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Artigos-->A Defensora do Cinema Nacional -- 15/10/2002 - 01:34 (Abilio Terra Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Olá!



Achei essa entrevista tão interessante, feita por Marcelo Lyra com Assunção Hernandes, publicada na Revista de Cinema no. 30, de outubro/2002 (por sinal, uma excelente revista sobre cinema, com ótima qualidade), que a extrai do site www.revistadecinema.com.br, e a estou repassando para os colegas e leitores da Usina.

Vale a pena ler sobre o trabalho idealista e produtivo de Assunção Hernandes em defesa do cinema nacional, e de como é preciso enfrentar de frente o cinema norte-americano e criar soluções criativas para a sobrevivência e expansão do nosso cinema, como outros países já o fizeram, como, por exemplo, França e Espanha.







Entrevista - Assunção Hernandes



Por Marcelo Lyra



A defensora do cinema nacional





O cinema brasileiro tem um grande aliado. Uma mulher: Assunção Hernandes, produtora de mais de 20 filmes, presidente do CBC (Congresso Brasileiro de Cinema), que ajudou a criar, e do SICESP, o Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo. Mais do que isso, à frente do CBC ela é uma batalhadora pela dignidade do produto nacional, mesmo que para isso tenha que lutar contra os interesses dos filmes americanos que dominam as salas do país e de boa parte do mundo, estagnando os mercados que têm condições de crescer, como o do Brasil.



Sua atuação nos bastidores tem sido importante para semear as bases de uma indústria cinematográfica, que se pretende criar no Brasil. A ponta mais visível dessa atuação é sua decisiva participação nos congressos de cinema, que frutificaram na Agência Nacional de Cinema (Ancine). Embora seja beneficiária desse processo, Assunção é respeitada pelos colegas por sempre defender os interesses da categoria. “A profissão de produtor e toda a atividade cinematográfica só vão consolidar-se quando tivermos uma indústria de cinema que tenha uma produção regular”, afirma ela. Em 1974 ela fundou a produtora Raiz Filmes, com o cineasta João Batista de Andrade, e foi a produtora de todos os seus filmes.



Além dos filmes de João Batista, Assunção lançou e continua lançando novos diretores. Guilherme de Almeida Prado, Djalma Limonge Batista, Alain Fresnot, Suzana Amaral, entre outros, tiveram seus primeiros longas produzidos pela Raiz. Além de estar com um filme nas telas, “Uma Vida em Segredo”, segundo filme de Suzana Amaral, acaba de filmar um infantil, “A Ilha do Terrível Rapaterra”, de Ariane Porto, em finalização; tem pronto “Rua Seis, sem Número”, de João Batista; prepara-se para rodar mais um filme, “De Passagem”, de Ricardo Elias; e irá rodar no ano que vem “Veias e Vinhos”, 13o filme de João Batista.



Curiosamente, Assunção entrou para o cinema quase por acaso. Socióloga e assistente social, ela foi colega de faculdade de nomes de destaque no cenário político, como Ruth Cardoso, Francisco Weffort e Luiza Erundina. Desde essa época, sempre foi militante e, graças à sua atuação na antiga UEE (União Estadual dos Estudantes), acabou responsável pela produção dos filmes. “Quando a UEE quis produzir documentários, procurava uma pessoa que fosse organizada o suficiente para fazer a coisa funcionar. Foi então que alguém sugeriu meu nome e a maioria topou”, lembra. Atuando na produção de um documentário da UEE, ela conheceu um jovem estudante de engenharia que chegou à diretoria da entidade, mas que queria mesmo era tornar-se diretor de cinema, chamado João Batista de Andrade. Em pouco tempo estavam namorando e casaram-se em 1964. A parceria foi bastante produtiva. São dois filhos, oito filmes, e outros tantos documentários.



Nessa entrevista à Revista de CINEMA, Assunção fala da carreira, da militância e da luta desigual que é produzir cinema no Brasil, e principalmente da morte do amigo pessoal Vladimir Herzog (Vlado), covardemente torturado pela ditadura militar, e que deverá ser objeto de um documentário da Raiz Filmes.



Revista de CINEMA – Como surgiu a Raiz Filmes?

Assunção – Foi em 1975, quando um amigo, Anthony de Cristo, assumiu a direção da Cetesb e queria fazer alguns documentários ecológicos. Fizemos os filmes “Tietê, um Rio Morre na Cidade” e “Rio Paraíba”. Iríamos fazer um chamado “Represa Billings”, mas a direção seria de Vladimir Herzog, que morreu assassinado pouco depois.











