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Contos-->O TEMPO DOS ANJOS -- 30/01/2007 - 09:17 (Silvio Romero Monteiro Alves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O espaço de organização social tradicional parece estar doente: as pessoas se queixam da falta de comunicação na família, nas empresas e nas comunidades; espaço em que se vive em solidão organizada, com as comunicações fragilizadas e os sentimentos vivenciados de forma não compartilhada.
Assim tem-se a “oportunidade de construir novos tipos de comunidade, comunidades virtuais, nas quais participamos juntamente com outras pessoas de todos os cantos do mundo, pessoas com quem dialogamos diariamente, com quem podemos estabelecer relações bastante íntimas, mas que talvez nunca venhamos a encontrar fisicamente” . (1)
Desse novo contexto social decorrem novos mecanismos de participação, de negociação, de comunicação, de decisão, de afetividade e, até mesmo, de novos excluídos, que sugere uma nova possibilidade de relacionamento, aparentemente segura e sem conflito, contrapondo-se ao mundo real em que os choques e as decepções se multiplicam. A partir desse pressuposto, pode-se inferir que a Internet é um importante sistema de estruturação da sociedade contemporânea.
É neste cenário que se passa a história narrada a seguir.

Os dias se passavam lentos, muitas noites insones. Ele, aprendiz de poeta – de um romantismo crônico –, ia levando a vida seguindo os acenos azuis das ilusões, de sonhos tão docemente sonhados, apesar de já apresentar sinais de cansaço por carregar o inconcebível fardo de amores vãos e do peso dos anos entre espinhos vividos. Mas acredita que o sentido da vida está no amor, é frágil, menino dominado por intenso sentir.
Ela, noites breves consumidas entre deliciosas iguarias, saborosas taças de vinho, dias prodigalizados em reconfortantes viagens, em intermináveis momentos à frente da telinha de um ‘micro’, amante da mãe terra, seguia levando consigo a pungente beleza juvenil; é forte, menina alegre que o sobrepõe em força e domínio.

Quis a vontade do destino que essas almas desiguais, que de tão desiguais fossem atraídas uma para a outra, completando-se; cada uma a preencher os vazios que talvez nem mesmo elas conhecessem, cantando no mesmo tom, em allegro ,(2) a contagiante canção do amar.
Mas o que seria o destino? Uma fatalidade? Uma viagem pelo caminho da vida? Um decreto pré-escrito pela divindade? Aquilo que a providência construiu para cada um? Um condicionamento de nascença? Não se sabe...
Foi assim: Na casualidade do mundo virtual essas almas se depararam, estabeleceram amizade que o tempo as tornou muito próximas. Tão próximas que varavam a madrugada em longas conversas plurais, em incontáveis correspondências eletrônicas. E assim foram construindo, paulatinamente, com inusitado carinho, o ambiente para o almejado momento do encontro real (quem sabe se não estavam se olhando até despretensiosamente uma pra outra?).
Na sutileza do seu imaginário ele a fez mergulhar no lago manso de ternas palavras. Tal um pai, com o peito exultante de alegria conduz a filha pequenina ao parque, numa tarde de domingo ensolarado, ele a foi guiando pelos mágicos e cintilantes caminhos do amar.
Ela, em aparente aceitação de seu poetar ─ que se expressava sem artifício, sem intenção de enganar – passou a ver nele um ‘anjo’ e a fazê-lo acreditar-se um anjo-homem-poeta; e, talvez por nunca haver conhecido um ‘anjo’ com tamanha capacidade de amar, assustou-se!
Ao que ele dizia:
─ Não te assustes. Nunca pretendo fazer-te mal. E lhe fez estes versos:

Um anjo, menina-mulher,
de asas matizadas de azul,
na brisa suave do vento sul,
veio até mim.
Trazia consigo a promessa de um amor sem fim,
um amor ardente,
que na pureza de meu amar,
arquitetou o instante presente.
Deixou nesse voar
uma perspectiva de paz,
uma doação de alma,
um êxtase de corpos em perfeita sincronia.
Na crença dessa promessa angelical,
vou plasmando meu existir.
Quero em suas asas me agasalhar,
por um fim à minha solidão e,
para sempre, com ela ficar.


