O Encontro de Primavera da União Psicanalítica Alemã (DPV) procurava pelo superego. E não conseguiu encontrá-lo
Eckhard Fuhr (DIE WELT online, 19/03/2001)
Trad.: zé pedro antunes
O que é feito do superego? Todo mundo se lembra desse velho conhecido, todo mundo alguma vez já deu de cara com ele. Mas nos últimos tempos, sabe-se se lá como, ele deixou o campo de visão. As pessoas jovens, com seus 30 anos, não conseguem acertar o passo com ele. As histórias horrivelmente emocionantes e inquietantes, que sobre ele se contavam, já não lhes dizem nada.
O que é feito do superego – esta pergunta formulada assim de modo um tanto quanto vulgar foi o mote do Encontro de Primavera da União Psicanalítica Alemã (DPV) em Freiburg. Para a psicanálise, por trás desta questão esconde-se um problema da maior seriedade. Muito da terminologia de Sigmund Freud – o “superego”, como instância da moral pessoal, faz parte dela – entrou para a linguagem comum. Desde meados dos anos 70, houve algo assim como uma cotidianização do discurso psicanalítico, tendo como ponto de partida as universidades. Mas desde o renascimento de Freud, como conseqüência do movimento estudantil, fez-se silêncio em torno da psicanálise. De qualquer modo, ela já não é mais considerada uma disciplina condutora da diagnose da época e da sociedade. Há trinta anos, cientistas humanos e sociais estavam fascinados por Freud. Fundaram-se círculos de trabalho em prol da observação psicanalítica da literatura. A história tentava incluir a psicanálise como ciência auxiliar em seu arsenal metodológico. O diálogo interdisciplinar valia como mandamento científico do momento, sendo do bom-tom acadêmico o ágil domínio da terminologia freudiana.
Mas vai muito longe esse tempo. Foi quase desajeitado o resultado dessa tentativa da DPV de, com um diálogo interdisciplinar entre historiadores e psicanalistas, uma vez mais tornar a apresentar a própria disciplina a uma opinião pública mais ampla. Será que a psicanálise teria alguma contribuição no sentido de responder à questão sobre como se chegou, com os crimes dos nacional-socialistas, a uma falência massiva da instância da consciência individual? De acordo com os diálogos de Freiburg, não podemos ficar senão céticos. O discurso psicanalítico, seu código específico, rapidamente se banaliza, ao ser transposto para um contexto “estranho”.
Raul Hilberg, historiador da aniquilação dos judeus europeus, descreveu a repressão da consciência em criminosos que nem eram perversos e nem destituídos de consciência. Os que faziam parte dos grupos de ataque reconheciam a injustiça, hesitavam ante o assassinato, primeiro tendo de a ele se habituar. Hilberg mostrou, com a citação das fontes, quais estratégias de justificação os criminosos desenvolveram, surgidas como uma retórica complexa, para a tranqüilização da própria consciência. O historiador de Freiburg, Wolfram Wette, atacou pelo outro lado a questão da consciência sob o nacional-socialismo. Ele relatou sobre soldados do exército alemão que seguiram a sua consciência, salvando outras vítimas potenciais. Aqui se coloca a questão sobre os meios pelos quais um sistema moral pode ser mantido intacto sob as condições da guerra e da ditadura totalitária. Ambos os historiadores se viraram inteiramente sem uma moldura psicanalítica de interpretação. E os analistas nada tinham a acrescentar à evidência do material histórico.
O que é feito da psicanálise? O desaparecimento do superego – mesmo no cotidiano da praxe clínica é cada vez mais raro falar dele – mostra uma fundamental mudança de paradigma. Em todo caso, é esta a tese do psicanalista Carlo Strenger, de Tel Aviv. As projeções da “sociedade despaternalizada” de Alexander Mitscherlich seriam hoje realidade social em toda parte no mundo ocidental. A época em que a vivência moral se expressava numa linguagem metafórica “vertical”, desde a transformação cultural dos anos 60, teria passado. Os filhos da geração do protesto teriam crescido sem o clássico conflito entre pais e filhos. Para o historiador, a realidade psíquica na qual Freud formou os seus conceitos e teorias hoje é história. Sem floreios, reclama de sua corporação um esforço no sentido de plasmar uma nova linguagem, novos conceitos, um nova construção metafórica.
O que, de fato, pode ser mesmo necessário. Em Freiburg, de qualquer modo, com extrema clareza se impunha uma impressão, a de que a psicanálise seria uma ciência em lento processo de encanecimento.