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Contos-->OS APITOS DO FOGUISTA -- 28/06/2006 - 20:51 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OS APITOS DO FOGUISTA


Fernando Zocca

1.

A Rede Federal de Ferrovias de Tupinambicas das Linhas (RFFTL), instalada numa região quase central da cidade proporcionava trabalho para muita gente, naquele tempo em que o automóvel não era assim tão acessível às camadas populares.
Antes da instalação das fábricas de carros no Brasil, o trem desempenhava o papel principal no transporte dos cidadãos e cargas. A Rede Federal de Ferrovias detinha o monopólio de tal atividade e por isso era muito rica.
Algumas pessoas mais idosas contavam que o ramal da ferrovia começou a ser instalado na cidade em 1845 pelo excelentíssimo senhor professor doutor Ph.D. Regente Feijão. Mas essa versão não era verdadeira. Se Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá iniciou a construção da primeira estrada de ferro que ia da Raiz da Serra à cidade de Petrópolis no Rio de Janeiro em 1854, como é que em 1845 poderia haver trem em Tupinambicas das Linhas? Ora veja!
Mas, nos velhos tempos, final da década de 1950, começo dos anos 60, mais ou menos em 62, quando a grande maioria da população pobre ainda não tinha acesso nem aos jornais, rádios, ou tevês, restavam poucas alternativas para o entretenimento. As comadres sentavam-se, ao cair da tarde, defronte suas casas, rodeadas pelas filhas e vizinhos. Os maridos iam para os bares onde além de "encher os potes" colocavam as ocorrências da redondeza em dia.
Numa certa ocasião Mário Tonel, o foguista da estrada de ferro, vindo do trabalho, ao chegar à esquina, perto da sua casa, emitiu dois silvos longos e um curto. Ele tinha os lábios finos que facilitavam a emissão de assovios agudos.
Quando abriu, por fora, com uma dedada, o portão de madeira, fazendo cair a tramela que o mantinha fechado, repetiu a sonorização. Os filhos que na cozinha conversavam com a mãe, alegraram-se ao ver o pai.
Diante da família, Tonel repetiu os sibilos descarregando os petrechos que trazia às costas.

2.

No dia seguinte, ao raiar do dia, à saída para o trabalho, Tonel abraçou sua namorada eterna. Já no portão ele se despediu da esposa, com palavras carinhosas. Depois de um beijo com o qual selou a partida, o foguista caminhou levando às costas um saco contendo a marmita e algumas roupas. Ao dobrar a esquina assoviou novamente soltando os dois silvos longos e um curto.
Lucélia e Rosana, filhas do Tonel ainda deitadas nas camas, sob as cobertas quentes, se lembraram vividamente da figura do papai querido. Oh, sim!
Decorreram quase duas horas após a saída do foguista.
Quando a balduína puxando seus cinco vagões e fazendo tremer o solo chegou a uma distância de 200 metros da casa, ouviu-se dois apitos longos e um curto.
Daquele dia em diante, ao passar próximo da morada, indo ou voltando das suas viagens, Mário Tonel acionava o apito com o qual era lembrado.
Na locomotiva Tonel sempre foi o responsável pela manutenção da fornalha acesa. Ele pegava as toras de eucalipto do depósito e as lançava no fogo, mantendo vivas as labaredas aquecedoras da caldeira.
A pior revolta do Tonel era suscitada quando o maquinista, enraivecido o chamava de preguiçoso. Mário constrangido, pôde ouvir numa viagem para S. Tupinambos que o fogo que ele produzia na Maria-fumaça era pequeno. O maquinista dissera: "Fogo baixo não esquenta a caldeira!"
A função da estrada de ferro era tão vital e importante para a sociedade daquele tempo que existiam até empresas especializadas em promover a produção e manutenção dos bens utilizados naquela atividade de transportar. Por exemplo: o reflorestamento das grandes áreas desmatadas, usando o eucalipto era ação praticada por pessoas que, digamos, tinham certa visão das cadeias de produção dos bens de consumo.
Soube-se de um sujeito que por conhecer profundamente as correntes de produção (aprendeu com alguns bofetes que a vida lhe deu), tornou-se prefeito da cidade. Ele amealhou fortuna jamais vista em muitas gerações passadas da sua família.
Além das empresas especializadas em produzir lenha, haviam empreedimentos hábeis em caldeiras, caldeirarias e assim por diante.

3.

As linhas da estrada de ferro passavam por regiões densamente povoadas da cidade. Não era incomum a ocorrência de acidentes envolvendo pessoas, carroças, carros e caminhões.
Tonel e mais alguns trabalhadores da Rede Federal de Ferrovias viviam seus momentos de lazer nos bares da cidade repondo os líquidos evaporados pelo calor excessivo.
As estatísticas diziam que 90% dos desastres envolvendo o trem, carros, carroças e caminhões se davam nas circunstâncias em que o maquinista e o foguista estavam bêbados.
Foi por isso que alguns políticos da cidade, em campanha às vésperas das eleições de 1970, prometeram desativar o ramal existente na região.
Formou-se uma polêmica fortíssima. Os astutos que se propunham a impedir a extinção da Rede Federal na urbe ganharam a simpatia do eleitorado com o apoio da maioria dos integrantes da seita maligna do pavão-louco.
Esses tais homens foram eleitos e colheram fortunas imensas durante todo o tempo em quer permaneceram na administração pública. Alguns chegaram a comprar usinas de açúcar e construir fábrica de maionese com o dinheiro do povo.
Mas apesar de tudo, da luta incansável, o ramal da ferrovia foi desativado por decisão administrativa fundada em sentença do poder judiciário, em 11 de março de 1.974.
Atualmente a vovó Bim Latem, Narcíseo M. Artelo, Luísa Fernanda, Rosana e Lucélia Tonel, filhas do Tonel, continuam disseminando a discórdia na cidade, mesmo depois de passado tanto tempo.
Dizem que Mário Tonel teria participado da morte de um motorista de caminhão em Linhares no Espírito Santo. Sabe-se que ele (o foguista) era daqueles que confundia aceita com a seita, silvo com Silvio, e que por isso mesmo, não se podia duvidar de tal hipótese.
Bim Latem hoje é a chefe de gabinete do Jarbas o caquético testudo, prefeito eleito de Tupinambicas das Linhas.
Narcíseo M. Artelo que por muito tempo foi diretor-presidente de um núcleo da seita maligna do pavão-louco, nos dias atuais, está aposentado e é visto, com freqüência, no bar Eflúvios da tia Lucy Nada.
As fofoqueiras do quarteirão garantem que ele usa pantufas verdes, calça meias grossas por cima da erisipela, e alivia as feridas do braço com cuspe.
As senhoras Rosana e Lucélia Tonel, filhas do Mário Tonel, que sãs confundem "Que Mauá?" com "Que mal há?" possuem cada uma um aparelho onde promovem reuniões dos integrantes da seita maligna do pavão-louco.
Uma das atividades preferidas das excêntricas é encaminhar, por meio das sugestões, muitos jovens ingênuos às atividades relacionadas com as caldeiras. Os tanques evocam nas pamonhas a figura do pai insensato, pinguço e abandonador.
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