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Contos-->Álbum de Família -- 13/09/2006 - 22:09 (Dênia Dutra) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Álbum de família

O que Deus uniu o homem não separa. E eles viveram essa frase por 70 anos.
Um exemplo vivo de amor, cumplicidade e, sobretudo, verdade.

Há quase um século, viviam na fazenda Monte Verde, José e Ana. Os seus pais trabalhavam na mesma fazenda, de onde tiravam o sustento dos filhos. Ana tinha treze irmãos, José pouco menos. Assim como o gado, eles viviam livres por aquele cenário rural. Partilhavam travessuras e brincadeiras, até que Ana se descobriu moça. Nadavam juntos na margem do rio, quando se assustou com uma mancha de sangue colorindo a água transparente.
E aos quinze anos, Ana entrava na igrejinha da vila. O vestido branco e o longo véu foram bordados pelas irmãs mais velhas. No altar José com seu terno preto, economia de dois anos, e a benção do padre. As palavras santas que durariam uma existência onde imperou o ideal de conquista que alimentou cada dia em que viveram juntos.
Eles começaram a vida com um pedaço de terra, presente do patrão, dono da fazenda. Tudo em volta era mato e sonhos. Ao lado da bica d´água que descia entre pedras, construíram a casa de madeira. O fogão a lenha, quatro cadeiras, a cama improvisada e todo desejo unindo aqueles dois corpos adolescentes. Ana se fazia mulher nos braços daquele jovem de olhos verdes. Uma noite de prazer e setenta anos de união.
No dia seguinte lá estava ele com a foice a rasgar o mato. A terra era boa, o dinheiro era pouco, mas o suficiente para começar. E juntos, somente os dois, plantaram a semente da esperança. As chuvas do verão não os deixaram na mão. A colheita foi farta. A barriga de oito meses e Ana ajudando colher o milho.
O parto foi bem mais fácil que imaginara. O menino era robusto, José o ergueu ao alto, as lágrimas desciam em agradecimento. E a ele, José deu o nome de João Batista. Depois vieram Sara, Maria Marta, Daniel, Pedro, Dalila, Mateus e Thiago. Inspiravam-se na bíblia junto à cabeceira da cama.
E dez anos se passaram. Tão apaixonados quanto antes, faziam planos à luz da fogueira de São João. Aumentara a casa de dois cômodos. Suas terras já iam até a margem do rio. Mas ainda sonhavam com as terras que nasciam no outro lado do rio e morriam nas montanhas.
José não temia ao trabalho. Queira marcar sua presença na família. Os filhos ainda se orgulhariam dele. O sonho de fazê-los doutor, para que não tivessem uma vida tão sacrificada quanto foi a dele.
Aos trinta e poucos anos José já era o dono da fazenda Monte Verde. Seu talento para os negócios, as economias e adquiria aos poucos as terras que aprendera a amar desde sua infância. Tudo que plantou, rendeu-lhe uma boa colheita.
Foi naquela primavera, nos finais de 29 em plena confusão mundial que eles mudaram para a casa grande. Tudo acontecia além dos sonhos de Ana. Agora a família trabalhava firme e a fazenda prosperava cada vez mais. Onde só havia mato, hoje imensos cafezais.
Mas felicidade não é eterna e descobriram isto quando Mateus morreu afogado no rio. José caiu em si, punindo-se pela morte do filho. Foi uma dor tão intensa que Ana pensou que jamais voltaria a sorrir. Mas o tempo e o carinho de José confortou sua alma e um ano depois abria na vila a primeira escola. O amor pelos livros abria-lhe um novo mundo, que ia repassando aos filhos.
A igrejinha no alto do Monte Verde, com a imagem de cristo sacrificado. Lá dormia o pequeno Mateus. De lá velava toda aquela imensidão de terra. E a vida seguia seu curso normal.
As folhas do milho se contorciam ao vento forte que vinha do norte. Naquela época João estava com vinte anos. Ajudava a recolher o gado. O céu escureceu em pleno dia, parecia querer cair sobre a terra. Os relâmpagos rasgavam o céu. Maldito raio, tirou a vida de João. Mais uma nuvem negra caiu sobre aquela casa onde antes só havia risos e conquistas. Perderam toda plantação daquele ano.
No ano seguinte a chuva não veio. O incêndio destruiu parte da vegetação. José entrou numa fase de desolação e os negócios regrediam consideravelmente. Venderam grande parte da fazenda e se mudaram para a cidade.
Os filhos na escola e uma nova fase na vida daquela família tão cheia de estórias. Apesar da dor, os sonhos continuavam e José comprou um velho armazém. Toda família trabalhou na reforma, durante o dia e noite. O negócio foi dando certo e foram ampliando. José tinha mesmo dom para os negócios.
Anos depois mudaram da pequena casa na rua do Ouro para o casarão na rua São Marcos. Mais uma conquista para Ana. O imenso quintal, cheio de árvores frutíferas cobria um pouco da saudade da fazenda. A casa com salas amplas, cada móvel tinha uma estória. Os tapetes tecidos por aquelas mãos hábeis. Os cabelos brancos começavam a aparecer e viam os filhos partirem para a faculdade.
Na formatura de Daniel, José ao lado de Ana não conteve a emoção. Os filhos saíam doutores da faculdade. Sara foi a primeira a dar-lhes um neto e vieram outros, muitos outros.
Anos depois já não tinham aqueles impulsos de adolescentes, mas as longas conversas, ou até mesmo o silêncio das estrelas os unia.
Era uma noite fria, Ana tricotava o casaquinho para a primeira neta, filha de Maria Marta. José fumava seu cachimbo. Os filhos todos longe, seguindo seus destinos. Uma ligação e José mau conseguiu ouvir o que Pedro dizia, deveria ser um engano. José abraçou Ana com toda força. Era Dalila.
Fizeram uma longa viagem sem dizerem nada. Não tinham palavras para suavizar o fel da dor que queimava dentro do coração. Disseram ser suicídio. Por que? Nunca encontraram uma resposta que justificasse.
As linhas tornaram-se mais profundas, mas sempre juntos. Os cabelos brancos e o mesmo carinho de José por Ana. Vejo-o acariciando seu corpo já envelhecido como a cinquenta anos atrás num colchão de capim seco.
Vieram os netos, bisnetos e tataranetos e os vejo posando abraçados para a fotografia naquela tarde de domingo. José apoiado numa bengala parece olhar para o passado, para tudo que conquistou ao longo daqueles anos. Nem parece que o tempo passou.
Do alto da escada, olhavam para a sala cheia. Os frutos colhidos daquelas sementes jogadas na terra selvagem. Antes de partirem, olhou para cada rosto, fotografando na memória cada detalhe para que nem a morte pudesse apagar daquelas almas gêmeas que há tão pouco tempo atrás, ainda crianças, nadavam nus nas águas claras, corriam entre o milharal, subiam nas árvores e guardavam juras de amor no alto daquela serra, onde hoje os sinos repicam vitoriosos. Não porque morreram, mas porque deixaram uma lição de coragem, respeito, e, sobretudo de amor. Não o amor que passa, que envelhece, mas o amor que se eterniza do outro lado.


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Conto publicado em 2006 no livro:
PANORÂMICAS PALAVRAS


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