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Artigos-->Composição prosaica para uma dança poética -- 10/02/2000 - 12:46 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um vão nos olhos chora a medida exata das ladainhas. No silencioso resguardo de pelejas proibidas, corpo e alma entram na dança. Desse jeito me caibo, consentindo tudo, por minha própria obra e graça. A tempestade sem relâmpagos estrondeia o meu escuro, mas a dor-coitada me escorrega dos braços por um triz, despedindo-se de minha solidão com um beijo. Refreio o ímpeto a tempo de presenciar a blusa lépida, bêbada de babados no coleante molejo da arara pendurada.

Meu querer não queira o destino da vestimenta ao avesso. Venha de lá um abraço! Tanto faço ao tudo que aconteço, e, ainda assim, você não me visa. Empacoto a cabeça em embalagem de seda com plumagem furta-cor, morta de saudade do jornal de ontem. Almejo a distância segura de tudo o que me exija. Rezo as núpcias de minha vontade com meu inadiável, nada que não um banho morno de prazer salobro, onde pranto, onde água, quem arbitra é o ralo da banheira, assim me mato quantas vezes queira.

De corpo presente, detenho-me ao rito derradeiro da tesoura inaugural. Debaixo da lagoa morna me suavizo, feliz e agradecidamente. Tudo de uma hora para outra, vem o banho esfregar-me o corpo com cerdas macias e muita espuma porosa, salientando minhas adjacências de tirar o fôlego, santo remédio para olhos inchados de choro e insônia .

A tempo lembro-me de viver esse tempo, mesmo tendo de repaginar sem precipício a enxurrada verborrágica que espicaça por inteiro todos os ouvidos que me alcançam. Cantarolo toada nunca angustiosa, sempre e sempre, no aconchego da loa de agudos e trilos. Depois, deito o óleo perfumado sobre a pele eivada de humores.

Ando destra no vestir os braços. As pernas deixo de fora, um anil de brancas, veiazinhas garimpando meus tesouros. Enfeites, enfeites, enfeites. Reclamo uma visita a médicos higiênicos - unha, depilação, cabelo -, invoco a sorte por meio da gargantilha cardíaca. Não é que estou aristocrática hoje? Qualquer ânsia me dá bom dia. Recomposta, corro às violetas - água para cada broto, galhinho seco deitado fora. Nenhum ânimo de trabalhos manuais, colcha de retalhos preguiçosos contando histórias no canto da sombra. Não assomo ao que transcende a urgência de ontem. Apuro o coração batendo lata de fome conservantizada e aromatizada, perigosa perversão artificial.

Nunca mais ouvi a voz do rádio em ondas curtas, nunca mais agendei aqueles programas ao cair da tarde, nunca mais eu dediquei uma canção a quem, de fato, eu amava. Também, a esta altura, eu não me quero para tanto. Tudo o que peço é um café coado forte em filtro de papel. À falta de cão, quero o uivo de meus papagaios - e o que mais. Exercício de aceitação experiencio. Indivíduos, vários e tantos nesta vida, vêm repetindo, com circunstância: "O purgatório é aqui". A quem me espera, respondo que eu saí de férias com uma mão na frente e outra atrás, cheia de poesia, quase sem música.

Se não há manteiga, vou de margarina, que importante é o pão. Isso quando minha humildade voa baixo e a abstinência alteia. Hoje meu jejum manjou bom mote: qualquer coisa toma lugar de outra e se perdoa. O maior risco é rolar "aquela" balada romântica, tudo se tingindo de rosa, a folha cordiforme decalcando a pele florida, o vestido negro passeando à noite.

Quando acordo a vida de pés aparentes por debaixo da cortina, reanimo o fraquejo ao que de mim escondo. Folheio a publicidade de um curso de neurolingüística e gestão empresarial, deixando a coisa por si tomar rumo e prumo. Tenho, sim, de sair mais, visitar endereços, dizer alôs telefônicos, calar minha telepatia. Difícil companhia, só a de meus escuros.

Meu verbo é servo da hora. Às vezes, livre de meu querer, a palavra vem com uma inflexão que eu não queria lhe dar. Quando vejo, já está ela me querendo arrependida, ou coitada, ou má, logo eu - tadinha! -, que não pedi para nascer nunca, nunca. Como se boca resolvesse coração! Incontrolável não sou eu, a minha pessoa pensa de cabeça encostada a confortável tronco, árvore cheia de galhos. Quando escrevo, também acho que sou eu falando. Mas vem um desadorado guerreiro a desafiar entrelinhas, fazendo chover vírgulas onde há pontos, reticências onde há interrogações, e termina não sendo fácil, para mim, entremear-me com a multidão que passa-passeia, Norte a Sul caminhando. Ainda sigo uma dessas formigas para confirmar seu itinerário de ramerrão Norte-Sul, Sul-Norte, até alfa.

A julgar o meu andar, sou muito bem-resolvida. Mas me assusto de verdade quando o garçom me chama "dona" (Quando eu tinha dezoito anos, me deu uma tristeza!). Tem a rua uma vantagem: sou mais uma a engrossar a massa de maestros de galos, engolidores de fogo e cobaias de catuabas, sem ninguém para interpretar memórias em meus olhos lacrimosos, tampouco responder ao sorriso maroto que de mim escapa. Uma certeza no bolso carrego: morro de pé, caio jamais. Todo o chão está preenchido de gente.

Juntando as pontas, tudo requer presença de corpo. Se me sucumbe o espírito, bebo no céu em vida a eterna ânsia de me fazer eterna nem seja por um minuto. Minhas caretas só lhe dou depois de morta. Por enquanto, eu sou esta que rói as unhas. Ao amanhã deixo de herança o que mais me duvida agora.



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