Há dias o observa. Sua janela e seus olhos não conseguem abrir-se em outra direção. Como é possível? Ele continua na mesma posição, sugerindo estar alheio a tudo e a todos.
Os dias se alternam, sem deixar vida e cor, enquanto João Pedro, seu único filho, aparenta se deleitar na mais pura letargia.
Cabisbaixo, múltiplos pensamentos serpenteiam por sua cabeça. Um emaranhado de sentimentos emerge de seu coração. Nada se exterioriza.
Seus olhos perdem-se nas montanhas e nas escuras águas do lago.
Por diversas vezes pequenos peixes mordem a isca. Apenas a vara se mexe. O estado de torpor em que se encontra impede-lhe qualquer reação.
Tão-somente seu corpo ocupa aquele espaço. Sua alma se contorce, seu espírito, discretamente observa. Torce para que aquela luta insana tenha um final feliz.
O lago se transforma em prata, o céu em pequenos pontos luminosos. Nem mesmo um pranto surge do nada.
A vida teima em percorrer os diversos sulcos que permeiam aquele corpo. E ela não desiste, insiste. Vai e vem na proporção que suas forças lhe permitem.
Chega o momento em que a luz entrega os pontos. Principia por esconder-se sobre repentinas e densas nuvens.
A escuridão monopoliza toda a natureza e a coloca sob sua sombra.
As raízes lucram com o momento. Vão mais fundo. Retiram todos os nutrientes das profundezas da terra. Alimentam o corpo que sustentam.
O silêncio toma posse dessa obscuridade. Abre campo para a sua própria música. As notas revelam-se celestiais e penetram mansamente naquele coração.
A apatia começa por tirar as vestes que encobrem tantas inquietações. Os batimentos e os movimentos cardíacos daquele corpo viril retomam o ritmo de forma sutil.
A cor volta-lhe ao rosto e afasta a expressão da dor.
Advém o despertar das trevas, o resgate de sua própria imagem e de tudo que o cerca. A verdade é desvelada e um novo traçado emerge para sua biografia.
Sua mãe encosta a janela e eleva o olhar serenado em direção ao céu. Abre as duas folhas da porta e o acolhe em silêncio. Um outro filho acaba de nascer.