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Contos-->Infância -- 09/11/2006 - 12:24 (Ed Carlos Bezerra da Silveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Infância

Lembro-me bem hoje, como se eu estivesse vivendo tudo que passei na minha infância, os melhores dias de minha vida; gloriosos momentos para uma mente tão fértil quanto a minha. Jamais viverei isso novamente. Naquela época as coisas fluíam em mim com tanta honestidade, sinceridade, paixão... Quando somos crianças intumesce em nosso peito uma volição de viver absurdamente ingênua.
Eu sempre gostei de andar sossegado, despreocupado, atoleimado pela terra onde nasci, fui criado e brinquei. Desde muito pequenino eu tive uma dileção, que a princípio incomodava-me gostosamente, por tudo que era dilatável.
Eu ficava impressionado com as construções góticas. Impressionava-me com as ruas apertadinhas, a Estação da Luz e seus belíssimos trens. Eu admirava, com minhas faces erguidas e traquinas, tudo que eu julgava novo. Mas minha puerícia foi muito conturbada. Presenciei a morte de meu tio Gustavo. Era um homem sedentário. Fumava com excesso e diziam que ele sofria assaz. Eu chorava abundantemente quando ele tinha ataques epilépticos. Assustava-me deveras.
O tio era irmão de mamãe e morava com a gente nos fundos de nossa casa. Às vezes ele me colocava em seu colo e contava algumas histórias do tempo em que era grande namorador. Dizia beijar as meninas nas bochechas; elas enrubesciam e retribuíam o beijo. Disse que um dia teve um de seus ataques na presença de sua namorada. Ela o deixou logo após, por causa disso. Eu não sabia o porquê dele estar me contando tudo aquilo. Meu tio foi uma pessoa muito manejável e simples. Casou-se com uma grandiosa mulher. A Tia Margarida. Teve dois filhos. Uma menina, Angelina, e um menino, Marcos. Aquela morreu um ano após o nascimento. Foi aí que o titio começou a beber. Perdeu o emprego e a Tia Margarida resolveu deixá-lo. Bebeu, bebeu e bebeu... Seus pés incharam e ele começou a ter muitos problemas de saúde. Eu chorava, chorava, chorava... - Mamãe, o que está havendo com titio, mamãe? - Castigo de Deus, filho. -Deus é mau, mãe? -Deus não é mau, filho. São as pessoas que o fazem assim.- Por que Deus está castigando ele, mamãe? - Ora, não me encha a paciência, Betinho. Não tenho tempo para isso.
Mamãe nunca me explicou nada direito. Sempre ou porque era de ser assim ou porque Deus quis que fosse assim.
Um dia, o tio Gustavo, depois de uma crise de epilepsia - tiveram que colocar a mão em sua boca e desenrolar sua língua - falou-me, no leito, falando mansinho e muito baixo, palavras mudas, que era quase hora dele ir embora. Eu o interroguei, perguntando para onde ele iria; disse-me que não sabia.
Meus olhos lacrimejaram, meu coração bateu rápido e descompassado, minha respiração aumentou gradativamente e uma dor no meu coração tomou conta de mim.- Titio, você não vai morrer, não é, titio? -Filho, as pessoas envelhecem, outras florescem. Você está florindo, tem toda a sua meninice pela frente. O tio já viveu tudo o que tinha de viver. É hora de ir. Abrace o tio Gustavo. Ande Betinho, não tenha medo. - Titio, não morra. - Se você não me abraçar eu morro. - Então eu o abraço.
Abracei tio Gustavo e ele me disse para eu sempre ser um bom rapaz e viver direitinho a minha infância. Disse mais: que essa época do ser humano é a coisa mais bonita e gostosa de viver. Eu acreditei. Depois de ter falado isso, respirou uma última vez e sua cabeça pendeu de lado. “Meu Deus do céu, eu matei o tio Gustavo’’, falei para mim mesmo. Eu não quero ser velho, não quero.
Contou-me, eu tive que abaixar para ouvi-lo melhor, antes de ele morrer, que na minha idade, comia tantos doces e guloseimas quantos pudessem a sua boca e mãos suportar.
