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Erotico-->Como seduzir um homem-bomba -- 10/12/2001 - 20:05 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cerveja às portas do paraíso. Continuar bebendo depois da explosão de uma bomba? O escritor israelita Avraham Chasson viveu os atentados-suicidas no seu bar costumeiro.

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Do hebraico por Ruth Achlama
Do alemão por zé pedro antunes
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Como receber um homem-bomba? Em Jerusalém, as garçonetes sorriem para qualquer freguês desconhecido. Seus sorrisos põem à mostra dentes bonitos, mas não apresentam traços de hospitalidade. São sorrisos medrosos, que só se manifestam porque a pessoa não tem outra saída. O medo diante do rapaz jovem que poderia abrir a porta e entrar no recinto – as bochechas ainda feridas pela barba festivamente tirada ainda há pouco, a jaqueta inflada pelo cinturão da morte – as leva a fumar um cigarro atrás do outro. Caminham com olhares de quem está no mundo da lua, erram na conta, deixam cair bandejas, mas ficam extremamente tensas a cada pessoa que entra e a recebem com um sorriso. No jargão delas: “o sorriso para a vida”.

Não lhes sai da cabeça a história do homem-bomba que, antes de se espatifar no ar, havia trocado olhares demorados com uma bela mulher. O schahid sonha com as 70 noivas maravilhosas que o esperam no paraíso, e o cálculo da garçonete é muito simples: Tem de haver a chance de um desses jovens se deixar cativar por seu sorriso encantador. Se as 70 beldades no paraíso o seduziram em direção à morte, conseguiria talvez uma única mulher bela, na Cidade Santa, conduzi-lo a um breve adiamento. Não pretendem que, numa decisão brusca, lance fora o cinturão da morte, mas esperam que caminhe um pouco mais adiante e se espatife no ar em outra parte. Em algum lugar onde nenhuma mulher bonita lhe dirija um sorriso. Esperam que as leis da natureza não sejam de todo desativadas.

Talvez uma fantasia ingênua de jovens estudantes aos 22 anos de idade, elas que financiam o estudo trabalhando como garçonetes. E esse trabalho, ao que parece, no centro de Jerusalém transformou-se numa das mais perigosas profissões do mundo. Elas simplesmente não acreditam que um homem, por força do sorriso de uma mulher bonita, possa se espatifar no ar, mas o Islã, sabe-se, costuma surpreender.

Na noite do último sábado, os copos balançaram no bar que freqüento, a luz tendo-se tornado algo mais oscilante, partículas de poeira misturando-se à fumaça dos cigarros. Dois terroristas acenderam seus estopins no centro da cidade. A cem passos da minha mesa, a cidade tornara-se um inferno. No bar aquecido, tudo era estarrecimento. De repente, ficou frio, mesmo com o aquecedor funcionando. Voz tranqüila, os homens tentavam pedir a conta, enquanto crispavam-se as fisionomias das mulheres. De repente, todos seguravam na mão o telefone e tentavam ligar. Todas as linhas estavam ocupadas.

A explosão tinha sido espantosamente barulhenta. Éramos quatro à mesa. Ranana tinha saído alguns minutos antes. Tinha pressa de chegar em casa, e nós tentávamos calcular de quantos minutos ela teria disposto antes da explosão. Em tais casos, um minuto dura uma eternidade. Discamos o número do seu celular. Todas as linhas estavam ocupadas.
Pouco antes da explosão, tínhamos recebido uma nova rodada de bebidas, mas ninguém se dispunha a beber. "Antes da explosão" parecia uma época muito distante no tempo. Pedimos a conta. Todos pediram a conta. Pela janela embaçada parecia que a cidade inteira tinha desaparecido e que, intacto, só havia restado o nosso bar. O bar ficava possivelmente na linha de tiro, mas todos queriam sair e ir embora. Parecia indelicado permanecermos sentados à mesa servida, enquanto lá fora era o inferno. Todos pediam a conta, mas as garçonetes estavam incapacitadas de realizar os cálculos. Conseguiam trabalhar, sorrir com esforço, mas não somar. Todos pediam a conta, ninguém queria sair sem pagar. Rara esta surpreendente lealdade, até mesmo amedrontadora talvez. Possivelmente, era o reconhecimento de que em tais momentos o dinheiro deixa de ter valor, e a vida também.

Keren havia nos servido, e esse era o motivo da paciência com que aguardávamos a conta. Keren estuda fotografia na Escola Superior de Arte Bezalel. Tem três irmãs. Duas delas também trabalham em locais do centro da cidade para financiar os estudos. A mais nova tem 14 anos e era muito provável que também se encontrasse agora no centro da cidade, pronta para sair. O núcleo central da cidade de Jerusalém é bem pequeno. Num raio de 150 metros, tudo se juntou desordenadamente. Enquanto fechava a conta, Keren também tentava fazer uma ligação telefônica.
Beber cerveja em Jerusalém agora é algo raro. Dois dias depois do ataque, eis-me de volta ao bar costumeiro. Keren e Tali estão atentas à minha chegada. O sorriso mecânico como que se lhes desaparece dos lábios. A mim não precisam receber com sorrisos. Eu não sonho com o paraíso. Sento-me normalmente a uma mesa junto à porta de entrada, mas, desta vez, procuro lugar no lado oposto, perto do toilette. Longe da explosão. Keren e Tali se dão conta disso. Para receber os fregueses, são obrigadas a permanecer em pé nas proximidades da porta. Keren pergunta: "O que houve?" Envergonhado, retorno ao meu lugar habitual. Difícil ter qualquer receio quando se olha para o rosto de uma mulher bonita.

