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Contos-->Hipoxifilia? -- 13/07/2006 - 17:16 (Dôra Penna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sumiu.
Da escola ligaram avisando que as crianças já esperavam há mais de uma hora. Isto nunca havia acontecido. O pai correu para lá, entre aborrecido e preocupado. Veio a noite, a madrugada, e nada. Não estava em casa de conhecidos nem de parentes. O comércio já fechara. Mistério...
Amanheceu.
Os quase nove mil moradores da cidade tinham um único assunto – o desaparecimento. Ninguém tinha conhecimento do paradeiro, mas todo mundo tinha alguma suposição: amnésia, seqüestro, queda em ribanceira, até abdução. Também se falava em fuga amorosa. Mas com quem? Ninguém mais sumira! Só se fosse com algum forasteiro. Mas recentemente nenhum havia sido visto na cidade. Forasteira sim, lembrou alguém. Fora vista à beira da estrada. Não seria ela? Não podia ser, ela é ruiva, e a outra tinha cabelos pretos, curtos.
Que merda! Delegado em fim de carreira, tinha pedido transferência para lá, para descansar. E não tinha feito outra coisa até então. De repente, isto!
Fui falar com o marido.
Qual foi a última vez que a viu? De manhã cedo, na hora do café. O que ela estava fazendo? Devia estar arrumando a cozinha. Devia?! É o que sempre faz a essa hora. Notou algo estranho? Não. Estava triste, aborrecida? Não, por que estaria?! Sei lá, o senhor é quem deve saber, é o marido! Pois não sei de nada, quer dizer, não notei nada. Para mim, estava tudo normal. Como é que ela estava vestida? Hum... não me lembro. E do que o senhor se lembra? De que eu estava com pressa, estava em cima da hora, como sempre. Como vê, estava tudo dentro da normalidade. Posso falar com as crianças? Crianças! Venham cá, rápido! Quando foi a última vez que viram sua mãe? Quando deixou a gente na escola. Como é que estava vestida? Não lembro. E você, lembra? Também não. E vocês lembram se ela estava triste, aborrecida? Tava normal. E o que é normal? Ora, normal é normal. Estava triste ou alegre? Triste. Mas você não disse que ela estava normal? Disse. Mas agora está dizendo que ela estava triste. Mas ela tá sempre triste, ela quase não ri. Que bobagem, menino! Sua mãe ri sim! Eu quase nunca vejo, pai. Obrigado, crianças. Agora vão lá pra fora, que eu tenho que continuar a conversa com seu pai. O senhor tem uma foto dela? Aqui está. Continua igual à foto? Ora, é a foto dela! Os óculos são os mesmos, ainda usa? Usa, não enxerga um palmo sem eles. Como pode ver, são fundo de garrafa. Está mais magra ou continua cheinha? Continua gorda. E o cabelo? O que tem o cabelo? Continua comprido, está mais curto...? Hum... acho que está a mesma coisa. Acha?! É, eu não sou de reparar nessas coisas. Ela tem um olhar triste, não é? Triste?! Não sei... nunca reparei. Vou ficar com esta foto, pra distribuir cópias nas cidades vizinhas. Bem, e o que ela faz normalmente? Arruma a casa, lava, passa, cozinha, cuida das crianças, essas coisas. É uma mãe dedicada e uma excelente dona-de-casa. Tive muita sorte! E lazer? Ela tem algum, não tem? Bem... ela vê televisão o dia inteiro. O dia inteiro?! É, quando está fazendo o serviço da casa, a tevê fica ligada o tempo todo. Gasto uma nota com a conta de luz. E esse é o único divertimento dela? Ah! Como pude esquecer! O computador! À noite não sai da frente do computador. Fica lá, trancada, até de madrugada. Já me aborreci muito com isso, mas depois larguei pra lá. É até bom. Assim, eu posso ver o futebol na televisão, em paz. E o que ela faz no computador? Entra muito na internet? Pelo que eu pago de conta de telefone, deve entrar sim. Deve entrar?! O senhor nunca viu? Eu já disse que ela fica trancada! E o que mais o senhor sabe sobre a sua esposa, além de que ela lava, passa, cozinha e dá despesa? Hum... e tem mais alguma coisa pra saber?! Não sei, o marido é o senhor! Pois não lembro de mais nada, que seja significativo, é claro! Bem, se por acaso lembrar de algo, significativo, me procure. Até outra hora!