Insistia ela:
─ Aprenderei, meu amor, a administrar tal temor.
─ Ah! Como são funestas as paixões! - Pensava ele.
─ “São como os ventos que enfunam as velas de um barco” – interveio Voltaire.(3) “Elas o submergem às vezes, mas sem elas não se poderia singrar”.
Mas, voltemos aos protagonistas dessa história.
Tudo parecia tão real, era tão forte, em perfeita identidade...
Ela, brincando, provocando-o, tomando-o com carinho, massageou-o tanto virtualmente, sem se aperceber que poderia estar maltratando-o, matando-o. Sim, porque muitas vezes se fez de desentendida. O versejar desse ‘anjo’ estava meigamente envolvendo-a; e ela, já imaginara como é melancólico o sofrer poético. E repetiu:
─ Pois é isso que tem me assustado a cada dia, mas vou aprender a administrar tenho certeza. Nos acostumamos principalmente com as coisas boas.
O tempo dos anjos é o mesmo dos aprendizes de poeta? – pensou ele. E mais uma vez recordou os escritos do filósofo:
─ “Qual é de todas as coisas do mundo, a mais longa e a mais curta, a mais rápida e a mais lenta, a mais divisível e a mais extensa, a mais negligenciada e a mais lamentada, sem que nada se possa fazer, que devora tudo que é pequeno e que vivifica o que é grande?.
..............................................
─ O tempo.
─ Nada é mais longo – acrescentou − porquanto é a medida da eternidade; nada é mais curto, porquanto falta a todos os nossos projetos; nada mais lento para quem espera; nada mais rápido para quem desfruta a vida; estende-se em grandeza até o infinito; divide-se até o infinito da pequenez; todos os homens o negligenciam, todos lamentam sua perda; nada se faz sem ele; faz esquecer tudo que é indigno da posteridade e imortaliza as grandes coisas “ .(4)
Tentando afugentar o injustificável medo de sua amada, ele lhe falou:
─ Se lhe digo, “anjo”, que estou amando, você compreende facilmente o que quero lhe dizer e forma uma concepção bem próxima de minha verdade interior. Entretanto, jamais poderá essa sua idéia igualar-se às desordens e agitações de minha paixão.
─ Você me deixa envergonhada. – retrucou ela.
Assim, iam caminhando, comungando, compartilhando, sendo cúmplices, o homem-poeta-anjo e a menina-mulher-anjo de asas matizadas de azul. A troca de carinhos entre eles aumenta e o aprendiz de poeta, em inconseqüente repetição:
─ Te amo!
─ Te adoro! – timidamente dizia ela.
Seus corpos num magnífico pulsar sentiram o instante da entrega. E ela, transformando-se em mulher, sente-se umedecida pelo desejo incontido, numa caridade celestial, quer dar seu corpo angelical. E ele, também cheio de desejos, a recebe em seus braços frágeis, tornando-a sua amada-amante.
Ela, mesmo assustada com esse amor, encontrou o orgasmo. E ele, retomando a sua condição de viajante do vazio, parece ter descoberto o nada.
Imerso em sua própria incompletude, em dorido e mudo versejar, se martiriza:

Por que houvera Deus
Capaz de tudo imaginar
Plasmar em mim
De maneira tão flagrante
A realidade do nada?

Com mal contida resignação, sozinho no silêncio da noite maldizendo seu destino adormeceu e, mais uma vez, sonhou com um anjo-menina-mulher de asas matizadas de azul.



__________________
(1)BELONI, Maria Luiza. Educação a Distância. 2 ed. São Paulo: Autores Associados. 2001, p.66
(2)Composição musical que se toca com andamento alegre e vivo.
(3)Pseudônimo de Françoise-Marie Arouet, poeta, contista, romancista, teatrólogo, historiador, membro da Academia Frances.
(4)Voltaire, in Zadig. Coleção Grandes Pensadores Universal. São Paulo: Escala, p.99-100

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