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Cronicas-->MINHA AMIGA HELOíSA TAMBÉM "FICOU" -- 25/09/2004 - 13:05 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




MINHA AMIGA HELOíSA TAMBÉM "FICOU"
Crónica urbana

Juan de la Ville
25 de setembro de 2004

Naquela semana aconteceram muitas coisas. Ela tinha acabado de entrar num concurso para o Superior Tribunal de Justiça. Estava muito contente. Tinha passado meses e meses se preparando. Agora achava que valeu a pena. Comprou apostilas. Era uma jovem de 22 anos. Já tinha curso superior e pretendia investir em si própria. Antes de mais nada, ter uma vida independente sem precisar de recorrer à grana de seu pai. Pelas suas contas, iria ganhar uns quatro mil e quinhentos reais se aprovada no concurso. Então, aí, sim, poderia ser a moça autónoma e independente como tantas garotas de sua idade. Poderia divertir-se muito. Compraria entradas para assistir aos grandes programas musicais e teatrais do Teatro Nacional. Pagaria o aluguel de um apartamento só para ela e teria seu carro. Poderia passear sozinha ou bem acompanhada pela nova ponte do Lago, curtir bons restaurantes e gozar a vida, sossegada como uma bela burguesa.
Neste momento parece que já tinha um claro projeto de vida. Embora projeto relativo limitado ao consumo, era o projeto ambicionado por toda as jovens de sua idade. Era a tendência do momento...
Heloísa estava nesta fase mais voltada para um comportamento de consumidora epicurista. A história dos homens conhece já as etapas deste comportamento. Mas para Heloísa tudo era novo. Seus desejos eram vivos e irresistíveis e dominavam sua mente. Ela era a expressão do meio. Os jovens de sua idade pensavam em gozar a vida, experimentar as coisas. Acho que na realidade como sempre foi, de uma maneira ou de outra.
Agora o chique era "ficar". O que era "ficar" para ela e para os de sua geração? O que era "ficar" para as mamãezinhas e para os papaizinhos? Em termos gerais, "ficar" era uma experiência de liberdade. Mais do que tudo era isto. Liberdade de ser e liberdade de agir, de paquerar ou de namorar de passagem, sem compromisso. Aproveitar um convite para sair, um show aqui, uma boate ali, um churrasco entre amigos, uma curtição, um bom restaurante num final de semana. Experimentar sem compromisso seus candidatos a namorado. Seu estilo caminhava por aqui. Nada que a preocupasse em termos de outra escala de valores que significassem religião, comportamento resguardado, preservação para o futuro, família ou outros.
E assim enquanto não vinha o resultado do concurso ela já ia mostrando o que gostava fosse sua cabeça. Ainda não tinha adquirido o estatuto da liberdade e da autonomia. Mas tinha acertado sua idéia básica. Seu último namoro de poucos anos terminou. Agora estava disponível para saber bem e experimentar esse negócio de "ficar". Suas amigas. estavam centradas nessa idéia móvel do "ficar". A cabeça de Heloisa foi mobilizada também para o "ficar"...Começou a sair de sexta a domingo, vidrada no programa de "ficar", adotando a idéia que dominava a cabeça de suas amigas. As saídas eram preparadas já dentro desta idéia-fixa. Durante a semana entre segredinhos, fuxicos e informações, elas traçavam o programa dos três dias finais da semana,em detalhe, e também de algum dia especial durante a semana, se acaso surgisse.. Qualquer fato novo era anotado e discutido, fosse show, fosse reunião, fosse churrasco ou badalação em boate.
A idéia de "ficar" passou portanto a reger também sua cabeça. "Ficar...ficar...ficar"... A força do estatuto do "ficar" tinha virado código: "experimentar sem compromisso, sem ter que continuar no dia seguinte"... Aliás um advogado do Tribunal de Justiça comentara com a mãe de Heloísa que "ficar" aparece hoje como um reflexo da liberação do comportamento sexual". Parece que esta é uma idéia importante na semàntica social e antropológica do verbo "ficar" e a verdade é que os pais e responsáveis pelos jovens já se foram habituando à idéia do "ficar". Não quer dizer que "ficar" seja uma idéia que exprima um comportamento unitário ou único entre os jovens paqueradores ou flertadores. Os assim chamados "ficantes" e "ficados" constroem seus comportamentos de maneira diferenciada, por vezes. Reagindo à idéia do clássico namoro que acontecia como uma aproximação entre enamorados e que significava um caminho para o casamento, uma parte dos jovens de hoje se diverte sem pensar em compromisso sério. Quer só "ficar".
