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Contos-->CONTOS NORDESTINOS-1 -- 28/07/2006 - 21:13 (Eduardo MAMCASZ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Contos Nordestinhos – 01

QUE NEM NA ÍNDIA

FISSURAS DA GASTRONOMIA NORDESTINA


Praia. Água de coco. Nele, a cachaça Pitu. Alguns amendoins cozidos. Com casca. Queijo de coalho ao carvão em brasa. Na lata! Caldinho de feijão com todos os ingredientes imaginários : torresmo, carne-de-sol frita após ter sido milimétricamente cortada. O mesmo com a cebola, o tomate e o coentro . Fixe bem os detalhes na mente porque eles serão imprescindíveis no desenrolar desta prosa tão amena quanto o sol de maio na terra de onde os holandeses foram expulsos por um bando de botocudos incentivados pelos portugas.

Antes de dar linha à pipa me reservei o direito a outra porção de macaxeira frita que me encontrou deitado eternamente no berço esplêndido da areia do Pontal dos Carneiros, Pernambuco. A maniva me olhou sorridente e por isso dei início a um rápido relacionamento sexual, embora a morena estivesse encharcada em óleo que, ao ser comida, transmitiu-me uma forte lembrança de peixe já passado das eras em que era chamado de fresco.

- Tudo bem, Florzinha, deve ser óleo de baleia - cutucou-me a previdente amante, refastelada no oposto sempre vigilante. Então segui em frente porque sou bom de boca nos instrumentos corpóreos circundantes, desde que relacionados às páginas ímpares do vetusto Kamasutra.

E assim, sem sermos notificados, transcorreu a manhã na candura dos acepipes nordestinhos e, portanto, nem sempre higiênicos. Banhei-me depois no cheiro da pousada em cima da praia postada e deixei Florzinha à cama, onde adormecera candidamente, após renhida luta contra a dita maniva. Mais tarde, quando me retirei da rede, à varanda, quatro da tarde, o sol se afastava de manso por entre as nuvens e sombras nascidas das folhas baloiçantes do coqueiral. Antes, depositei no bilhete um amontoado de letras que, reajuntadas no carinho, pretendiam transmitir apenas um fato:
- Florzinha. Fui ao mercado. Já volto. Um beijo agora e outro na volta, junto com a lua. Florzão.



Pé-ante-pé, resvalei-me em direção à varanda saliente do quarto da pousada no rés da grama situada, peitoril à média altura. Meio metro adiante, observei a fileira de plantas espinhosas com pequenas flores rubras e a classifiquei de barreira leve para minha rotina atleticana. Preparei-me para o silente salto duplo, deixada a chave no lado interno da porta de entrada mas eis que, no repente, fui interrompido pelo primeiro grito de Montezuma, na forma de uma obtusa pontada lá dentro do estômago saciado por folclóricas iguarias nordestinhas longe dos olhos preparadas.

Pé-pós-pé, recorri ao percurso original, repassei pela santa em posição nem tanta, passei a mão no papel com o amoroso bilhete, adentrei o banheiro, fechei a porta, isolei a propagação de ruídos e odores – tudo nem tão rápido nem muito menos lento – levantei a tampa a tempo do assento, assuntei e . . .


- Preparar !

- Apontar !

- Fogo ! ! !



O resultado, lamento o desalento desta prosa em curso, foi muito aquém do esperado, mas o fato é que me senti liberado para uma nova mini-corrida com barreiras leves. Avancei, escrevi um novo bilhete, pulei resoluto, resvalei pela grama macia e, finalmente, segui meu caminho em paz à procura de palavras novas para este mesmo conto. Admoesto o impaciente observador que censure comentários tipo “mas que conversa mais sem graça” porque ela está só começando e “pela estrada a fora eu fui bem sozinho, buscar água para a vovozinha”.

Em dois mil metros de caminhada, adentrei por ruelas de areia com água suja e gente que nunca mais se verá limpa e alcancei o Supermercado Verdes Mares, sito à Avenida J.Bezerra Sobrinho, no centro de Tamandaré, Pernambuco, Brasil, o maior país da América Latrina. Tirei do bolso os pedidos manuscritos, com atenção ao barril de água mineral pois a do hotel passou a custar um real e meio a garrafinha com 200 mililitros, atingindo,portanto, o meu saco limite.