“O Homem que Virou Suco”: segunda adaptação

de Assunção para João Batista de Andrade,

com quem fundou a Raiz Filmes em 1974

Revista de CINEMA – Vocês eram muito amigos?

Assunção – Sim, nossos filhos cresceram juntos. Sua morte foi uma história horrível. Era um grande jornalista e uma pessoa maravilhosa. Ele apresentou-se voluntariamente ao Dops. Lembro como se fosse hoje. Era um sábado de manhã. À noite veio a notícia de que ele tinha morrido. O pior foi dar a notícia à sua mulher, Clarice (nesse momento, os olhos de Assunção enchem-se de lágrimas). Ainda hoje me emociono ao lembrar isso.



Revista de CINEMA – Por que ele foi morto?

Assunção – Ele era um importante diretor da TV Cultura e os militares queriam provar que a emissora estava nas mãos de comunistas. Eles o forçaram a assinar um papel admitindo que tinha ligações com comunistas e, depois de assinar, ele rasgou o papel. Os policiais ficaram irritados e começaram a espancá-lo. Vários presos contaram que ouviam seus gritos.



Revista de CINEMA – O João Batista de Andrade queria filmar a história no fim dos anos 80. Por que não foi feito?

Assunção – Com a chegada do Collor ao poder ficou muito difícil fazer cinema. O projeto ficou arquivado. Mas nós estamos retomando esse projeto. O roteiro já estava pronto. Quero fazer um filme de ficção, mas o João acha melhor fazer um documentário.



Revista de CINEMA – Qual foi o primeiro filme importante da Raiz?

Assunção – Foi “Doramundo”, que ganhou prêmios de filme, direção e fotografia em Gramado. O curioso é que filmamos nas condições mais adversas. A câmera estava caindo aos pedaços. As locações foram em Paranapiacaba (cidade ferroviária próxima a São Paulo), mas não havia hotel nem lugar para hospedar a equipe. Na última hora alguém sugeriu que usássemos vagões-leito. Até caixas d’água tivemos que adaptar neles.



Revista de CINEMA – Por que é tão difícil fazer cinema no Brasil?

Assunção – Há muitos fatores, mas o principal deles é a postura monopolista do cinema americano, que não admite concorrência. Eles não querem apenas ser os mais fortes e importantes. Querem o total domínio do mercado. Em recente entrevista, o Jack Valente, da MPA americana, foi perguntado sobre o que achava de seu país controlar mais de 80% do mercado mundial, e ele respondeu que seu objetivo era chegar a 100%. Com esse tipo de mentalidade, não há o que conversar. Veja o que aconteceu com o cinema italiano. Já foi um dos mais importantes do mundo e hoje praticamente morreu. É preciso resistir, e o governo tem que participar.



Revista de CINEMA – Por que o cinema brasileiro dava muito mais público nos anos 80 do que hoje?

Assunção – Porque antigamente havia mais salas de exibição. As salas de rua tinham ingressos mais baratos, o que tornava o cinema mais popular. Hoje, com os cinemas nos shoppings, há uma elitização do cinema, que está restrito às classes A e B da população. Essa classe média gosta mais das coisas que são de fora. Prefere carros importados, aparelhos eletrônicos importados, e pensa o mesmo em relação ao cinema.



Revista de CINEMA – A indústria de Hollywood conseguiu difundir uma idéia de que nosso cinema não é bom?

Assunção – Sim, mas isso não aconteceu por acaso. São anos comprando parte da imprensa e difundindo isso. Imagine que recentemente, quando precisamos mudar de sala, estava procurando um novo escritório para a Raiz. Quando eu disse ao corretor que era para uma produtora de cinema brasileiro, ele afirmou: “Mas o cinema brasileiro só faz pornochanchada”. Aí perguntei a ele quais filmes brasileiros ele tinha visto, quando havia ido ao cinema ver um filme brasileiro, e ele não soube responder. A cabeça das pessoas é trabalhada pela imprensa, que por sua vez é trabalhada pelas grandes distribuidoras.



Revista de CINEMA – Dá para mudar isso?

Assunção – Dá, mas é um processo demorado. À medida que o cinema brasileiro vai sendo valorizado lá fora, com as indicações para o Oscar e os prêmios em festivais internacionais, vamos acabar sendo reconhecidos aqui, e essas pessoas irão perceber que temos um cinema de qualidade.