Chorei tanto no enterro, que mamãe vendo-me daquela forma, começou a prantear também, pois permaneciam muito calmos, os seus belos olhos. Minha mãe era muito séria e realista.
Depois disso quis fazer tudo que meu tio fazia.
Um belo dia eu resolvi fazer o que meu tio me falou que fez, fui beijar uma moça que permanecia descansando deliciosamente no banco de uma praça. Sim, eu era uma criança, mas sabia muito bem apreciar as mulheres bonitas, de lindos cabelos finos e longos... de olhar penetrante e jeito mimoso. O tio Gustavo me ensinou a amar com vontade o verdadeiro diamante fúlgido. Disse-me que só a mulher é a vida. Dizia que eu devia a uma mulher, mamãe, a minha vida e, sobretudo, a minha infância. Só que exagerei quando coloquei em prática alguns dos ensinamentos de meu tio.
Enquanto mamãe cuidava de Carlinhos, meu outro irmão, eu aproveitei para presenteá-la com um de meus belíssimos beijos em suas bochechas. Ela disse para eu sair de perto, pois eu não havia saído das fraldas e cheirava a neném. - O que é isso, Betinho? - Não é nada, mamãe. - Estava ele apoquentando a senhorita? - Quis me beijar. - Mentira, mamãe. - Mentira é? Então quer dizer que nós somos mentirosos, Betinho?– disse mamãe com um olhar de furacão, quase babando. - Sim, mamãe.
Foi uma desgraça ter afirmado isso. Que vontade eu tive de envelhecer. Odiei minha infância naquela ora. Mamãe não perdeu tempo algum e me deu um de seus bons tabefes em minha cabeça. Além de passar uma vergonha dos diabos, diante do verdadeiro diamante fúlgido, levei um safanão. Logo pensei que titio havia levado também alguns safanões, só que não de sua mãe.
Mamãe pegou-me no braço com violência e, puxando Carlinhos pelo outro, fomos embora para casa. Lá chegando contou para papai o ocorrido. Ele deu risada e disse a ela que eu já era um homem. Ora, eu tinha apenas nove anos de idade, mas o tio Gustavo havia ensinado a mim várias coisas de homem. Fazia a barba de vez em quando. Assobiava para as meninas. Via se meus pelos daquele lugar haviam crescido mais, todos os dias eu averiguava com muito cuidado. Um dia mamãe me pegou olhando: - O que é isso, Betinho? - Nada mãe. - Tá fazendo besteira, menino? - Não... não, mãe. - Venha cá.
E fui. Deus é maior! Tirou minha calça e deu tanto em meus assentos que ardeu como pimenta aos olhos.
Eu não desistia. Sempre averiguava se os meus pelos daquele lugar haviam crescido mais. Quando não dava para ver no banheiro, eu via quando ia dormir. Também fazia poses de macho na frente do espelho e mandava beijos para mim, igualmente, me fitando, de corpo inteiro. Ah! É necessário dizer que distribuía para as meninas do colégio que me chamavam de Evil-boy-Macaco, deliciosas e molhadas beijocas. Com isso suas feições mudavam absurdamente, faziam cara de nojo. Eu não sabia o que diabo significava Evil-boy-Macaco, mas não era bom. E outra, era em inglês com português, uma desgraça de mistura, como eu poderia saber? Resolvi que todos pagariam por isso. Quando um bonito tropel de gurias narigudas, metidas e bobocas se reunia feliz, chegava muito perto, pois gostavam de mangar de mim; abaixava minhas calças, desarrumava meus cabelos, e quase sorrindo, segurava o riso atentamente para não estragar tudo; chegava perto de onde todas se aproximavam apenas para caçoar de mim; eu soltava um peido tão estrondoso quanto fedido e todas em uníssono bradavam, com as duas mãozinhas ao nariz: - Peidorrentoooooooooooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!