No interior do mercado, passei para o setor localizado nos fundos, pouco iluminado, onde me encantei pela morena graciosa e, principalmente, pelo queijo manteiga que noutras praias é chamado do sertão, bem amarelinho. Quando me animei a comentar que ele se parecia com a bronzeada nascença da atendente chamada Leididai, observei no estômago, abaixo do umbigo – o meu – a segunda pontada de advertência. De imediato afastei dos pensamentos toda vontade obscena.

*

- Só pode ser praga da Florzinha – pensei no ato ao que ouvi, de imediato, no responsório do dito inconsciente:

- Lembra-te, Flor! Qual Pedro, aquele do J.Cristo, antes que me traias, ainda que só uma vez, mesmo que no pensamento, ao terceiro sinal te cagarás todinho e cobrirás teus pés da mais fedida merda!


*

Finji que a conversa não era comigo , coloquei no carrinho a água cinco litros e, por via das dúvidas, acrescentei sete maças rosadinhas e umas três fruta-de-conde molinha-molinha, quase se desmanchando. Fui ao caixa onde a fila se arrastava que nem procissão de São José das Botas, padroeiro da cidade com 1.225 votantes. A caixa era outra moreninha com cara de pitomba lambida que, safada, sorriu para mim que fingi que nem senti. Paguei. Saí pela diagonal da pracinha, cortando caminho nos desvios das poças arenosas. Devido aos pré-avisos, preferi avançar cuidadoso, não diria no pé-ante-pé com que comecei esta conversa, mas, de qualquer maneira, com as antenas muito bem ligadas.

Alcancei normalmente e sem qualquer percalço a praia central de Tamandaré, na altura da decadente Casa dos Arcos, e passei batido pelos quiosques enfarofados. Prudentemente, segui adiante pelo caminho entre a areia branca e a água verdíssima que leva ao Pontal dos Carneiros, mas não chegarei a tanto. Moradores passaram por mim, meninos e suas bolas, pescadores e seus baldes de plástico cheios de água e “comidinhas”, que são pequenos peixes que servirão de isca para atrair os maiores para o mesmo destino, ou seja, a saída no final do intestino delgado do humano. E tudo indica que terminaremos esta prosa sem percalços. “Deus queira”-implorei a São Pedro que levasse meu pedido adiante.

Meia dúzia de jangadas me distraíram porque estavam no mesmo local onde, por suas cordas de amarração tinha sido cortada a cabeça do filho de um empresário recifense, no que não me delonguei no pensamento porque a curva se desfizera e surgiu o primeiro sinal da Vila Marinha : a janela azul do primeiro chalé colado à praia, a varanda, a rede branca e, nela, aos amores idílicos e prolongados, as duas “pessoas” que se registraram como sendo “mulheres de Portugal” – uma branca e a outra, baiana gorda, de quem eu havia rido, no café da manhã, por conta do relato que ela fazia, ao celular, das manchas roxas que tinham surgido pelo corpo, dia anterior, na praia, em função do ataque de um bando de safadas abelhas africanas.

Diante dos fatos acima expostos, estou quase à chegança da inicial e leve barreira da varanda da pousada e por isso dei-me ao luxo de sorver as lembranças detalhadas das duas “pessoas” na rede instaladas e que não me tinham visto passar. Foi quando estendi minha malícia à força total e comemorei discretamente o ter sobrevivido a duas pontadas bem no interno do estômago. Trezentos metros adiante, Pedro Pescador em sua igreja me enaltecia o quão sábio eu tinha sido em não ter traído Florzinha por três vezes, em tão pouco tempo e num espaço limitado de gente interessante. Inclusive, avancei um pouco na safadeza, ou seja, do que tinha me safado, e cutuquei :


- Pô, Pedro, tinhas que negar o Cristo por três vezes? Por que não o traíste, pobre pescador, por duas, que nem eu, que estou aqui todo por inteiro, lampeiro e faceiro.