Revista de CINEMA – Mas pela boa audiência que dão na TV, é de se pensar que as classes C e D gostam do cinema nacional.

Assunção – Claro que gostam. E não é só na TV. Quando fizemos o Cinema Para Todos, que levava filmes brasileiros para exibições públicas em praças, elas ficavam lotadas. O que eu mais ouvia era gente dizendo coisas como ‘Que bom poder ver nossas histórias no cinema’. No entanto, essas pessoas não têm mais acesso ao cinema. Isso é um crime. Há inúmeros canais de TV comunitários que fazem sucesso mostrando coisas locais. O povo está interessado em se ver na TV. A maior prova disso é o sucesso que as novelas da Globo fazem.





“A Dama do Cine Shangai”, de Guilherme

de Almeida Prado, um dos filmes

co-produzidos por Assunção

Revista de CINEMA – O preço dos ingressos está muito caro e ajuda a afastar o público?

Assunção – Nosso poder aquisitivo é muito baixo e isso faz com que um mercado enorme de público esteja à margem do cinema. É preciso pensar em salas populares e outras alternativas. O Brasil tem mais de cinco mil municípios. Há muito mercado para um cinema popular. Para nós não interessam apenas os shoppings. Queremos atingir o grande público. O cinema era uma arte popular. Hoje não é mais. A televisão é a arte popular de hoje.



Revista de CINEMA – O curioso é que nem o cinema americano está interessado em atingir esses cinco mil municípios.

Assunção – Claro que não. Eles querem fazer 600 cópias e invadir os shoppings, cobrar ingressos caros e ter um retorno rápido. Essas pessoas não estão interessadas em cultura. Querem ganhar dinheiro. Do ponto de vista deles, eles estão certos. Cabe a nós, diretores e produtores, impedir que eles ditem as regras e imponham a sua cultura.



Revista de CINEMA – Em janeiro, a Rede Globo promove a semana do cinema brasileiro, e a maioria dos filmes dá de lavada na concorrência. Apesar disso, a maioria das emissoras não se interessa por nossos filmes. Em rede nacional, apenas a TV Bandeirantes exibe filmes brasileiros às segundas-feiras. No SBT, Record ou Rede TV!, nem pensar. Por que isso acontece?

Assunção – Não há um interesse. As emissoras precisam entender que elas são uma concessão pública e precisam exibir o produto nacional. Imagine se numa rodovia privatizada os donos da concessão decidissem quais os carros que iriam passar. Isso não existe. No entanto é o que acontece com nosso cinema. A concessão é pública, mas o filme brasileiro não pode passar. A TV deveria ser parceira do cinema. É preciso democratizar a televisão, senão, nunca teremos democracia.



Revista de CINEMA – Que modelo você considera ideal para a participação da TV no cinema?

Assunção – Bom, o Brasil é um país muito especial, com características próprias. Não é possível copiar um modelo do exterior e implantá-lo aqui. O ideal é estudar os modelos bem sucedidos lá fora e fazer adaptações que os tornem capazes de funcionar aqui. Eu gosto muito do modelo francês. Veja o sucesso dos filmes franceses. Eles chegam a ocupar 50% das salas. Pense na economia de divisas, na geração de empregos e na auto-estima que isso traz para o país. Lá as TVs são obrigadas a investir uma pequena parcela de seu faturamento na co-produção de filmes. Fazendo assim, elas acabam divulgando os filmes e comprometendo-se depois a exibi-los na TV. O modelo espanhol também é interessante. Lá as TVs investem 3% do faturamento em co-produções, com resultados excelentes para as duas partes. Precisamos encontrar o nosso modelo.









Marcélia Cartaxo, em cena de

“A Hora da Estrela”, filme de

Suzana Amaral

Revista de CINEMA – Com sua produtora, a Raiz, consolidada, você hoje deve receber dezenas de pedidos de produção, dezenas de roteiros devem ser oferecidos. Como você faz para selecionar? Qual o critério para um roteiro ser aceito?

Assunção – Não há uma regra. Vamos mais pelo feeling. Claro, é preciso que haja uma identificação com o projeto. Por exemplo, “A Hora da Estrela”. Quando a Suzana Amaral me trouxe o roteiro, eu tinha lido o livro há pouco tempo e lembrava que minha primeira impressão fora de que se tratava de uma história impossível de ser filmada. Aí ela disse que queria filmar, que tinha uma boa idéia para o roteiro. Eu dei o roteiro para três pessoas da minha confiança e os três me desaconselharam. Teve uma que disse: “Cai fora que é fria”.



