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Contos-->A CASA VERDE -- 20/10/2006 - 13:51 (Fernando Antônio Barbosa Zocca) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CASA VERDE

Fernando Zocca

"Um bando de celerados juntou-se defronte a casa do vereador exigindo o cumprimento da lei. Carros paravam e deles desciam pessoas coléricas batendo as portas. Uma idosa balofa gritava: Tem que internar. Não suporto mais isso, chamem a polícia! Um velhote encarquilhado, que morava no cortiço da esquina, puxando uma cadela preta mortiça chamava: Venha!... venha! O bafafá abalou as estruturas do quarteirão." (Matéria de capa no Diário de Tupinambicas das Linhas em 23 de agosto).

A doutora Ana Menese desembarcou em Tiradentes MG, no dia 23 de agosto, disposta a esquecer todos os problemas e preocupações que lhe atazanavam a mente.
Era um domingo e a cidade recebia milhares de pessoas que buscavam horas agradáveis no festival gastronômico.
Ana Menese caminhava distraída pela calçada pé-de-moleque, subindo um aclive quando quase debaixo da sua orelha esquerda ouviu um "psiu" fortíssimo.
Com medo, ela voltou devagar a cabeça, olhando de soslaio por cima do ombro. E não é que ali estava Ernesto Mail oriundo de Tupinambicas das Linhas todo cheiroso, faceiro e supimpa?
O velho sentimento de suspeição recrudesceu dentro dela. "Mas como é que pode isso?" pensou, "Como é que pode acontecer uma coisa dessas? A gente quer se afastar um pouco, relaxar, colocar tudo em ordem, mas olha... veja só... veja bem... como é possível esse cidadão aparecer assim, vindo de tão longe e pro mesmo lugar que eu?" Menese não acreditava que o encontro fosse casual, desintencional.
Ofegante Mail falou usando suavidade na voz: "Que prazer em vê-la dona Ana! Lá de baixo vi que conhecia a senhora. Sua figura é inconfundível, mesmo de longe."
Ana Menese respondeu meio sem graça: "É muito bom encontrar você por aqui. Acho que em qualquer lugar do mundo onde formos, encontraremos gente de Tupinambicas das Linhas. Isso é normal." O tom de voz da mulher demonstrava desprazer e contrariedade, incompatíveis com as palavras. "Pode até ser normal, mas não é nada mole não!" Completou ela num volume subliminar.
E. Mail desconsiderou o malgrado e mandou ver: "Sabe dona Ana qual é a última notícia publicada lá no Diário de Tupinambicas das Linhas?" diante da resposta negativa E. Mail prosseguiu: "Dizem que algumas pessoas que trabalharam lá no hospital psiquiátrico e que internaram o Edbar B. I. Túrico, pela primeira vez, na década passada, não tinham diploma de medicina. Elas exerciam a profissão ilegalmente. Eram falsos médicos. Se isso se confirmar a senhora pode imaginar o tamanho da injustiça e dos danos causados pela seita maligna do pavão-bem-louco, contra os adversários da tal ideologia perversa e contra a saúde pública?"
Tomando fôlego E. Mail prosseguiu: "Dizem que Jarbas, o caquético orelhudo e o deputado estadual Tendes Trame, já naquele tempo, quando começaram na política, também tinham interesse em internar o pobre Edbar."
"Hoje um novo movimento foi iniciado por tia Ester Corário, a zelosa chefa de quarteirão que julga ser conhecedora de tudo e de todas as almas da cidade."
"Eles não vêem a hora de se livrar do linguarudo. As comadres do bairro contam que mandaram até pintar a fachada do hospício com a cor verde alface tipo 3,99. É grande a expectativa de internar de novo o improdutivo B.I. Túrico."
Bem, e agora? Como procederia nossa queridíssima doutora Ana Menese? Ela carregava o desejo forte de espairecer, desligar-se das fofocas, mas por outro lado a curiosidade sobre o Van era terrível, causava pruridos.
Ela sabia que Edbar B. I. Túrico tivera uma infância sofrida por ter sido fruto duma gravidez indesejada. E mais essa ainda? Internaram o cara na década dos noventa, sem a habilitação legal pro ato, com base num diagnóstico fajuto? Mas é muito caiporismo pra um sujeito só. Assim não pode, assim não dá!"
Então dona Ana disse: "Mas espera aí! Quando o levaram pro hospital ele não estava completamente intoxicado pela bebida?"
Antes do interlocutor responder uma garota de aproximadamente dez anos aproximou-se deles e indagou: "A senhora tem moeda pra ajudar? Nós moramos ali naquela casinha, depois daquele morro grande e... tá vendo ali ó... atrás da bananeira?... é ai mesmo..., minha mãe também faz faxina. Se a senhora precisar é só procurar."
Embevecida com a candura da criança Ana Menese buscou na bolsa preta algumas moedas. Retirou uma de R$ 1 e deu-a a menina, que se afastou.
Um grupo de turistas passou pela dupla fazendo comentários sobre o casario, suas janelas, portas antigas e fotografando tudo.
Ana percebeu o calor forte e constatou o avançado da hora. Tinha que achar um bom restaurante: era o momento exato para saborear bolinhos de feijão e goiabadas fritas. "Mas e esse goiaba que colou em mim?" pensou a doutora sobre E. Mail. Então uma voz cálida assoprou ao seu ouvido: "Pra não causar escândalo é melhor convida-lo".
Comendo costeletas de javali braseadas com polenta de parmeggiano grelhado ao molho funghi e ouvindo Blowin in the Wind de Bob Dylan, que soava nas pequenas caixas acústicas fixadas nos locais estratégicos do salão, Ana Menese vivenciou momentos agradabilíssimos.
Depois do almoço Ana despediu-se do companheiro que foi embora rapidamente.
Segundo alguns comentários maldosos que lhe fizeram quando ela estava só, E. Mail havia desviado doces da mesa vizinha.
A mulher não quis dar atenção quando o gerente do estabelecimento, insistindo, falou de modo velado: "O Marcos Souza nosso garçon viu quando o seu parceiro barbudo-rouco apropriou-se dos doces que estavam sobre a outra mesa. Ele encheu os bolsos do paletó com as marias-moles. E a senhora não viu nada."
Afirmando que cada um deveria responder pelos atos que praticava Ana deixou o local dirigindo-se à pousada onde permaneceria por mais dois dias.
Ela não era daquelas que acreditava ser a justiça semelhante à teia das aranhas que detém pequenos insetos, mas é rompida pelos grandes pássaros. "Afinal, os cepos da lei são para todos. Cepo é cepo." Pensou ela.
No quarto, ao ligar a TV para fazer a sesta, ela viu encantada o programa esportivo recordando o tempo em que Maria Esther Bueno sagrara-se campeã do Torneio Aberto da Austrália, categoria duplas, em 1960. À noite na sessão de cinema a emissora transmitiria o filme E Deus Criou a Mulher, do Roger Vadin, com Brigitte Bardot.
Bons entretenimentos aguardavam a senhora professora doutora.

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