Outro dia, acordei com uma raiva de gente crescida. Eu disse de mim para comigo que jamais queria envelhecer, pois parecia muito chato. Ter que trabalhar para comer. Ter responsabilidades com tudo, inclusive com as pessoas. Ser chato, mal-humorado, cabeça dura. Além de tudo tinha que envelhecer. Meus cabelos iriam cair. Eu começaria a babar e a cuspir nas pessoas ao falar. Uma tristeza me tomou e eu disse a mamãe que não queria ser velho como ela, não queria. - Mamãe, eu não quero ser um velho como a senhora. - O diabo do menino me chamou de velha, pai? - Diacho, e você não é mesmo? - Infeliz! Chamou-me de velha também? Dê um jeito em seu filho, pois eu não o agüento mais. - Deixe-o, mulher. - Pai e filho são palermas de mão cheia! Deus! Estou no meio de lesmas. - Mamãe, o que é lesma? - Vou te mostrar.
Deu-me uma bofetada na cabeça de modo que na mesma hora resolvi chorar. Eu gritei que odiava minha infância, pois apanhava só por perguntar sobre as coisas que desconhecia. Queria ser adulto então, só assim, eu seria um grande conhecedor.
Naquela época lindos cabelos escuros descansavam plenos em minha cabeça, que mais parecia um ovo. Alegres olhos de cor castanha brilhavam ao contato com o sol fulgurante. Eu vestia vulgares roupas compradas por mamãe no brechó da tia Quitéria. Ela vendia mais em conta. Horríveis vestimentas! Eu era raquítico. Ainda não mudei muito. Calçava botinas tão grandes quanto aterrorizantes e tão negras quanto bicudas. Havia na minha bota esquerda uma mancha cinza de tinta. Eu estava ajudando o tio Carlos a pintar a casa. Era um incômodo! Ora, andar com aquelas botas enormes, feias e desajeitadas, não dava. Eu só as tinha pelo fato de ser muito pobre. Mamãe jamais gastava dinheiro comigo. Dizia que era perda de tempo. Só Carlinhos ganhava as melhores coisas. Ah, minha bendita infância, como eu sofri e a amei ao mesmo tempo, diabo!
As desgraçadas botinas causavam-me calos enormes no dedão. Alguns chegavam a ter o tamanho de uma verruga. Doíam...como doíam!!!
Na escola todos diziam: “Olha lá o jeca-tatu. Ei, o da botina de palhaço, nunca viu tênis, é? Olha que coisa magra’’. Ora, isso não era nada bom. Todos mangavam de mim por causa das minhas botinas. Falei com mamãe sobre isso e ela me mandou ir descalço. Julguei que com meus pés no chão também não seria muito interessante. Três malditos longos anos eu passei usando aquelas botas infelizes e agüentei todas as palavras ofensivas dos meninos e meninas do colégio, xingando-me de palerma, Bozo, vareta de bambu, bota de palhaço, Evil-boy-Macaco... Eu também era tolo. Explicar-lhes-ei o porquê: não podia ouvir uma fala de mulher. Foi o titio, foi ele que causou isso em mim. Uma voz, docilmente suave, adamada, maravilhosamente esplêndida! Foi o titio, foi ele. Meu coração, pobre menino, disparava em tórridos ritmos. Oh, Deus é maior. As meninas, eu não podia ver as meninas. No colégio elas achincalhavam de mim e eu sonhava com elas. Muitas das vezes que acontecia isso, eu permanecia apaixonado por dias. Como fui tolo quando pequeno! Ainda trouxe comigo um bocadinho de tolice, pois lembro do titio, foi ele, foi ele. Oh, infância cruel, maligna, apaixonada... Nossa puerícia marca sempre os nossos passos. Mas sem os quais nós não podemos viver de verdade.
Comentei com mamãe a respeito do meu coração. Ela respondeu-me com uma bofetada tão maravilhosa, como ela sabia bem executar. Oh, infância, como apanhei de mamãe. Sempre bofetadas, safanões, bofetadas, safanões... Fiquei sem comer do lado que me fora magoado por dias. Quase perdi um dente por isso.
Fui para o interior paulista descansar meu peito aflito de menino. Fui para lá depois de alguns dias em casa. Estava de férias no colégio, mas nunca deixava de estudar. Como mamãe queria a todo custo fugir um bocado do inferno da capital de São Paulo, fomos para o interior paulista. Para casa da tia Quitéria. Hum... ela fazia um pudim... Eu já ia com a boca nadando em salivas. Papai ficou em casa com Carlinhos. Mamãe gostava de visitar a tia Quitéria, porque com isso, colocavam as fofocas em dia. A tarde inteira a falar da vida alheia. O único problema é que era quente demais aquele lugar. Bom, ainda continua sendo.