Revista de CINEMA – Mesmo assim você decidiu produzir?

Assunção – Pois é, alguma coisa me dizia que eu deveria fazer. O engraçado é que, quando enviamos o projeto à Embrafilme, eles também o enviaram a três consultores, que deram pareceres com muitas críticas, sugerindo várias mudanças. Quando vi, chamei a Suzana e falei: “Não tem jeito, vamos mudar tudo e fazer como eles querem.” Aí mandamos o projeto com as mudanças e eles aceitaram. Quando começamos a filmar, chamei a Suzana e disse: “Agora vamos rasgar esses pareceres e retornar ao projeto que tínhamos planejado inicialmente”. O resultado foi o filme que se viu e que ganhou tantos prêmios.



Revista de CINEMA – A censura perseguiu muitos de seus filmes. “Doramundo”, por exemplo, foi um sucesso de público, mas teve problemas com a censura. Como foi?

Assunção – É que a história tratava de misteriosos assassinatos e pessoas que desapareciam. Os censores logo acharam que nós estávamos nos referindo à repressão da ditadura. Mas era um absurdo, pois o livro de Geraldo Ferraz foi escrito antes da ditadura se instalar no Brasil. Conseguimos liberar o filme sem cortes, mas eles sempre sabotavam as exibições no exterior, por achar que ele denegria a imagem do Brasil. Eles retinham o filme na alfândega e depois enviavam para outro país. Quando fomos convidados para o Festival de Paris, mandaram o filme para a Espanha.



Revista de CINEMA – Qual foi o filme mais difícil, em termos de censura?

Assunção – Foi “A Próxima Vítima”. Tivemos nove cortes, o que prejudicou o filme.



Revista de CINEMA – O sucesso de “Doramundo” abriu as portas para o próximo filme?

Assunção – Não. “O Homem que Virou Suco” foi difícil de produzir. Tivemos que filmar em 16mm, mas depois não tínhamos dinheiro para ampliar para 35mm. O filme foi exibido em poucos cinemas, ninguém queria saber da história. Foi um fracasso. A seguir, ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Moscou e foi notícia em todos os jornais. No dia seguinte, a situação se inverteu. Todos os exibidores queriam ter o filme e fizemos grande sucesso de público.



Revista de CINEMA – A Raiz não pára. Além de estar com um filme nas telas, “Uma Vida em Segredo”, acaba de filmar um infantil, “A Ilha do Terrível Rapaterra”, que está em fase de finalização; tem pronto “Rua Seis, sem Número”; prepara-se para rodar mais um filme, “De Passagem”, de Ricardo Elias; e irá rodar no ano que vem “Veias e Vinhos”, do João Batista. Para você o cinema passa longe da crise?

Assunção – Para quem vê de fora, pode parecer. Mas não é fácil obter recursos. Como a Raiz está sempre em atividade e já tem um nome conhecido, vários filmes premiados, isso facilita um pouco.



Revista de CINEMA – Está mais fácil captar recursos hoje do que há, por exemplo, cinco anos, quando a produção brasileira estava no auge?

Assunção – Captar recursos nunca foi fácil, mas já esteve melhor. Essas crises, quedas de bolsa, alta do dólar, etc., afastam os investidores. Mas o cinema brasileiro está de pé. O importante é que o produtor saiba se adaptar às mudanças, adequando-se às dificuldades. Só assim dá para sobreviver a esses momentos de crise. Precisamos resolver problemas crônicos de distribuição e ocupação de salas, mas o principal é que estamos conseguindo fazer cinema. Acho que no ano que vem a coisa vai melhorar, com a entrada em cena da Agência de Cinema.









Lima Duarte, em “A Ilha do Terrível Raspaterra”,

de Ariane Porto: Assunção lançando mais uma

diretora. O filme está em fase de finalização

Revista de CINEMA – Por que a maioria das empresas que investem em cinema brasileiro são estatais?

