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Contos-->História vivida e contada -- 04/08/2006 - 19:18 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Maria Lívia, por muitos meses, percorre serviços de saúde da cidade em busca de um diagnóstico. Enfrenta incontáveis filas e consultas médicas. Apenas conjecturas... nenhuma definição.

As manchas já se alastram e causam-lhe estranheza a aparência do seu corpo. As dores açoitam-lhe as pernas e braços. Sente-se exaurida. O marido a observa num silêncio agressivo. Declara explicitamente o desejo de não tocá-la.

Após inúmeras investidas, chegou o dia em que o médico de um convênio conclui de forma implacável:

-“Você tem uma doença que ‘atinge’ a pele e os nervos. Em seguida disse o nome dessa doença mal vista desde o início dos tempos... Por esta razão, surgiram as manchas. E como o diagnóstico demorou a ser feito, a doença polarizou e trouxe-lhe como conseqüência, as dores que sente agora.

A medida que ele fala Maria Lívia procura em seus olhos a feição da compaixão. Depara-se com um discurso médico, desapreço e repulsa nos interstícios das palavras. Necessita de um prognóstico. Qual a probabilidade de cura? Inúmeras expectativas permanecem soltas, sem amarras. Mas, sem respostas, é encaminhada para um serviço se saúde.

De volta à sua casa, incrédulo, o marido ignora o diagnóstico que lhe é apresentado. Num acesso de fúria, sem nenhuma complacência, aponta sua suspeita: AIDS! Não perde tempo com qualquer detalhe. Deixa a casa, a família. Nunca mais retorna.

(continuação: “História Vivida E Contada”)

Maria Lívia sai em busca do aconchego da sua família. Cai no vazio. Nenhuma demonstração de carinho ou solidariedade. O distanciamento registra ali, de forma significativa, o ‘medo’ da proximidade. O lastro, os laços, o amor, a consideração mencionam cada qual a sua maneira o tipo de fragilidade a que estão expostos.

O estigma, o preconceito, a discriminação fixam indelevelmente seus limites. Ganham a primeira batalha.

Neste tempo toma conhecimento de que o risco de transmissão da sua doença é praticamente nulo após início do tratamento. No entanto,
como poderia ter prevenido qualquer contato anterior, se ela própria desconhecia o mal que tinha?

Maria Lívia vê-se absolutamente só. A noite, única testemunha de seu desalento não tem hora para acabar. Apenas os três filhos permanecem por perto.

A depressão avança. Enfraquece sua alma, corrói lentamente seu espírito. Os filhos, temerosos por perdê-la, clamam por uma reação.
Não pôde render-se à vontade do seu corpo. Tampouco ignorar o apelo. Representam o alimento para o seu fortalecimento. O seu único tesouro.

Malgrado a resistência, o tratamento desta ‘malfadada’ doença tem início. Hanseníase – assim os profissionais da saúde a designam. Uma doença que tem cura, dizem eles. Pouco a pouco Maria Lívia aprende a conviver com a sua mazela.

Por vezes, a depressão a pressiona. Deseja ser sua companheira inseparável. Porém, dia a dia ela se torna mais forte.

A médica, a assistente social e a psicóloga passam a representar um valoroso trio nesse enfrentamento.

(continuação: História Vivida e Contada)

Maria Lívia restringe consideravelmente suas relações e atividades. Raras são as pessoas com as quais divide o ‘segredo’. Sua casa, o serviço de saúde e a Igreja transformam-se em seu ‘pequeno mundo’.

Como proposta terapêutica, através de projeto social, desponta a possibilidade de pintura em tela. Um sonho que há tempos acompanha seus passos.

Finalmente chega o tão esperado dia: Maria Lívia vê-se frente a tela e o pincel. Joga todas as cores. Desbota algumas, reforça outras. Deposita infindáveis emoções na branca e engomada trama. O pincel permite-lhe a retomada dos seus movimentos. As cores aquecem a sua alma. Fazem renascer a ‘vida’ extirpada tão grosseiramente.

De forma suave e gradativa tudo começa a voltar às suas mãos. Ela segue seu caminho. ‘Adapta-se’ à dor e ao preconceito. Não faz deles seus parceiros. Mostra determinação em querer ser ‘IGUAL’. Prossegue as aulas de pintura. Comercializa seus quadros. Retoma as atividades sociais. Inicia relacionamento amoroso participando inclusive da vida familiar do companheiro. Envolve-se em reuniões da comunidade onde reside, discursa sobre o tema Hanseníase, acoplando inclusive, o caminho que percorreu e ainda percorre... para enfrentar o revés que o destino lhe impôs.

Passa a expor sua vida como exemplo de luta e determinação. Abre seu coração para o mundo e vai viver de um outro jeito. De um jeito feliz...


OBS: Publicação autorizada pelo personagem que viveu a história acima retratada O que não foi dito e não foi escrito, foi sentido. E o que foi sentido consta no silêncio dentre uma e outra linha... Sua única exigência: seu nome verdadeiro - Maria Lívia - deveria estar na história. Ela é a história...





* Projeto social coordenado pela Divisão Técnica de Hanseníase da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo em parceria com a Fundação Paulista Contra a Hanseníase, ONG que o financia.
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