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Contos-->GUSTAVO, O CEGO -- 13/02/2001 - 23:08 (Marta Rolim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Em terra de cego quem tem um olho é pária,
assim dizia Gustavo, enquanto tomava
sua coca-cola gelada, fechando os olhos
pra não ver nada mesmo. Pra que enxergar,
pra ser torturado e morto feito Cristo?
Preferia seguir tomando a sua coca-cola gelada,
sempre coca-cooola!
O cigarro era o Marlboro,
afinal ele tinha nascido na cidade,
num cubículo de apartamento, por isso mesmo
era quase imprescindível se imaginar
soberano dos extensos vales e das majestosas montanhas inacessíveis. O cara que dominava as forças impetuosas da natureza com seu braço e o temperamento varonil, mesmo que tudo que ele fizesse de manhã era forçar uma janela emperrada que dava para o paredão do prédio ao lado. Mas ele fumava Marlboro! Podia até sentir o cheiro dos cavalos selvagens e se pendurasse o corpo pela janela e olhasse para o abismo estreito que descia até o térreo, quase podia ver as cabeças de gado mugindo, esperando que ele fosse conduzi-las ao pasto, o de asfalto, da avenida dupla que se estendia a perder de vista, distante duas quadras dali.

Não, mas uma coisa ele fazia questão de manter
e cultivar: sua originalidade. Original ele era.
E por original se entenda trazer suvenirs de vários lugares do mundo. Sim, ele tinha cinzeiros feitos por índios mexicanos; um poncho e um anel em pedra de lápis lázuli trazidos do Chile; uma filmadora dos Eua; e consumia doce de leite e whisky do Paraguai. Podia não ter muito dinheiro, mas tinha viajado bastante em grupos de excursão, com amigos, e sua cultura era de fazer inveja a muito intelectual. Seu programa predileto: Jô Soares Onze e Meia e, mais recentemente,
Programa do Jô. É sem acento? Você está certo disso?(de vez em quando assistia ao Show do Milhão e acertava todas!) Claro, um cara culto gosta do Programa do Jô e assiste a programação Global! Pelo menos ele pensava assim, ele, Gustavo, um cara culto. Em se tratando de livros,
a originalidade aumentava: ele tinha lido os filósofos gregos, as obras completas de Freud, Kafka, Nietzsche, Schopenhauer e Sartre; tinha lido João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa,
Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz e uma infinidade de outros notáveis, tudo entre um gole e outro de coca-cola e entre uma tragada e outra de seu Marlboro.

Trabalhar como todo mundo, trabalhava, pegava ônibus e tudo, mas se alguém lhe fizesse uma pergunta, boba que fosse, dava uma aula expositiva, usava fartamente sinônimos,
incluía um vocábulo especial no meio da dissertação, adorava dizer privilégio e conjugar apropinquar. Mas a questão é que Gustavo fazia isso só pra não enxergar, como todo mundo na terra dos cegos faz. Ele lá queria ter um olho que
vé? Um olho como Cristo teve, um olho de Galileu, um olho de Joana D arc? Não, melhor era ver o que os outros vêem, nada mais. Ele lá queria ter um olho de Einstein pra fazerem da paz uma bomba atômica? Não, bendita ignorância, bendita cegueira. E seguia abrindo sua janela para o paredão e vivendo no seu cubículo, fumando Marlboro e tomando Coca-cola gelada.

Por Marta Rolim

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