Assunção – Eu acho que as estatais têm mais clara a importância de se ter uma identidade nacional. A Petrobras, por exemplo, que é a empresa que mais investe em cinema, tem um histórico de luta pela nacionalização. A Petrobras só é hoje uma grande empresa porque, no passado, houve a campanha “O petróleo é nosso”, ou antes, porque gente como Monteiro Lobato acreditou que seria possível encontrar petróleo no Brasil, quando os americanos diziam que era impossível. Para isso, muita gente acreditou, saiu na rua, enfrentou repressão, e até apanhou. Uma empresa que pertence ao povo tem mais interesse em incentivar nossa cultura. Mas há muita empresa privada investindo também. Basta ver a Metal Leve, a Abrinq, e tantas outras.



Revista de CINEMA – O investimento, baseado nas leis de incentivo, não implica risco algum. O dinheiro que a empresa coloca no cinema é o mesmo que ela iria gastar pagando imposto. Além disso, sem gasto algum, ela verá sua marca em filmes e, se esse filme for um sucesso, passar de 300 mil espectadores, o lucro com a bilheteria irá para seus cofres. Ou seja, o risco é ganhar dinheiro. Mesmo assim, poucas empresas privadas se interessam. Por quê?

Assunção – Acho que é mais por preguiça. Essas empresas não têm uma organização tão grande a ponto de olhar para esses detalhes. Além disso, elas já têm tantos problemas... Vivem às voltas com a reforma tributária, com crises e tudo o mais, e esse tipo de engajamento seria mais um problema. Some-se a isso uma falta de visão do empresário brasileiro. O empresário americano entende melhor que o cinema é uma arte que dita comportamento, estimula consumo e vende produtos.



Revista de CINEMA – Você tem produzido tanto para estreantes quanto para veteranos como Suzana Amaral. Qual preocupa mais?

Assunção – A preocupação é sempre a mesma. No caso dos estreantes, o Ricardo Elias estagiou na Raiz e tenho muita confiança em seu trabalho. Ao mesmo tempo, há diretores que sempre me interessam e que eu sempre vou querer produzir, como o Guilherme de Almeida Prado, a Suzana...



Revista de CINEMA – Você esteve envolvida na produção de um festival de cinema em São Sebastião, o Ecocine, que aconteceu em setembro. Ele não é apenas mais um num calendário já sobrecarregado? Além disso, houve tempo em que você era contra o excesso de festivais. O que mudou?

Assunção – Eu mudei. Acho que, na atual conjuntura, de cinemas fechando e ingressos caros, esses eventos acabam sendo uma rara chance de divulgar o audiovisual brasileiro. Eles movimentam a cidade, levam as pessoas a discutir nosso cinema, e sempre há chances de fazer oficinas e estimular a atividade cinematográfica. São coisas a que essas cidades jamais teriam acesso. Os festivais deixam muitas raízes na cidade. Decidi que, de agora em diante, onde houver interesse em fazer um festival, eu irei.



Revista de CINEMA – Por que em São Sebastião?

Assunção – “A Ilha do Terrível Rapaterra” foi filmado lá. Durante a preparação, algumas pessoas da cidade souberam que nós organizamos o Fica, em Goiás (Festival Internacional de Cinema Ambiental) e mandaram pessoas lá para conhecer. Elas voltaram empolgadas e o prefeito decidiu que São Sebastião poderia abrigar um evento assim.





Marco Ricca, em “Rua Seis, sem Número”, de

João Batista de Andrade: lançamento para 2003

Revista de CINEMA – Qual é a idéia de “A Ilha do Terrível Rapaterra”?

Assunção – É um filme infantil, com uma preocupação ambiental. É a história de um grupo de crianças caiçaras, que estudam em uma escola. Todo ano existe uma gincana e, nessa, o desafio é encontrar a maior contadora de histórias do mundo, que mora na mata Atlântica. O Rapaterra é o vilão, feito por Lima Duarte, que quer devastar a floresta. Ele prendeu a contadora de histórias, porque quer que as lendas da floresta sejam esquecidas, as pessoas não fiquem mais ligadas à terra, e ele possa destruir tudo sem problemas.



Revista de CINEMA – É uma história com crianças e apelo ecológico. Você segue a trilha aberta pelo sucesso de “Tainá”?

Assunção – Nosso projeto já estava pronto antes que nós soubéssemos do “Tainá”. Ficamos três anos só captando recursos e, antes disso, pelo menos um ano e meio tratando roteiro. Claro que o sucesso de “Tainá” nos deixa mais animados, mas não quer dizer que estejamos indo atrás. O que eu acho é que o mercado infantil precisa de produções que respeitem a inteligência das crianças. Além disso, é um público que me agrada muito, porque eles serão o público do cinema brasileiro de amanhã. Se eles já crescerem gostando do nosso cinema, será mais fácil que eles assistam aos filmes depois de grandes.