Então me saiu da pousada uma hóspede sereia com a seiva de caju latente nos fios da pele rósea das coxas à mostra, do joelho ao púbis angelical, que veio desfilando em minha direção onde teria que passar pela calçada estreita, esbarrando em minha vontade reprimida. Larguei São Pedro com Judas, esqueci das duas “pessoas” enroladas na rede e preparei um olhar mas tão do desatento, tão do desatento de tudo que não senti nadinha de nada daquela terceira e derradeira pontada. Acabei dando por ela tarde demais, quando seus ecos chegaram justo à parte extremada do meu pós-delgado, na confluência da última “prega” da tripa, ou pior, na porta de saída do dito cujo, a partir de onde nossos mais íntimos podres ganham a liberdade.


- Que vexame, Florzinha!


A sereia com seiva de caju acelerou o passo em minha direção. Estático, desorientado, com os meus pés literalmente preparados para receber a mais fedida merda, deixei cair na areia o pacote com as maçãs rosadinhas. O estalo do garrafão de cinco litros, embora de plástico, de água cheia, na areia, chamou a atenção da tão premente aproximante. Tracei uma reza forte, num milésimo de segundo, e a dirigi a São Pedro – o velho traidor. Então, o milagre aconteceu : fui salvo pela primeira espuma da maré crescente justo no instante em que o forte líquido, expelido a jato do meu mais íntimo, alcançou a curva descendente do meu tornozelo em flor.

- Gu-te Na-cht , soletrou a sereia berlinense a um palmo da minha cintura deprimida. Chiquérrima, não triscou a ponta do narizinho encantador e muito menos fez questão de imobilizar um olhar em meus contidos ais. No mesmo delicioso ritmo ela se foi , mar a dentro. O que me consolou foi a imagem da luz da lua cheia a lhe abrir caminho. Uma verdadeira sereia, rainha do mar, salve, salve minha Iemanjá, que sejas a toda poderosa do Pólo Norte. A ti confiei, além do meu sorriso amarelo, a mais portentosa das promessas :


- Jamais vou trair a Florzinha pela terceira vez .

Apanhei de volta o garrafão de água mineral, larguei de lado a maçã, dei adeus à sandália que tanto se afeiçoara a meus humilhados pés e me senti descompromissado, de vez, para libertar todo o fétido, escuro e aquoso elemento que dentro de mim se ocultara. Dei plena vazão ao que passou totalmente apercebido, pelo menos no trecho entre o cós da bermuda esverdeada, junto ao joelho, e o retorno ao pó da terra, quer dizer, da areia onde jazerá para sempre. Só então me arrastei, no mais profundo desalento, até o peitoril da varanda do quarto número quatro da pousada de onde tinha saído, todo confiante, no começo desta nossa sempre espontânea conversa que, infelizmente, está necessitada de uma finalização a contento desta parte mais sofrida.

Ao me aproximar da varanda vi a luz, senti o aroma do banho tomado, o hálito do creme a evaporar pelos poros da pele amorenada porque novamente se fez presente a figura da companhia estável, há um quarto de século, imutável na forma de uma bela figura feminina, sentada à poltrona, degustando serenamente a página 386 de “Quando Nietzsche chorou”, na parte em que doutor Breuer abriu as mãos, com as palmas para cima, e confessou :

“ - Não tenho mais nada a esconder.

- Seus motivos! Tudo isso...essa trama, esse proceder tortuoso,o tempo consumido, a energia. Por que fez isso? Por que chegou a concordar em se envolver? ”

- Flor!

- Que foi, Florzinha?

- Abra a porta que eu preciso entrar.

- Entre pela varanda do jeito que você saiu ... pule a cerca.

- Não posso!

- POR QUE ?



*

MORAL DA CONVERSA


“Com Mulher não se deve discutir detalhes íntimos da vida de Homem.”


*





THE END DESTA PARTE UM.





Eduardo Mamcasz
Poeta Quase-Zen
Pernambuco-2006

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