um sentido, com a mesma mansa loucura que até ontem era o meu modo sadio de caber no sistema. Terei de ter a coragem de usar um coração desprotegido e de ir falando para o nada e para o ninguém? - assim como uma criança pensa para o nada - e correr o risco de ser esmagada pelo acaso”

Paixão Segundo G.H. "É um romance com uma personagem de nome desconhecido, indiciado apenas pelas primeiras letras, e que, como freqüentemente acontece nos textos de Clarice, representa a questão do nomear e do percurso que se experimenta nessa procura do nome ou da própria identidade. Esse percurso doloroso e prazeroso, espécie de via sacra que se chama paixão, estende-se até um ponto máximo, na união temporária entre o eu e o outro. Apenas G.H., que conta a alguém o que lhe aconteceu no dia anterior, criando um
interlocutor imaginário como recurso que lhe dê coragem para fazer o relato." - Nádia Gotlib.


"É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção...porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?"
Entre 65 e 67, Clarice dedica-se à educação dos filhos e com a saúde de Pedro, que apresenta um quadro de esquizofrenia, exigindo cuidados especiais. Apesar de traduzida para diversos idiomas e da republicação de diversos livros, a situação econômica de Clarice é muito difícil. Em setembro de 67, acontece o acidente que deixa marcas no corpo e na alma da escritora - um incêndio no quarto que ela tenta apagar com as mãos. Fica gravemente ferida, passa 3 dias entre a vida e a morte. Três dias definidos por ela como "estar no inferno."
"A galinha olha o horizonte como se da linha do horizonte é que tivesse vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é tonta, desocupada e míope. Como poderia a galinha se entender, se ela é a contradição de um ovo?...E me faço rir no meu mistério. O meu mistério é que eu ser apenas um meio e não um fim tem me dado a mais maliciosa das liberdades. Não sou boba e aproveito, inclusive. Faço um mal aos outros que... francamente!" - C. L.


O Ovo e a Galinha Em 69, publica o romance Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres. Em 71, a coletânea de contos Felicidade Clandestina, volume que inclui O Ovo e a Galinha, escrito sob o impacto da morte do bandido Mineirinho, assassinado pela polícia com treze tiros, no Rio de Janeiro.
Os últimos anos de vida são de intensa produção: A Imitação da Rosa (contos) e Água Viva (ficção), em 1973; A Via Crucis do Corpo (contos) e Onde Estivestes de Noite, também contos, em 74. Visão do Esplendor (crônicas), em 75. Nesse ano, é convidada a participar, em Bogotá, do Congresso Mundial de Bruxaria. Sua participação limita-se à leitura do conto O Ovo e a Galinha. No ano seguinte, Clarice Lispector recebe o 1° prêmio do X Concurso Literário Nacional, pelo conjunto da obra.


"Ninguém me entendia. Agora me entendem. A que você atribui isso? Eu não sei... que eu saiba não fiz concessões."
"É a história de uma moça tão pobre que só comia cachorro- quente. Mas a história não é isso. A história é de uma inocência pisada, de uma miséria anônima. Eu morei no Nordeste... eu me criei no Nordeste e depois no Rio de Janeiro... tem uma feira dos nordestinos no campo de São Cristóvão, e uma vez eu fui lá. E peguei o ar meio perdido do nordestino no Rio de Janeiro. Daí começou a nascer a idéia. Depois eu fui a uma cartomante e imaginei as coisas boas que iam me acontecer. E imaginei, quando tomei o táxi de volta, que seria muito engraçado se um táxi me atropelasse e eu morresse, depois de ter ouvido todas essas coisas boas. Então daí foi nascendo também a trama da história." - C. L.


Em 77, concede entrevista à TV Cultura, com o compromisso de só ser transmitida após a sua morte. Ela antecipa a publicação de um novo livro, que viria a se chamar A Hora da Estrela, adaptado para o cinema nos anos 80 por Suzana Amaral.


"Me chamam de hermética. Como é que se pode ser popular, sendo hermética? Eu me compreendo. De modo que eu não sou hermética para mim"- C. L.


Clarice morre, no Rio, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário. Queria ser enterrada no Cemitério São João Batista, mas era judia. O enterro aconteceu no Cemitério Israelita do Caju. Postumamente, foram publicados Um Sopro de Vida, Para Não Esquecer e A Bela e a Fera.


Paixão Segundo G.H. "Uma personalidade lisérgica. Para ela se abriam as portas da percepção, de modo a transformar-se o mundo num espetáculo de vertiginosa complexidade, profundidade e vigor. Clarice via demais, e o sofrimento lhe brotava da crispação das suas retinas expostas às agulhas de luz que saltam do coração selvagem da vida... Vidente e visionária, Clarice era fustigada, crucificada pelo excesso de estímulos, conscientes e inconscientes, que tinha de domar." - Hélio Pelegrino.



“Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude... Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que eu não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.".



