Ernesto Mail quando viu Regina Tractor saindo da venda com a sacola plástica abarrotada com alimentos deduziu ter ela recebido o pagamento do salário mensal na Prefeitura Municipal de Tupinambicas das Linhas.
Era a oportunidade que ele esperava para respeitosamente sugerir a existência de uma dívida ainda não saldada pela moça. Caminhando célere atrás da jovem ele tentou chamar-lhe a atenção pigarreando.
Regina Tractor, alva de olhos verdes, com os cabelos já branqueando percebeu um sujeito no seu encalço logo que ele iniciou a perseguição. Porém ela não pôde distinguir quem seria o tal.
Ernesto abordou-a, no meio do quarteirão, chamando delicadamente pelo nome. Tractor parou e voltando-se pode se lembrar, depois de ver o homem parado à sua frente, da dívida antiga que tinha com ele.
Então ela disse: "Ah seu Ernesto o senhor me convidou pro pagode lá na vila, mas infelizmente não pude comparecer. Ando tão cheia de coisas para fazer que não deu mesmo pra ir. O senhor me desculpe".
E. Mail sentindo-se lisonjeado com o tom de voz amistoso viu-se encabulado de lhe falar sobre a dívida. Mas ela foi adiante: "Ainda bem que encontrei o senhor. Eu estava pensando em lhe procurar para acertarmos aquela conta. Mas quanto é mesmo que lhe devo?"
Mail rápido apresentou o cálculo lembrando-se de pormenorizar as circunstâncias e os fatos relativos ao débito.
Serena Regina aliviou-se do peso da sacola depositando-a no solo. Em ato contínuo abriu uma carteira retirada da bolsa. Do pacote de notas dobradas com esmero separou a quantia suficiente para quitar a diferença.
Satisfeitos puderam notar que seguiam a rumos semelhantes e prosseguiram então com a caminhada. Durante o trajeto, para aliviar a tensão, advinda do silencio ela puxou prosa: "O senhor leu no Diário de Tupinambicas das Linhas sobre essa nova seita que surgiu agora na cidade, uma tal de Resbolão?"
E. Mail tinha ouvido alguns comentários sobre uma concorrente da seita maligna do pavão-bem-louco mas não podia divisar as semelhanças e diferenças entre elas.
Regina passou a contar: "Dizem que uma das técnicas usadas por membros dessa organização satânica chamada Resbolão consiste em hostilizar a vítima solitária à distância, estando os algozes e ela sintonizados no mesmo programa de tevê. Durante as cenas em que eles, os perversos, julgam haver identificação com a vítima, sibilam quase que subliminarmente palavras destinadas a abater o moral e a auto-estima do indefeso. É um assédio, uma perseguição moral praticada contra alguém vizinho. Isso é chamado e conhecido entre eles como trabalho espiritual."
"As pessoas que se dedicam a essas maldades são impedidas por suas crenças, de desligarem-se das atitudes agressivas e aliviam a tensão do dia-a-dia ofendendo a um escolhido. São indivíduos sugestionáveis geralmente tabagistas, solteiros ou separados, sedentários, e desocupados. Eles não lêem e mantém a coesão do grupo com a maldade contra alguém. São unidos no mal."
"Quando essas pessoas procuram ajuda nos centros do Resbolão são orientados no sentido de trabalharem. Os líderes sempre dizem haver a necessidade da pessoa trabalhar. E o trabalho que elas fazem é esse."
O casal parou numa esquina a espera da diminuição do fluxo de veículos. De repente um caminhão com carroceria de madeira, descendo célere a rampa não pode frear atravessando a preferencial. Um Fusca branco com quatro pessoas a bordo foi violentamente atingido.
O impacto da frente do caminhão ocorreu justamente na porta do motorista do carro. Os dois veículos foram se arrastando pela rua até pararem numa parede onde o auto foi prensado.
Nos ferros retorcidos dentro do automóvel estavam um jovem, sua noiva e mais duas conhecidas. Uma delas era irmã do motorista.
Marlene a noiva morreu no dia 6 de fevereiro, 13 dias depois do embate.