A verdade é que Heloísa quando terminou seu último namoro, não tinha nenhuma idéia de casamento em pauta. Também não queria dar à família a falsa idéia de que seu namoro era dirigido para futuro casamento. Era por isso que agora teimava em se associar às experiências do "ficar". Fazia isso, sem no entanto ser escrava de uma idéia de moda. Continuava com uma personalidade forte e mesmo aderindo à idéia do "ficar", era observando e ia testando suas experiências. Como moça inteligente, sabia que este negócio de "ficar" era só uma "terminologia de moda". Havia lido que esse negócio de "ficar" era uma palavra que não dava novidade nenhuma em termos de comportamento social. Não seria novidade nem sequer na vida moderna nem na crónica social. Lera que homens e mulheres de todas as idades, de todos os tempos, nunca fizeram senão isto. Divertiam-se, buscando aproximações que podiam ser transitórias ou duradouras. Em todos os tempos houve a paquera ou o flerte como aproximação e tentativa de sedução. E isso era algo que se aproximava da idéia geral do "ficar". Havia o encontro breve, o conhecimento "relàmpago", a curtição de uma experiência, o encontro de um dia, de uma noite, de uma semana. Coisa de gregos e romanos, de iànquis, de brasileiros, de japoneses, de europeus, na década de sessenta, de setenta...em pleno século XX. Heloísa admite isso.
Sempre pensou, aliás, que não há muitas novidades debaixo do sol. Que sempre os homens e as mulheres tiveram este comportamento. Que estes comportamentos pertencem à estratégia da sedução. Estratégia ditada pela natureza da atração e do encontro, com compromisso ou não. Também o pai de Heloísa havia lhe falado já sobre o flerte antigo e sobre a paquera. "Ficar", por isso, era uma forma passageira de aproximação entre homem e mulher, sem compromisso. De momento, sua cabecinha se engraçava com a mística do "ficar". Era uma doideira juvenil esta. A doideira do "ficar". Uma geração que criou seu próprio termo para um comportamento costumeiro em sociedades humanas..
Coerente com sua idade e sua idéia, Heloísa continua saindo com amigas para se divertir e já aceitou "ficar" com vários caras, em sucessivas aventuras, Caras que conheceu em boates, em ajuntamentos juvenis ou em encontros casuais. Nenhum deles até hoje "ficou" mais de uma semana com ela. Pura experiência...
Heloísa apesar de adorar divertir-se e de colocar um enorme prazer em experimentar o gosto da liberdade sexual, tem um traço especial que caracteriza sua personalidade. Esse traço consiste em fazer de Heloísa uma pessoa pouco dada a certezas. Ela nunca tem certeza de nada e não é indiferente ao seu futuro. Sua maturidade a leva a preocupar-se sempre sobre o que faz e gosta de pensar sobre as lições que lhe dão seus comportamentos. Analisa-se minuciosamente. Não é de cabeça leve. Ela relata casos de amigas suas que praticaram o "ficar" e que saíram machucadas de alguns encontros. Preocupa-se com isso. E não quer repetir a história de algumas de suas amigas. Outras lamentaram para ela que o "ficar" em certos ambientes entre jovens era mais uma permissividade do que um encontro entre pessoas. Heloísa pensa nisto e mostra-se algumas vezes perplexa.
Por outro lado, outra coisa que preocupa Heloíse é que este jogo do "experimentar" possa levar a um comportamento mecànico, misturado de algum cinismo. Ela acha que certas colegas estão mais ou menos neste caminho. Frias, curiosas, prontas para "ficar" mas com pouca alma, com pouca emoção. Heloísa teme perder um certo sentido romàntico da vida que tem como uma qualidade própria de seus 22 anos. Não gostaria de banalizar-se nas relações humanas e sexuais convertendo esse "ficar" em mais uma noite, em mais um dia, em conhecer mais um sujeito ou mais um gato, mais interessante ou menos interessante e que se vai perder na fila incessante do "ficar" que não equivale a "permanecer"...A grande preocupação de Heloísa e que já demonstra uma maturidade acima de sua idade é "acostumar-se" e tirar como fruto negativo deste "acostumar-se" algo que possa identificar-se com indiferença, solidão, que poderá vir mais tarde, e, pior ainda, entrar na carência, na desolação e na depressão...Tem amigas que lhe contaram que já passaram pela solidão e pela depressão...Heloísa "fica" e se diverte mas não curte assim despreocupadamente...Ela está se interiorizando. Sua intimidade já a faz refletir, depois de experiências várias do "ficar"... E os ciúmes??? Ela tem também relatos de amigas que mesmo curtindo o "ficar" que classificam de experiência transitória, ficam roídas de ciúmes...Ora, pensa Heloísa: qual é a lógica dos ciúmes num comportamento que eu própria estou classificando de passageiro e sem compromisso??? Será que isso significa que eu já estou "amarrada" inconscientemente??? Pois é. Embora raramente, o "ficar", mesmo com a característica de encontro transitório, também "amarra" e produz ciúmes.
Enfim, esta está sendo uma grande experiência para Heloísa, minha amiga, que me conta tantas e tantas coisas!

Brasília
25 de setembro de 2004
Juan de la Ville
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