FOLHA DE AMOR
Receosa de que sua mãe a abandone como o pai o fez , quando se separaram há três anos, Zazita mergulha nas profundas águas salgadas de sua tristeza.
Pela primeira vez, permite que a avó sente-se na beirada de sua cama e a envolva com a manta xadrez, como uma balinha enrolada (como ela costumava fazer quando sua mãe era pequena).
Acariciando suas mãos, a avó conta-lhe uma história:
“Quando eu era ainda menina, caminhava com meu irmão pelo campo quando avistamos um enorme formigueiro. Observamos bem de perto o quanto as formigas eram organizadas. Não paravam de carregar coisas. Uma infinidade delas. Uma atrás da outra...
Seguimos atentamente a fina e negra trilha que formavam sobre a terra carregando cada qual o seu peso nas costas.
Eu estava admirada pelo esforço que elas faziam para levar uma simples e pequena folha para dentro do formigueiro.
Enquanto me concentrava no que via e fantasiava o mundo de dentro do formigueiro, meu irmão chutou fortemente a montanha fofa de terra vermelha.
Vi sua grosseira botina ficar sem cor, tal a covardia. Tudo desmoronou numa fração de segundos.
Não existia mais nenhuma trilha organizada. As minúsculas formigas estavam espalhadas, desnorteadas, sem referência, sem caminho a seguir.
Naquele exato momento compreendi o significado do desmoronamento de uma casa, de uma família. Tanto trabalho para nada.
Fiquei inconformada com a maldade do meu irmão.
Quando retornei àquele campo, após meses, meu pai assinalou o novo formigueiro que havia se formado no mesmo lugar.
Foi assim que aprendi, que aconteça o que acontecer, existe uma força interior desmedida em cada ser criado neste mundo - o impulso - que o faz levantar-se do chão para começar tudo de novo.
Enquanto a neta, receosa do descaso, chorava por uma perda imaginada, conforme lhe surpreendera o pai, docemente, sua avó completou:
- “É o que a sua mãe arrisca fazer. A cada novo dia ela espera o sol nascer, joga no lixo uma folha de dor, junta mais uma folha de amor e a traz para dentro de casa. É desta forma que pretende recuperar sua auto-estima, o equilíbrio da família. Você, minha neta, é o centro de tudo, a melhor parte, a jóia mais preciosa que seu pai deixou, quando partiu.”
Duas grossas lágrimas, as últimas daquela noite, caíram sobre a manta e o macio lençol de algodão, antes que oferecesse o rosto e um abraço para receber o afetuoso beijo da avó.
Na manhã seguinte Zazita acorda com o barulho dos pingos de chuva ainda batendo na vidraça. Coloca os óculos e vê claramente: não são lamentos, são cristais do céu. Tudo brilha lá fora com os reflexos multicores.
Heleida Nobrega Metello, 2005
|