Usina de Letras
Usina de Letras
89 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62182 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Antonietta -- 28/07/2006 - 21:32 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Antonietta


Heleida Nobrega, 2004



Antonietta, uma jovem de quase 21 anos, estatura pequena, porte altivo, cabelos sobre a nuca, costumava dizer que os cabelos soltos perturbavam sua concentração. Morava em uma fazenda com os pais, onde desde cedo desenvolveu a arte pela música. O piano, seu preferido. Todos os sábados, ao cair da tarde, fazia um pequeno recital para as crianças da redondeza. Impossível não se apaixonar por essa visão.

Era primavera de 1779, quando o amor por Antonietta e pela música se entrelaçaram de tal forma que acabaram por se transformar numa só coisa. Casaram-se no outono com as folhas voejando sobre seus sonhos.

Romão trabalhava na cidade. Uma casa branca com jardineira ao pé da janela, o novo cenário que acolheu esse amor. Antonietta continuou com o seu ritual: crianças e jovens dos quarteirões mais próximos passaram a dividir com ela os sábados, o piano, a música. Tanto ela quanto Romão eram filhos únicos e sabiam o teor das notas musicais que evocavam o cântico da solidão. Desejavam construir uma grande família. Muitos filhos trariam alegria, sol e inspiração. Assim dizia Antonietta com certa freqüência.

No entanto, não era esse o desenho que seu destino havia previsto. Após dois anos de casados, dia a dia sua saúde tornava-se mais frágil. Seus pulmões pareciam não dar conta do ar que queria tanto usufruir para transformá-lo em energia. Sua esperança não esmorecia. Necessitava dela para os pequenos recitais em sua sala. Carecia dos jovens ao seu redor. Precisava dividir sua música, os únicos momentos em que não sentia aquele ‘frio’ que lhe invadia a alma.

Os dias pareciam evaporar como gotas d’água sob forte calor. Nada poderia contê-los. Entregou a Romão um pequeno embrulho, um presente, disse-lhe. Sabia que sua hora de partir estava próxima. Assim, despediu-se da vida e de Romão.

Romão, jamais quis saber o conteúdo daquele pacote. Tal presente significava nada mais que a morte de sua musa. Por anos conviveu com esse misterioso embrulho sem tocá-lo.

Agora que a vida também começava a lhe escapar decidiu pedir ao seu fiel Pai José, para trazer-lhe. Estava solitário, no armário.

- Sim senhor, respondeu receoso o negro senhor de cabelos brancos encaracolados.

Finalmente a caixinha de música pôde sair do casulo e mostrar sua beleza. Um soluço quase imperceptível se fez presente na cena. Emocionou o velho Pai José. Romão acabara de ler a inscrição: ”Devo partir, mas nossa música ficará para sempre.”

Com muito esforço abriu a delicada caixa e uma música celestial tomou conta daquele ambiente nu e melancólico. Romão ouviu sua própria música, a mesma que por anos e anos havia tentado compor para sua amada esposa. Agora, ela estava ali, concluída. E era exatamente a melodia que há poucos dias tinha sido cantarolada pela jovem casada recentemente que vivia debruçada sobre a janela do casarão vizinho.

Soube naquele momento, que aquela jovem havia sido uma das freqüentes ouvintes dos recitais que Antonietta costumava produzir. Contudo, nunca havia apreendido em Antonietta, a alma de compositora. Romão sentiu uma forte dor no peito. A música ainda ecoava no quarto quando deu o último suspiro.

O velho escravo acompanhou o patrãozinho ao cemitério e rezou. Rezou muito por sua alma.

Limpou o túmulo que agora guardava o amor dos dois e colocou flores sobre ele. Lustrou as letras douradas que há anos ali brilhavam: ”Para minha adorável e inspiradora musa.”

Enxugou suas lágrimas. Deixou para trás a lápide, artefato de sua própria vida.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui