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Erotico-->Clicktoris.com -- 29/11/2001 - 22:07 (Edson Marques) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje fui à casa dela e encontrei seu pai, um homem simples, simpático, me tratou carinhosamente. Tem uma barbearia. Conversou comigo, sorriu pra mim, parecendo agradecido. Mas se soubesse as coisas que fazemos — eu e sua filhinha —, ele provavelmente me expulsaria de lá. Mas, se soubesse, mesmo, o que eu e Silene estamos fazendo há mais de uma semana.; se pudesse saber, mesmo, o tamanho do amor puro que sinto por ela.; se soubesse, mesmo, o quanto sua filha é respeitada por mim, em todos os sentidos — me agradeceria mil vezes por segundo. Se o pobre homem soubesse, por exemplo, que a vida sexual da sua filha era um deserto antes de mim.; que ela ainda não havia sido amada de forma alguma.; que eu a transformo de mulher em musa, diariamente.; se soubesse quem sou realmente — esse homem simples, religioso, me recomendaria a Deus, e talvez até colocasse uma pequena estátua minha no oratório do seu quarto, para venerar-me todo dia.

Santo Edson!

E eu agora o respeito como se já soubesse quem sou. Lembro-me do olhar bondoso que me deu quando fui vê-la, e ela não estava. Simulei que fora entregar um envelope, duas ou três folhas dentro, poemas que escrevi. Para ele, importantes documentos talvez. Dirigi-me àquele homem com meu olhar ressabiado, confuso, e ele devolveu-me um olhar terno, fraterno, quase angelical.
Fiquei pensando.
Que é com o dinheirinho ganho ali, honestamente, manuseando pentes, escovas e tesouras, que foi comprada aquela camiseta branca de malha que ela ontem usava — e que molhei com saliva na altura dos seios para que os mamilos saltassem. Foi com o esforço de pai que sua mãe comprou aquela calcinha de algodão, macia, fofinha, azul, que ontem tirei puxando-a com meus dentes de amante. Silene senta-se talvez naquela cadeira ali, ao lado da mesa que vejo através da janela, para tomar café com leite toda manhã, pão com manteiga passada por suave mão de mãe. Foi com o amor desse homem que se fez essa musa há mais ou menos dezessete anos.

Por isso, só posso mesmo amá-la tanto.

É para mim uma honra, Silene, poder te amar da forma como te amo hoje. Tanto, que você não sabe. Nem sabe esse homem tão puro, teu pai, de quem não sei ainda sequer o nome. Então, numa tarde de sol, vou me sentar na velha cadeira azul do seu salão, e pedir-lhe, "por favor", que me raspe a barba rala e cinza de dois dias, essa amanhecida e poética barba de cafajeste.
Vou olhar-me bem de frente naquele espelho oxidado, cheio de manchas nos cantos, e que tem moldura de madeira comida por anos e cupins. Vou olhar-me firme no espelho, e supor-me um deus arrependido.
(Arrependido — mas sincero.)
Enquanto afia a navalha na tira de couro pendurada no braço de ferro da cadeira Ferrante, vou esboçar um sorriso ao canalha que pareço que sou, lá no espelho — e respirar fundo. (Sinto-me Sófocles com dor de barriga: “A justiça é às vezes inoportuna...”) E quando estiver com meu rosto cheio de creme, branco como palhaço húngaro em corda bamba.; quando ele levantar a navalha com sua mão direita, naquele gesto delicado e profissional de um homem honrado que sabe o que faz.; quando colocar o indicador de sua mão esquerda no meu queixo para esticar um pouco a pele bronzeada — quando for este preciso momento, vou lhe dizer, com poesia, com cuidado:
— Senhor, fui eu que tirei a virgindade da sua filha...
Sei que vai parar seu gesto ao meio.
Ficarei imóvel também, aguardando a decisão da suprema corte que lhe habita o coração.
(Que lhe agita o coração.)
Mil dragões e anjos em luta no labirinto em que sua cabeça se transforma. Verei no espelho o movimento da sua garganta engolindo em seco alguma coisa. Vou ver tudo o que for possível ser visto no instante que pode ser último. Tentarei ver o brilho suspenso da velha navalha refletido no espelho, como farol de uma ilha perdida orien-tando náufragos de um amor que sobe à tona.
E continuo:
— Foi ontem, Senhor, no luar prateado de ontem à noite, as estrelas por testemunhas — foi ontem que amei sua filha Silene...
(Esse, o momento!)
Esse é o absoluto momento que eu quero viver.
O fio da navalha!
Um momento em que minha vida estará pulsando nas mãos indecisas de outra pessoa, nas mãos desse homem que é o pai da inocente futura mulher que eu hoje mais amo no mundo. E que talvez não compreenda essa minha atitude.
— Por que você diz isso agora? — perguntará.
— Para se fazer justiça, meu senhor.
E ele ali, meio perplexo, a navalha meio cega suspensa por meus olhos, seu indicador apontando um lugar imaginário no meu queixo branco de espuma, a jugular clamando gumes.
Um mosquito pousa na minha testa.
O vento balança um bilhetinho pregado com durex na moldura do espelho.
Um cachorro late lá na esquina.
Uma criança passa correndo atrás de um gato.
Vejo que a navalha não tem fio: tem uma linha de raciocínio. Respiro cuidadoso, como Bergman em noite de verão me dirigindo. Crepitam gravetos e coivaras no meu peito. O pulmão direito agora muda de lugar e o esquerdo se tranforma em suspirante coração.
Continuo dizendo, calmo:
— Ontem à noite Silene não foi à escola: fomos à minha casa. Ela aceitou meu convite pra jantar. Tomamos vinho, olhamos a lua, ouvimos música, dançamos...
Em voz baixa, vou lhe dando mais detalhes.
(Conto tudo.)
É um duelo informal de cavalheiros: eu entro com a história — ele, com o silêncio. Eu entro com a garganta e as emoções — ele, com a faca e o risco. Eu entro com a dor, ele, com a filha.
Sinto que me olha sem piscar.
Mudo.
Minhas mãos pousadas no descanso da cadeira.
Esse é o momento.
(Vai ser assim!)

Porque o Paraíso não pode ser lugar de gente morta.

Há que ter risco.

— Risco, navalha, tempo, garganta, mulher, emoção.

Tudo por um fio...

Mas agora uma garrafa de vinho pela metade, rosa vermelha ansiosa por mim, três ou quatro velas azuis em castiçais de prata espalhados pela sala, uma penumbra gostosa onde sombras delicadas dançam por si mesmas, o Bolero de Ravel crescendo em todos os sentidos no meu peito apaixonado, uma brisa noturna e encantada entrando pelas portas e janelas. Mistérios no ar, desejos, também. Às vezes, silêncio: e Ravel retorna.

Espero uma das outras minhas amadas. Se ela chega, agradeço a Deus por ter chegado, e nos amamos da forma mais gostosa. E se não chega, agradeço a Deus por não ter vindo, e continuo a me amar da mesma forma. Não faz diferença se danço com você, ou se sozinho: amo as duas coisas, e a dança sempre acontece primeiro dentro de mim. No fundo, sempre agradeço a Deus por você vir, e agradeço mais ainda se você some por uns tempos. Quando você desaparece, meu amor, o espaço que você deixa é enorme: e então procuro ocupá-lo de modo diferente, pois cabem dez outras dentro dele...

Olho para meu corpo como se (me) olhasse a própria Natureza. Um pedaço dela — o mais importante, concluo. Quando passo as mãos em mim, é como estivesse refinando uma escultura, cobrindo-a de amor e ternura.

Eu, meu alimento!


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