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Contos-->Folhas vermelhas -- 02/11/2006 - 15:10 (Hamilton de Lima e Souza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Umas folhas vermelhas foram sopradas pelo vento gélido de Curitiba em minha direção. Início de inverno, a maior parte da cobertura vegetal já havia sido retirada das árvores. Tentei identificar a espécie vegetal, mas não tinha conhecimento botânico suficiente para tanto.
Eram vermelhas, algumas pareciam enferrujadas, enchiam gramados judiados por geadas recentes, prometendo o rigor tradicional dos invernos sulistas. O cachecol mal protegia o pescoço. Precisava tomar um copo de vinho. Um vinho e uma folha que se chocou contra meu rosto me levaram de volta.
Naquela época eu recém havia chegado do Rio Grande e não conhecia ninguém. Alguns poucos conterrâneos espalhados pela cidade. De vez em quando passava no bar do Lourenço, menos pior do que outros do Bacacheri para tomar um gole de vinho. Ajudava a manter a temperatura.
Numa dessas ocasiões conheci Elaine, a sobrinha do comerciante que havia chegado de Guarapuava para tentar vestibular de jornalismo na Universidade Federal do Paraná.
Sem ter outra opção ajudava a atender o pequeno balcão. A clientela tratava com respeito, apesar de ser um comércio de bebidas. Talvez todos tivessem o pensamento menos interessado que o meu.
Elaine possuía pele clara, com algumas manchas, provavelmente em função da exposição solar. Para outros eram manchas, para mim objetos de desejo.
A guria pesava uns 50 quilos, estatura por volta de 1,70m, algo padrão na sociedade do sul, cheia de descendentes de imigrantes da Europa. Elaine me fazia andar mais. Sentir mais, viver mais, ainda que do outro lado do balcão. Sempre esboçava fazer poesia ao vê-la.
Num certo dia busquei o refúgio do bar e do vinho numa tarde de chuva fina. Estava molhado, gelado, candidato a uma gripe forte pela intempérie.
Entrei no bar e por motivos que o destino preferiu não revelar, me vi sozinho com a vestibulanda. Com respeito pedi o copo de vinho. Depois outro. E mais outro. Ela também havia sorvido um tanto de bebida alcoólica e estava com a tez rosada, alterada pelo suco dionisíaco.
Conversamos algumas amenidades. Também contou que os tios resolveram ficar uns dias no interior, deixando com ela o encargo do bar.
Apesar do frio o comércio funcionaria. Um livro de Leon Tolstói, Guerra e Paz, descansava num canto do balcão. Ela gostava de autores russos. Ela gostava de autores russos. Russos. Ah, que mulher.
Eu também tinha passado os olhos por alguns contos russos. Impressionado com a capacidade de desvendar a alma humana, a angústia, o gelo das estepes.
Elaine então abriu uma passagem onde o autor descrevia o furor das tropas napoleônicas no território já castigado pelo inverno. O frio esquentou nossas mentes, nossos corações.
Um copo de vinho a mais e o comércio foi fechado. Esquentamos nossos corpos no quarto dela, algo aconchegante pela cama exígua, pelos cobertores, pelo frio, pelos beijos loucos, loucos, loucos.
Na manhã seguinte, antes que os vizinhos bisbilhoteiros percebessem fui embora. Ela passou no vestibular de jornalismo e eu voltei para o Rio Grande. Foi um amor quente de uma tarde de inverno.
As folhas vermelhas continuaram passando por mim, como bailarinas sopradas pelo vento. Um vento russo, existencial. Elaine passou também, pelo meu pensamento apaixonado, eternamente apaixonado pela jornalista que nunca mais vi.
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