Trechos do programa "Índice Cultura - Editoria Especial" No programa, o áudio da entrevista concedida a Júlio Lerner, TV Cultura, 01.02.77 :


Lição de Filho


Recebi uma lição de um de meus filhos, antes dele fazer 14 anos. Haviam me telefonado avisando que uma moça que eu conheci ia tocar na televisão, transmitido pelo Ministério da Educação. Liguei a televisão, mas em grande dúvida.

Eu conhecera essa moça pessoalmente e ela era excessivamente suave, com voz de criança, e de um feminino-infantil. E eu me perguntava: terá ela força no piano? Eu a conhecera num momento muito importante: quando ela ia escolher a "camisola do dia" para o casamento. As perguntas que me fazia eram de uma franqueza ingênua que me surpreendia. Tocaria ela piano? Começou. E, Deus, ela possuía a força. Seu rosto era um outro, irreconhecível. Nos momentos de violência apertava violentamente os lábios. Nos instantes de doçura entreabria a boca, dando-se inteira. E suava, da testa escorria para o rosto o suor. De surpresa de descobrir uma alma insuspeita, fiquei com os olhos cheios de água, na verdade eu chorava.

Percebi que meu filho, quase uma criança, notara, expliquei: estou emocionada, vou tomar um calmante.

E ele:
-Você não sabe diferenciar emoção de nervosismo? Você está tendo uma emoção.

Entendi, aceitei, e disse-lhe:
-Não vou tomar nenhum calmante.

E vivi o que era para ser vivido.



Clarisse sempre dava ouvido aos filhos, e naquele momento reconheceu que ele melhor que ninguém estava correto. E seguiu seu conselho, se permitindo viver sem temer suas emoções.

A máquina do papai batia tac-tac... tac-tac-tac. O relógio acordou em tin-dlen sem poeira. O silêncio arrastou-se zzzzzzzz. O guarda-roupa dizia o quê? roupa-roupa-roupa. Não, não. Entre o relógio, a máquina e o silêncio havia uma orelha à escuta, grande, cor-de-rosa e morta [...]

Neste trecho de Perto do coração utiliza-se do recurso das figuras de linguagem, como a onomatopéia e ressonância, para se aproximar de efeitos reais e dar uma maior veracidade a imaginação ao lê-lo, mostra também a musicalidade da autora.
A Legião Estrangeira, coletânea de contos e crônicas publicada em 1964, é uma das obras marcantes de Clarice Lispector. O conto Uma amizade sincera, onde a juventude não permitia que ficassem quietos.

"Quem sou eu?" é um dos temas abordados no romance A hora da estrela, de Clarice Lispector. No filme A Hora da Estrela, (BRA, 1986, 96min), sob direção de Suzana Amaral e com Marcélia Cartaxo, José Dumont, Tamara Taxman no elenco a história é irônica a relação entre o título e a história de Macabéa. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante da glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes. Filmografia A Hora da Estrela.


. Ela fala que a precisão é o bom de cada um, com seu sentido sem explicação ou visível tecnicamente. Ela diz que a verdade chega como um sentido secreto das coisas, e que, assim, confusos adivinhamos a perfeição. Ou seja, sentimos a verdade, a perfeição que ela traduz e é:

Precisão
O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.



Obras da autora

Romances:
Perto do coração selvagem (1944);
O lustre (1946);
A cidade sitiada (1949);
A maçã no escuro (1961);
A paixão segundo G.H. (1964);
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969);
A hora da estrela (1977).

Contos e crônicas:
Laços de família (1960);
A legião estrangeira (1964);
Felicidade clandestina (1971);
A imitação da rosa (1973);
A via crucis do corpo (1974);
Para não esquecer.

Literatura infantil:
A bela e a fera (1979).

Prosa:
Alguns contos (1952);
A legião estrangeira (1964);
A paixão segundo G.H. (1964);
O mistério do coelho pensante (1967);
A mulher que matou os peixes (1969);
Água viva (1973);
A vida íntima de Laura (1973);
Onde estivestes de noite? (1974);
De corpo inteiro (1975);
Visão do esplendor (1975);

Obras editadas postumamente:
Para não esquecer (1978);
Quase de verdade (1978);
Um sopro de vida (1978);
A descoberta do mundo (1984);
Como nasceram as estrelas (1987).




Bibliografia

BORELLI, Olga. Clarice Lispector: Esboço para um possível retrato. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

BOSI, Alfredo. Clarice Lispector. In: História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1989.

GOTLIB, Nádia B. Clarice - uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.

GUIDIN, Márcia Lígia. A hora da estrela de Clarice Lispector. São Paulo: Ática, 1996. (Roteiro de Leitura).

LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 1985. (Série Princípios).

NOVELLO, Nicolino. O ato criador de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Presença/MinC/Pró-Memória/INL, 1987.

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.

WALDMAN, Berta. Clarice Lispector - A paixão segundo C. L. São Paulo: Escuta, 1992.
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