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Cronicas-->Fome -- 06/07/2004 - 21:52 (Cristal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fome
Nunca pensei que seria capaz de escrever sobre coisas assim. Mas olho pela janela e me deparo com a cena. Uma mulher extremamente mal cuidada, encostada na parede, no chão, meio que sentada. Um bebê menino no colo, sem fralda. A mulher está magra, cansada. Tem um carrinho de bebê, empencado de sacolinhas. Ela está ali há uma meia hora, se abrigando do sol a pique goiano na sombra daquele muro urbano de uma casa indiferente. Logo imaginei que devia ter mais gente, pedindo talvez as outras portas e ela esperando, provavelmente aquele não deveria ser o único filho. Meu bebê chora no berço. Olho para ele e penso. Vou lá. Cato o Nick no colo e lá vou eu. O sol está quente, ele fecha os olhos. Eu de longe olho. Faço cara de quem não quer nada e ela continua fazendo ginástica com o bebê no colo, ele estava inquieto. Decido firme, vou lá. Atravessei a rua e a cena vai se tornando mais nítida e real. O bebê moreninho e de cabelos lisos e pretos só com uma camisetinha de algodão, deu vontade de pegar. Ele olha para mim, para nós. Pela minha experiência logo percebo que ele é mais velho que o Nick , mas estava tão magrinho, miúdo, com certeza passa fome. As perninhas finas, arqueadas. O carrinho tem um pedaço de pão mordido e um leite pendurado numa sacolinha branca. Converso com ela.Ela confirma que o marido está pedindo nas casas, que moram longe e que estão passando muita dificuldade...logo vem subindo rua acima mais duas crianças, de uns 7 ou 8 anos, também magros, muito magros, parecendo ser inclusive os irmãos a mesma idade, mas sei que a fome atrasa o crescimento, o desenvolvimento, até o aprendizado pelo resto da vida e nunca dá para acertar a idade real dessas crianças. Pergunto a idade do bebê: 04 meses - Parece ter dois - Falo para ela que tenho uma filha de 03 e que me aguardasse que iria em casa buscar alguma coisa para o bebê dela. Entro em casa e fico pensando no quê. Comida não tinha, nem pronta, ando comendo de marmita. Abro o armário e ta meio vazio. Achei um pacote de maisena. Não sou muito a favor de criança comer mingau o tempo todo, mas entre o nada e o mingau, vai ela mesma. Subo os degraus reviro os guardados da pequena, tudo coisa de menina. Mas como o Nick perto do bebê tinha ficado gigante, logo pensei nas roupas de frio que ele já perdeu. O frio vem aí. Catei uns macacões, os maiores, pus numa sacola junto com a maisena e levei. Eles estavam reunidos vendo as doações. Um dos meninos dizia, ah papai não tem nada pra mim, que serve para mim, eles tinham ganhado umas bermudas, umas roupas. O pai analisava qual iria servir. A mãe logo veio a mim buscar a sacola, mostrei para ela as roupas e a maisena. Vi o bebê mexendo as perninhas no carrinho com umas meias brancas nas canelas fininhas. Ela agradeceu, desejei boa sorte olhando para o rosto magro daquela senhora. Voltei com o Nick, e achei meu filho enorme, gordo, gigante mesmo. E ele só mama no peito, mama em mim, mas eu posso dar de mamar para ele, como, descanso, durmo. Logo depois eles reuniram-se e saíram andando todo o grupo por outra rua, começando tudo de novo. Unidos pela dificuldade ou não lá se vai uma família. Desejei muita sorte para aquele bebê, que ele não vivesse só de mamadeira de açúcar e água. E pensei na força daquela família, podem falar o que quiser as pessoas que reclamam quando alguém bate ao seu portão, que não trabalham por que não querem, que ficam mal acostumados, etc, etc, etc, quando se resolve ajudar alguém não se pode pensar no que a pessoa vai fazer depois. Estão pedindo não estão roubando. Os malas roubam tênis, dinheiro, geralmente querem o status da classe média. Tem muita gente que pede, sim, mas só quer matar a fome e se um dia tiver como, recuperar a dignidade e ter uma vida normal. Quando a gente vira mãe a gente fica meio assim, sensível, ainda bem, né. Não quero mais ser uma onça molhada.

Num dia triste de maio de 2004
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