Revista de CINEMA – Por que duas pessoas assinam a direção?

Assunção – A direção é de Ariane Porto e Teresa Aguiar, que são estreantes em longa. A Teresa cuidou mais da preparação dos atores, enquanto a Ariane ficou com a direção geral.



Revista de CINEMA – Como foi fazer um filme quase que só com crianças?

Assunção – Eu nunca tinha trabalhado antes com crianças, e já estava preparada para gastar muito mais com negativos, achando que muitas cenas teriam de ser repetidas várias vezes. Eram cinco crianças com idades entre 10 e 13 anos, sem experiência, que ficavam quase o tempo inteiro na tela. Mas foi uma surpresa. As crianças se saíram bem. A Teresa trabalhou dois meses com elas e o resultado foi muito bom. O filme está iniciando a montagem e deverá estrear em abril do ano que vem.



Revista de CINEMA – No filme “Rua Seis, sem Número”, feito com apoio do programa de incentivo a filmes de baixo orçamento, do Ministério da Cultura, João Batista de Andrade preferiu filmar em digital. O MinC apoiou 11 filmes naquele primeiro programa. Segundo as finalizadoras, nove filmes pediram orçamento para filmar em digital, mas a maioria desistiu quando viu que a vantagem financeira era muito pequena. Apenas vocês e o gaúcho Jorge Furtado, com “Houve uma Vez Dois Verões”, filmaram em digital. Furtado disse que optou por que usaria atores amadores e teria que fazer muitos takes. E vocês, por que usaram digital?

Assunção – Porque o destino do cinema é migrar para o digital. O João tem um interesse especial, porque ele está decidido a implantar um núcleo de cinema no Centro-Oeste e o baixo custo que o equipamento digital requer é muito importante naquela região. Ele queria muito experimentar o equipamento, a textura, e resolveu captar as imagens em digital, até por uma questão de aprendizado. Ele ficou muito satisfeito com o resultado e deverá voltar ao formato mais para frente. Mas seu próximo filme, “Veias e Vinhos”, será captado em 35mm.



Revista de CINEMA – Em relação à exibição, o que precisa mudar?

Assunção – Muita coisa. O cinema brasileiro não pode ter o mesmo tratamento do de Hollywood. Não dá para colocar o filme numa sala e já querer tirar na semana seguinte. As grandes distribuidoras, hoje, só querem pegar o pico da rentabilidade. Nosso filme precisa de um tratamento diferenciado, pois nunca vamos ter o volume de verbas para a divulgação que eles têm. É preciso dar uma chance de o filme ter uma divulgação boca a boca. Uma coisa que não pode acontecer é um título americano chegar aqui com 600 cópias e ocupar quase um terço de todas as salas de exibição, derrubando quase todos os filmes que estavam em cartaz. Não há cinema nacional que resista a essa invasão dos bárbaros.







Filmografia



(1977) “Doramundo”, de João Batista de Andrade

(1979) “O Homem que Virou Suco”, de João Batista de Andrade

(1983) “A Próxima Vítima”, de João Batista de Andrade

(1984) “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral

(1985) “Céu Aberto”, de João Batista de Andrade

(1985) “Brasa Adormecida”, de Djalma Limonge Batista

(1987) “O País dos Tenentes”, de João Batista de Andrade

(1987) “A Dama do Cine Shanghai”, de Guilherme de A.Prado

(1988) “Lua Cheia”, de Alain Fresnot

(1988) “Presença de Marisa”, de John Doo

(1989) “Real Desejo”, de Augusto Sevá

(1990) “Solo de Violino”, de Monique Rutler

(1991) “El Viaje”, de Fernando Solanas

(1992) “Perfume de Gardênia”, de Guilherme de Almeida Prado

(1996) “O Cego que Gritava Luz”, de João Batista de Andrade

(1999) “O Tronco”, de João Batista de Andrade

(2000) “Eu Não Conhecia Tururu”, de Florinda Bolkan

(2000) “Uma Vida em Segredo”, de Suzana Amaral

(2001) “Rua Seis, sem Número”, de João Batista de Andrade

(2002) “A Ilha do Terrível Rapaterra”, de Ariane Porto







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