A chave tinha que estar lá, no computador! Só que eu não entendia bulhufas disso. Tive que mandar para um especialista na capital.
Alô! E aí, meu chapa? Já conseguiu entrar naquele computador? É um processo demorado, seu delegado, mas acabo conseguindo. Então, me liga logo que tiver novidade, viu? Tá certo, deixa comigo.
Enquanto aguardava, consegui arrancar mais algumas informações do marido. Com o casamento e a mudança para aquela pequena cidade no outro extremo do país, ela aproveitara para cortar de vez o vínculo com o único parente vivo mais próximo – o pai. Teve o cuidado de não deixar rastros de seu paradeiro, e só voltou a ter notícias dele pelos jornais, quando foi morto durante um motim na penitenciária em que cumpria pena. Nessas ocasiões, os criminosos aproveitam para limpar o mundo daqueles que consideram piores que eles – os estupradores, principalmente os de crianças.
Alô! Delegado, acabei! Já era tempo! E então, descobriu alguma coisa? Acho que tudo, ou quase.
Fui correndo para lá.
Desembucha logo, cara! Olha, essa mulher é da pá virada... Por quê?! Ela tava procurando desesperadamente na internet nada mais nada menos que um parceiro sexual. É mesmo?! Mas não um parceiro qualquer, não. Um que fosse, digamos, chegado a uma hipoxifilia. E o que é isso? Nunca ouvi falar! Talvez não tenha ouvido falar no nome, mas no que ele significa com certeza sim. Fala logo, cara, deixa de suspense! É um tipo de perversão sexual em que se tenta chegar ao máximo de excitação pela privação de oxigênio: ou usando um saco plástico amarrado sobre a cabeça, ou por alguma forma de estrangulamento, que era justamente a que ela preferia. É uma prática que, além de estranha, é muitíssimo perigosa, pois a pessoa fica no limiar, entre a vida e a morte, e um pouquinho que ultrapasse... Eu li que só nos Estados Unidos de quinhentas a mil pessoas morrem por ano praticando esse sexo, digamos, radical. Nossa! Que mulher maluca! Maluca e tarada! E com aquela cara, quem diria?! Pois é, quem vê cara... E ela achou um parceiro? Depois de sondar mais de trinta, dois toparam. Um deles mora a mais de seiscentos quilômetros de lá e o outro, a apenas sessenta, e foi com este que ela marcou um encontro, depois de trocarem vários e-mails picantes, em que ele descrevia, com detalhes, o que iria fazer com ela quando se encontrassem. Era cada perversidade... E pra quando ela marcou esse encontro? Pro dia seis, o dia em que desapareceu! Marcou de chegar lá uma hora após deixar as crianças na escola. Disse pra ele que ia pegar o ônibus na estrada e que ia usar óculos escuros e uma peruca preta, curta, pra não ser reconhecida. A forasteira! Como vê, tudo vai se encaixando. E o endereço? Conseguiu descobrir? Está aqui.
Fui para lá correndo.
No local, fora da cidade, em uma casa velha, capturei o sujeito, sem problemas. Por ter sido pego de surpresa, nem reagiu. Infelizmente, enterrado no quintal, encontramos o corpo dela... e os restos mortais de mais cinco mulheres.
Para os que o conheciam, o sujeito era inteligente, simpático, educado e muito sedutor. Para nós que o interrogamos, era totalmente frio, calculista, cínico, e não estava nem aí para o que tinha feito. Para os especialistas que o examinaram, era detentor de uma personalidade psicopática clássica, do tipo cruel, agravada por problemas de ordem sexual com raízes na infância e no relacionamento com a mãe. Para as suas vítimas, talvez tenha chegado a ser um pouco de tudo isso, só Deus sabe...
No caso da última, o legista constatou que morrera estrangulada sim, mas por trás e com a ajuda de um fio. Concluiu que deve ter sido pega de surpresa e que talvez tenha levado alguns segundos para se dar conta do que estava acontecendo. Que pela hora calculada, o crime deve ter ocorrido pouco depois dela ter chegado lá. E que não tinha havido nenhum tipo de tortura nem penetração. Enfim... nada do que ele havia prometido!

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