O centro da cidade está vazio. As pessoas permanecem em casa. Não saem. No rosto da dona do estabelecimento também se acha escrita a penúria das garçonetes. Na noite do último sábado, Keren tinha 400 schekel em seu copo de gorjetas. Era um pouco antes da meia-noite, e a noite ainda prometia muito – até à explosão. Esta noite ela vai trabalhar oito horas, e trabalho pesado aliás. Serão oito duras horas de trabalho, com muito medo, pelas quais vai receber não mais que cem schekel.

Ouvi dizer que suicidas palestinos costumam beber cerveja antes do atentado. Soa talvez como um anúncio de cervejaria, mas a mim também acalma a cerveja. Bebo alguns goles e já não me preocupo mais. Se acontecer de entrar aqui um suicida palestino, sirvamos-lhe uma cerveja, eu digo a Keren. A cerveja parece tentadora. A espuma é branca e consistente, e são cintilantes as gotículas produzidas no copo pela condensação. Só um idiota haveria de recusar assim uma cerveja, eu digo, e isso logo depois do sorriso que terá recebido de Keren à entrada. Diante do sorriso dela e do copo de cerveja cheio, talvez se acreditasse já em pleno paraíso. E no paraíso ninguém detona bombas. Keren ri e diz que a cerveja sempre haveria de me soprar besteiras, mas esta noite agrada-lhe o meu nonsense. Esta noite até ela haveria de tomar uma cerveja com muito prazer. Ela também ouvira dizer do efeito tranqüilizante da cerveja, mas não tem permissão para beber durante o trabalho.

Keren é uma mulher jovem e bonita, com as duas pernas fincadas no chão, hábil e correta. Antes da bomba, tinha conseguido largar o cigarro. Agora fuma um atrás do outro, e tem de voltar a morar em casa dos pais. Com a situação que se instalou, não consegue pagar o aluguel. Um dia depois do atentado, os pais lhe pediram para abandonar o trabalho, mas em hipótese alguma ela gostaria que eles se afundassem em dívidas para que ela estude.

Keren quer que eu continue falando, e sobretudo devo convencê-la de que os schahids bebem cerveja antes da explosão. Se um homem-bomba entrar pela porta, sentar-se à mesa e comandar a cerveja que antecede a explosão, pelo menos temos tempo suficiente para levá-lo a entregar-se, ela diz. Tento refletir sobre o que, em tempo tão curto, seria capaz de seduzir um jovem a tomar a decisão mais importante de sua vida, mas não consigo mentir.

Da cozinha, observa-nos Achram, o cozinheiro. Ele mora no leste da cidade e não pode se aproximar para ouvir as nossas palavras. Achram é um homem sem idade. Seus traços poderiam ser tanto os de um sexagenário como os de um jovem de trinta anos. Com o salário mínimo que recebe por lei, precisa alimentar seis filhos, mas suas piadas são mais famosas do que suas iguarias, e Achram é um bom cozinheiro. Desde o atentado, ei-lo calado. A proprietária do bar cogita em empregar uma outra pessoa. Nos últimos tempos, muitos fregueses deixaram de comer ali, e ela receia que seja por causa do cozinheiro. Primeiro lhe pediu para não contar mais piadas. Depois, que absolutamente deixasse de falar. Ela acha que as pessoas poderiam ter medo de comer a comida de um cozinheiro muçulmano, ainda que saiba contar piadas. Mas, mesmo assim, Achram agora continua falando.

Há poucas semanas um homem-bomba palestino arrancou o seu cinturão explosivo em Haifa e entregou-se. Com isso, um atentado mortal pode ser evitado. Achram aponta para a oportunidade perdida. Em vez de aprisionar o homem-bomba arrependido, deveriam ter-lhe entregado um bom prêmio em dinheiro, capaz de lhe garantir uma vida segura. Muitos homens-bombas talvez seguissem-lhe as pegadas. O sorriso de Keren é encantador, ele diz, mas não oferece ao schahid qualquer futuro. Somente um futuro pode convencer, e o paraíso lhe acena como uma prova disso. No paraíso, o suicida encontra o seu futuro. Na maioria dos casos, esse suicida vive numa cabana de barro, num campo de refugiados. Ele é solteiro, não tendo ainda constituído família, e é provável que sua situação financeira o impeça terminantemente de fazê-lo. Sem futuro e sem esperança, por que o espanto com que se deixe seduzir pelas 70 virgens do paraíso.

Por mais que pessoalmente também acredite na força de um sorriso, Achram diz que não se pode alterar o humor de um suicida em poucos minutos. Mas acha que se poderia tentar demover milhares de suicidas com alguns passos simples. Se um palestino vê os gramados regados nos acampamentos, enquanto a família sofre com pedras nos rins por causa da falta de água, por que nos admirarmos de se ver forçado a praticar um ato de desespero? Quando ele próprio admite fazer o papel de bomba em movimento, impossível fazê-lo ter medo das armas. Mas seria possível fisgá-lo por meio da tentação. A verdade é que ele espera sanar suas necessidades no paraíso. Bom seria que tivesse menos necessidades. Em vez de um copo de cerveja, melhor seria se dispusesse de água corrente em sua casa? Achram sempre soube contar muito boas piadas.

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Avraham Chasson vive como escritor e ensaísta em Jerusalém. Seu último lançamento foi um volume de narrativas “Abu Badjis desfruta da vida”.

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