Viajamos de ônibus de segunda classe. Parecia que o mesmo estava carregando cavalos.
Chegamos enfim. Quando iríamos começar a caminhada de vinte minutos mais ou menos até a casa da minha tia, já sem poder mais agüentar de tanta vontade de saborear seu famoso pudim, uma voz doce e suave ressoou aos meus ouvidos. O diabo do meu coração disparou com tanta voracidade que minhas bochechas arderam fortemente. Lembrei das meninas, do titio, do Evil-boy-Macaco... tudo de uma vez só. Um fogaréu tomou meu corpo, que tremia. Mamãe perguntou o que era aquilo. Respondi que era o coração. “Ora menino, largue de bobices’’- disse-me ela. A moça se encantou comigo de tal maneira que, olhando-me nos olhos beijou-me as faces, que ardiam escarlates. Dois beijos. Há, há, há... eu ganhara um agrado. Sim, o tio Gustavo não mentira, era possível. Ele era um grande namorador e eu estava me tornando como ele. Fiquei admirando-a como bobo. Notando cada movimento gostoso que ela executava com as suas mãozinhas e com a boca, abrindo-a e fechando-a.
Logo estavam conversando alegremente idiotices, nem ligaram para mim. Meus olhos flamejavam paixão. Como eu era bronco! A mocinha tinha longos cabelos negros que caíam ao meio de sua cintura. Estavam soltos e alegres, de modo que parecia nunca ter deleitado a liberdade. Eu imaginei que deveria cheirar muito bem, já que a fragrância balsâmica de seu pescoço, era como o perfume de uma rosa juvenil. Eu nunca vi olhos tão coloridos quanto os dela. A sua pele, se não era o próprio algodão, que o raio me parta em pedacinhos. Ah! Ela tocou-me na bochecha e apertou com tanta força esticando-a, que parecia que eu estava sorrindo de um único lado. Usava um vestido preto com belíssimo e atraente decote. Deus meu! Eu fiquei de olho, fiquei de olho, sim. Seus seios eram tão bem ondulados... Não era possível desviar olhares, profanação eu poderia fazer se não contemplasse tanta sedução. Coração de gigante eu tive naquela hora para agüentar tudo de uma única vez. Mulher do meu coração. Mulher da minha vida. Mulher da minha infância, pura essência cristalina.
A moçoila tagarelava com mamãe a respeito de várias coisas que eu julgava sem gravidade. Disse que estava ali no interior paulista de passagem e viajaria em breve para o litoral, pois existia lá uma linda cidade que havia de visitar. Não sei porque proseou com mamãe. Mas o interior realmente tem destas coisas. Sim, sim, eu sei bem, é assim.
Ela abriu uma bolsa de cor vermelha que carregava nas pequeninas mãos alvas e tirou uma bala de caramelo. Ofereceu-me o doce e sorriu-me gostosamente a mostrar todos os dentes, pequenos e brancos como leite, que serenavam em sua sedutora boca feminil, de lábios finos que dormiam fogosos, pastoso batom vermelho. Minha vontade era de agarrá-la e beijá-la com voracidade, mas agradeci com olhos apaixonados e nada falei. Eu, beijar formosa mulher? Não podia! E outra coisa, mamãe jamais admitiria isso. Mesmo porque, eu era um infante.
Aprofundei-me e mergulhei em meu íntimo apaixonado e lá fiquei solitário. E agora, aos sessenta anos de idade, com pés de galinha nos canteiros dos olhos, voz rouca e cansada, andar vago e envergado, lembro-me de tudo, como se fosse hoje, das sensações e da magia em que ela me envolveu, da tia Quitéria que passou desta para melhor e dos ensinamentos do tio Gustavo, que morreu amando a vida. Lembro-me dos cabelos cândidos de mamãe e papai. Ufa!... Tudo passou. Causou-me agora até um pranto dolorido. Tudo é esquecido pelas pessoas, mas minha apreciada infância, eu jamais vou esquecer.


Ed Carlos Bezerra
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